versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.23 no.3 Rio de Janeiro mar. 2018
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018233.25492015
Com o processo de envelhecimento humano ocorrem algumas alterações fisiológicas e funcionais no organismo que podem predispor o acúmulo de gordura1. Estatísticas oriundas da base de dados do Vigitel – Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por Inquérito Telefônico apontaram um aumento do excesso de peso (42,8% a 48,5%) e obesidade (11,4% a 15,8%) na população adulta e idosa do Brasil, no período de 2006 a 20112. Especificamente entre os idosos brasileiros, estudo verificou prevalência expressiva de excesso de peso (32,7%) e obesidade (12,4%)3, o que denota a importância de se discutir os aspectos relacionados a essa condição, visando focalizar estratégias de monitoramento e acompanhamento do estado de saúde nesse seguimento populacional.
Apesar do processo de envelhecimento corroborar para a ocorrência do excesso de peso, alguns autores identificaram que, conforme a faixa etária aumenta, a proporção de idosos nessa condição diminui3,4. Este dado pode ocorrer devido ao maior risco de mortalidade entre idosos com excesso de peso, antes de atingirem idades mais avançadas1. Outra possível explicação está relacionada às alterações das medidas antropométricas que, com o passar dos anos1, pode ocasionar uma subestimação do diagnóstico de excesso de peso em idosos mais velhos.
O excesso de peso nos idosos pode gerar condições desfavoráveis de saúde. Inquéritos realizados com essa população têm verificado associação do excesso de peso/obesidade com a hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus5,6, incontinência urinária7, doenças osteoarticulares8 e maiores chances de incapacidade funcional9,10; porém, a maioria das investigações5,7-9 foi desenvolvida na zona urbana. Embora a literatura tenha sugerido impacto do excesso de peso sobre a qualidade de vida (QV) de idosos1,11,12, até o momento não foram identificados estudos que avaliassem essa associação por meio de instrumento específico para esta faixa etária.
Cabe ressaltar que as limitações de transporte, distância dos recursos sociais e de saúde e a renda desfavorável podem dificultar o acesso dos idosos rurais ao serviço de saúde13. Infere-se que esse aspecto pode contribuir para mais dificuldades no cuidado direcionado à prevenção do excesso de peso corporal. Corroborando com esses achados, investigação realizada com idosos rurais residentes no mesmo município deste estudo, com o propósito de identificar a prevalência da adequação à alimentação saudável, verificou uma tendência de padrão alimentar inadequado no tocante à ingestão de legumes, frutas e verduras e ao consumo de leite e carnes magras14. Além disso, os autores identificaram uma prevalência elevada de excesso de peso nessa população (34,4%)14.
Considerando a ocorrência significativa de excesso de peso entre idosos rurais14, bem como a possibilidade de restrições na atenção à saúde dessa população13, emergiu o interesse desta investigação. O conhecimento da associação do excesso de peso com as condições de saúde e qualidade de vida de idosos em áreas rurais permite dimensionar a problemática nesse contexto e, portanto, reforçar a importância de ações de saúde que considerem as peculiaridades da população rural.
O objetivo deste estudo foi verificar a associação do excesso de peso com a presença de incapacidade funcional, as morbidades autorreferidas e a QV de idosos residentes em áreas rurais.
Trata-se de um estudo quantitativo, transversal e analítico realizado pelo Grupo de Pesquisa em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), na zona rural do município de Uberaba-MG. Para compor a população obteve-se a lista em junho de 2010 contendo o nome, endereço e número de idosos cadastrados nas Equipes de Saúde da Família (ESFs) que possuem 100% de cobertura na área rural, neste município.
Para a presente pesquisa foram incluídos os idosos com 60 anos ou mais, sem declínio cognitivo, que residiam na área rural, cadastrados nas ESFs, que aceitaram participar do estudo e que estavam aptos à realização dos testes antropométricos.
