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Existe Alguma Relação entre Níveis de TSH e Prognóstico em Síndrome Coronariana Aguda?

Existe Alguma Relação entre Níveis de TSH e Prognóstico em Síndrome Coronariana Aguda?

Autores:

Alexandre de Matos Soeiro,
Victor Arrais Araújo,
Júlia Pitombo Vella,
Aline Siqueira Bossa,
Bruno Biselli,
Tatiana de Carvalho Andreucci Torres Leal,
Maria Carolina Feres de Almeida Soeiro,
Carlos V. Serrano Jr.,
Christian Mueller,
Mucio Tavares de Oliveira Junior

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170

Arq. Bras. Cardiol. vol.110 no.2 São Paulo fev. 2018

https://doi.org/10.5935/abc.20180019

Resumo

Fundamento:

Estudos pequenos têm relacionado níveis mais elevados de hormônio tireoestimulante (TSH) a pior prognóstico em pacientes com síndrome coronariana aguda (SCA). Tal relação, no entanto, permanece incerta.

Objetivo:

Analisar os desfechos de pacientes com SCA, relacionando-os aos níveis de TSH medidos no setor de emergência.

Métodos:

Estudo retrospectivo observacional incluindo 505 pacientes com SCA (446 no grupo I: TSH ± 4 mUI/L; 59 no grupo II: TSH > 4 mUI/L) entre maio de 2010 e maio de 2014. Dados sobre comorbidades e medicamentos usados foram obtidos. O desfecho primário foi mortalidade intra-hospitalar por todas as causas. O desfecho secundário incluiu eventos combinados (morte, angina instável não fatal ou infarto do miocárdio, choque cardiogênico, sangramento e acidente vascular encefálico). A comparação entre grupos foi realizada através de ANOVA de uma via e teste do qui-quadrado. A análise multivariada foi realizada por regressão logística, adotando-se o nível de significância de p < 0,05.

Resultados:

Diferenças significativas foram observadas entre os grupos I e II relacionadas ao uso de enoxaparina (75,2% vs. 57,63%; p = 0,02) e estatinas (84,08% vs. 71,19%; p < 0,0001), acidente vascular encefálico prévio (5,83% vs. 15,25%; p = 0,007), eventos combinados (14,80% vs. 27,12%, OR = 3,05; p = 0,004), choque cardiogênico (4,77% vs. 6,05%, OR = 4,77; p = 0,02) e sangramento (12,09% vs. 15,25%, OR = 3,36; p = 0,012).

Conclusão:

Em pacientes com SCA e TSH > 4 mUI/L à admissão hospitalar, observou-se pior prognóstico associado à maior incidência de eventos combinados intra-hospitalares, choque cardiogênico e sangramentos.

Palavras-chave: Síndrome Coronariana Aguda; Tireotropina/metabolismo; Síndrome do Doente Eutireoidiano; Mortalidade Hospitalar

Abstract

Background:

Some small studies have related higher levels of thyrotropin (TSH) to potentially worse prognosis in acute coronary syndromes. However, this relationship remains uncertain.

Objective:

To analyze the outcomes of patients with acute coronary syndromes in relation to the value of TSH at admission.

Methods:

Observational and retrospective study with 505 patients (446 in group I [TSH ≤ 4 mIU/L] and 59 in group II [TSH > 4 mIU/L]) with acute coronary syndromes between May 2010 and May 2014. We obtained data about comorbidities and the medications used at the hospital. The primary endpoint was in-hospital all-cause death. The secondary endpoint included combined events (death, non-fatal unstable angina or myocardial infarction, cardiogenic shock, bleeding and stroke). Comparisons between groups were made by one-way ANOVA and chi-square test. Multivariate analysis was determined by logistic regression. Analyses were considered significant when p < 0.05.

Results:

Significant differences between groups I and II were observed regarding the use of enoxaparin (75.2% vs. 57.63%, p = 0.02) and statins (84.08% vs. 71.19%, p < 0.0001), previous stroke (5.83% vs. 15.25%, p = 0.007), combined events (14.80% vs. 27.12%, OR = 3.05, p = 0.004), cardiogenic shock (4.77% vs. 6.05%, OR = 4.77, p = 0.02) and bleeding (12.09% vs. 15.25%, OR = 3.36, p = 0.012).

