versão impressa ISSN 1414-462Xversão On-line ISSN 2358-291X
Cad. saúde colet. vol.24 no.3 Rio de Janeiro jul./set. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/1414-462x201600030199
To evaluate rural workers’ profile at Picos (Piauí, Brazil) and their practices and attitudes regarding the use of pesticides.
Data collection (n=159) was performed in Picos (Piauí, Brazil) to describe socioeconomic information, use of personal protective equipment (PPE), storage and disposal of pesticide packaging, toxicity and environmental risk.
Most farmers were women (63%), with incomplete primary education (55.6%), age between 31-55 years-old (55.3%), income of up to a 1 minimum wage (66%) and with access to city water (84.3%). In relation to the use, 64.1% (102) use pesticides, especially in agriculture (86.3%). They receive information about pesticides with neighbors (44.2%), read label to use the product (64.8%), use pesticides due to their quick action (81.4%), purchase in agricultural houses (87.4%) without agronomic prescription (92%) and store packages indoors (33.6%). More than half do not use PPE (56.8%), though they consider pesticides damaging products to the human health (94.1%) and environment (80.4%) and 15% (24 persons) reported some poisoning symptoms.
The majority of the farmers use pesticides incorrectly, has low educational status and know about the individual and collective risks to which they are exposed but do not use PPE.
Keywords: farmers; agrochemicals; intoxication
Os agrotóxicos são usados em grande escala por vários setores produtivos – mais intensamente pelo setor agropecuário –, além de ser empregado na construção e manutenção de estradas, tratamento de madeiras para construção, armazenamento de grãos e sementes, produção de flores e combate às endemias e epidemias1-3. A classificação dos agrotóxicos, de acordo com o grupo químico, inclui, principalmente, os organoclorados, clorofosforados, piretroides, organofosforados e carbamatos4.
No Brasil, o modelo de produção agrícola baseia-se, historicamente, na utilização de agrotóxicos, iniciada na década de 1940, primeiramente em programas de saúde pública, no combate a vetores de doenças como Chagas, malária e febre amarela. O uso de compostos organoclorados, entre eles o DDT (Dicloro-Difenil-Tricloroetano), começou a ocorrer também nesse mesmo período2,5-7. Desde então, o segmento de agroquímicos do mercado interno apresentou faturamento crescente, quando então o Brasil assumiu a liderança no consumo mundial de agrotóxicos, posição antes ocupada pelos Estados Unidos8,9.
A Organização Internacional do Trabalho/Organização Mundial de Saúde (OIT/OMS) estima que, entre trabalhadores de países em desenvolvimento, os agrotóxicos causem, anualmente, 70 mil intoxicações agudas e crônicas que evoluem para óbito e, pelo menos, 7 milhões de doenças agudas e crônicas não fatais10. Além disso, a cada 4h morre um trabalhador agrícola nos países em desenvolvimento por intoxicação por agrotóxicos11.
Em 2010, 11.641 casos de intoxicação provocados por agrotóxicos em geral foram notificados no Brasil, correspondendo a 13,32% dos 87.332 casos de intoxicações. Do total de 11.641 casos de intoxicação atribuídos às tentativas de suicídio, 41,18% foram provenientes do uso de agrotóxicos. Esses números refletem apenas parcialmente a realidade do país, já que, segundo estimativas do Ministério da Saúde, para cada evento de intoxicação por agrotóxico notificado, existem outros 50 não notificados12. Os organofosforados são os agrotóxicos responsáveis pelo maior número de intoxicações e mortes no Brasil13.
Embora a pesquisa do impacto dos agrotóxicos sobre a saúde humana tenha crescido, ainda é insuficiente para reconhecer a extensão da carga química de exposição ocupacional que cause danos à saúde. A desinformação e o despreparo dos sistemas de saúde locais podem fazer com que os casos passem despercebidos, gerando subnotificação14. Sabendo-se, portanto, que agrotóxicos são substâncias cada vez mais utilizadas na agricultura e oferecem perigo para os mamíferos em geral, incluindo seres humanos, pois podem ser absorvidos via dérmica, inspirados pelos pulmões ou ingeridos em produtos contaminados, que seus efeitos tóxicos dependem de suas características químicas, da quantidade absorvida ou ingerida, do tempo de exposição e das condições gerais de saúde da pessoa contaminada13,15,16 e que os agrotóxicos ocupam situação de destaque no país, inclusive nas novas fronteiras agrícolas do cerrado piauiense17, o presente trabalho teve como objetivo avaliar o perfil socioeconômico dos trabalhadores rurais do município de Picos, no Estado do Piauí, e as práticas e atitudes quanto à utilização de agrotóxicos.
