versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde vol.24 no.4 Brasília out./dez. 2015
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742015000400018
to describe the use of public dental services and to assess deft/DMFT indexes in the city of Arroio do Padre, state of Rio Grande do Sul, Brazil.
this was a cross-sectional study of all children aged 5 and 12 living in the city in 2013 (N=50); the children underwent oral health exams and the adults responsible for them answered questionnaires.
mean deft and DMFT were 3.9 and 1.3. In deciduous teeth (deft) there was predominance of the decay component (82%) while in the permanent dentition (DMFT) the filled component was predominant (65%); 19 children students had decayed teeth at the time of the examination and 13 of these had had a dental visit at the Basic Health Unit.
most children presented caries history, which may be attributed in part to low exposure to fluoride, low parental education and little appreciation of deciduous teeth.
Key words: Dental Caries; DMF index; Oral Health; Dental Health Surveys; Epidemiology, Descriptive
describir el uso de los servicios odontológicos públicos y los índices ceo-d y CPO-D en el municipio de Arroyo del Padre-RS, Brasil.
estudio descriptivo censitario con todos los residentes de cinco y 12 años de edad en 2013; se realizó examen oral y se aplicó un cuestionario a los responsables.
participaron 50 niños, 22 con cinco y 28 con 12 años de edad; los promedios de ceo-d y CPOD fueron 3.9 y 1.3, respectivamente; en dientes deciduos (ceo-d), hubo predominio del componente caries (82%), en la dentición permanente (DMF) hubo predominio del componente lleno (65%); del total, 19 niños presentaron dientes con caries al momento del examen y de estos 13 habían consultado con el dentista de la unidad básica de salud.
la mayoría de los estudiantes presentaron historia de caries, que se puede atribuir en parte, a la poca exposición al fluoruro, baja educación de los padres y poco aprecio de los dientes deciduos.
Palabras-clave: Caries Dentales; Índice CPO; Salud Bucal; Encuestas de Salud Bucal; Epidemiologia Descriptiva
Os inquéritos epidemiológicos em saúde bucal são necessários, tanto para conhecimento da prevalência das doenças quanto para estimar necessidades de tratamento de uma população em determinado tempo e local.1 Esses inquéritos devem ser realizados periodicamente, para monitorar mudanças nos níveis e nos padrões dos agravos ao longo do tempo.1,2 Dados nacionais de 1986 a 2010 demonstram que a severidade de cárie em crianças e adolescentes teve um significativo declínio no Brasil. Porém, a cárie dentaria ainda pode ser considerada como importante problema de Saúde Pública no país.3
Segundo os resultados da Pesquisa Nacional de Saúde Bucal (SB Brasil) de 2010, em crianças com cinco anos de idade, existiam, em média, 2,43 dentes com experiência de cárie, com predomínio do componente cariado, o que corresponde a cerca de 80% do valor do índice que contabiliza a quantidade de dentes decíduos acometidos por cárie, com extração indicada e obturados (ceo-d).3 Segundo a classificação adotada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil, de acordo com o índice para a dentição permanente que expressa a soma dos dentes cariados, perdidos e obturados (CPO-D), saiu de uma condição de média prevalência de cárie entre adolescentes em 2003 (CPO-D entre 2,7 e 4,4) para uma condição de baixa prevalência em 2010 (CPO-D entre 1,2 e 2,6). Todavia, o principal problema dentário em crianças e adolescentes ainda é a não prevenção e a cárie não tratada.3 De 2003 para 2010, em relação à cárie, houve uma redução no índice de 14% para as crianças, enquanto a mesma redução para os adolescentes foi de 25%.4 Em relação ao componente cariado do CPO-D, a redução foi de 29% no mesmo período.