Conclusions:

In patients with acute coronary syndromes and TSH > 4 mIU/L at admission, worse prognosis was observed, with higher incidences of in-hospital combined events, cardiogenic shock and bleeding.

Keywords: Acute Coronary Syndrome; Thyrotropin/metabolism; Euthyroid Sick Syndromes; Hospital Mortality

Introdução

Pacientes com doença não tireoidiana grave com frequência apresentam distúrbios concomitantes da função tireoidiana. Na doença não tireoidiana grave, incluindo infarto agudo do miocárdio (IAM), o sistema hormonal tireoidiano pode estar desregulado. Tal condição pode induzir mudanças em um ou mais aspectos desse sistema, levando à denominada 'síndrome do doente eutireoidiano', que representa um desafio diagnóstico e terapêutico para o clínico. O sistema cardiovascular‚ muito sensível aos hormônios tireoidianos, e um amplo espectro de mudanças cardíacas há muito‚ reconhecido na disfunção tireoidiana manifesta.1-3

O real valor do hormônio tireoestimulante (TSH) como marcador de prognóstico na síndrome coronariana aguda (SCA) é incerto. Este estudo teve por objetivo analisar os desfechos de pacientes com SCA, relacionando-os aos níveis de TSH medidos no setor de emergência.

Métodos

População do estudo

Trata-se de estudo observacional, retrospectivo de análise de banco de dados realizado em um centro de saúde terciário, envolvendo 505 pacientes com SCA incluídos entre maio de 2010 e maio de 2014. Os pacientes foram divididos em dois grupos: TSH < 4 mUI/L (grupo I, n = 446) e TSH > 4 mUI/L (grupo II, n = 59). Pacientes com distúrbios tireoidianos conhecidos foram excluídos.

Todos os pacientes foram diagnosticados e tratados conforme as diretrizes das Forças-Tarefas da AHA/ESC.4,5 Todos os pacientes foram submetidos a intervenção coronariana percutânea menos de 24 horas após instalação da SCA.

O desfecho primário foi mortalidade intra-hospitalar por todas as causas. Os desfechos secundários foram eventos cardíacos adversos maiores (ECAM), que incluíram morte (por qualquer causa), angina instável não fatal ou IAM/revascularização de vaso-alvo, choque cardiogênico, sangramento (maior e menor) e acidente vascular encefálico.

Este estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa.

Métodos analíticos

Os seguintes dados foram obtidos: idade, sexo, diabetes, hipertensão arterial sistêmica, tabagismo, dislipidemia, história familiar de doença arterial coronariana prematura, insuficiência cardíaca, doença arterial coronariana prévia, acidente vascular encefálico prévio, hematócrito, creatinina, níveis de troponina mais altos, pressão arterial sistólica, fração de ejeção ventricular esquerda e medicamentos usados nas primeiras 24 horas (Tabela 1).

Tabela 1 Características basais dos pacientes de acordo com os níveis de TSH 

TSH ≤ 4 mIU/L TSH > 4 mIU/L p
Idade (média) 62,5 66,3 0,86*
Sexo masculino (%) 61% 51% 0,14#
Diabetes mellitus (%) 39% 48% 0,38#
Hipertensão (%) 80% 76% 0,49#
Tabagismo (%) 40% 37% 0,72#
HF de DAC (%) 13% 10% 0,56#
Dislipidemia (%) 47% 48% 0,9#
Insuficiˆncia cardíaca (%) 8% 10% 0,62#
AVE pr‚vio (%) 6% 15% 0,007#
IAM pr‚vio (%) 38% 48% 0,14#
CRM pr‚via (%) 18% 27% 0,08#
ICP pr‚via (%) 25% 32% 0,21#
Ht (%) (m‚dia) 42,2 41,5 0,08*
Cr (mg/dL) (m‚dia) 2,18 2,99 0,51*
PAS (mmHg) (mediana) 134,5 133,8 0,24?
FE (%) (mediana) 42,5 33,7 0,62?
Troponina (mais alta) (ng/dL) (média) 4,68 7,37 0,52*
AAS (%) 99% 93% 0,12#
Betabloqueador (%) 68% 54% 0,12#
Enoxaparina (%) 72% 58% 0,021#
Inibidor da ECA (%) 51% 48% 0,64#
Estatina (%) 83% 71% < 0,001#

