versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.4 Rio de Janeiro abr. 2019 Epub 02-Maio-2019
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018244.01332017
Durante as últimas décadas, a preocupação com a geração e o descarte dos resíduos sólidos no Brasil tem crescido consideravelmente. Estima-se que apenas na região metropolitana de São Paulo, formada por 39 municípios e quase 19,6 milhões de habitantes 1 , sejam geradas cerca de 16 mil toneladas de resíduos sólidos domiciliares por dia 2 que necessitam ter uma destinação adequada. O crescimento na geração, a ausência de uma política de gestão desses resíduos e a existência de expressiva parcela da população vivendo em condições de pobreza, fez surgir décadas atrás a figura do catador de materiais recicláveis. São indivíduos que passaram a recolher do lixo das ruas e das áreas de disposição, materiais que pudessem ser vendidos para a indústria de reciclagem e, a partir disso, obter os seus sustentos.
Ainda hoje, grande parte do processo de reciclagem no Brasil é desenvolvida a partir do trabalho informal, autônomo ou cooperativado exercido pelos catadores. Estimativas recentes apontam a existência de cerca de 380 mil pessoas sobrevivendo da coleta, processamento e comercialização desses materiais recicláveis 3 . Esta profissão se consolidou após a aprovação, em 2010, da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que propôs a destinação de recursos federais e estaduais para que os municípios realizassem um trabalho de integração e capacitação dos catadores de resíduos, incentivando a criação e o desenvolvimento de cooperativas ou de outras formas de associação 4 . Atualmente, existem no município de São Paulo 23 cooperativas de catadores de materiais recicláveis conveniadas e oito certificadas, trabalhando junto à prefeitura no Programa de Coleta Seletiva, além de duas centrais mecanizadas 5 .
Entretanto, as condições de trabalho presentes nas cooperativas brasileiras ainda são relativamente precárias e a avaliação quantitativa dos agentes químicos aos quais os trabalhadores da reciclagem estão expostos é inexistente. Alguns estudos apontam que trabalhadores informais ou cooperativados que manipulam REEE podem estar sujeitos à contaminação por esses produtos 6,7 . A atividade informal de reciclagem de resíduos de equipamentos eletroeletrônicos (REEE) pode levar à contaminação ambiental por poluentes orgânicos persistentes (POPs) e metais pesados 8-10 , entre eles o Hg metálico utilizado para a extração de ouro e prata 11 . Na Suécia, a exposição ocupacional de trabalhadores formais de empresas de reciclagem de REEE foi verificada para múltiplos metais, entre eles o mercúrio (Hg) 12 .
Em visitas às cooperativas da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), além do material reciclável comum observamos a presença de pilhas, baterias, embalagens de produtos químicos, equipamentos eletroeletrônicos e até mesmo lâmpadas fluorescentes, uma conhecida fonte de exposição ao mercúrio inorgânico, embora exista uma determinação expressa para que as cooperativas não recebam esse último tipo de material. O mercúrio também está presente em relés e interruptores, baterias, lâmpadas de descarga a gás usadas em display LCD, capacitores, LED montado em placas de circuito impresso e termostatos 13 .
A exposição humana aos compostos de Hg tem sido de grande preocupação pública em todo o mundo devido à sua elevada toxicidade e associação com doenças neurológicas e motoras (ex: Alzheimer, Parkinson, autismo), renais, cardíacas, imunológicas, reprodutivas e genéticas 14-16 . As exposições ocupacionais por inalação de vapores ou absorção cutânea de Hg elementar ou seus compostos representam uma ameaça potencial para a saúde humana, especialmente para trabalhadores das indústrias de lâmpadas fluorescentes 17 . Além disso, pode haver contaminação do ambiente e de cultivos existentes nos arredores dessas indústrias, tal como observado em plantação de arroz na China 18 .
