versão impressa ISSN 0066-782X
Arq. Bras. Cardiol. vol.102 no.4 São Paulo abr. 2014 Epub 08-Abr-2014
https://doi.org/10.5935/abc.20140043
O implante de prótese aórtica transcateter é uma alternativa efetiva para o tratamento cirúrgico para a correção de estenose aórtica grave em pacientes inoperáveis ou de alto risco cirúrgico.
Apresentar os resultados clínicos e ecocardiográficos imediatos e no médio prazo da experiência inicial do implante de prótese aórtica transcateter.
Entre junho de 2009 e fevereiro de 2013, 112 pacientes foram submetidos a implante de prótese aórtica transcateter.
A idade média foi 82,5 ± 6,5 anos e o Euro SCORE logístico foi 23,6 ± 13,5. O sucesso do procedimento foi de 84%. Após o implante, houve queda do gradiente sistólico médio (pré = 54,7 ± 15,3 mmHg vs. pós = 11,7 ± 4,0 mmHg; p < 0,01). Acidente vascular cerebral ocorreu em 3,6% dos pacientes, complicações vasculares em 19%, e foi necessário o implante de marca-passo definitivo em 13% dos pacientes nos primeiros 30 dias pós-implante. A mortalidade aos 30 dias e no seguimento médio de 16 ± 11 meses foi, respectivamente, de 14 e de 8,9%. A presença de doença pulmonar obstrutiva crônica foi o único preditor de mortalidade em 30 dias e no seguimento. A área valvar aórtica e o gradiente sistólico médio não apresentaram variações significativas durante o seguimento.
O implante de prótese aórtica transcateter é um procedimento eficaz e seguro para o tratamento da estenose aórtica em pacientes de alto risco cirúrgico ou inoperáveis. A presença de doença pulmonar obstrutiva crônica foi o único preditor independente de mortalidade identificado, tanto no primeiro mês pós-intervenção quanto no seguimento mais tardio.
Palavras-Chave: Estenose da valva aórtica/cirurgia; Implante de prótese de valva cardíaca; Idoso; Fatores de risco
Transcatheter aortic valve implantation is an effective alternative to surgical treatment of severe aortic stenosis in patients who are inoperable or at high surgical risk.
To report the immediate and follow-up clinical and echocardiographic results of the initial experience of transcatheter aortic valve implantation.
From 2009 June to 2013 February, 112 patients underwent transcatheter aortic valve implantation.
Mean age was 82.5 ± 6.5 years, and the logistic EuroSCORE was 23.6 ± 13.5. Procedural success was 84%. After the intervention, a reduction in the mean systolic gradient was observed (pre: 54.7 ± 15.3 vs. post: 11.7 ± 4.0 mmHg; p < 0.01). Cerebrovascular accidents occurred in 3.6%, vascular complications in 19% and permanent pacemaker was required by 13% of the patients. Thirty-day mortality and at follow-up of 16 ± 11 months was 14% and 8.9% respectively. The presence of chronic obstructive pulmonary disease was the only predictor of mortality at 30 days and at follow-up. During follow up, aortic valve area and mean systolic gradient did not change significantly.
Transcatheter aortic valve implantation is an effective and safe procedure for the treatment of aortic stenosis in high-surgical risk or inoperable patients. The presence of chronic obstructive pulmonary disease was the only independent predictor of mortality identified both in the first month post-intervention and at follow-up.
Key words: Aortic valve stenosis/surgery; Heart valve prosthesis; Aged; Risk factors
A estenose aórtica é a doença valvar cardíaca adquirida mais frequente nos países industrializados1 , afetando, em sua forma grave, 2% da população com mais de 65 anos de idade2 . Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam para um envelhecimento da população brasileira na próxima década que passará de 7,4% da população acima de 65 anos para 13,3% em 2030. A substituição cirúrgica da valva aórtica é o tratamento de eleição para pacientes com estenose aórtica grave sintomática, não somente reduzindo a sintomatologia, mas também prolongando a sobrevida3 .
Entretanto, por se tratar de uma afecção comum entre pacientes idosos e, por vezes, com outras importantes comorbidades, muitas vezes a cirurgia não é aventada como opção terapêutica, em razão dos elevados riscos inerentes ao ato operatório entre esses indivíduos1 . Nos últimos anos, o implante de prótese aórtica transcateter surgiu como o tratamento de eleição nos pacientes com estenose aórtica grave sintomática com contraindicação cirúrgica4 e como uma alternativa efetiva nos pacientes com alto risco cirúrgico5. No entanto, o custo relativamente elevado dessa nova tecnologia faz com que sua incorporação à rotina da maioria dos hospitais do Brasil seja lenta, a despeito de seus importantes benefícios a curto e médio prazos6-9 .
