versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.106 no.4 São Paulo abr. 2016 Epub 08-Mar-2016
https://doi.org/10.5935/abc.20160031
Vários estudos mostraram os benefícios da prática de exercício após infarto do miocárdio (IM). No entanto, os efeitos na função e no remodelamento são controversos.
Avaliar os efeitos do exercício aeróbio de intensidade moderada no remodelamento ventricular em pacientes após IM através de ressonância magnética cardíaca (RMC).
26 pacientes do sexo masculino (52,9 ± 7,9 anos), após um primeiro IM, foram designados para dois grupos: grupo treinado (GT), 18; e grupo controle (GC), 8. O GT realizou exercício aeróbio supervisionado em esteira duas vezes por semana, e não supervisionado em 2 dias adicionais por semana, por no mínimo 3 meses. Exames laboratoriais, medidas antropométricas, frequência cardíaca (FC) de repouso, teste de esforço e RMC foram realizados na condição basal e no seguimento.
O GT apresentou redução de 10,8% na glicemia de jejum (p = 0,01), e de 7,3 bpm na FC de repouso nas posições sentada e supina (p < 0,0001). Houve aumento no consumo de oxigênio apenas no GT (de 35,4 ± 8,1 para 49,1 ± 9,6 ml/kg/min, p < 0,0001) e diminuição estatisticamente significativa na massa ventricular esquerda (MVE) no GT (de 128,7 ± 38,9 para 117,2 ± 27,2 g, p = 0,0032). Não houve alterações estatisticamente significativas no volume diastólico final ventricular esquerdo (VDFVE) nem na fração de ejeção nos grupos. A relação MVE/VDFVE demonstrou remodelamento positivo estatisticamente significativo no GT (p = 0,015).
Observou-se remodelamento positivo no GT, onde o aumento da dimensão diastólica ventricular esquerda associou-se com redução da MVE. O exercício aeróbio de intensidade moderada melhorou a capacidade física e outras variáveis cardiovasculares.
Palavras-chave: Exercício; Reabilitação; Infarto do Miocárdio; Espectroscopia de Ressonância Magnética
Numerous studies show the benefits of exercise training after myocardial infarction (MI). Nevertheless, the effects on function and remodeling are still controversial.
To evaluate, in patients after (MI), the effects of aerobic exercise of moderate intensity on ventricular remodeling by cardiac magnetic resonance imaging (CMR).
26 male patients, 52.9 ± 7.9 years, after a first MI, were assigned to groups: trained group (TG), 18; and control group (CG), 8. The TG performed supervised aerobic exercise on treadmill twice a week, and unsupervised sessions on 2 additional days per week, for at least 3 months. Laboratory tests, anthropometric measurements, resting heart rate (HR), exercise test, and CMR were conducted at baseline and follow-up.
The TG showed a 10.8% reduction in fasting blood glucose (p = 0.01), and a 7.3-bpm reduction in resting HR in both sitting and supine positions (p < 0.0001). There was an increase in oxygen uptake only in the TG (35.4 ± 8.1 to 49.1 ± 9.6 mL/kg/min, p < 0.0001). There was a statistically significant decrease in the TG left ventricular mass (LVmass) (128.7 ± 38.9 to 117.2 ± 27.2 g, p = 0.0032). There were no statistically significant changes in the values of left ventricular end-diastolic volume (LVEDV) and ejection fraction in the groups. The LVmass/EDV ratio demonstrated a statistically significant positive remodeling in the TG (p = 0.015).
Aerobic exercise of moderate intensity improved physical capacity and other cardiovascular variables. A positive remodeling was identified in the TG, where a left ventricular diastolic dimension increase was associated with LVmass reduction.