TSH: hormônio tireoestimulante; HF: história familiar; DAC: doença arterial coronariana; AVE: acidente vascular encef lico; IAM: infarto agudo do mioc rdio; CRM: cirurgia de revascularização miocárdica; ICP: intervenção coronariana percutânea; PAS: pressão arterial sistólica; Ht: hematócrito; Cr: creatinina; FE: fração de ejeção; AAS: cido acetilsalicílico; ECA: enzima conversora da angiotensina;

#teste do qui-quadrado;

*teste t de Student para amostras independentes;

?teste U de Mann-Whitney.

Uma amostra de sangue foi colhida imediatamente após a internação, antes da administração dos medicamentos (basal) e diariamente, de acordo com o protocolo da instituição. Dosou-se o TSH rotineiramente em todos os pacientes com SCA. Os marcadores cardíacos, como troponina-I, foram medidos com os exames bioquímicos padrão. O limite superior da normalidade foi de 0,04 ng/mL (percentil 99) para troponina-I medida pelo imunoensaio de 4ª geração Elecsys 2010 (Siemens Healthcare Diagnostics Inc., EUA).

Utilizou-se o escore BARC6 para quantificar sangramento como se segue: tipos 3 e 5, sangramento maior; e tipos 1 e 2, sangramento menor. Sangramentos pós-operatórios não foram considerados.

Análise estatística

A análise descritiva dos dados colhidos incluiu mediana e valores mínimos e máximos. As variáveis categóricas foram expressas como porcentagens. As comparações entre grupos foram realizadas com ANOVA de uma via e teste do qui-quadrado (variáveis categóricas), adotando-se o nível de significância de p < 0,05. Quando o teste de Kolmogorov-Smirnov confirmou uma distribuição normal, as variáveis contínuas foram apresentadas como m‚dia ñ desvio padrão, e comparadas usando-se o teste t de Student para amostras independentes. O teste U de Mann-Whitney foi usado para comparar variáveis contínuas de distribuição não normal, que foram apresentadas como mediana e intervalo interquartil.

Realizou-se análise multivariada com regressão logística, sendo um p valor < 0,05 considerado significativo. A Tabela 1 apresenta as características basais dos pacientes.

Todos os procedimentos estatísticos foram realizados com o programa estatístico SPSS, versão 10.0.

Resultados

A mediana da idade foi 63 anos, e 59% dos pacientes eram do sexo masculino. A Tabela 1 apresenta as características basais dos pacientes e a análise univariada.

Observou-se infarto do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IMCSST) em 18% dos pacientes do grupo I vs. 24% daqueles do grupo II (p = 0,08) (Figura 1).

Figura 1 Classificação da síndrome coronariana aguda de acordo com os níveis de TSH. IMSSST: infarto do miocardio sem supradesnivelamento do segmento ST; IMCSST: infarto do mioc rdio com supradesnivelamento do segmento ST; TSH: hormônio tireoestimulante. 

A Tabela 2 mostra a análise multivariada e descreve as diferenças entre os grupos I e II para eventos combinados (14,80% vs. 27,12%, respectivamente, OR = 3,05; p = 0,004), choque cardiogênico (4,77% vs. 6,05%, respectivamente, OR = 4,77; p = 0,02) e sangramento (12,09% vs. 15,25%, respectivamente, OR = 3,36; p = 0,012).

