versão impressa ISSN 1677-5449versão On-line ISSN 1677-7301
J. vasc. bras. vol.14 no.4 Porto Alegre out./dez. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/1677-5449.004515
A descoberta das válvulas venosas foi obra de Fabricio D’Acquapendente em 16031,2. Desde então tais importantes estruturas vêm sendo estudadas no contexto da circulação sanguínea, em especial o seu papel na fisiologia do retorno venoso, impedindo o refluxo sanguíneo1,3, com destacado desempenho nas calibrosas veias dos membros inferiores1,2,4. Do ponto de vista histológico, as válvulas correspondem a invaginações pares da camada íntima das veias, constituindo saliências no interior do vaso5.
Enxertos venosos são amplamente utilizados na prática cirúrgica para o restabelecimento do fluxo sanguíneo em diversas especialidades, com o cuidado de posicionar o sentido do enxerto, visando um fluxo a favor das válvulas venosas5,6. Na atualidade também são empregados para restabelecer a continuidade de nervos periféricos, nos casos de perdas de substância, como se fossem condutos no interior dos quais se processa a regeneração nervosa7,8. Têm ainda papel na fisiopatologia de doenças como a insuficiência venosa crônica3,5. Para tanto, modelos experimentais em animais são amplamente reproduzidos utilizando a veia femoral e a veia safena, dentre outras7,9.
Mesmo em animais de pequeno porte como ratos, principalmente da linhagem Wistar, é reconhecida a importância do papel morfofuncional desempenhado pelas válvulas venosas no sistema de drenagem venosa. Entretanto, verificam-se que são escassos e discutíveis na literatura relatos de presença10-12 ou ausência7,13,14, assim como o detalhamento anatômico das válvulas em veias do sistema profundo e periférico de ratas Wistar. Em animais de menor porte e quadrúpedes, onde as veias dos membros pélvicos apresentam diâmetros microscópicos, a ausência das válvulas pode representar uma ocorrência comum15. Portanto, o objetivo do presente estudo foi identificar a presença ou ausência de válvulas venosas na veia femoral de ratas Wistar.
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética no Uso de Animais da Universidade do Estado do Pará (UEPA), Belém, PA, Brasil. Foram utilizados 30 ratas (Rattus norvegicus) da linhagem Wistar pesando entre 200-240 gramas cada, provenientes do biotério do Laboratório de Cirurgia Experimental da Universidade do Estado do Pará (UEPA). Essas foram mantidos em ambiente com temperatura e umidade controladas. Água e ração foram ofertados ad libitum durante todo o estudo.
Os animais foram anestesiados por meio de uma injeção intraperitoneal de ketamina (70 mg/kg) e xilasina (10 mg/kg). Confirmado o plano anestésico adequado dos animais, a região inguinal direita foi dissecada identificando-se a veia femoral. Essa foi cuidadosamente dissecada e isolada, cranial e caudalmente, sendo seccionada entre ligaduras simples confeccionadas com fio de mononáilon 10-0, mantendo-se o conteúdo sanguíneo em seu interior. Nesse momento foi realizada a análise microscópica cirúrgica da presença de válvulas na veia femoral.
Imediatamente, a veia femoral foi fixada em formaldeído tamponado a 10%, processada em parafina, clivada com 4 µm num corte longitudinal e corada com Hematoxilina e Eosina. Na análise histológica, por microscopia óptica, buscou-se identificar a presença de válvulas ao longo da veia femoral.
Os animais foram mantidos vivos para a realização do treinamento microcirúrgico dos estagiários do Laboratório de Cirurgia Experimental da Universidade do Estado do Pará (UEPA). Após foi realizado a eutanásia com overdose de xilasina por via intraperitoneal.
As veias femorais de todos os animais estudados estavam patentes e com grande quantidade de hemácias em seu interior. Não foram identificadas, tanto na microscopia cirúrgica quanto óptica (Figura 1) projeções do endotélio ou recessos valvares compatíveis com válvulas venosas.
O conhecimento anatômico é de suma importância na reprodução de situações clínicas em animais para validação de modelos experimentais de doenças e condições cirúrgicas. Em humanos, a noção anatomofisiológica das válvulas venosas é vital3,5, principalmente em procedimentos cardíacos e vasculares, visto que o sentido de aberturas das veias deve ser cuidadosamente considerado ao se interpor fragmentos venosos na circulação1,4,8.
Pelo fato das veias femorais de ratas Wistar não apresentarem válvulas, as linhas de pesquisa em microcirurgia podem ser comprometidas, no sentido em que os modelos experimentais não reproduzem a realidade encontrada em seres humanos: a presença constante de válvulas. Contudo, esse fato não necessariamente afeta o treinamento de habilidades microcirúrgicas de anastomose e interposição venosa e neurotubo.
Na revisão de literatura realizada nenhum estudo analisou a existência de válvulas venosas na veia femoral, contudo vários sugeriram a presença delas em ratos Wistar, por analogia ao sistema humano7-10. Acredita-se que a ausência das válvulas ocorre pelas diminutas proporções do animal, visto que Caggiati et al.15 afirmam que vasos menores que 2 mm não apresentam válvulas, contudo é possível a existência de microválvulas não detectáveis por meio de histologia, sendo necessário utilizar outras técnicas, como microscopia eletrônica.
A veia femoral do rato é o principal enxerto venoso utilizado em microcirurgia7-9, visto seu calibre, fácil acesso e que, quando retirada, não inviabiliza o membro, devido à rica drenagem colateral da pata do animal. Assim, estudos que visam analisar os efeitos das válvulas venosas devem buscar outros modelos que não esse, por ele não reproduzir a anatomofisiologia humana. Novos estudos serão necessários para se atestar a existência de válvulas em outras veias do corpo desses animais, inclusive com uso da técnica de microscopia eletrônica.
Assim, com base na metodologia empregada no estudo, os autores concluem que não foram encontradas válvulas no segmento venoso femoral de ratas Wistar.