Nas últimas décadas, observou-se um declínio da cárie dentária entre as crianças e jovens brasileiros,5 consequência de uma série de fatores: um dos principais foi a incorporação de flúor na água de abastecimento público e no dentifrício.6 Outro fator contribuinte desse avanço foi a ampliação do acesso ao serviço público odontológico e o estímulo às atividades de promoção e prevenção em saúde bucal.7
A Política Nacional de Saúde Bucal reconhece que é preciso deter a progressão da doença cárie e impedir o surgimento de novos eventos, assim como inverter a lógica de indução à extração de dentes, predominante no serviço público.8,9 A infância e a adolescência são importantes momentos para monitoramento das condições bucais.10 Desfechos negativos, nessas fases de vida, são preditores do desenvolvimento de problemas de saúde bucal na fase adulta.11 Em distintos contextos nacionais, os serviços odontológicos devem exercer papel relevante na conquista e manutenção da saúde bucal coletiva.3,12
Embora os dados dos grandes levantamentos epidemiológicos nacionais (1986, 1996, 2003 e 2010) indiquem o declínio da cárie,3 a necessidade de investigar a situação de saúde bucal ainda é premente, principalmente em populações sem acesso a água de abastecimento público fluoretada e municípios onde nunca se realizou um inquérito epidemiológico. É o caso do município de Arroio do Padre, localizado no interior do estado do Rio Grande do Sul.
O objetivo do presente estudo, portanto, foi descrever a utilização do serviço público odontológico e os índices de ceo-d e CPO-D entre escolares de cinco e 12 anos de idade, residentes no município de Arroio do Padre-RS, Brasil.
Foi realizado estudo transversal descritivo, com escolares moradores do município de Arroio do Padre-RS.
Em 2010, de acordo com a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Arroio do Padre-RS possuía uma população estimada de 2.730 habitantes e sua atividade econômica centrava-se na economia agropastoril (plantações de tabaco e frutas, e produção de leite). A cidade, fruto da colonização alemã, pertenceu à zona rural de Pelotas-RS até 1996, ano de sua emancipação, e todavia preserva características de zona rural. No momento do estudo, a rede de ensino local era composta por seis escolas municipais e uma estadual.
A coleta de dados ocorreu nos meses de setembro e outubro de 2013. Então, o município possuía uma unidade básica de saúde (UBS) mista, abrigando uma Equipe de Saúde da Família (ESF) com Equipe de Saúde Bucal da modalidade I, além de dispor de outra cirurgiã-dentista que atuava no modelo tradicional de atendimento. As duas profissionais dentistas existentes organizavam as atividades clínicas por meio de agendamento em turnos distintos. Os atendimentos da ESF eram executados no turno da manhã e em um turno à tarde; no tempo restante, eram desenvolvidas atividades educativas nas escolas e com grupos específicos (hipertensos e diabéticos, adolescentes, mães-bebês, idosos, gestantes). O município tinha como referência na atenção especializada o Centro de Especialidades Odontológicas de Canguçu-RS.
A população-alvo do estudo foi composta por todos os moradores do município nas idades de cinco e 12 anos completos, contatados nas escolas mediante autorização da Secretaria Municipal de Educação e das diretoras das duas escolas onde estudavam crianças e adolescentes na faixa etária da investigação. Essas duas idades são, conforme a OMS, as recomendadas para medir e comparar a experiência de cárie entre populações, a partir da observação e avaliação dos índices de ceo-d (cinco anos) e CPO-D (12 anos).10
Para não interferir no andamento das atividades escolares, a pesquisa foi desenvolvida em turnos contrários aos das aulas e com a presença de um responsável (pai ou mãe). Os pais foram participados da realização do estudo por convite-informativo, na forma de documento entregue pelas agentes de saúde em visita aos domicílios. Além desse esclarecimento sobre as razões da pesquisa, os responsáveis foram convidados a participar e autorizar o exame dos escolares. Também foi realizada divulgação por emissora de rádio local e em cartazes afixados na parede da sala de espera da UBS.
As seguintes informações foram coletadas por um instrumento formulado para o estudo e aplicado aos responsáveis:
a) Variáveis socioeconômicas e demográficas da família
- renda (até R$500,00; de R$500,01 a R$1.500,00; de R$1.500,01 a R$4.500,00);
- escolaridade do chefe da família (em anos de estudo: até 4; 5 a 8; 9 a 11);
- número de pessoas no domicílio (3; 4; 5; 6 ou mais);
- cor da pele (branca; preta; amarela; parda);
- sexo da criança ou adolescente (feminino; masculino); e
- situação conjugal do responsável (casado; solteiro; separado; divorciado; viúvo)
b) Variáveis comportamentais
- uso de fio dental (nunca; às vezes; sempre);
- escovação diária (sim; não);
- frequência da escovação (1 vez ao dia; 2 vezes ao dia; 3 vezes ao dia; 4 vezes ao dia);
- percepção de saúde bucal do(a) filho(a) (muito boa; boa; regular; ruim; muito ruim);
- acesso (agendamento; urgência);
- utilização de serviços odontológicos locais (UBS; particular; sindicato; convênio);
- motivos (revisão; extração; aplicação de flúor; restauração; curativo; tratamento de urgência); qualidade do atendimento (muito bom; bom; regular; ruim; muito ruim);
- percepção ou relato de desconfortos relativos à presença de cárie (dor; dormir mal; dificuldade de comer; vergonha de sorrir);
- necessidade de consulta com dentista (sim; não);
- orientação recebida em saúde bucal (sim; não); e
- local onde foi dada essa orientação (UBS; particular; sindicato; convênio; Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Pelotas; na própria escola).