Considerando-se que as cooperativas de catadores de materiais recicláveis recebem REEE e inadvertidamente lâmpadas fluorescentes, é possível que os trabalhadores possam estar expostos a este metal. Dessa forma, o objetivo do presente estudo foi identificar as possíveis áreas/fontes de Hg no ambiente de cooperativas de triagem de materiais recicláveis na RMSP e verificar se a concentração no ambiente excede o limite de exposição ocupacional preconizado na legislação brasileira (NR-15) e por organizações internacionais.
O estudo foi realizado em quatro cooperativas de triagem de materiais recicláveis localizadas na região metropolitana de São Paulo, no período de agosto a dezembro de 2013 e em julho de 2014. Os principais materiais separados são provenientes de coleta seletiva e consistem principalmente de papel, latas de alumínio, embalagens de plástico e papelão, garrafas de vidro e equipamentos eletroeletrônicos. O processo de trabalho dentro das cooperativas estudadas é semelhante, consistindo basicamente em carregamento/descarregamento de material reciclável dos caminhões, alimentação da esteira de triagem, separação de material por categorias, movimentação dos “bags” ou contêineres, prensagem, enfardamento e armazenamento de material para comercialização, desmonte de equipamentos eletroeletrônicos, além das atividades administrativas, de manutenção, limpeza e preparo de refeições (cooperativa A).
Para a identificação das atividades que potencialmente poderiam expor os trabalhadores das cooperativas de materiais recicláveis ao mercúrio, foram realizadas coletas de amostras de ar por amostragem estática em três dias alternados ao longo de uma semana, com exceção da cooperativa A onde só foi possível coletar em apenas dois dias. Foram amostradas as seguintes áreas de trabalho, de acordo com as principais atividades laborais desenvolvidas: 1) monte de triagem, 2) balança, 3) prensa, 4) área de separação/desmonte de equipamentos eletroeletrônicos (REEE), 5) refeitório, 6) escritório 7) mini empilhadeira, 8) esteira e 9) pátio externo. As áreas de refeitório, escritório e pátio externo foram escolhidas por serem consideradas como possíveis locais com baixo nível de contaminação por mercúrio, para fins de comparação.
A descrição das áreas acima está apresentada no Quadro 1. Apesar da estrutura física e do processo de trabalho nas cooperativas apresentarem muitas semelhanças, a configuração dos ambientes e organização das atividades diferem em alguns aspectos. Normalmente, a triagem é realizada em esteira mecanizada, no entanto, no período de amostragem da cooperativa A, a esteira estava quebrada e a triagem foi realizada no monte de material acumulado no pátio interno do galpão. A cooperativa C trabalha com dois tipos de esteira, a normal e a suspensa; ambas foram amostradas. O material é separado por categorias em “bags” ou contêineres, os quais são encaminhados para a prensa onde é realizada a compactação e a formação dos fardos. Com relação aos REEE, apenas três cooperativas realizam a atividade de desmonte e separação de componentes, incluindo desencape de fios de cobre, não envolvendo processos de aquecimento. No entanto, as atividades nesses locais diferiram nos dias amostrados, sendo nula, parcial e constante nas cooperativas A, C e D, respectivamente. O pátio externo só foi amostrado na cooperativa D.
Quadro 1 Data, áreas de coleta das amostras de ar para determinação de mercúrio e características das áreas de amostragem e das atividades de cada cooperativa.