O presente estudo teve como objetivo apresentar os resultados clínicos e ecocardiográficos imediatos e a médio prazo da experiência inicial do implante de prótese aórtica transcateter em duas instituições do Estado de São Paulo. O objetivo primário desta análise foi definir as taxas de sucesso imediato do procedimento, assim como estabelecer a incidência de mortalidade e acidente vascular cerebral periprocedimento e no médio prazo. Secundariamente, avaliou-se a ocorrência de complicações vasculares e renais, bem como a durabilidade e a hemodinâmica da prótese valvar, no seguimento de médio prazo.
Entre junho de 2009 e fevereiro de 2013, um total 182 pacientes com estenose aórtica grave, sintomáticos e considerados de alto risco cirúrgico, foi encaminhado para avaliação.
A avaliação clínica pré-procedimento dessa população foi feita por meio da análise das comorbidades associadas, do grau de fragilidade do paciente, dos cálculos dos escores de risco (STS e EuroScore) e de exames laboratoriais. A avaliação da gravidade da estenose aórtica, da função ventricular esquerda, da aorta total e das coronárias foi feita por meio da angiotomografia computadorizada de coração, aorta e ilíacas, ecocardiograma transtorácico e/ou transesofágico e cateterismo cardíaco. Conforme os resultados desses exames e após discussão com o heartteam local, eram escolhidos o tratamento mais adequado, a via de acesso, o tipo e o diâmetro da prótese.
Nesta experiência, três tipos de próteses foram utilizadas: CoreValve® (Medtronic, por via transfemoral, transubclávia ou transaórtica), SAPIEN XT® (Edwards Lifesciences, por via transfemoral ou transapical) e Acurate TF® (Symetis, por via transfemoral). A escolha da prótese a ser utilizada envolveu critérios clínicos e anatômicos, como diâmetros, calcificação e tortuosidade das artérias ílio-femorais, bem como disponibilidade da prótese na ocasião do procedimento.
O risco cirúrgico e as possíveis complicações pós-operatórias dos pacientes foram definidas conforme cálculo do escore STS10 e do EuroSCORE logístico11 .
Todas as complicações e desfechos do estudo seguiram os critérios estabelecidos pelo Valve Academic Research Consortium-2 (VARC-2)12 .
Considerou-se sucesso do dispositivo quando uma única prótese foi liberada adequadamente e o resultado final, avaliado pelo ecocardiograma transesofágico, demonstrou ausência de desproporção prótese-paciente, gradiente transvalvar aórtico médio < 20 mmHg ou velocidade de pico < 3m/s e sem regurgitação aórtica maior ou igual a moderada.
Analisou-se a segurança do procedimento, conforme a mortalidade de todas as causas e as complicações, dentro dos 30 dias pós-procedimento.
Acidente vascular cerebral foi definido como défice neurológico focal ou global com duração > 24 horas ou presença de nova área de infarto cerebral por técnicas de imagem, independente da duração dos sintomas.
As complicações hemorrágicas foram divididas em:
sangramento com risco de morte: sangramento fatal, ou evidente num órgão vital, ou que levasse a choque hipovolêmico ou à hipotensão grave que requeresse vasopressores ou cirurgia; ou aquele sangramento evidente com queda na hemoglobina ≥5 g/dL ou necessidade de transfundir 4 ou mais concentrados de hemácias;
sangramento maior: sangramento evidente com queda na hemoglobina ≥3 g/dL ou necessidade de transfundir dois ou três concentrados de hemácias, ou necessidade de hospitalização ou cirurgia que não preenche critérios de sangramento com risco de morte;
sangramento menor: qualquer sangramento digno de menção (por exemplo: hematoma no local da punção).