Os pais ainda responderam sobre a resolubilidade do último atendimento do filho na UBS, autopercepção de sua saúde bucal (muito boa; boa; regular; ruim; muito ruim), sendo-lhes solicitadas sugestões para a melhoria do serviço de saúde bucal na UBS local, se considerassem necessárias.
A percepção dos pais sobre a resolubilidade do último atendimento foi descrita pela resposta à pergunta Como a(o) Sra.(Sr.) avalia o último atendimento odontológico do(a) seu filho(a) na UBS do Arroio do Padre? tendo por referência as seguintes opções de resposta: muito bom; bom; regular; ruim; e muito ruim.
Além desse instrumento de consulta, foi realizado um exame bucal nas crianças de cinco e nos adolescentes de 12 anos de idade, com base nas variáveis de estudo: cárie dentária e necessidade de tratamento. Os critérios adotados foram aqueles da OMS, segundo as recomendações da 4ª edição do 'Oral Health Surveys - Basic Methods', de 1997, reproduzidas no 'Manual da Equipe de Campo', documento produzido pela equipe de coordenação da Pesquisa Nacional de Saúde Bucal.3
A presente pesquisa contou com dois examinadores (dentistas), dois anotadores (estagiária e profissional da UBS-ESF) e quatro entrevistadores (dois alunos de odontologia e dois professores universitários). Todos os profissionais envolvidos foram treinados e calibrados pela pesquisadora. A concordância da equipe de examinadores foi aferida pelo índice Kappa, obtendo-se o valor máximo (1,00). Com o intuito de garantir a confiabilidade dos dados, reexaminou-se 10% da amostra. Os exames e as entrevistas duraram, em média, 10 e 15 minutos respectivamente. Antes da realização dos exames e entrevistas, foi entregue ao responsável, para seu conhecimento e aquiescência, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Os escolares que não compareceram ao exame/entrevista na instituição de ensino (seguindo os mesmos procedimentos realizados em UBS) na data programada foram reagendados por contato telefônico, para avaliação e entrevista na UBS-ESF. Aqueles que não puderam comparecer à UBS-ESF foram entrevistados e examinados no domicílio.
Após a coleta dos dados, o questionário e a ficha de avaliação foram conferidos e digitados no programa EpiData 3.1, e as análises descritivas executadas com auxílio do programa Stata 12.0.13
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas (Ofício no 348.313), em conformidade com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) no 466, de 12 de dezembro de 2012.
Foram avaliados 50 indivíduos pertencentes a ambos os grupos etários do estudo (N=22 com cinco anos; e N=28 com 12 anos). Houve a recusa de um único escolar, com cinco anos de idade. Treze escolares que não compareceram no dia do exame e entrevista foram chamados, via contato telefônico, ocasião quando foram agendados horários/datas para avaliação de sua saúde bucal e realização da entrevista, sendo ambos esses procedimentos realizados na UBS-ESF. Dois escolares que não compareceram à UBS foram entrevistados e examinados no próprio domicílio, haja vista possuírem dificuldades em conciliar sua agenda com o horário de atendimento do estudo na UBS-ESF.
Dos 50 escolares participantes, 26 eram do sexo masculino e 24 do feminino, e 45 apresentaram cor de pele autorreferida branca; considerando-se ambas as idades, apenas três crianças não frequentavam a escola. Os dados socioeconômicos e demográficos da amostra estão apontados na Tabela 1.