Área de coleta | Cooperativa A 07 e 09/08/2013 | Cooperativa B 29, 30 e 31/10/2013 | Cooperativa C 09, 11 e 13/12/2013 | Cooperativa D 01, 03 e 07/07/2014 |
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1) monte de triagem | Triagem de material despejado no chão do galpão | Não | Não | Não |
2) prensa | Disposta em galpão fechado em sala com muita umidade, presença de mofo | Disposta em galpão fechado, chão é umedecido por causa da poeira | Disposta em galpão semiaberto | Disposta em galpão semiaberto |
3) balança | Sim | Não amostrada | Não amostrada | Sim |
4) área de desmonte de REEE | Sem atividade durante a amostragem, sala fechada dentro do galpão | Não trabalham com desmonte de equipamentos eletroeletrônicos | Com atividade parcial, em local semiaberto | Com atividade frequente, em sala fechada separada do galpão |
5) refeitório | Mezanino dentro do galpão | Não amostrado por problemas de logística | Não amostrado por problemas de logística | Ambiente separado do galpão de triagem |
6) escritório | Mezanino, com janela voltada para o galpão | Sala externa ao galpão | Sala externa ao galpão, no segundo piso | Sala externa ao galpão |
7) mini empilhadeira | Não amostrada | Sim | Sim | Sim |
8) esteira | Esteira normal, galpão fechado | Esteira normal e suspensa, galpão semi-aberto | Esteira normal, galpão fechado | |
9) pátio externo | Não amostrado | Não amostrado | Não amostrado | Tráfego intenso de caminhão, muita poeira |
REEE = Resíduo de equipamentos eletroeletrônicos.
O tempo de amostragem de ar representou cerca de 75% (~ 6 h) da jornada de trabalho. A amostragem de ar para avaliação do mercúrio foi realizada seguindo a recomendação de NIOSH 19 , utilizando-se tubos hopcalite ® (Anasorb C300, SKC, 226-17-1A) acoplados a uma bomba portátil calibrada a 2 L/min com restritor de vazão para 0,2 L/min. Para cada ponto de coleta foi preparado um conjunto de filtros e bombas montados em um tripé a uma altura aproximada de 1,5 m, próximo ao equivalente à zona respiratória do trabalhador. No caso da mini empilhadeira, este conjunto foi acoplado na grade lateral do veículo, de forma a ficar próximo à face do condutor. As bombas foram desligadas nos intervalos de almoço e descanso, sendo ligadas novamente no reinício da atividade. No caso da área de desmonte de REEE as bombas foram desligadas no período do almoço e descanso e ligadas no mesmo horário que as demais, mesmo que não houvesse atividade de desmonte. Ao final da coleta os tubos de hopcalite foram vedados em suas extremidades e acondicionados em uma maleta metálica forrada com espuma, para manter a integridade da amostra até a análise em laboratório.
O preparo das amostras foi realizado de acordo com o método 6009 da NIOSH 19 , com modificações. O adsorvente contido no tubo hopcalite foi transferido para um balão volumétrico de 25 mL, sendo acrescentado 2,5 mL de HNO 3 e 2,5 mL de HCl, ambos reagentes concentrados de grau analítico (Merck), sem qualquer tratamento prévio. A amostra permaneceu em repouso por 1 hora para dissolução completa do material; após esse período completou-se o balão volumétrico com água ultrapura (Millipore). Para cada tomada de ensaio, foram preparadas três amostras em branco dos filtros hopcalite ® . A concentração de mercúrio (μg.L -1 ) nas amostras foi determinada com a técnica de Espectrometria de Absorção Atômica com Gerador de Vapor Frio/ASSGV (Analyst 100/FIAS 400, Perkin Elmer), utilizando-se HCl 3% (v.v -1 , Merck) como solução carreadora, SnCl 2 5% (p.v -1 , Vetec) em solução de HCl 5% (v.v -1 ) (Merck) como solução redutora, loop de amostra de 1.000 µL e argônio ultrapuro como gás de arraste. A curva analítica foi preparada diariamente pela diluição de solução padrão de mercúrio com concentração de 50,0 µg.L -1 , obtida a partir de solução estoque de 1.000 µg.L -1 (Inorganic Ventures), em solução de HCl a 4% (v.v -1 ) (Merck), para as concentrações apropriadas que resultaram em uma relação linear da curva analítica de 0 – 0,2 – 0,3 – 0,5 – 1,0 – 1,5 – 2,0 µg.L -1 .