Keywords: Exercise; Rehabilitation; Myocardial Infarction; Magnetic Resonance Spectroscopy
O remodelamento ventricular esquerdo (VE) após infarto do miocárdio (IM) é um processo complexo e multifatorial com implicações prognósticas e terapêuticas.1 A minimização do remodelamento VE com medicamentos melhorou a sobrevida e a qualidade de vida.2-4
Ficou demonstrado que a prática de exercício melhora a capacidade física e reduz a mortalidade, amplificando potenciais intervenções terapêuticas.5 Além disso, o exercício aeróbio reduz os fatores de risco cardiovascular, o que o torna ainda mais atraente como um tratamento adjuvante.6,7
Os benefícios da prática de exercício no aumento da capacidade aeróbia, assim como em outras alterações hemodinâmicas, acham-se bem documentados. Entretanto, os efeitos do exercício na função miocárdica e no remodelamento VE após IM ainda são controversos. Alguns estudos sugeriram que o exercício após IM deteriora ainda mais a função cardíaca devido ao estresse adicional na área infartada, à expansão do infarto, à formação de aneurisma e à redução da fração de ejeção (FE).8-10 Inúmeros estudos não conseguiram confirmar tais achados e sugeriram que o exercício não altera parâmetros ventriculares, mesmo em diferentes intensidades de treinamento.11-14 Outros estudos mostraram que, após um infarto agudo do miocárdio recente com disfunção sistólica, o exercício pode atenuar o remodelamento ventricular e até reverter o processo.15-18
Heterogeneidades relacionadas à amostragem de pacientes, à intensidade do treinamento, às técnicas de medida, ou mesmo à combinação desses fatores poderiam explicar tal divergência.19
Este estudo visou a avaliar os efeitos do exercício aeróbio de intensidade moderada, realizado por pacientes após IM, na função cardíaca através de ressonância magnética cardíaca (RMC), uma técnica padrão-ouro bem reconhecida para a quantificação de volume, FE e massa miocárdica ventriculares.20
Pacientes do sexo masculino foram selecionados de acordo com critérios de inclusão rígidos durante 18 meses. Todos apresentaram IM agudo com supradesnivelamento do segmento ST. Os pacientes arrolados deviam ter menos de 70 anos, estar estáveis do ponto de vista clínico, em ritmo sinusal e não ter sido previamente incluídos em programa de reabilitação cardíaca. Além disso, o primeiro IM deveria ter ocorrido há menos de 6 meses. Os critérios de exclusão incluíram doença arterial coronariana instável, hipertensão não controlada, arritmia ventricular maligna e insuficiência ventricular durante exercício, doença de Chagas, disfunção tireoidiana não tratada, incapacidade neurológica ou ortopédica para realizar exercício físico na esteira e incapacidades em geral. Como reabilitação cardíaca é oferecida a todos os pacientes como parte do cuidado padrão na nossa instituição, aqueles que atendiam aos critérios de inclusão, mas não queriam participar do programa e aceitaram submeter-se aos exames do protocolo, foram incluídos como controles.
Este estudo foi aprovado pelo comitê de ética local e todos os pacientes assinaram o termo de consentimento livre e informado.
Inicialmente, todos os pacientes foram avaliados por um cardiologista para coleta de história clínica e realização de exame físico com medidas antropométricas. Quando necessário, os medicamentos foram otimizados. Os pacientes dos dois grupos foram submetidos a exames laboratoriais, que consistiram em hemograma completo, perfil lipídico e glicemia de jejum. Realizou-se avaliação funcional em condições basais e após pelo menos 3 meses de treinamento aeróbio, incluindo frequência cardíaca (FC) de repouso, teste de esforço e RMC. Os dois primeiros foram sempre realizados pela manhã e nenhum medicamento foi suspenso. O período de intervenção (PI) para o grupo treinado (GT) foi definido como o intervalo de tempo entre a primeira sessão de treinamento e a avaliação final com RMC e exames clínico e laboratorial. O PI para o grupo controle (GC) foi aquele entre os dois exames de RMC.
A FC de repouso foi obtida a cada batimento, usando-se uma derivação de eletrocardiograma modificada (MC5), pela manhã, estando o paciente em uso dos medicamentos então prescritos. Os voluntários permaneceram em repouso na posição supina por 15 minutos e na posição sentada por 8 minutos. Foram orientados a manter a postura relaxada, sem mexer braços nem pernas, e sem falar ou dormir. A obtenção da FC média envolveu o descarte dos dez primeiros batimentos, usando-se os demais valores para a média aritmética.