De uma população de 1.297 idosos, foram excluídos 735, em virtude da impossibilidade de aferição do peso e/ou altura, restringindo o cálculo do índice de massa corporal (IMC) (288), mudança de endereço (117), declínio cognitivo (105), recusa (75), não encontrado após três tentativas do entrevistador (57), óbito (11), hospitalização (3) e outros motivos como não residir na cidade (79). Assim, foram entrevistados 562 idosos, dos quais 192 apresentavam excesso de peso e 370, não.
As entrevistas foram realizadas por 14 entrevistadores no período de junho de 2010 a março de 2011. Contou-se com a colaboração dos Agentes Comunitários de Saúde para a localização da residência dos idosos e obteve-se a autorização da Secretaria Municipal de Saúde para a realização da pesquisa.
Antes de iniciar a entrevista, foi feita a avaliação cognitiva por meio do Mini Exame do Estado Mental, versão validada no Brasil15.
Para a coleta dos dados socioeconômicos e de saúde, aplicou-se instrumento baseado no Questionário Brasileiro de Avaliação Funcional Multidimensional (BOMFAQ)16. Foram inseridas questões referentes a medidas antropométricas (peso e altura) para cálculo do IMC. Para mensuração do peso, foi utilizada balança eletrônica digital portátil, tipo plataforma, marca Bioland, com capacidade para 150kg e precisão de 100g, com o idoso descalço e usando roupas leves. A estatura foi aferida utilizando fita métrica flexível e inelástica, fixada na parede em um local plano e regular, sem rodapé; o idoso permaneceu descalço, em posição ortostática, com os pés unidos, de costas para o marcador, com o olhar para o horizonte. O IMC foi calculado utilizando-se a fórmula IMC = Peso (Kg)/[Estatura]2 (m), a partir dos valores de peso e estatura. A classificação do estado nutricional foi realizada por meio do IMC, recorrendo às recomendações para a classificação de excesso de peso específica para a população idosa (IMC > 27kg/m2)17.
O Índex de Katz, validado no Brasil18, foi utilizado para avaliar a capacidade funcional nas Atividades Básicas da Vida Diária (ABVD), tais como: banhar-se, vestir-se, higienizar-se, mobilizar-se, ter controle sobre as eliminações e alimentar-se. O desempenho de Atividades Instrumentais da Vida Diária (AIVD) foi medido pela versão adaptada no Brasil da Escala de Lawton e Brody19, que avalia as atividades: usar o telefone, fazer compras, ir para locais distantes, fazer as refeições, arrumar a casa, realizar trabalhos manuais domésticos, lavar e passar, tomar remédios adequadamente e cuidar das finanças. Em ambas as escalas, a incapacidade funcional foi considerada quando o idoso referiu não conseguir realizar determinada atividade.
Para a QV utilizaram-se os instrumentos World Health Organization Quality of Life – BREF (WHOQOL-BREF)20 e World Health Organization Quality of Life Assessment for Older Adults (WHOQOL-OLD)21, ambos validados no Brasil.
O WHOQOL-BREF, instrumento genérico, é constituído por quatro domínios: físico (dor e desconforto; energia e fadiga; sono e repouso; atividades da vida cotidiana; dependência de medicação ou tratamentos e capacidade de trabalho); psicológico (sentimentos positivos; pensar, aprender, memória e concentração; autoestima; imagem corporal e aparências; sentimentos negativos; espiritualidade, religiosidade e crenças pessoais); relações sociais (relações pessoais; suporte social e atividade sexual); meio ambiente (segurança física e proteção; ambiente no lar; recursos financeiros; cuidados de saúde e sociais; disponibilidade e qualidade; oportunidade de adquirir novas informações e habilidades; participação e oportunidade de recreação/lazer; ambiente físico: poluição, ruído, trânsito, clima e transporte)20.
O WHOQOL-OLD, específico para idosos e complementar ao WHOQOL-BREF, possui seis facetas: funcionamento dos sentidos (avalia o funcionamento sensorial e o impacto da perda das habilidades sensoriais na QV); autonomia (refere-se à independência na velhice, descreve até que ponto se é capaz de viver de forma autônoma e tomar as próprias decisões); atividades passadas, presentes e futuras (descreve a satisfação sobre conquistas na vida e anseios); participação social (participação em atividades cotidianas, especialmente na comunidade), morte e morrer (preocupações, inquietações e temores sobre a morte e morrer); e intimidade (avalia a capacidade de se ter relações pessoais e íntimas)21.