Para a garantia da confiabilidade dos resultados, o método analítico desenvolvido in house foi validado para determinação de mercúrio em água em meio HCl 4% (Merck), empregando-se adição de padrão de Hg em níveis de concentração de interesse ambiental. O método demonstrou ser linear, atendendo aos critérios de homocedasticidade, análise de variância na regressão (p < 0,05) e gráfico de resíduos com distribuição aleatória em torno da reta. A sensibilidade obtida forneceu sinal analítico capaz de diferenciar as concentrações de 0,18 µg.L -1 e 0,22 µg.L -1 . A exatidão e a precisão do método foram avaliadas por meio de ensaios de recuperação em três níveis distintos de concentração de Hg (0,25, 0,75 e 1,0 µg.L -1 ) e para 6 preparações independentes para cada concentração. A recuperação média foi de 92,3 ± 5,5 % e o coeficiente de variação (CV) variou de 3 a 8%. O limite de detecção (LD) e de quantificação (LQ) foram determinados multiplicando-se por 3 e 10 vezes, respectivamente, o desvio padrão (DP) da média de 7 preparações independentes do branco da amostra do tubo hopcalite, sendo LD = 0,06 e LQ = 0,22 μg.L -1 .
Considerando-se que a maior parte dos dados ficou abaixo do LQ, não foi possível realizar uma análise estatística descritiva das concentrações de Hg. As amostras foram avaliadas considerando-se a frequência de dados < LD, entre LD e LQ, e > LQ, por área de coleta e cooperativa. As concentrações não detectadas (ND) foram agrupadas em < LD. Foram realizados testes de qui-quadrado (χ 2 , α = 0,05) com o objetivo de identificar diferenças nas proporções entre categorias de concentrações de Hg, entre as cooperativas (áreas agrupadas) e entre as áreas de atividade amostradas (cooperativas agrupadas).
As concentrações de mercúrio acima do LQ foram comparadas com os valores de referência de exposição ocupacional determinados na legislação nacional e organizações internacionais (Tabela 1).
Tabela 1 Valores de referência de mercúrio no ar preconizados pela legislação brasileira e organizações internacionais.
Norma Regulamentadora NR-15 22 | 40 μg.m -3 |
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ACGIH 23 | 25 μg.m -3 |
NIOSH 24 | 50 μg.m -3 |
OSHA 25 | 100 μg.m -3 |
ACGIH = American Conference of Governmental Industrial Hygienist, NIOSH = National Institute for Occupational Safety and Health, OSHA = Occupational Safety Health Administration.
Foram obtidas 83 amostras de ar para análise da concentração de Hg (cooperativas A = 17, B = 20, C = 22, D = 24). O volume médio amostrado foi de 0,72 ± 0,06 litros e o tempo médio foi 356 ± 27 minutos (Tabela 2), correspondendo no mínimo a 70 % (336 minutos) de uma jornada diária de 8 horas.
Tabela 2 Tempo (minutos) e volume médio (m3) de ar amostrado pelas bombas em cada cooperativa. = média, dp = desvio padrão, N = tamanho da amostra.
Tempo (min.) | Volume (m 3) | N | ||||||
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| ||||||||
Cooperativa | ± | dp | ± | dp | ||||
A | 352 | ± | 22 | 0,73 | ± | 0,04 | 17 | |
B | 361 | ± | 18 | 0,75 | ± | 0,03 | 21 | |
C | 340 | ± | 35 | 0,67 | ± | 0,08 | 21 | |
D | 366 | ± | 23 | 0,73 | ± | 0,06 | 24 | |
| ||||||||
Total | 356 | ± | 27 | 0,72 | ± | 0,06 | 83 |
Cerca de 67,5% das amostras apresentaram concentrações acima do LD e apenas 14,5 % acima do LQ (Figura 1). A cooperativa A foi a que apresentou o maior número de amostras com valores acima do LQ (N = 9) e nenhum valor abaixo do LD. Apenas na área do escritório não foram observados valores > LQ. As cooperativas B e C apresentaram padrões semelhantes, com predominância de concentrações entre LD e LQ, sendo observados valores acima do LQ somente na esteira, em ambas as cooperativas. A maior parte das amostras da cooperativa D apresentaram valores abaixo do LD, não tendo sido observado nenhum valor acima do LQ (Figura 1). De modo geral, a cooperativa A apresentou o maior número de amostras acima do LQ e a cooperativa D o menor.