Os pacientes foram submetidos a teste de esforço em esteira limitado por sintoma com monitoração eletrocardiográfica de três derivações (MC5, D2M e V2M) e o programa Micromed Ergo PC (São Paulo, Brasil). Os pacientes foram orientados a não consumir alimentos estimulantes, e a não realizar atividades exaustivas antes do teste. Utilizou-se o protocolo de Balke modificado, com incrementos na velocidade e na inclinação da esteira a cada minuto, selecionados conforme a capacidade física esperada para cada paciente. O eletrocardiograma foi monitorado continuamente. Pressão arterial, FC, sinais e sintomas foram obtidos a cada minuto durante o exercício, e ao longo do período de recuperação. As seguintes variáveis foram medidas no pico do exercício: FC, pressão arterial, consumo de oxigênio, equivalente metabólico, carga da esteira e classificação do esforço percebido (escala de Borg CR10).21 O consumo de oxigênio de pico foi obtido indiretamente, usando-se a velocidade e a inclinação da esteira no pico do exercício.
Todas as imagens foram obtidas usando-se uma unidade 1.5T (Magneton Vision, Siemens, Erlängen, Alemanha). Após a tomada inicial de imagens preliminares, realizou-se cine RM com precessão livre no estado estacionário ao longo do eixo vertical (corte de 2 e 4 câmaras) e do eixo curto (cortes contíguos de 8 mm de espessura), cobrindo a extensão do ventrículo. Usou-se sequência tardia para avaliar a massa VE (MVE), as dimensões VE e a fração de ejeção VE (FEVE). Todas as imagens foram analisadas cegamente por um único operador (A.S.) usando o programa Image J.22 O volume sistólico final VE e o volume diastólico final VE (VDFVE) foram calculados usando-se a regra de Simpson. A MVE foi determinada pela soma da área miocárdica (contorno epicárdico VE menos contorno endocárdico VE) vezes a espessura do corte, multiplicado pela gravidade miocárdica específica (1,05 g/ml). Calculou-se a FEVE como a diferença entre o VDFVE e o volume sistólico final VE dividido pelo VDFVE, multiplicado por 100. Não se usou infusão de gadolínio.
O treinamento aeróbio foi prescrito com base na FC de pico ou FC no limiar isquêmico obtido durante o teste de esforço. A intensidade do exercício foi determinada a 50%-70% da FC reserva (equação de Karvonen). Os pacientes do GT participaram de uma sessão supervisionada em esteira de 30 minutos, duas vezes por semana, pela manhã, por pelo menos 3 meses. Cada sessão foi precedida por um aquecimento de 5 minutos e seguida por período de 5 minutos de recuperação. Durante cada sessão supervisionada, foram registradas intensidade do exercício (velocidade e inclinação da esteira), FC, pressão arterial e classificação do esforço percebido (escala de Borg CR10). Os pacientes foram orientados a se submeterem a mais duas sessões não supervisionadas por semana, ajustando a velocidade do caminhar pela contagem do pulso radial ou usando um monitor de FC de pulso. Os dados dessa caminhada não supervisionada foram registrados em um diário, no qual o paciente relatava a FC de repouso, duração do exercício e FC durante a caminhada e após 5 minutos de recuperação. Durante as sessões de treinamento, os pacientes do GT receberam informação sobre a importância do controle de peso e estratégias para modificação de estilo de vida, atividade física regular, dieta saudável e redução de estresse. O GC teve acompanhamento clínico usual, sendo subsequentemente contatado para realizar os exames finais. Os medicamentos dos voluntários não foram modificados durante o PI.
