versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.85 no.2 São Paulo mar./abr. 2019 Epub 29-Abr-2019
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2017.11.010
A cirurgia orbital endoscópica é um campo em rápida expansão e muitos estudos comprovaram a eficácia da abordagem endoscópica exclusiva para o manejo de tumores intraorbitais benignos e malignos.1-4 Tal como em qualquer campo emergente, são necessárias novas ferramentas para auxiliar o planejamento cirúrgico e verificar os limites da ressecabilidade tumoral. Embora algoritmos tenham sido propostos para auxiliar na escolha da abordagem,5 esses estudos basearam-se em imagens triplanares tradicionais para determinar a morfologia do tumor e a extensão lateral. Entretanto, a estrutura compacta e conal do ápice orbital muitas vezes obscurece a relação precisa entre o nervo óptico e a massa tumoral, leva a recomendações conservadoras quanto à extensão lateral da ressecabilidade tumoral. Além disso, a forma complexa do tumor à medida que se insinua através das estruturas neurovasculares apicais pode levar a erros significativos na estimativa do volume do tumor através de medida triplanar. Essa característica torna-se particularmente importante ao tentar-se avaliar se uma lesão foi totalmente ressecada com base na inspeção macroscópica da amostra.
A reconstrução e a análise tridimensionais de imagens planares têm se tornado cada vez mais úteis graças à proliferação de software de Visualização de Imagens Digitais e Comunicação em Medicina (Dicom), como o OsiriX (Pixmeo, Genebra, Suíça). Essas reconstruções são capazes de superar as limitações descritas da imagem planar do ápice orbital, pois a relação íntima entre o nervo óptico e a lesão pode ser visualizada a partir do quiasma óptico e do globo ocular. O objetivo deste estudo foi, portanto, determinar se a reconstrução em 3-D poderia ser usada para criar uma demarcação precisa para descrever o limite lateral da ressecabilidade endoscópica do tumor e caracterizar com precisão o volume de lesões orbitais representativas.
A aprovação para este estudo foi obtida através do Comitê de Estudos em Seres Humanos, Conselho de Ética Institucional (Protocolo n° 754915-8 (15-068H)). Foram selecionados quatro pacientes com tumores orbitais primários, representativos de epicentros tumorais distintos submetidos à cirurgia intraorbital endoscópica entre janeiro de 2014 e maio de 2015. As imagens por tomografia computadorizada (TC) (tensão do tubo de 100 Kv, intensidade de 600-800 mAs sem modulação e resolução temporal de 125-625 ms) foram adquiridas para cada paciente e importadas pelo software OsiriX x 6.5.2 32-bit. A ferramenta região de interesse (ROI) foi usada para identificar o nervo óptico (NO), músculos extraoculares e tumor em sucessivos cortes axiais. A renderização de volume em 3D foi usada para criar uma reconstrução da relação entre a órbita óssea, o tumor e o NO e também para calcular o volume do tumor.
Uma linha parassagital oblíqua foi aplicada ao longo do eixo longo do NO, que foi dividido em metades mediais e laterais ao longo de todo o seu comprimento. Um plano bidimensional foi então propagado entre a narina contralateral e a linha que descreve o eixo longo do NO. Esse plano, denominado plano de ressecabilidade (POR), reflete a trajetória de uma abordagem transeptal para a órbita. De acordo com nossos critérios, qualquer volume tumoral em posição medial ao NO e/ou inferior ao POR foi considerado teoricamente ressecável, independentemente da sua extensão lateral. Isso é devido ao fato de que a dissecção pode ser inferior ao NO sem necessidade de retração do nervo. Os volumes reais dos tumores dos pacientes representativos foram então sobrepostos a esse plano e correlacionados com os resultados cirúrgicos.
Dos quatro pacientes estudados, a relação entre o nervo óptico e o volume do tumor pode ser claramente delineada após a reconstrução em 3-D (fig. 1). Três pacientes foram considerados ressecáveis de acordo com nossos critérios de imagem e submetidos à ressecção total macroscópica por via endoscópica com sucesso intraoperatório (tabela 1). Os pacientes 2 e 3 tinham volumes tumorais que se estendiam lateralmente ao nervo óptico, mas permaneceram em posição inferior ao POR. Verificou-se que o paciente 4 tinha um volume tumoral que se estendia lateralmente ao NO e superior ao POR (fig. 2). Esse paciente foi considerado não ressecável e submetido a redução de volume tumoral e biópsia, o que foi consistente com um tumor fibroso solitário.