Figura 1 Frequência relativa de amostras com concentrações de mercúrio (µg.L-1) abaixo do limite de detecção (LD=0,06 µg.L-1), acima do limite de quantificação (LQ=0,21 µg.L-1) e entre LD e LQ, por área de coleta e cooperativa. Código das áreas amostradas: 1) monte, 2) prensa, 3) balança, 4) REEE, 5) refeitório, 6) escritório, 7) mini empilhadeira, 8) esteira e 9) pátio externo.
Comparações estatísticas entre as cooperativas, com as áreas de trabalho agrupadas, resultaram em diferenças significativas na proporção de valores nas três faixas de concentrações (χ 2 = 54,799, gl = 6, p = 0,000). As áreas de coleta também foram comparadas com as cooperativas agrupadas, excluindo-se as áreas monte e pátio externo, uma vez que essas só foram amostradas na cooperativa A. As frequências de valores nas três categorias de concentrações não diferiram entre as áreas (χ 2 = 7,882, gl = 12, p = 0,919).
Todas as amostras apresentaram concentrações de Hg muito abaixo dos valores de referência de exposição ocupacional preconizadas na legislação nacional e por organizações internacionais (Quadro 1), sendo que em cinco delas (6%) as concentrações não foram detectadas (ND) (Tabela 3). Os maiores valores ocorreram no monte (0,029 µg.m -3 ) e na balança (0,032 µg.m -3 ) da cooperativa A e na esteira (0,033 µg.m -3 ) da cooperativa B. As áreas de processamento de REEE apresentaram baixas concentrações de Hg nas três cooperativas. As maiores concentrações observadas nas cooperativas C e D foram 0,06 e 0,07 µg.m -3 , respectivamente.
Tabela 3 Concentração mínima e máxima de Hg (µg.m-3) em amostras de ar coletadas em quatro cooperativas de São Paulo (A, B, C e D), de acordo com a área amostrada: 1) monte, 2) prensa, 3) balança, 4) REEE, 5) refeitório, 6) escritório, 7) mini empilhadeira, 8) esteira e 9) pátio externo. N = tamanho da amostra, ND = não detectado, LD = limite de detecção.
A | B | C | D | Total | ||||||||||||||||
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| ||||||||||||||||||||
Mín | - | Máx | N | Mín | - | Máx | N | Mín | - | Máx | N | Mín | - | Máx | N | Mín | - | Máx | N | |
1 | 0,001 | - | 0,029 | 6 | 0,001 | - | 0,029 | 6 | ||||||||||||
2 | 0,002 | - | 0,018 | 4 | < LD | - | 0,003 | 6 | < LD | - | 0,006 | 6 | ND | - | < LD | 3 | ND | - | 0,018 | 19 |
3 | 0,002 | - | 0,032 | 2 | < LD | - | 0,002 | 3 | ND | - | 0,032 | 5 | ||||||||
4 | 0,001 | - | 0,004 | 2 | < LD | - | 0,001 | 3 | ND | - | 0,003 | 3 | < LD | - | 0,004 | 8 | ||||
5 | 0,001 | - | 0,008 | 2 | < LD | - | 0,006 | 3 | < LD | - | 0,008 | 5 | ||||||||
6 | 0,003 | 1 | ND | - | 0,003 | 3 | ND | - | 0,001 | 3 | ND | - | 0,003 | 7 | ||||||
7 | ND | - | 0,002 | 3 | 0,001 | - | 0,003 | 3 | < LD | - | 0,007 | 3 | ND | - | 0,007 | 9 | ||||
8 | < LD | - | 0,033 | 9 | 0,002 | - | 0,006 | 6 | < LD | - | 0,006 | 6 | < LD | - | 0,033 | 21 | ||||
9 | < LD | - | < LD | 3 | < LD | - | < LD | 3 | ||||||||||||
Total | 17 | 21 | 21 | 24 | 83 |
A contaminação química derivada do lixo eletrônico manuseado ou descartado inadequadamente extrapola a esfera ocupacional e local, atingindo o meio ambiente e a cadeia alimentar e, consequentemente, expondo a população a uma mistura de elementos químicos e substâncias tóxicas por meio de inalação, contato com solo e poeira e ingestão de água e alimentos contaminados 20 . Em um sítio informal de reciclagem de REEE na China, observou-se que os níveis de mercúrio inorgânico no cabelo de trabalhadores são muito mais elevados do que nas