Tabela 1 Características socioeconômicas e demográficas da amostra do estudo de saúde bucal com todos os escolares nas idades de cinco e 12 anos moradores do município de Arroio do Padre, Rio Grande do Sul, 2013
Famílias da faixa de renda mais alta predominaram no grupo dos cinco anos de idade; famílias da faixa intermediária de renda são majoritárias entre aqueles com 12 anos. Nos dois grupos, o pai era o chefe da família e a maioria dos domicílios possuía até quatro moradores.
A média de experiência de cárie aos cinco e aos 12 anos de idade foi, respectivamente, de 3,9 dentes (DP: 4,2) e 1,3 dentes (DP: 1,1). Mais da metade dos indivíduos de cinco e de 12 anos tiveram experiência de cárie. Do total dos escolares examinados, 19 apresentaram dentes cariados no momento do exame, e destes, 13 haviam consultado o dentista da unidade básica de saúde. No indicador ceo-d, predominou o componente cariado (82% na composição do índice) em relação ao componente obturado (18% na composição do índice), conforme apresentados na Tabela 2. Na dentição permanente, o componente obturado foi mais prevalente (65% da composição do índice), seguido do componente cariado (35% da composição do índice), apresentados na Tabela 2. O tratamento restaurador foi frequente nas duas idades, como se pode observar na Tabela 2; a prevalência da necessidade de tratamento em ambas as idades foi de 24/50: 13 escolares com cinco anos e 11 com 12 anos. O número de escolares com ou sem necessidade de tratamento encontra-se na Tabela 3. A Tabela 4 descreve as práticas de higiene bucal. A escovação diária dos dentes foi comum à maioria dos escolares, 19 crianças e 21 adolescentes, embora não se tenha observado a mesma dedicação no uso do fio dental. Mais da metade dos entrevistados sentiam necessidade de algum tratamento odontológico. Para a faixa etária dos cinco anos, houve maior relato de dor ao comer do que ao dormir. Aos 12 anos de idade, conforme relato dos pais, três adolescentes sentiam vergonha de seus dentes ao sorrir. Dois terços dos pais de crianças e adolescentes classificaram a saúde bucal de seus filhos como muito boa e boa; grande parte dos pais considerou como regular a boa sua própria saúde bucal.
Tabela 2 Componentes dos índices de ceo-d a (n=22) e CPO-D b (n=28) entre escolares nas idades de cinco e 12 anos (N=50), moradores do município de Arroio do Padre, Rio Grande do Sul, 2013
a) Ceo-d: número de dentes decíduos cariados, perdidos e restaurados (obturados)
b) CPO-D: número de dentes permanentes cariados, perdidos e restaurados (obturados)
Tabela 3 Número de escolares, de acordo com a necessidade de tratamento nas idades de cinco e 12 anos (N=50), moradores do município de Arroio do Padre, Rio Grande do Sul, 2013
Tabela 4 Hábitos e percepção de saúde bucal entre escolares nas idades de cinco e 12 anos (N=50) moradores do município de Arroio do Padre, Rio Grande do Sul, 2013
Quando avaliada a consulta com dentista alguma vez na vida, verificou-se que somente cinco crianças e um adolescente ainda não haviam consultado esse profissional. Para aqueles que sentiram necessidade de consulta odontológica, o serviço mais procurado foi a UBS local (N=38), seguida pela rede privada (N=4). A Tabela 5 descreve aspectos relativos às crianças e adolescentes que já consultaram um dentista. Entre os 42 escolares que consultaram na UBS, (i) 31 realizaram sua consulta há menos de um ano, (ii) a última consulta foi na UBS-ESF, (iii) o serviço de urgência da UBS-ESF para a última consulta foi pouco usado e (iv) o tempo de espera para o último atendimento na UBS-ESF variou de sete dias a dois meses. Contudo, cumpre observar: menos de um quarto dos escolares referiu nunca haver recebido orientação para prevenção de doenças bucais em consultas com profissionais de saúde. O atendimento da última consulta foi considerado bom e muito bom pela maioria dos entrevistados; a não resolubilidade desse atendimento foi destacada apenas por quatro entrevistados, responsáveis pelos escolares do grupo de cinco anos de idade. O profissional foi bem avaliado, independentemente da faixa etária atendida.