Tabela 2 Comparação dos resultados da an lise multivariada dos desfechos intra hospitalares nos grupos I e II 

TSH ≤ 4 mIU/L TSH > 4 mIU/L OR IC 95% p
Reinfarto 1,3% 0% 0,2 0,11 - 3,45 0,37
Choque cardiogênico 6,1% 13,6% 1,72 1,25 - 4,68 0,029
Sangramento 6,5% 15,3% 3,36 1,31 - 8,65 0,012
Acidente vascular encefálico 0,9% 0% 0,9 0,15 - 9,32 0,9
Mortalidade 3,1% 8,5% 2,32 0,63 - 8,48 0,2
ECAM 17,9% 37,4% 3,05 1,43 - 6,42 0,004

IC: intervalo de confiança; ECAM: eventos cardíacos adversos maiores; TSH: hormônio tireoestimulante.

Discussão

O principal achado deste estudo está de acordo com dados já publicados, mostrando que os ECAM intra-hospitalares de pacientes com SCA associaram-se a níveis de TSH mais altos. Além disso, mostrou-se relação entre TSH e choque cardiogênico e sangramento.

Existem várias possíveis explicações fisiopatológicas para a relação incerta entre pior prognóstico e hormônios tireoidianos nas doenças cardiovasculares. Numerosos estudos concentraram-se no impacto da disfunção tireoidiana subclínica no desenvolvimento da doença cardiovascular, especialmente SCA. Entretanto, não se sabe se os níveis de TSH eram mais altos antes da SCA ou se aumentaram por ocasião da SCA.2,3,7-11

A triiodotironina atua através de interações com as isoformas dos receptores α, α1 ou α2, e dos receptores β, β1, β2 ou β3.2,3,12,13 Quanto à sua distribuição cardíaca, esses receptores acham-se localizados tanto nas células atriais quanto nas células ventriculares.2,3,12-14 Ao se ligarem a esses receptores, os hormônios tireoidianos aceleram a síntese de miosina e influenciam a atividade do retículo sarcoplasmático, o movimento através dos canais de cálcio e potássio, a resposta dos receptores adrenérgicos, os gradientes iônicos transmembrana e os níveis de ATP e de peptídeo natriurético atrial.2,3,12-14 Os efeitos dos hormônios tireoidianos podem ser categorizados como genômicos ou não genômicos, podendo influenciar estruturalmente e funcionalmente as proteínas cardiovasculares.2,3 Ao atuar nos receptores a, a triiodotironina desempenha papel no processo de aumentar a contratilidade miocárdica e a produção de miosina. Ao atuar nos receptores a, a influência se faz nos processos diastólicos e relaxamento ventricular esquerdo. O principal mecanismo é a redução dos altos níveis de cálcio citosólico durante a sístole. A nível vascular, a triiodotironina tem papel essencial na manutenção e renovação da integridade endotelial, na resistência arterial periférica e na modulação da resposta arterial à ativação do mecanismo renina-angiotensina-aldosterona.2,3,15 Além disso, esse hormônio controla a resposta dos macrófagos à deposição de lipídios na parede vascular.2,3 Além desses efeitos diretos, os hormônios tireoidianos têm importante papel no desenvolvimento da patologia cardiovascular por outros mecanismos, como influência no processo de coagulação ao controlar os níveis do fator VII ativado e a relação entre o fator VII ativado e o anticorpo anti-fator VII ativado.2,3

Especificamente, o hipotireoidismo reduz o débito cardíaco, o volume sanguíneo, o cronotropismo e o inotropismo, e aumenta a resistência vascular sistêmica, a pressão arterial diastólica, a espessura e a rigidez da parede vascular e a pós-carga. O aumento da resistência vascular periférica induz principalmente disfunção sistólica ventricular esquerda e relaxamento anormal, sem modificar a frequência cardíaca. As mudanças na elasticidade da parede arterial estão envolvidas na progressão do processo aterosclerótico. Efeitos na função vascular endotelial alteram o fluxo sanguíneo, processo em que o óxido nítrico tem papel importante. O hipotireoidismo diminui a taxa de filtração glomerular, que influencia os níveis do colesterol circulante e favorece o desenvolvimento de complicações de diabetes tipo II.2,3,16,17 Tais achados poderiam em parte justificar a maior ocorrência de SCA nesse grupo de pacientes, e talvez seu pior prognóstico. Além disso, esse mecanismo poderia estar associado com o desenvolvimento de choque cardiogênico, bem descrito no nosso estudo.