Todas as complicações vasculares foram analisadas e definidas conforme os critérios estabelecidos pelo VARC-212 e subdivididas em:
complicações vasculares maiores: dissecção de aorta, ruptura aórtica, perfuração do ventrículo esquerdo, pseudoaneurisma apical ou injúria vascular relacionada ao local de punção que leva a óbito, sangramento maior ou com risco de morte, isquemia visceral ou prejuízo neurológico; embolização distal não cerebral que requer cirurgia; necessidade de intervenção cirúrgica ou percutânea que leva à morte, sangramento maior, isquemia visceral, ou prejuízo neurológico; ou qualquer isquemia ipsilateral documentada;
complicações vasculares menores: injúria vascular relacionada ao local de punção que não preenche os critérios maiores; embolização distal não cerebral tratada com embolectomia ou trombectomia; necessidade de intervenção cirúrgica ou percutânea, que não preenche critérios maiores e falha do sistema de fechamento percutâneo.
A injúria renal aguda foi definida conforme o sistema AKIN13 , e foi avaliada até o sétimo dia pós-implante. A classificação AKIN estratifica a função renal em três estágios, conforme a dosagem da creatinina sérica e a quantificação do volume urinário:
estágio 1: aumento de 0,3 mg/dL ou aumento de 150 a 200% do valor basal da creatinina sérica ou uma diurese < 0,5 mL/kg/h por 6 horas;
estágio 2: aumento > 200 a 300% do valor basal da creatinina sérica ou uma diurese < 0,5 mL/kg/h por > 12 horas;
estágio 3: aumento > 300% do valor basal da creatinina sérica ou creatinina sérica ≥ 4,0 mg/dL com aumento agudo de pelo menos 0,5 mg/dL ou uma diurese < 0,3 mL/kg/h por 24 horas ou anúria por 12 horas.
Os dados clínicos e as informações dos exames complementares durante o seguimento foram coletados em visitas médicas ou por contato telefônico, 30 dias após o procedimento e, posteriormente, a cada 6 meses.
As variáveis contínuas foram apresentadas como média ± desvio padrão e as variáveis categóricas como frequências (número e porcentagem), tendo sido comparadas pelos testes qui-quadrado, t de Student, ANOVA ou não paramétrico de Mann-Whitney, dependendo de sua distribuição. Utilizou-se o modelo de regressão logística para determinar os preditores independentes de óbito nos primeiros 30 dias pós-implante e um modelo de Cox para determinar os preditores independentes de óbito no seguimento. Utilizou-se a curva de sobrevida de Kaplan Meier para estimar a taxa de sobrevida livre de eventos desta população.
Os dados foram analisados com o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 16 (Chicago, Illinois). Admitiu-se erro alfa de 5% e consideraram-se significantes valores de p ≤ 0,05.
No período entre junho de 2009 e fevereiro de 2013, um total de 182 pacientes com estenose aórtica grave sintomática foi avaliado para o implante de prótese aórtica transcateter. Destes, 112 (62%) pacientes foram submetidos a implante de prótese aórtica transcateter. Dos restantes, 33 (18%) pacientes foram mantidos em tratamento clínico, 3 (1,6%) foram para substituição valvular aórtica cirúrgica, 15 (8,2%) faleceram antes do procedimento e 19 (10,4%) pacientes estão em avaliação pré-intervenção (Figura 1).
Figura 1 Fluxograma do estudo que apresenta o total de pacientes avaliados para implante de prótese aórtica transcateter pelo heartteam do Instituto Dante Pazzanese de Cardiología e do Hospital do Coração.
As características clínicas e ecocardiográficas de base dos 112 pacientes incluídos neste registro encontram-se descritas nas Tabelas 1 e 2, respectivamente.
Tabela 1 Características clínicas de base
Variável | População avaliada (112 pacientes) n (%) |
---|---|
Idade, média ± DP | 82,5 ± 6,5 |
Sexo feminino | 66 (58,9) |
Diabetes melito | 39 (34,8) |
Hipertensão | 91 (81,3) |
Classe Funcional NYHA II | 24 (21,4) |
Classe Funcional NYHA III-IV | 88 (78,6) |
Doença arterial coronária | 63 (56,3) |
ICP prévia | 19 (17,0) |
CRM prévia | 24 (21,4) |
DAOP | 33 (29,5) |
Doença carotídea | 19 (17,0) |
DPOC | 14 (12,5) |
IRC | 78 (69,6) |
Hipertensão pulmonar | 37 (33,0) |
EuroSCORE loglstico, média ± DP | 23,6 ± 13,5 |
DP: desvio padrão; NYHA: New York Heart Association; ICP: intervenção coronária percutânea; CRM: cirurgia de revascularização miocárdica; DAOP: doença arterial obstrutiva periférica; DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; IRC: insuficiência renal crônica (clearance de creatinina < 60 mL/min).