Tabela 5 Consultas com dentista e avaliação do serviço da unidade básica de saúde (UBS) entre escolares nas idades de 5 e 12 anos, moradores do município de Arroio do Padre, Rio Grande do Sul, 2013
Entre as sugestões elencadas pelos pais para aperfeiçoamento do serviço odontológico da UBS-ESF local, foram citadas: menor tempo de espera entre o agendamento e a consulta; realização de procedimentos de maior complexidade (endodontia, prótese, ortodontia, extração de 3º molar); e contratação de outro profissional para o atendimento no turno da tarde.
Entre as crianças de Arroio do Padre-RS contando cinco anos de idade, metade ainda apresentava dentes cariados, com ceo-d médio de 3,9. Trata-se de um índice superior ao encontrado em trabalhos cujo município-alvo se assemelha ao município estudado - no porte, na população rural e na idade investigada -,14,15 e aquém da média brasileira.4
Os valores mais altos de ceo-d concentram-se em poucas crianças e a não adição de flúor na água de abastecimento pode estar a contribuir para a elevada prevalência de cárie na dentição decídua. Estes resultados também se assemelham àqueles observados em outros estudos.15,16 Para alguns autores,15,17,18 são determinantes dessa polarização o baixo grau de informação, piores condições de qualidade de vida e pouco acesso a educação. Trata-se de determinantes sociais que não foram objeto da pesquisa e podem estar associados à polarização dentária. O planejamento de ações que considerem essas situações pode diminuir a ocorrência da cárie nos grupos de maior risco.
Deduz-se que no município de Arroio do Padre-RS, apesar de a maioria das crianças ter consultado o dentista na UBS-ESF local há menos de um ano, de os pais relatarem ter recebido orientação sobre prevenção e de considerarem o atendimento resolutivo, esses cuidados não se têm traduzido em melhoria da condição de saúde bucal desse grupo. A elevada experiência de cárie na dentição decídua e a baixa incorporação de tratamento odontológico restaurador podem estar relacionadas com a baixa escolaridade dos pais, fatores culturais, dificuldade de incorporar novos hábitos de higiene e pouca valorização da importância da dentição decídua.14,17
O efeito da cárie não tratada nas crianças de cinco anos de idade pode repercutir em sua qualidade de vida. Por exemplo, um dos achados do presente estudo foi o maior relato de dor ao comer, sintoma capaz de limitar a alimentação dessas crianças.
Devido ao número elevado de crianças e adolescentes a apresentar uma ou mais cáries no momento do exame, pode-se inferir que o serviço odontológico não está sendo resolutivo. Problemas decorrentes do tratamento e atendimento na UBS-ESF, como a não conclusão de um procedimento e a não oferta de tratamentos mais específicos, não foram abordados aqui, inviabilizando descrições peculiares quanto ao tipo de serviço.
Um possível fator contributivo para a maior compreensão de tais resultados estaria no atendimento diferencial com a dentição decídua por parte dos cuidadores, também apontado por outros estudos.14,19 Sabe-se que a saúde bucal das crianças nessa idade requer atenção, estímulo ao cuidado, planejamento e monitoramento, pois a presença de cárie na dentição decídua é o mais forte preditor de ocorrência de cárie na dentição permanente.11 Salienta-se, ainda, que o município onde ocorreu a investigação não dispõe de água de abastecimento público fluoretada, medida de proteção eficiente e eficaz contra a cárie.12
A efetiva implantação da fluoretação das águas de abastecimento público, conforme previsto em lei, favorecerá os residentes da zona urbana de Arroio do Padre-RS. Considerando-se a pequena proporção dos moradores do município a serem beneficiados por essa medida, outras propostas dever-se-ão implementar com o objetivo de aumentar o aporte de flúor à população rural, como o incentivo à escovação diária associado a aplicações tópicas de flúor com finalidade preventiva e terapêutica.20
Diferentemente das crianças, o grupo etário de adolescentes apresentou um índice médio de CPO-D baixo, de acordo com a escala de severidade proposta pela OMS,10 semelhante ao encontrado na Pesquisa Nacional de Saúde Bucal3 e em estudos realizados com populações similares, cuja variação foi de 1,0 a 1,7.12,21-23 Entre os adolescentes do município, o componente obturado foi mais prevalente, destacando-se o acesso e a resolubilidade dos tratamentos odontológicos.