Tabela 1 Comparação do volume do tumor previsto pela renderização em 3D com a doença final
Paciente | Localização | Volume na patologia | Volume na TC | Discrepância entre a TC e a patologia (%) | Volume em 3D | Discrepância entre a reconstrução em 3D e a patologia (%) | Volume do tumor lateral ao NO | Volume do tumor superior ao POR |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
1 | Canal óptico | 0,03 | 0,17 | 496,94 | 0,05 | 151,94 | 0 | 0 |
2 | Extraconal | 3,7 | 7,74 | 206,45 | 4,02 | 107,44 | 0,77 | 0 |
3 | Intraconal | 0,39 | 1,43 | 362,63 | 0,48 | 121,69 | 0,1 | 0 |
4 | Intraconal | - | 7,79 | - | 4,61 | - | 3,9 | 0,17 |
Todos os volumes são calculados em cm3.
Figura 1 Comparação da RM ponderada em T1 (A, D, G) com tomografia computadorizada (B, E, H) e com renderização em 3D (C, F, I) do paciente 1 com um grande tumor orbital. Observe como a renderização tridimensional dá profundidade à imagem e melhora a distinção entre o NO (N) e o tumor (T) orbital que não pode ser totalmente distinto na TC ou na RM.
Figura 2 Renderização em 3D dos tumores orbitais dos pacientes 3 (A, B, C) e 4 (D, E, F). A linha 1 representa o eixo longo do nervo óptico (N), enquanto a linha 2 representa o plano de ressecabilidade. Observe como essas linhas dividem o tumor em três zonas (T1) facilmente ressecáveis, (T2) ressecáveis e (T3) não ressecáveis.
O software de reconstrução em 3D foi significativamente mais preciso na predição do volume tumoral bruto do que os cálculos triplanares tradicionais (fig. 3). A média (± desvio-padrão) da superestimação triplanar percentual do volume do tumor foi de 355,34% ± 145,38% vs. 127,02% ± 22,72% (p = 0,03, teste t de Student) com o uso de renderização em 3D.
Figura 3 Comparação entre o tumor orbital ressecado e o tumor renderizado em 3D no paciente 2, demonstra uma concordância próxima em termos de tamanho e morfologia do tumor. Observe no painel B que as diferentes zonas do tumor foram identificadas: (T1-verde) tumor facilmente ressecado, tumor ressecável (T2-roxo).
A escolha da abordagem cirúrgica quando se lida com uma lesão intraorbital depende de muitos fatores, inclusive a doença esperada, o tamanho, a morfologia e a localização. O ensino tradicional considera que as abordagens endoscópicas da órbita devem ser restritas às lesões em posição medial ao nervo óptico. À medida que o campo da cirurgia orbital endoscópica se expande, essas restrições continuam a ser desafiadas à medida que novas abordagens diagnósticas e cirúrgicas são desenvolvidas.6
A compartimentação do espaço intraconal com base em suas estruturas neurovasculares fixas pode ajudar o cirurgião a remover as lesões intraorbitais com segurança.7 No entanto, a visualização pré-operatória da relação discreta entre o tumor e o nervo óptico ao longo de todo o seu comprimento é extremamente difícil devido à neuroanatomia compacta do ápice orbital. O advento do software de reconstrução em três dimensões permite ao usuário final importar facilmente estudos tradicionais de imagem triplanar e criar uma reconstrução precisa da relação entre a lesão, o NO e quaisquer outras estruturas orbitais ósseas e musculares relevantes.
Nossos achados demonstram que essas reconstruções também podem ser usadas para definir mais precisamente os limites laterais das abordagens endoscópicas. 5,8 Ao levar em consideração a via oblíqua do nervo óptico e a trajetória de uma abordagem transeptal, definimos um novo plano seguro de ressecção. Consequentemente, os critérios para a ressecção endoscópica podem ser expandidos para incluir qualquer tumor medial ao nervo óptico e/ou inferior ao POR, independentemente da sua extensão lateral.
Além disso, o software de reconstrução aqui descrito pode ser usado para reconstituir fielmente a morfologia e o volume do tumor orbital. Essa característica torna-se significativamente importante ao avaliar a completude da ressecção do espécime macroscópico. Ao comparar a amostra intraoperatória com a reconstrução pré-operatória, o cirurgião pode mais prontamente determinar se o tumor foi completamente ressecado. Isso é extremamente valioso para se evitar a necessidade de uma nova exploração cirúrgica, reduz assim o tempo cirúrgico, o potencial de lesão neurovascular adicional e a necessidade de exame de imagem intraoperatório ou perioperatório.
A reconstrução tridimensional pré-operatória de tumores orbitais representa uma valiosa técnica diagnóstica para avaliar a relação entre o tumor e o nervo óptico, bem como determinar com precisão o volume e a morfologia do tumor. Com essa técnica, definimos um novo plano de ressecabilidade, denominado POR, que desafia o ensino convencional de que os tumores laterais ao nervo óptico não devem ser abordados de forma endoscópica. Com base em nossos achados, os critérios para uma abordagem endoscópica da órbita podem ser expandidos para lesões localizadas medialmente ao nervo óptico e/ou inferiores ao plano de ressecabilidade, independentemente de sua extensão lateral.