As variáveis avaliadas foram: sexo; faixa etária; estado conjugal; arranjo de moradia; escolaridade; renda individual mensal; capacidade funcional nas ABVD e AIVD; morbidades; e QV.
As entrevistas foram revisadas por supervisores de campo e, quando havia questões inconsistentes ou não preenchidas, procedeu-se à correção.
Os dados foram digitados por duas pessoas, em dupla entrada, em uma planilha eletrônica no programa Excel; a consistência entre as duas bases de dados foi analisada. Os dados foram transportados para o software Package for the Social Sciences (SPSS), versão 17.0, para o processamento e análise.
Realizou-se análise descritiva, por meio de frequências absolutas e percentuais, testes qui-quadrado e Mann-Whitney (p < 0,05). Para o ajuste das variáveis sexo e idade utilizaram-se as análises de regressão logística e linear múltipla (p < 0,05).
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UFTM. Aos idosos, abordados no domicílio, foram apresentados os objetivos da pesquisa e fornecidas as informações pertinentes. Após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, procedeu-se a entrevista.
A maioria dos idosos com excesso de peso era do sexo feminino, e aqueles sem excesso de peso, do masculino. Em ambos os grupos, predominaram indivíduos com 60├ 70 anos, casados ou que moravam com companheiro, 4├ 8 anos de estudo e renda mensal de um salário mínimo. Destaca-se que o percentual de idosos mais velhos sem excesso de peso foi superior àqueles com excesso de peso (Tabela 1).
Tabela 1 Distribuição de frequência das variáveis sociodemográficas, econômicas e de saúde dos idosos sem e com excesso de peso, residentes na zona rural. Uberaba, Minas Gerais, Brasil, 2011.
Variáveis | Excesso de peso | ||||
---|---|---|---|---|---|
| |||||
Sem | Com | ||||
| |||||
N | % | N | % | ||
Sexo | Masculino | 210 | 56,8 | 91 | 47,4 |
Feminino | 160 | 43,2 | 101 | 52,6 | |
Faixa etária | 60├ 70 | 216 | 58,4 | 136 | 70,8 |
(em anos) | 70├ 80 | 116 | 31,4 | 47 | 24,5 |
80 e mais | 38 | 10,3 | 9 | 4,7 | |
Estado | Nunca se casou ou morou c/companheiro(a) | 27 | 7,3 | 19 | 9,9 |
Conjugal | Mora com o esposo(a) ou companheiro(a) | 251 | 67,8 | 130 | 67,7 |
Viúvo | 64 | 17,3 | 33 | 17,2 | |
Separado | 28 | 7,6 | 10 | 5,2 | |
Arranjo de | Só | 58 | 15,7 | 32 | 16,7 |
Moradia | Somente com o cônjuge | 172 | 46,5 | 101 | 52,6 |
Com outros de sua geração (com ou sem o cônjuge) | 42 | 11,4 | 13 | 6,8 | |
Com filhos (com ou sem o cônjuge) | 76 | 20,5 | 31 | 16,1 | |
Com netos (com ou sem o cônjuge) | 15 | 4,1 | 13 | 6,8 | |
Outros arranjos | 7 | 1,9 | 2 | 1 | |
Escolaridade | Sem | 82 | 22,2 | 32 | 16,7 |
1├ 4 | 110 | 29,7 | 64 | 33,3 | |
4├ 8 | 146 | 39,5 | 79 | 41,1 | |
8 | 13 | 3,5 | 8 | 4,2 | |
9 e mais | 19 | 5,1 | 9 | 4,7 | |
Renda Individual (Em salários mínimos) * | Sem renda | 28 | 7,6 | 32 | 16,7 |
< 1 | 10 | 2,7 | 10 | 5,2 | |
1 | 180 | 48,6 | 77 | 40,1 | |
1├ 3 | 129 | 34,9 | 56 | 29,2 | |
3├ 5 | 16 | 4,3 | 14 | 7,3 | |
> 5 | 6 | 1,6 | 3 | 1,6 |
* Salário mínimo no período da coleta: R$ 510,00 a R$ 545,0022.