As variáveis contínuas foram expressas como média ± desvio padrão e as variáveis categóricas, como porcentagens. A distribuição dos dados foi analisada com o teste de Shapiro-Wilk. As variáveis categóricas foram comparadas com os testes do qui-quadrado e exato de Fisher. As variáveis contínuas foram avaliadas pelo teste não paramétrico da soma dos postos de Wilcoxon (análise intragrupo) e pelo teste não paramétrico de Mann-Whitney (análise intergrupo), com nível de significado de 5%. A análise estatística foi realizada usando-se o programa SPSS para Windows, versão 10.0 (SPSS Inc., Chicago Illinois, EUA).
Este estudo arrolou 26 pacientes do sexo masculino (52,9 ± 7,9 anos) que atenderam aos critérios de inclusão. Como 8 deles não quisessem participar do programa de reabilitação, mas concordassem em fazer os exames necessários, constituíram o GC. Os outros 18 pacientes formaram o GT. Dezessete pacientes receberam fibrinolíticos quando da admissão por IM (GT = 10 e GC = 7; p = 0,29). O GT apresentou menor prevalência de tabagismo e sedentarismo do que o GC. A Tabela 1 apresenta os dados clínicos em condições basais dos dois grupos. O PI foi de 136,7 ± 26,2 dias para o GT e de 150,5 ± 44,5 dias para o GC (p = 0,87). O GT realizou uma média de 27,5 ± 5,6 sessões de treinamento supervisionado. Nenhum dos grupos apresentou complicações clínicas durante o PI.
Tabela 1 Características basais dos grupos treinado e controle (GT e GC, respectivamente)
GT n = 16 | GC n = 8 | Valor de p | |
---|---|---|---|
Idade (anos) | 54,1 ± 7,0 | 50,3 ± 9,7 | 0,87 |
Tempo de IM (dias) | 145,0 ± 104,7 | 117,5 ± 91,1 | 0,99 |
Classe Killip, I/II/III (n) | 10/8/0 | 4/3/1 | 0,31 |
Peso (kg) | 80,0 ± 14,8 | 90,5 ± 12,4 | 0,08 |
IMC (kg/m2) | 28,1 ± 3,9 | 30,2 ± 3,1 | 0,34 |
FE (%) | 45,1 ± 11,8 | 44,9 ± 11,0 | 0,80 |
Artéria culpada pelo infarto (%) | 0,60 | ||
Descendente anterior esquerda | 66,6 | 50,0 | |
Circunflexa esquerda | 16,7 | 37,5 | |
Coronária direita | 16,7 | 12,5 | |
Revascularização (n) | 0,44 | ||
ACTP | 14 | 5 | |
Cirúrgica | 1 | 0 | |
Fatores de risco cardiovascular (%) | |||
Hipertensão | 61,1 | 75,0 | 0,67 |
Dislipidemia | 66,7 | 37,5 | 0,22 |
Diabetes mellitus | 22,2 | 37,5 | 0,64 |
História familiar | 44,4 | 37,5 | 1,00 |
Tabagismo atual | 0 | 50,0 | 0,0047 |
Sedentarismo | 50,0 | 100 | 0,0098 |
Sobrepeso | 72,2 | 100 | 0,10 |
Terapia medicamentosa (%) | |||
Antitrombóticos | 100 | 100 | 1,00 |
β-bloqueador | 100 | 100 | 1,00 |
IECA ou BRA | 88,8 | 87,5 | 1,00 |
Estatina | 100 | 100 | 1,00 |
Diuréticos | 22,2 | 25,0 | 1,00 |
IM: infarto do miocárdio; IMC: índice de massa corporal: FE: fração de ejeção; ACTP: angioplastia coronariana transluminal percutânea; IECA: inibidores da enzima de conversão da angiotensina; BRA: bloqueador do receptor da angiotensina.
Os dois grupos apresentaram medidas antropométricas similares em condições basais. Ao final do PI, o GT mostrou redução de 1,28 kg no peso e de 0,47 kg/m2 no índice de massa corporal (IMC), mas sem diferença estatística (p = 0,17 e p = 0,15, respectivamente). Observou-se aumento estatisticamente significativo no peso (3,8 kg) e no IMC (1,27 kg/m2) no GC (p = 0,04 para ambos).