amostras de referência, havendo uma correlação com o tempo de trabalho. Esse resultado, associado aos dados ambientais, indicaram que os trabalhadores haviam sido expostos por longo período de tempo ao vapor de Hg de ar e poeira contaminados, por meio da inalação 21 . Mesmo em empresas formais de reciclagem da Suécia, apesar da adoção de medidas de segurança, os trabalhadores da reciclagem de REEE apresentam níveis internos mais elevados de Hg quando comparados com os trabalhadores da área administrativa, havendo uma correlação significativa entre o bioindicador (urina) e a concentração do metal no ar 12 .
A atividade informal de reciclagem de REEE em alguns países em desenvolvimento consiste em desmanche manual ou com a utilização de instrumentos (martelo, alicate, etc.), aquecimento térmico para derreter plásticos e separar componentes de placas de circuito impresso e cabos, e banho ácido para recuperação de ouro e outros metais 26 . No Brasil, essa atividade tem crescido nas cooperativas de catadores de materiais recicláveis devido à rentabilidade do produto, no entanto, a manipulação dos REEE se limita ao desmanche manual e à separação de componentes, alguns dos quais são vendidos para países desenvolvidos para recuperação e reaproveitamento de matéria prima.
A avaliação das amostras de ar das quatro cooperativas de triagem de materiais recicláveis da RMSP indicou a presença de mercúrio, embora em níveis bem abaixo dos limites de exposição ocupacional de órgãos reguladores e instituições de referência. A maior concentração observada foi de 0,033 µg.m -3 , ou seja, três ordens de magnitude abaixo dos limites ocupacionais. Estudo realizado por Ferron 27 revelou que a dose interna de Hg (sangue) dos trabalhadores dessas cooperativas não diferiu estatisticamente do valor de referência (Rf) da população geral da RMSP, exceto na cooperativa C, onde 11% das amostras estiveram acima desse valor. De acordo com a autora, os fatores associados a esses altos valores não foram claramente identificados, havendo contribuição da alimentação, presença de horta em casa (remetendo à contaminação de solo) e tempo de trabalho nas cooperativas.
As cooperativas recebem materiais de natureza nociva ao trabalhador que são descartados indevidamente junto com os recicláveis, tais como resíduos de serviço de saúde, objetos perfurocortantes, produtos químicos e lâmpadas (inclusive fluorescentes). Em um dos dias de amostragem na cooperativa A (09/08/2013), presenciamos o descarregamento de um lote de luminárias com lâmpadas fluorescentes por uma empresa privada. Também observamos lâmpadas fluorescentes tubulares quebradas misturadas ao material reciclável descarregado pelos caminhões da coleta seletiva e os catadores relataram a ocorrência de explosões espontâneas de lâmpadas no monte depositado no chão. Esses episódios podem resultar em contaminação dos outros materiais com mercúrio, além de liberação de Hg na forma de vapor. Embora não seja possível afirmar que as concentrações medidas no ar estejam associadas a esse evento, a cooperativa A foi a que apresentou maior número de amostras acima do LQ e as maiores concentrações de Hg, em especial no monte depositado no chão. Vale ressaltar que essa cooperativa, em termos de limpeza e organização do material era a mais precária de todas, e a cooperativa D a mais organizada. Nesta última, mais de 80% das amostras apresentaram valores abaixo do LD e nenhuma apresentou valores superiores ao LQ.