O excesso de peso esteve associado às morbidades: artrite/artrose (p = 0,002), hipertensão arterial sistêmica (p < 0,001), má circulação (p = 0,009), problemas cardíacos (p = 0,028), diabetes mellitus (p = 0,001), acidente vascular encefálico (p = 0,044) e incontinência urinária (p = 0,032); mesmo após o ajuste (Tabela 2).
Tabela 2 Distribuição dos idosos da zona rural sem e com excesso de peso segundo as morbidades autorreferidas. Uberaba, Minas Gerais, Brasil, 2011.
Morbidades | Excesso de peso | X2 | p | OR (IC 95%) | p* | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
| ||||||||
Sem | Com | |||||||
| ||||||||
N | % | N | % | |||||
Reumatismo | 78 | 22,0 | 47 | 26,1 | 1,11 | 0,293 | 1,33 (0,87-2,04) | 0,184 |
Artrite/artrose | 84 | 23,4 | 69 | 37,9 | 12,54 | <0,001 | 1,94 (1,29-2,92) | 0,002 |
Osteoporose | 52 | 14,2 | 29 | 15,7 | 0,211 | 0,646 | 1,03 (0,61-1,74) | 0,905 |
Embolia | 8 | 2,2 | 4 | 2,1 | 0,00 | 0,979 | 1,14 (0,33-3,92) | 0,834 |
Hipertensão arterial sistêmica | 167 | 45,3 | 127 | 66,1 | 22,09 | <0,001 | 2,52 (1,72-3,67) | <0,001 |
Má circulação (varizes) | 87 | 23,5 | 69 | 36,3 | 10,24 | 0,001 | 1,71 (1,14-2,57) | 0,009 |
Problemas cardíacos | 56 | 23,6 | 60 | 31,4 | 3,99 | 0,046 | 1,56 (1,05-2,33) | 0,028 |
Diabetes mellitus | 28 | 7,7 | 32 | 16,8 | 10,98 | 0,001 | 2,46 (1,41-4,28) | 0,001 |
Acidente vascular encefálico | 9 | 2,4 | 11 | 5,7 | 4,00 | 0,045 | 2,55 (1,03-6,36) | 0,044 |
Incontinência urinária | 41 | 11,1 | 33 | 17,2 | 4,12 | 0,049 | 1,74 (1,05-2,89) | 0,032 |
Problemas de coluna | 201 | 54,5 | 117 | 60,9 | 2,15 | 0,143 | 1,23 (0,86-1,77) | 0,256 |
Tumores malignos | 7 | 1,9 | 2 | 1,0 | 0,58 | 0,446 | 0,67 (0,14-3,30) | 0,667 |
Tumores benignos | 10 | 2,7 | 6 | 3,1 | 0,08 | 0,775 | 1,04 (0,37-2,96) | 0,936 |
*Ajustado para sexo e idade.
No que se refere à relação da incapacidade funcional nas ABVD, não foi possível verificar a sua associação com excesso de peso, visto que apenas sete idosos (1,2%) apresentaram esta condição. Já para a incapacidade funcional nas AIVD, verificou-se que, entre os idosos sem excesso de peso, 12,2% referiram pelo menos uma incapacidade, e 10,9% para aqueles com excesso de peso; porém sem diferença significativa entre os grupos (p = 0,729).
Observou-se que a maioria dos idosos considerou a QV boa, entre aqueles sem (59,7%) e com (60,9%) excesso de peso. Ambos os grupos declararam estar satisfeitos com sua saúde – sem (62,2%) e com excesso de peso (59,4%). Quanto aos domínios e facetas da QV, observou-se que os idosos sem e com excesso de peso apresentaram maiores escores no domínio relações sociais e na faceta intimidade, e menores escores no domínio meio ambiente e na faceta participação social (Tabela 3).