Tabela 2 Achados ecocardiográficos pré-procedimento
Variável | População avaliada (112 pacientes) |
---|---|
Fração de ejeção do ventrículo esquerdo, % | 57,1 ± 13,2 |
Diâmetro diastólico final do ventrículo esquerdo, mm | 51,4 ± 7,1 |
Diâmetro sistólico final do ventrículo esquerdo, mm | 34,4 ± 9,6 |
Átrio esquerdo, mm | 44,3 ± 5,3 |
Diâmetro do septo, mm | 12,5 ± 1,5 |
Diâmetro da parede posterior, mm | 12,1 ± 1,5 |
Gradiente sistólico máximo, mmHg | 89,0 ± 23,5 |
Gradiente sistólico médio, mmHg | 54,7 ± 15,2 |
Área valvar aórtica, mm2 | 0,66 ± 0,15 |
Diâmetro do anel aórtico, mm | 22,0 ± 3,3 |
Pressão sistólica de artéria pulmonar, mmHg | 49,8 ± 12,7 |
Presença de insuficiência aórtica moderada/grave, n (%) | 11 (9,8) |
Presença de insuficiência mitral moderada/grave, n (%) | 19 (17) |
Presença de insuficiência tricúspide moderada/grave, n (%) | 14 (12,5) |
A média da idade dos pacientes foi de 82,5 ± 6,5 anos, sendo 66 (59%) do sexo feminino. O EuroSCORE logístico médio foi de 23,6 ± 13,5. Um terço dos pacientes (33%) tinha hipertensão pulmonar grave, 33 (29%) pacientes tinham doença vascular periférica importante, 24 (21%) tinham antecedentes de cirurgia cardíaca prévia e 88 (79%) encontravam-se em Insuficiência cardíaca crônica classe funcional III-IV (NYHA).
O gradiente transaórtico máximo antes do procedimento foi de 88,0 ± 24,3 mmHg e o médio foi de 54,7 ± 15,3 mmHg, ao passo que a área valvar aórtica média foi de 0,66 ± 0,14 cm2 e o valor médio da fração de ejeção do ventrículo esquerdo foi de 57,1 ± 13,2%.
Todos os procedimentos foram realizados sob anestesia geral e guiados por ecocardiografia transesofágica.
A via femoral foi o acesso predominante, utilizado em 91% dos pacientes. Utilizaram-se ainda as vias transapical (6%), transaórtica (2%) e a subclávia (1%).
A prótese CoreValve® foi utilizada em 76 pacientes (68%), ao passo que a Sapien XT® em 21 (19%) e a Acurate TF(tm) em 15 (13%).
O sucesso do dispositivo foi obtido em 94 pacientes (84%). Houve dois óbitos durante o procedimento (1,8%) e em cinco casos (4,5%), uma segunda prótese teve de ser implantada, devido a posicionamento inadequado da primeira. Refluxo para protético moderado foi evidenciado em 11 pacientes (9,8%).
Houve uma queda significativa do gradiente sistólico médio (pré = 54,7 ± 15,3 mmHg vs. pós = 11,7 ± 4,0 mmHg; p < 0,01) e um ganho da área valvar aórtica (pré = 0,6 ± 0,2 cm2 vs. pós = 1,8 ± 0,3cm2; p < 0,01)imediatamente após a colocação da prótese. O Doppler-ecocardiograma não evidenciou refluxo para protético grave em nenhum paciente.
As principais complicações nos primeiros 30 dias pós-implante estão descritas na Tabela 3.
Tabela 3 Complicações ocorridas nos primeiros 30 dias após o procedimento (VARC 2)
Variável | Valor n (%) |
---|---|
AVC | 4 (3,6) |
Complicações hemorrágicas | 46 (41,1) |
Sangramento menor | 14 (12,5) |
Sangramento maior | 26 (23,2) |
Sangramento com risco de morte | 6 (5,3) |
Complicações vasculares | 21 (18,7) |
Complicação vascular menor | 12 (10,7) |
Complicação vascular maior | 9 (8,0) |
Injuria renal aguda | 29 (25,9) |
Estágio 1 | 16 (14,3) |
Estágio 2 | 2 (1,8) |
Estágio 3 | 11 (9,8) |
Necessidade de marca-passo definitivo | 15 (13,4) |
Embolização da prótese | 3 (2,7) |
Necessidade de segunda prótese | 5 (4,5) |
Óbito (qualquer causa) | 16 (14,3) |
VARC-2; Valve Academic Research Consortium-2; AVC; acidente vascular cerebral.