Na condição basal, os grupos não diferiram quanto às medidas de colesterol total (p = 0,64), triglicerídeos (p = 0,19), colesterol de lipoproteína de alta densidade (HDL-c) (p = 0,4530), colesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL-c) (p = 0,53) e glicemia de jejum (p = 0,52) (Tabela 2). O GT apresentou alterações nos níveis lipídicos e glicêmico ao final do protocolo de treinamento. A glicemia de jejum diminuiu significativamente, de 106,0 ± 26,4 para 94,5 ± 14,8 mg/dL (p = 0,01). O perfil lipídico melhorou, mas sem significado estatístico. Houve redução de 6% no colesterol total (p = 0,08) e, em média, de 16,9% nos triglicerídeos (p = 0,14). O HDL-c aumentou 5,1% (p = 0,42) e o LDL-c diminuiu 6,1% (p = 0,32). O GC apresentou tendência a aumento de colesterol total (p = 0,46), triglicerídeos (p = 0,11) e glicemia de jejum (p = 0,47).
Tabela 2 Perfil lipídico e glicemia de jejum (média ± DP) nos grupos treinado e controle (GT e GC, respectivamente) na condição basal e no seguimento
Exames laboratoriais | GT | GC | ||
---|---|---|---|---|
Basal | Seguimento | Basal | Seguimento | |
Colesterol total (mg/dL) | 157,4 ± 43,8 | 147,9 ± 47,9 | 170,1 ± 44,8 | 178,1 ± 44,5 |
Triglicerídeos (mg/dL) | 168,5 ± 76,7 | 140,1 ± 66,4 | 226,0 ± 112,9 | 319,1 ± 194,1 |
HDL-c (mg/dL) | 37,4 ± 7,1 | 39,3 ± 10,0 | 39,8 ± 4,1 | 40,4 ± 5,7 |
LDL-c (mg/dL) | 86,3 ± 36,8 | 81,0 ± 34,8 | 73,8 ± 12,2 | 73,2 ± 27,3 |
Glicemia de jejum (mg/dL) | 106,0 ± 26,4 | 94,5 ± 14,8* | 114,8 ± 42,5 | 122,4 ± 38,8 |
*p = 0,011.
Não houve diferença estatisticamente significativa na condição basal entre os grupos quanto à FC de repouso, que, no GT, mostrou uma redução na posição sentada de 62,4 ± 9,1 para 55,1 ± 5,9 bpm (p < 0,0001) e, na posição supina, de 61,6 ± 9,7 para 54,3 ± 6,5 bpm (p < 0,0001). Não se observou alteração no GC.
Dor torácica como motivo de interrupção do teste de esforço foi observada em 3 participantes do GT na condição basal, e novamente no segundo teste de esforço em 2 pacientes. No GC, nenhum participante teve dor torácica no teste de esforço na condição basal, mas, no segundo teste, essa foi a razão de interrupção para um participante. A Tabela 3 apresenta um resumo dos dados dos testes de esforço. Não houve diferença dentro dos grupos nem entre eles quanto à FC máxima ou à pressão arterial sistólica na condição basal e no seguimento. O GT demonstrou um aumento de 38,7% no consumo de oxigênio máximo (p < 0,0001). Ao final do protocolo de treinamento, observou-se, no GT, um aumento estatisticamente significativo na carga máxima da esteira, expressa pelos valores de velocidade e inclinação. Não houve alterações no GC.