Tabela 3 Distribuição da média dos escores de QV, WHOQOL-BREF e WHOQOL-OLD, de idosos da zona rural sem e com excesso de peso. Uberaba, Minas Gerais, Brasil, 2011.
Excesso de peso | Z | p | β | p* | ||
---|---|---|---|---|---|---|
| ||||||
Sem Média | Com Média | |||||
WHOQOL-BREF | ||||||
Físico | 70,63 | 67,00 | -2,43 | 0,015 | -0,12 | 0,005 |
Psicológico | 70,99 | 71,03 | -0,55 | 0,580 | 0,02 | 0,565 |
Relações sociais | 72,75 | 75,04 | -2,11 | 0,035 | 0,09 | 0,033 |
Meio ambiente | 64,15 | 64,04 | -0,11 | 0,909 | 0,00 | 0,963 |
WHOQOL-OLD | ||||||
Funcionamento dos sentidos | 72,89 | 72,46 | -0,15 | 0,883 | -0,01 | 0,808 |
Autonomia | 68,97 | 69,21 | -0,13 | 0,898 | 0,02 | 0,654 |
Atividades passadas, presentes e futuras | 70,32 | 70,54 | -0,08 | 0,940 | 0,02 | 0,601 |
Participação social | 67,33 | 68,88 | -1,04 | 0,301 | 0,06 | 0,132 |
Morte e morrer | 71,64 | 71,98 | -0,58 | 0,565 | 0,04 | 0,356 |
Intimidade | 73,88 | 74,61 | -1,78 | 0,075 | 0,06 | 0,162 |
*Ajustado para sexo e idade.
No tocante à comparação da QV, o grupo de idosos com excesso de peso apresentou menores escores no domínio físico, comparado ao que não possuía esta condição, permanecendo associado após o ajuste (p = 0,005) (Tabela 3). Em contrapartida, no domínio relações sociais, os idosos com excesso de peso apresentaram escores superiores em relação aos demais, mesmo após o ajuste (p = 0,033) (Tabela 3).
A predominância de excesso de peso entre as mulheres obtida, neste estudo, foi semelhante à das pesquisas nas zonas urbana e rural realizadas em Minas Gerais (54,5%)8, em Santa Catarina (56,6%) e na Bahia (54,7%)23. No entanto, resultado divergente foi obtido em estudo com adultos e idosos nos Estados Unidos, no qual a obesidade foi maior para os homens na área rural24.
Condizente com esta investigação, estudos conduzidos no Brasil e no mundo têm constatado diminuição do percentual de idosos com excesso de peso, à medida que a faixa etária3,4,8 aumenta, o que corrobora a hipótese de que indivíduos com excesso de peso apresentam menor longevidade1.
No que concerne ao estado conjugal e arranjo de moradia, é importante mencionar que a ausência de suporte familiar pode favorecer problemas nutricionais23. No entanto, a literatura nacional8,23 e internacional não tem investigado esta questão24-26. Considera-se relevante a identificação do estado conjugal e arranjo de moradia, uma vez que, na zona rural, dada à distância entre as localidades e a escassez de serviços sociais, a família eventualmente se constitui a principal fonte de recurso e apoio13. No presente estudo, a maioria era casada e residia acompanhada, fato que permite que os profissionais estimulem a família no cuidado nutricional.
Outro aspecto que merece atenção é a relação da escolaridade com o excesso de peso no idoso. Infere-se que a maior escolaridade possivelmente favorece o processo de entendimento acerca do estado nutricional, contribuindo para minimizar quadros de excesso de peso. Estudos prévios conduzidos no Brasil8 e no mundo25,26 corroboram esta hipótese ao identificar que a escolaridade foi um indicador de risco para a obesidade no idoso. Entretanto, embora esse aspecto não tenha sido foco de investigação, este estudo evidenciou percentuais semelhantes entre os grupos.