Embora as áreas de atividade (cooperativas agrupadas) não tenham apresentado diferenças significativas nas frequências de valores nas 3 categorias (< LD, entre LD e LQ, e > LQ), as concentrações de Hg observadas sugerem uma maior exposição no monte, na prensa, na balança e na esteira quando comparado com outras atividades. No entanto, esse resultado reflete em parte os valores observados na cooperativa A, onde as maiores concentrações foram obtidas. Nas outras cooperativas, não foi possível identificar a área mais propensa à contaminação com Hg, apesar da cooperativa B ter apresentado valor mais elevado na esteira. A análise da concentração de vários metais em oito áreas de trabalho de oficinas formais de reciclagem de REEE em Hong Kong apontou uma maior concentração de Hg na área de descarregamento de material 13 . É possível que as atividades que envolvem movimentação mais intensa possam liberar maior quantidade de Hg de materiais contaminados. A quantidade de mercúrio em uma lâmpada fluorescente depende do fabricante, tipo, voltagem, data de fabricação e tempo de uso, sendo que a maior parte do Hg (86%) encontra-se na camada fosfórica aderida ao vidro 28 . Quando uma lâmpada se quebra, o vapor de mercúrio se dispersa rapidamente no ar e é absorvido nos pulmões, mas o mercúrio líquido pode permanecer nas superfícies e vaporizar gradualmente ao longo do tempo, durante semanas e até mesmo meses 29,30 . A simulação de vários cenários de exposição indica que o período crítico após a quebra de uma lâmpada se encontra nas primeiras 4 horas, agravando-se com o aumento da temperatura ambiente 31 . Embora a coleta adequada dos restos de lâmpadas quebradas seja imprescindível, verificou-se que a ventilação imediata é o passo mais importante para a dispersão do mercúrio.
Na Suécia, verificou-se que as amostras de ar dos trabalhadores da reciclagem de REEE apresentaram valores 20 vezes superiores aos dos funcionários da área administrativa 12 . Os autores apontam que a fonte provável de Hg são as luzes de retroalimentação de vários tipos de tela de equipamentos eletrônicos. No nosso estudo, com relação à sala de depósito e separação de componentes de REEE, mesmo considerando-se as diferenças da intensidade da atividade entre as três cooperativas, não parece haver tendência de maior contaminação por Hg em relação às outras áreas de trabalho. Esse resultado pode estar associado ao fato do pequeno volume de material processado, assim como o tipo de atividade desenvolvida nessa área que não envolve processo de aquecimento ou banho químico, sugerindo que a fonte de mercúrio nas cooperativas avaliadas sejam as lâmpadas fluorescentes e não os REEE.
Em síntese, a avaliação quantitativa de Hg nas cooperativas de materiais recicláveis indica que existe um potencial de contaminação por mercúrio, porém, o risco parece ser muito baixo. No entanto, é importante ponderar que a ocorrência e a quantidade de lâmpadas fluorescentes misturadas no material são imprevisíveis e pontuais e que a amostragem realizada não reflete a real exposição do trabalhador. Os REEE não parecem ser uma fonte importante de contaminação por Hg nas cooperativas analisadas, porém, é recomendável que se utilize os equipamentos de proteção para prevenir exposição ao Hg proveniente das lâmpadas quebradas. Ressaltamos também a importância de avaliação de outros metais pesados e substâncias tóxicas associadas ao processamento desse tipo de material.