Tabela 3 Dados do teste de esforço (média ± DP) dos grupos treinado e controle (GT e GC, respectivamente) na condição basal e no seguimento
Teste de esforço | GT | GC | ||
---|---|---|---|---|
Basal | Seguimento | Basal | Seguimento | |
FC pico (bpm) | 132,0 ± 20,2 | 140,2 ± 20,1 | 127,0 ± 21,0 | 125,4 ± 26,5 |
Pressão sistólica de pico (mmHg) | 178,3 ± 24,6 | 181,1 ± 22,1 | 183,8 ± 16,0 | 193,8 ± 23,4 |
Produto FC-pressão (bpm.mmHg) | 23598,6 ± 5093,5 | 25540,8 ± 5640,0 | 23612,5 ± 6353,0 | 24312,5 ± 5997,9 |
Equivalente metabólico (MET) | 10,1 ± 2,3 | 14,0 ± 2,8* | 8,7 ± 2,7 | 8,6 ± 2,5 |
Consumo de oxigénio de pico (ml/kg/min) | 35,4 ± 8,1 | 49,1 ± 9,6* | 30,3 ± 9,5 | 30,2 ± 8,9 |
Velocidade (mph) | 3,07 ± 0,5 | 3,8 ± 0,7* | 2,9 ± 0,3 | 2,9 ± 0,5 |
Inclinação da rampa (%) | 15,9 ± 3,6 | 19,1 ± 3,0# | 13,5 ± 4,9 | 13,0 ± 3,5 |
FC: frequência cardíaca.
*p < 0,0001;
#p = 0,0026.
A Tabela 4 mostra os valores de VDFVE, MVE, FEVE e da relação MVE/VDFVE nos dois grupos. Na condição basal, os parâmetros VE foram similares nos dois grupos, exceto a MVE (p = 0,0225) e a MVE indexada (p = 0,0429), que foram maiores no GC. O VDFVE aumentou discretamente nos dois grupos, sem diferença significativa. A FEVE não se modificou significativamente nos grupos durante o estudo.
Tabela 4 Ressonância magnética cardíaca (RMC) (média±DP) dos grupos treinado e controle (GT e GC, respectivamente) na condição basal e no seguimento
RMC | GT | GC | ||
---|---|---|---|---|
Basal | Seguimento | Basal | Seguimento | |
VDFVE (mL) | 110,7 ± 43,5 | 116,8 ± 38,2 | 126,3 ± 39,4 | 134,3 ± 42,2 |
VDFVE indexado (mL/m2) | 38,5 ± 14,1 | 40,6 ± 12,3 | 42,2 ± 12,5 | 44,4 ± 11,9 |
FEVE (%) | 45,1 ± 11,8 | 46,8 ± 10,0 | 44,9 ± 11,0 | 42,6 ± 11,6 |
MVE (g) | 128,7 ± 38,9 | 117,2 ± 27,2* | 159,6 ± 29,3# | 167,8 ± 49,7 |
MVE indexada (g/m2) | 44,9 ± 12,5 | 40,9 ± 8,6* | 53,6 ± 10,4φ | 55,9 ± 14,0 |
Relação MVE/VDFVE (g/mL) | 1,29 ± 0,36 | 1,36 ± 0,48§ | 1,05 ± 0,22 | 1,30 ± 0,37 |
VDFVE: volume diastólico final ventricular esquerdo; FEVE: fração de ejeção ventricular esquerda; MVE: massa ventricular esquerda.
*p = 0,0032;
#p = 0,0225 entre os valores basais dos dois grupos;
φp = 0,0429 entre os valores basais dos dois grupos;
§p = 0,015.
A MVE apresentou redução estatisticamente significativa de 8,9% no GT (de 128,7 ± 38,9 g para 117,2 ± 27,2 g; p = 0,0032). A MVE indexada (g/m2) mostrou redução estatisticamente significativa no GT (p = 0,0032). Tendência oposta foi observada no GC, mas sem significado estatístico. Além disso, observou-se uma relação MVE/VDFVE similar na condição basal (GT = 1,29 ± 0,36 g/mL, e GC = 1,36 ± 0,48 g/mL; p = 0,63). Ao final do protocolo, redução estatisticamente significativa na relação MVE/VDFVE foi observada no GT (p = 0,015), com valor de 1,05 ± 0,22 g/mL. No GC, o valor final da relação MVE/VDFVE foi 1,30 ± 0,37 g/mL (p > 0,99).