Resultado condizente quanto à renda foi obtido no Canadá entre adultos e idosos rurais, sendo os percentuais equivalentes26. Diferentemente desses achados, em Minas Gerais houve maior proporção de excesso de peso entre os idosos com renda individual mensal superior a um salário mínimo8. Entretanto, outro estudo com adultos e idosos rurais na Índia, constatou que aqueles com médio e alto nível socioeconômico apresentaram maior chance de ser obesos25. A divergência da relação entre a renda e a ocorrência de obesidade no idoso denota a necessidade de aprofundamento dessa situação por meio de estudos.
No que se refere à associação entre o excesso de peso e as morbidades, um inquérito realizado com idosos das zonas urbana e rural de um município de Santa Catarina também constatou entre excesso de peso e artrite/artrose (p = 0,002)23. Estes dados foram similares aos achados da literatura científica, em que a obesidade pode ocasionar uma elevação de carga nas articulações, favorecendo o surgimento da doença27.
Outras complicações do excesso de peso nos idosos são os efeitos metabólicos adversos1,27. Estudos no Brasil e no mundo, realizados na zona urbana, com adultos e idosos, verificaram associação entre excesso de peso/obesidade e hipertensão arterial sistêmica5,6,28, diabetes5,6,8,28, problemas cardíacos e acidente vascular encefálico6, indo ao encontro dos resultados da presente investigação.
A relação do excesso de peso com a má circulação (varizes) pode estar associada à maior compressão das veias abdominais devido ao aumento da circunferência do abdome. Outra possível explicação está relacionada aos hábitos de vida sedentários daqueles que apresentam excesso de peso, podendo ocasionar ineficiência da bomba muscular da panturrilha e contribuir para o desenvolvimento de varizes, especialmente em membros inferiores29.
Concernente à associação entre excesso de peso e incontinência urinária, estudos anteriores realizados com idosos no Brasil7,30 e na China6 também evidenciaram essa relação7,30. O excesso de peso pode ocasionar aumento da pressão intra-abdominal, em razão do peso provocado na cintura-quadril, que impacta na musculatura do assoalho pélvico. Consequentemente, ocorre uma mudança do mecanismo de fechamento efetivo, levando à perda involuntária de urina7.
Cabe considerar que hábitos alimentares inadequados podem contribuir para o surgimento de doenças crônicas31. Nessa perspectiva, é possível que essa situação venha acontecendo com os idosos investigados. Durante a coleta de dados, observou-se que, apesar de muitas vezes eles cultivarem hortas e pomares, não possuíam o hábito de consumi-los, sendo que, eventualmente, esses alimentos eram plantados visando a comercialização. Um estudo realizado com a mesma população dessa pesquisa verificou que os idosos residentes na zona rural não seguiam adequadamente vários dos dez passos para uma alimentação saudável, propostos pelo Ministério da Saúde para pessoas idosas, como o consumo de legumes, frutas, verduras, leite e carnes magras14. Sendo assim, é relevante que a alimentação adequada seja objeto de discussão entre a equipe de saúde e os idosos residentes nessas áreas.
O fato de a maioria dos idosos ser independente para as ABVD difere de estudo conduzido em comunidades rurais no Rio Grande do Sul, no qual 52,9% necessitavam de ajuda para até três ABVD32. Entretanto, inquérito conduzido no México, com idosos residentes no meio rural, constatou que as atividades mais complexas, realizadas por eles, durante um maior período de tempo, no desempenho de suas funções ocupacionais, têm efeitos positivos sobre o seu equilíbrio postural e a manutenção da força muscular, levando-os a manter a independência por mais tempo, o que explica o resultado encontrado neste estudo.