Em 2005, Walsh et al.,18 estudaram a relação entre hormônio tireoidiano e eventos cardiovasculares em 1981 indivíduos saudáveis na Austrália. Em um estudo transversal, aqueles autores examinaram a prevalência de doença coronariana em indivíduos com e sem disfunção tireoidiana subclínica. Em um estudo longitudinal, examinaram o risco de mortalidade cardiovascular e doença coronariana (fatal e não fatal). Os indivíduos com hipotireoidismo subclínico (n = 119) apresentaram prevalência significativamente mais alta de doença coronariana do que indivíduos eutireoideos (OR = 1,8; IC95%: 1,0 - 3,1; p = 0,04). Na análise longitudinal dos indivíduos com hipotireoidismo subclínico, observaram-se 33 eventos de doença coronariana em comparação aos 14,7 esperados (HR = 1,7; IC95%: 1,2 - 2,4; p = 0,01).18

Em 2005, um outro estudo1 investigou se os níveis de hormônio tireoidiano tinham valor preditivo para mortalidade em pacientes que chegavam ao setor de emergência com IAM. Três grupos de pacientes foram admitidos naquele setor num período de 11 meses: 95 pacientes com dor precordial e diagnóstico de IAM; 26 pacientes com dor precordial e sem IAM; e 114 controles sem evidência de qualquer doença importante. As enzimas cardíacas e hormônios tireoidianos foram analisados e comparados entre os grupos para avaliar os efeitos dos fatores históricos e demográficos. Durante o estudo, 16 pacientes com IAM (16,8%) morreram. Os níveis de troponina e creatina quinase tipo M eram significativamente mais altos entre aqueles que não sobreviveram em comparação aos sobreviventes. No grupo de IAM, os sobreviventes apresentavam níveis mais altos de triiodotironina e tiroxina total e mais baixos de tiroxina livre, enquanto aqueles que não sobreviveram tinham níveis mais altos de TSH e mais baixos de triiodotironina, tiroxina total e tiroxina livre do que os controles. Na regressão logística, os níveis de TSH não diferiram significativamente entre sobreviventes e não sobreviventes (1,08 mUI/L vs. 1,84 mUI/L, p = 0,1). Concluiu-se que triiodotironina e níveis baixos de tiroxina livre parecem ser fatores prognósticos independentes em pacientes com IAM.1 O nosso estudo mostrou uma tendência a níveis mais altos de troponina e TSH. Entretanto, até agora a correlação não foi significativa. Diferenças podem aparecer em uma amostra maior.

Por outro lado, em 2014, Kim et al.,19 revisaram retrospectivamente a relação entre os níveis de hormônio tireoidiano e a gravidade do IAM em 40 pacientes com IMCSST, sendo a extensão do envolvimento transmural avaliada através de ressonância magnética cardíaca com realce tardio. O grupo com nível alto de triiodotironina (≥ 68,3 ng/dL) exibiu um envolvimento transmural significativamente maior (realce tardio transmural > 75% após administração de gadolinio) do que aquele com nível baixo de triiodotironina (60% vs. 15%, p = 0,003). Entretanto, não houve significativa diferença entre os grupos com níveis altos e baixos de TSH e tiroxina livre. Ao se estabelecer o ponto de corte para triiodotironina em 68,3 ng/dL usando a curva receiver operating characteristic, a sensibilidade foi de 80% e a especificidade de 68% para diferenciar entre presença e ausência de envolvimento transmural.19