O presente estudo demonstrou que o treinamento aeróbio determinou remodelamento VE positivo, como avaliado por RMC, e modificação dos fatores de risco cardiovascular em uma amostra de indivíduos do sexo masculino após o primeiro IM agudo. O protocolo de treinamento foi adequado às necessidades dos pacientes após tratamento farmacológico otimizado para permitir uma aplicação ampla, até mesmo em pacientes com isquemia residual, reproduzindo o que ocorre no "mundo real", onde os pacientes têm dificuldade para aderir a um programa de reabilitação cardíaca.
Houve aumento estatisticamente significativo de 38,7% no consumo de oxigênio de pico no GT. Esse aumento foi associado a um aumento na força de pico durante o exercício, como mostrado pelos valores maiores de velocidade e inclinação na esteira alcançados após o período de treinamento. Vários estudos documentaram um aumento no consumo de oxigênio de pico, de 10% para 46%, após IM em pacientes submetidos a programa de reabilitação cardíaca,12,14,15,17,19,23-25 sendo tal aumento dependente da intensidade do treinamento. Houve ainda redução estatisticamente significativa na FC de repouso no GT, uma expressão da adaptação positiva do nó sinusal. É importante enfatizar que a redução na FC de repouso diminui o risco de eventos cardiovasculares.26 Além disso, o exercício aeróbio possibilita o aumento da reserva da FC do repouso até o exercício físico máximo.27,28 Não foram encontradas alterações no GC, reforçando os efeitos favoráveis do protocolo de treinamento aeróbio, a despeito do uso de ß-bloqueadores.
O tratamento de pacientes após IM tem por objetivo o controle ou a inibição do remodelamento cardíaco. Muitos estudos mostraram que alguns medicamentos, como inibidores da enzima de conversão da angiotensina, bloqueadores do receptor da angiotensina, β-bloqueadores e antagonistas da aldosterona, têm propriedades anti-remodelamento.29 Entretanto, os resultados alcançados até agora são insatisfatórios.
A pesquisa em intervenções farmacológicas e não farmacológicas que possam reverter e/ou inibir tal processo continua. Uma meta-análise recente demonstrou que até mesmo o tempo decorrido após um IM influencia os resultados obtidos.30
A RMC foi extensamente validada como uma ferramenta precisa para medir volumes e massas em cenários normais e patológicos.31 Foi demonstrado que pequenas amostras podem ser usadas para determinar com acurácia modificações de massa e volume após uma intervenção.32 Nenhuma alteração de FEVE ou VDFVE foi demonstrada nos dois grupos após treinamento aeróbio, podendo refletir o tratamento farmacológico otimizado.
Além disso, a MVE diminuiu no GT e aumentou discretamente no GC. Como as características de IM foram semelhantes nos dois grupos, parece razoável levantar a hipótese de que esse padrão oposto deva-se à intervenção de exercício aeróbio.
O mesmo padrão oposto foi demonstrado quanto à relação MVE/VDFVE, com melhor proporcionalidade no GT do que no GC, que desenvolveu remodelamento excêntrico. Foi demonstrado que a relação MVE/VDFVE é próxima de 1 em crianças e adolescentes.33,34 Nossos resultados sugerem uma tendência ao restabelecimento de uma relação MVE/VDFVE normal no GT. Outro estudo identificou padrões diferentes de hipertrofia ventricular como indicadores de pior prognóstico em pacientes após IM em seguimento de 2 anos.35
Nossos resultados não confirmam o efeito negativo do exercício no remodelamento cardíaco como observado por outros.8-10 Há evidência de que os benefícios do exercício na função e no remodelamento cardíacos após IM sejam devidos a mecanismos distintos: melhora da função endotelial, redução da resistência vascular sistêmica, redução da pré-carga, ajuste no sistema autonômico, redução da FC e da pressão arterial no repouso e nas cargas submáximas, e redução do estresse na parede VE.15,17,18,23,36