Nessa série inicial, a mortalidade por todas as causas nos primeiros 30 dias foi de 14%. Quando excluídos os primeiros 40 pacientes a mortalidade cai para 8,1%. O único preditor independente de morte em 30 dias foi a doença pulmonar obstrutiva crônica (OR = 4,7 [IC 95%: 1,2-18,6]; p = 0,025).
Acidente vascular cerebral ocorreu em quatro pacientes (3,6%), sendo três do tipo isquêmico. Complicações hemorrágicas ocorreram em 46 pacientes (41%), dos quais 5,5% classificados como com risco de morte. Complicações vasculares relacionadas à via de acesso foram detectadas em 19% dos casos, sendo a maioria (11%) complicações vasculares menores. Foi necessário o implante de marca-passo definitivo em 15 pacientes (13,4%).
Vinte e nove pacientes (27%) apresentaram insuficiência renal aguda pós-procedimento, sendo a maioria (14%) do estágio 1, segundo classificação AKIN.
Um seguimento médio de 16 ± 11 meses foi obtido em 100% da população tratada. Após os primeiros 30 dias, a mortalidade de todas as causas foi de 8,9%, dos quais dois óbitos foram de causa cardíaca, quatro de causa não cardíaca e quatro de causa indeterminada. A Figura 2 mostra a probabilidade e a sobrevida dessa população.
Não houve diferenças na mortalidade no seguimento conforme o gênero, a presença de doença vascular periférica, a presença de hipertensão pulmonar, o histórico de cirurgia de revascularização miocárdica e a insuficiência renal crônica (Figura 3).
Figura 3 Estudo de subgrupos: curvas de sobrevida de Kaplan-Meier. (A) Sobrevida conforme gênero. (B) Sobrevida conforme a presença de doença pulmonar obstrutiva crônica. (C) Sobrevida conforme a presença de doença vascular periférica. (D) Sobrevida conforme a presença de hipertensão pulmonar. (E) Sobrevida conforme o histórico de cirurgia de revascularização miocárdica. (F) Sobrevida conforme a presença de insuficiência renal crônica.
Também, no acompanhamento clínico, a doença pulmonar obstrutiva crônica foi o único preditor independente de mortalidade (OR = 6,37 (IC 2,14 - 19,0 ); p = 0,001).
As principais complicações durante o seguimento, após os primeiros 30 dias do procedimento, foram: necessidade de implante de marca-passo definitivo (3,6%), complicações hemorrágicas maiores (1,8%) e acidente vascular cerebral (0,9%). Não foi observado nenhum caso de disfunção de prótese, e nenhum paciente precisou de nova intervenção valvar durante o seguimento.
O resultado hemodinâmico das próteses, avaliado pelo Doppler-ecocardiograma, foi mantido em até 3 anos, como está demonstrado a seguir:área valvar protética (1 ano = 1,7 ± 0,5 cm2; 2 anos = 1,9 ± 0,3cm2 e 3 anos = 2,0 ± 0,1 cm2; p = 0,3) e o gradiente sistólico médio (1 ano = 10,9 ± 5,3 mmHg; 2 anos = 9,4 ± 4,4 mmHg e 3 anos = 9,5 ± 2,1 mmHg; p = 0,1), (Figura 4).
Os resultados deste estudo confirmam que o implante transcateter de prótese aórtica, em pacientes de elevado risco cirúrgico ou com contraindicação à cirurgia convencional de troca valvar, é um procedimento terapêutico factível e efetivo, com elevada incidência de sucesso imediato e manutenção dos resultados no médio prazo.
O presente registro representa, junto do registro do Hospital Albert Einstein6 , o início da experiência nacional com o implante percutâneo de prótese valvar aórtica, sendo esta a maior casuística brasileira de um mesmo grupo, utilizando três diferentes tipos de prótese e os mais variados acessos descritos.
Embora os pacientes aqui incluídos tenham elevado risco de morbimortalidade, com EuroScore médio de 23%, a mortalidade por todas as causas foi 14%,a qual é semelhante ou inferior a reportada em outras casuísticas nacionais e internacionais6,7,14,15 . Chama a atenção que a mortalidade está relacionada também à curva de aprendizado da equipe multidisciplinar, visto que quando os 40 primeiros pacientes foram excluídos, a mortalidade caiu para 8,1%. Dados semelhantes foram relatados por Gurvitch e cols.16 que observaram uma mortalidade de 13,5% entre os primeiros 135 pacientes por eles tratados, e de 5,9% nos 135 pacientes que se seguiram.