A ausência de relação do excesso de peso com as AIVD, neste estudo, diverge de pesquisa conduzida com idosos de um município do nordeste brasileiro (p = 0,025)9, porém realizado na zona urbana. Esta divergência pode estar relacionada ao fato de os idosos rurais, com piores condições de saúde, como aqueles que apresentam excesso de peso e incapacidade funcional, tenderem a migrar para as cidades, contribuindo para a homogeneização entre os grupos no que tange a este aspecto. Assim, ainda que esta pesquisa não tenha encontrado relação entre excesso de peso e incapacidade funcional, é relevante que os profissionais de saúde considerem o monitoramento do estado nutricional durante a avaliação funcional de idosos rurais.
O impacto do excesso de peso na QV e na autoavaliação da saúde foi sugerido em revisão da literatura que identificou que os idosos com peso ideal, refletido por um bom estado nutricional, têm a sua QV influenciada positivamente, assim como o excesso de peso tem relevância para o aumento da morbimortalidade dessas pessoas33. A partir desse pressuposto, infere-se que a avaliação positiva da QV e a satisfação com a saúde, para ambos os grupos, pode denotar uma falsa baixa interferência do excesso de peso no cotidiano destes idosos. É necessário atenção dos profissionais da área da saúde no que tange a este aspecto, identificando possíveis alterações precocemente e evitando o comprometimento da saúde dessa população.
É possível que a relação do excesso de peso com os menores escores de QV no domínio físico seja consequência do número elevado de morbidades associadas neste estudo, considerando que este domínio avalia a capacidade para o trabalho, dependência de medicação e tratamento de saúde20. Estudo realizado na Nova Zelândia, com idosos da comunidade, constatou que os indivíduos obesos tinham 41% maior risco de utilizar quatro ou mais medicamentos, e um risco 30% maior de sentir dor ou desconforto, o que impactou negativamente a QV34. Outra pesquisa, realizada na Coreia, concluiu que a presença de comorbidades em idosos com excesso de peso alterou negativamente a QV35.
Já a associação entre o excesso de peso e os maiores escores de QV no domínio relações sociais diverge do pressuposto de que a obesidade pode afetar as relações sociais, familiares e de trabalho36, aspectos avaliados neste domínio20. Entretanto, essa interferência parece estar mais relacionada ao estigma em torno da doença no que concerne ao padrão de normalidade36, que afeta principalmente mulheres em idades mais jovens.
De maneira geral, é importante repensar a atenção à saúde que tem sido direcionada aos idosos rurais com excesso de peso. O cuidado a essa população deve ser norteado pelas necessidades visando melhoria da QV, ainda que na presença de morbidades e incapacidades físicas.
A partir dos achados deste estudo foi possível identificar que o excesso de peso esteve associado às morbidades: artrite/artrose, hipertensão arterial sistêmica, varizes, problemas cardíacos, diabetes mellitus, acidente vascular encefálico e incontinência urinária. A incapacidade funcional para as AIVD não apresentou diferença entre os grupos. Na comparação da QV entre os grupos, verificou-se que os idosos com excesso de peso apresentaram menores escores no domínio físico e maiores no social em relação aos que não têm excesso de peso.
A relação entre o excesso de peso e as morbidades sugere a necessidade de acompanhamento da condição de saúde, a fim de evitar complicações advindas desse evento na qualidade de vida. Considerando que a totalidade da população deste estudo apresenta cobertura pela Equipe Saúde da Família, os profissionais de saúde podem lançar mão das visitas domiciliares com o objetivo de monitorar o estado nutricional dos idosos rurais e, a partir disso, propor um plano de cuidado de acordo com o contexto de moradia. Outras estratégias fundamentais são as campanhas de educação pública que podem corroborar a sensibilização desses indivíduos a respeito do autocuidado no controle do excesso de peso.
Cabe ressaltar, como potenciais limitações da atual pesquisa, o delineamento transversal que não permite estabelecer relações de causalidade e, o fato das morbidades serem autorreferidas. Apesar dessas limitações, acredita-se que os dados evidenciados contribuem para a geração de saberes científicos sobre a temática, diante da escassez de estudos com idosos em áreas rurais. No entanto, outras pesquisas ainda são necessárias, com o intuito de conscientizar e reforçar a importância de ações de saúde pública direcionadas às especificidades desse contexto.