Comparações diretas podem ser difíceis, pois as medidas ecocardiográficas para massa e função foram tomadas com técnicas ecocardiográficas 2D, com base em fórmulas e suposições da forma geométrica VE.37 Poucos estudos usaram a RMC para quantificação de massa e função. Dubach et al.19 estudaram 25 pacientes após IM com FEVE reduzida (32,3 ± 6%). Eles randomizaram 12 pacientes para realizar atividade física de alta intensidade em um centro de reabilitação. Os pacientes nos dois grupos foram submetidos a avaliação com RMC inicialmente e depois de 2 meses. Os autores observaram um aumento não significativo no volume sistólico final VE e no VDFVE (2,5% e 4,8%, respectivamente) no GT, mas nenhuma alteração ocorreu na MVE nem na FE nos dois grupos. Esses mesmos pacientes foram seguidos por 1 ano, sendo um grupo submetido a atividade física vigorosa, com um gasto energético semanal de cerca de 2.100 Kcal a mais do que o GC. As medidas de volume, massa e função cardíacos não mostraram diferença significativa, indicando que nenhum efeito deletério da reabilitação cardíaca pôde ser detectado.38 Schmid et al.39 avaliaram 38 pacientes após IM com FE de 50,4 ± 12,7%, designados para um grupo de combinação de treinamento aeróbio e treinamento resistido ou para um grupo de apenas treinamento aeróbio por 12 semanas. Na RMC ao final do período de treinamento, observou-se discreto aumento de FE, volume de ejeção, VDFVE e volume sistólico final VE nos dois grupos. Não se observou efeito deletério no remodelamento.39
Por fim, os medicamentos foram mantidos durante o PI no presente estudo, eliminando a possibilidade de que os resultados pudessem ter sido influenciados por alterações em suas doses.
Nosso estudo tem várias limitações. Os voluntários não foram designados para os grupos de forma aleatória. Por razões éticas, a reabilitação cardíaca é oferecida a todos os pacientes de IM na nossa instituição como cuidado padrão. Os participantes do GC não aceitaram participar do programa de reabilitação, mas aceitaram se submeter aos exames. Isso pode estar mais próximo do "mundo real". Todos os pacientes do GT completaram o protocolo. Por outro lado, observamos que a MVE na condição basal diferiu significativamente entre os grupos do estudo. Uma explicação pode ser o nosso método de seleção, mas não havia nenhum outro disponível. O tamanho da amostra é sempre uma preocupação ao se lidar com variáveis contínuas, como volume e massa, mas o uso da RMC para quantificá-los parece apropriado, devido às suas altas reprodutibilidade e acurácia.28 Além disso, estudos prévios indicaram que, mesmo em pequenas amostras, modificações devidas a intervenções em parâmetros estruturais e funcionais podem ser detectadas.29
Nenhuma localização específica de IM foi selecionada de modo a fornecer várias condições próximas à prática clínica. Por razões logísticas, não foram realizadas imagens para quantificar a extensão da área cicatricial através de realce tardio na RMC. Tal informação poderia ser útil na tentativa de explicar o comportamento individual nos dois grupos.
Apenas pacientes do sexo masculino foram incluídos neste estudo. Isso pode ter reduzido o tamanho da amostra, mas garantiu a eliminação da influência de gênero no processo de remodelamento.40
O consumo de oxigênio de pico foi obtido indiretamente através de equações. O teste de esforço cardiopulmonar seria mais apropriado para a obtenção dessa variável. Entretanto, todos os pacientes no GT apresentaram aumento na velocidade e na inclinação da esteira.
Este estudo mostrou os benefícios do treinamento aeróbio na capacidade funcional e na função cardíaca dos pacientes após IM. Entretanto, os mecanismos fisiológicos responsáveis por essas alterações não foram avaliados.
O presente estudo mostrou remodelamento positivo no GT, como indicado pelo discreto aumento no tamanho diastólico VE associado com uma redução na MVE. Isso foi obtido com treinamento aeróbio de intensidade moderada, que foi efetivo para melhorar o consumo de oxigênio de pico e promoveu adaptações cardiovasculares benéficas associadas à redução de fatores de risco cardiovascular.