Quanto à necessidade de tratamento odontológico, observou-se que a maior demanda foi por tratamento restaurador, enquanto a procura por tratamentos mais complexos, do tipo endodôntico, foi reduzida, com dados semelhantes ao do estudo de Pinto.16
A prevalência da necessidade de tratamento odontológico aos cinco anos de idade foi mais elevada (13/22), comparada à mesma necessidade apresentada pelos adolescentes; o achado coincide com dados identificados para o estado do Rio Grande do Sul, onde a prevalência foi maior para a dentição decídua.24
Cabe destacar que aos cinco anos de idade, os incisivos centrais cariados estão sendo esfoliados e, apesar de serem considerados cariados, não implicam necessidade de tratamento, fato que superestima o componente 'c' (dentes decíduos cariados) do índice ceo-d.24 Essa situação pode ter contribuído para a elevação do índice ceo-d neste estudo.
Descrever a necessidade e a utilização de serviços odontológicos é fundamental para uma percepção mais realista do desafio da universalização do acesso à saúde, proposto pelo Sistema Único de Saúde - SUS.9 Apesar de a literatura mostrar que a população brasileira, como um todo, ainda sofre com a falta de acesso a serviços odontológicos,9,14,25,26 não é o que se observa na população escolar investigada em Arroio do Padre-RS. Embora a relação de profissionais por habitante seja adequada, os horários disponíveis para os serviços odontológicos parecem não corresponder às condições da demanda da comunidade local. Um maior envolvimento da população na organização dos serviços pode contribuir no sentido de sua otimização. Ademais, para melhorar a assistência odontológica, deve-se focar, principalmente, na intensificação das ações de promoção e prevenção em saúde, com ênfase na dentição decídua, população com maior necessidade e prioritária desses cuidados, segundo este estudo.
A realização de levantamentos periódicos, para que se possa planejar, monitorar e avaliar adequadamente as condições de saúde bucal da população local é um dos caminhos para solucionar problemas nesse campo. Intervenções voltadas à população prioritária, na idade de cinco anos - de maior necessidade em saúde bucal - impactarão positivamente os cuidados em nível individual e coletivo, tornando todos corresponsáveis pela saúde.
As limitações do presente estudo devem ser salientadas. Variáveis como a percepção de saúde bucal do filho, avaliação do atendimento público odontológico e frequência de escovação podem estar sujeitas à inibição dos entrevistados em criticar negativamente o serviço e os cuidados com a higiene de seus filhos. A frequência da escovação, por exemplo, pode estar superestimada, levando-se em conta que escovar os dentes três vezes ao dia é um comportamento desejável socialmente, amplamente divulgado em distintos fóruns. O tipo de dentifrício (com ou sem flúor) e a frequência de ingestão de sacarose não foram investigados aqui.
Apesar das limitações, estudos descritivos constituem ferramentas de grande utilidade para a descrição de características da população, identificação de grupos de risco, ação preventiva e terapêutica mais efetiva. E para o planejamento em saúde.27,28 Como limitação, pode-se cogitar a presença do viés de cortesia nas avaliações do tratamento e dos profissionais. Os pais avaliaram o único serviço de saúde bucal do município e portanto, poderiam responder segundo imaginassem o que o profissional avaliado gostasse de ouvir.
Especula-se, ainda, que a ordem de procedimentos durante o trabalho de coleta de dados - exame e entrevista - pudesse ter influenciado alguns respondentes, visto que os pais presenciavam a marcação do número de cáries na ficha. Entretanto, essa influência pode estar presente em ambas as direções. Por exemplo: aqueles que confirmaram ou souberam da presença de cáries podem ter avaliado negativamente o serviço ou os cuidados pessoais. Coletar os dados em ordem alternada poderia distribuir melhor as diferenças na população estudada.
Os resultados deste trabalho permitiram estimar pela primeira vez a prevalência de cárie e a utilização do serviço público odontológico das crianças de cinco e 12 anos de idade em Arroio do Padre-RS, localidade com características próprias às de municípios da zona rural, cuja saúde da população, historicamente, tem sido pouco estudada no país.
Eis a razão porque estudos como este podem servir de base à realização de outros levantamentos em município do interior e de zona rural. Com poucas ações, simples e bem direcionadas, planejadas de acordo com a realidade local, é possível contribuir para uma mudança efetiva no quadro de saúde bucal dessas populações.