Friberg et al.,20 descreveram a possibilidade de rápida diminuição da atividade dos hormônios tireoidianos em pacientes com IAM. Estudaram prospectivamente 47 pacientes eutireoideos consecutivos com IAM durante os 5 primeiros dias, e novamente 6 e 12 semanas após o IAM. Observaram que o sistema tireoidiano rapidamente apresentava diminuição de atividade com mudanças máximas aparecendo 24 a 36 horas após início dos sintomas. Os níveis de TSH diminuíram 51% (p < 0,001) nas primeiras 6 horas e no período de 24 a 36 horas. Além disso, descreveram uma forte relação entre inflamação (níveis altos de proteína C reativa e de citocina interleucina 6) e uma maior redução da atividade do sistema tireoidiano. Por outro lado, os ECAM foram altos nos pacientes com a mais pronunciada diminuição de TSH, indicando que a redução da atividade observada após o IAM possa ser inadaptação. Níveis mais baixos de TSH medidos no quinto dia apresentaram significativa correlação com a mortalidade em um ano (1,0 mUI/L vs. 1,6 mUI/L, p = 0,04, para pacientes mortos e sobreviventes respectivamente).20 Tal diferença dos nossos resultados pode dever-se ao fato de que não avaliamos os níveis de TSH no primeiro e no quinto dias após SCA. Além disso, a nossa análise apenas da amostra inicial à admissão hospitalar não foi realizada naquele estudo.

Outro estudo investigou-se mudanças nos níveis plasmáticos de hormônio tireoidiano estavam associadas com a recuperação da função cardíaca em pacientes com IAM. Tal estudo incluiu 47 pacientes com IAM e terapia de reperfusão precoce. A função cardíaca foi avaliada com ecocardiografia; fração de ejeção ventricular esquerda e recuperação da função foram avaliadas 48 horas e 6 meses após IAM. Observou-se forte correlação entre recuperação da função e níveis totais de triiodotironina (r = 0,64, p = 10-6) 6 meses após IAM. Ademais, a análise multivariada com regressão revelou ser a triiodotironina aos 6 meses um determinante independente da recuperação da função ventricular. Os níveis de TSH não diferiram significativamente entre os dois grupos (com e sem recuperação da função ventricular) durante a fase aguda do infarto do miocárdio, mas, aos 6 meses, os níveis de TSH eram significativamente mais altos no grupo sem recuperação da função em comparação àquele com melhor recuperação da função ventricular (2.9 vs. 1.46, p < 0,05).21

Um estudo publicado em 2016 avaliou uma coorte prospectiva de 3 anos com 2430 pacientes submetidos a intervenção coronariana percutânea 'com' versus 'sem' hipotireoidismo. Os autores relataram um maior número de ECAM (infarto do miocárdio, acidente vascular encefálico, revascularização) nos pacientes com hipotireoidismo ou TSH > 5,0 mUI/L (HR = 1,28, p = 0,0001).22 Tais achados foram similares aos nossos, mas avaliaram prognóstico de longo prazo. Entretanto, a associação com pior prognóstico foi a mesma, incluindo nível similar de TSH descrito.

Em resumo, diferentes estudos mostraram uma relação entre prognóstico e o nível dos hormônios tireoidianos na SCA. Entretanto, o melhor ponto de corte, o momento ideal para avaliar os níveis de TSH, e as mudanças esperadas após SCA não são conhecidos. Ao combinar nossos resultados com outros da literatura, postulamos que o nível de TSH na admissão hospitalar poderia ser útil e que o prognóstico é pior se os níveis de TSH são altos nessa ocasião. Além disso, incluir a avaliação de outros hormônios tireoidianos poderia auxiliar.

Limitações

Este estudo apresentou limitações, como o pequeno tamanho da amostra avaliada. Além disso, não medimos outros hormônios tireoidianos. Trata-se ainda de estudo retrospectivo e o grupo com os níveis mais altos de TSH apresentaram as piores características basais, como os mais altos níveis de troponina e a mais baixa fração de ejeção. Entretanto, trata-se de observação original e nova, requerendo estudos prospectivos adicionais.

Conclusão

Em pacientes com SCA e TSH > 4 mUI/L à admissão hospitalar, observou-se pior prognóstico, associado à maior frequência de ECAM intra-hospitalares, choque cardiogênico e sangramentos.

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