A sobrevida a médio prazo destes pacientes, a despeito da idade avançada, média de 82 anos, foi de 77% em 16 ± 11 meses de seguimento. Esses números são semelhantes aos publicados no estudo randomizado PARTNER4,5 .
Vários estudos têm tentado identificar preditores de mortalidade imediata e tardia em pacientes tratados com implante de prótese aórtica transcateter17-20 . O presente estudo identificou a presença de doença pulmonar obstrutiva crônica como único preditor independente de mortalidade, tanto no primeiro mês como no seguimento mais tardio. Nos pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica, a probabilidade de sobrevida após 1ano foi de 50%, ao passo que nos pacientes sem doença pulmonar obstrutiva crônica foi 85%. Esses resultados sugerem que é necessária uma avaliação criteriosa da função pulmonar nos pacientes com suspeita de doença pulmonar antes de aceitá-los para o implante de prótese aórtica transcateter.
Os resultados imediatos obtidos nesta série de pacientes estão de acordo com os resultados de diversas séries internacionais14,15,21,22 . O sucesso do dispositivo foi obtido em 84% dos casos, o que está de acordo com outras séries atuais6,23 . Inicialmente, a definição de sucesso do dispositivo estava enfocada ao implante de uma única prótese na correta posição anatômica e sem mortalidade operatória, enquanto a nova definição proposta pela VARC-2 engloba o último, bem como a função hemodinâmica da válvula protética. A principal causa de insucesso do dispositivo foi a presença de refluxo paraprotético igual ou maior a moderado presente em aproximadamente 10% de nossos pacientes, incidência similar à achada no estudo randomizado PARTNER (coortes A e B)4,5 , em que essa complicação ocorreu em 12,2 e 11,8%, respectivamente.
No que se refere a ocorrência de complicações hemorrágicas, a incidência de sangramento maior neste estudo foi superior à descrita nos primeiros estudos sobre essa técnica, incluindo a coorte B do estudo PARTNER, na qual se observaram somente 16,8% de hemorragias ditas maiores. No entanto, cabe ressaltar que as complicações hemorrágicas foram inconsistentemente relatadas na literatura até a publicação das definições VARC12,24 . Recente meta-análise de Généreuxe cols.25 , utilizando as definições padronizadas por aquele consenso, demonstrou uma incidência estimada de sangramento maior de 22,3%, o que se assemelha a encontrada na série em discussão. Aqui vale também ressaltar a importância da curva de aprendizagem, além do aperfeiçoamento dos introdutores e dos sistemas de entrega das válvulas percutâneas atuais. Se os autores considerarem a ocorrência de sangramento nos últimos 80 casos, a incidência de sangramento maior reduz-se para 18%.
Estudos prévios também demonstraram que a injúria renal aguda é uma complicação frequente, após implante de prótese aórtica transcateter, ocorrendo em até 28% dos casos26 . Apesar das comorbidades associadas e da necessidade de utilização de contraste durante o procedimento, a injúria renal aguda, estágios 2 e 3, ocorreu em 2 e 11% dos casos, respectivamente.
Neste estudo, houve necessidade de implantar marca-passo definitivo em 15 pacientes (13,3%). Como foi relatado em diversas séries27,28 , houve uma maior necessidade de implante de marca-passo definitivo no grupo de pacientes tratados coma prótese CoreValve® (13 em 77 casos; 17,1%) do que no grupo de pacientes com prótese Sapien XT® (2 em 21 pacientes; 9,5%) ou Accurate (nenhum caso).
Finalmente, no que se refere à durabilidade da prótese transcateter, diversos estudos, assim como o atual, avaliaram os resultados ecocardiográficos imediatos e no seguimento mais tardio, confirmando a manutenção da hemodinâmica da prótese7,19,29 .
Esta experiência inicial indicou que o implante de prótese aórtica transcateter é um procedimento terapêutico eficaz e seguro para o tratamento da estenose aórtica sintomática em pacientes de alto risco cirúrgico ou inoperáveis. A presença de doença pulmonar obstrutiva crônica foi o único preditor independente de mortalidade identificado tanto no primeiro mês pós-intervenção quanto no seguimento mais tardio.