A coleta das informações foi realizada no município de Picos por meio de um questionário, o qual continha 21 perguntas sobre dados socioeconômicos, utilização de equipamentos de proteção individual (EPIs), local de armazenagem e o destino das embalagens de agrotóxicos, sintomas de toxicidade e risco ambiental. A pesquisa incluiu 159 indivíduos pertencentes a diferentes famílias cadastradas na Associação de Trabalhadores Rurais do município. Essa associação é dividida em 11 delegacias, distribuídas em 70 comunidades locais.
O questionário foi aplicado com a devida autorização da presidência do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Picos. Nenhum dado pessoal (como nome, endereço, telefone ou documentos de identificação) do entrevistado foi registrado. Um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi assinado em duas vias por cada voluntário após o aceite de aplicação do questionário. A pesquisa seguiu as normas estabelecidas pela Declaração de Helsinque (1975) e pela Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Os resultados foram expressos em valores reais ou percentuais por meio do programa Excel (Windows 2010).
Os impactos na saúde provenientes do consumo de agrotóxicos podem atingir os aplicadores dos produtos, os membros da comunidade e os consumidores dos alimentos contaminados com resíduos, mas, sem dúvida, a primeira categoria é a mais afetada9,17. Dessa forma, exposição ocupacional constitui-se em um grave problema de saúde pública, principalmente nos países em desenvolvimento18-23.
Neste estudo, foram entrevistados 159 agricultores associados ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Município de Picos, dos quais uma compilação dos dados socioeconômicos é apresentada na Tabela 1. Inicialmente, verificou-se que 37% dos agricultores eram do sexo masculino, e 63%, do sexo feminino. Nenhum trabalho similar foi encontrado em que fosse maior a prevalência das mulheres. Rangel et al.3 e Schmidt e Godinho24 mostraram, no entanto, que a maioria dos trabalhadores rurais são homens. Essa contradição, provavelmente, deve-se ao fato de serem as mulheres as mais presentes nas reuniões da Associação. Além disso, em regiões onde a agricultura tem caráter familiar de subsistência, as mulheres têm maior participação no trabalho agrícola23.
Tabela 1 Dados socioeconômicos dos agricultores entrevistados (n=159)
Informação | % |
---|---|
Sexo | |
Masculino | 37,0 |
Feminino | 63,0 |
Escolaridade | |
Analfabeto | 24,5 |
Ensino fundamental incompleto | 55,3 |
Ensino fundamental completo | 6,9 |
Segundo grau incompleto | 3,1 |
Segundo grau completo | 7,5 |
Graduação incompleta | 2,0 |
Graduação completa | 0,7 |
Faixa etária | |
18-30 anos | 19,5 |
31-55 anos | 55,5 |
56-60 anos | 8,1 |
61-75 anos | 16,9 |
Renda mensal | |
Até 1 salário mínimo | 66,3 |
2-4 salários mínimos | 6,2 |
Não recebe salário mínimo | 1,2 |
1 salário mínimo e 1 Bolsa Família | 11,9 |
Somente Bolsa Família | 14,4 |
Moradores por residência | |
1-2 pessoas | 37,1 |
3-5 pessoas | 53,4 |
6-9 pessoas | 9,5 |
Acesso à água encanada | 84,3 |
Acesso ao sistema de esgoto | 9,4 |
Coleta periódica de lixo | 47,1 |
Quanto ao nível de escolaridade, verificou-se que a maior parte não concluiu o ensino fundamental (55,3%) e que os analfabetos representaram 24,5%. Apenas 7,5% tinham o segundo grau completo. Resultados semelhantes foram vistos em assentados de reforma agrária do município de Russas, no Estado do Ceará25. Essa baixa escolaridade dificulta o entendimento das informações técnicas e a utilização de EPIs durante a aplicação, assim como caracteriza uma população despreparada para a manipulação dessas substâncias, incluindo um efeito protetor contra intoxicação por agrotóxicos14,25-30.
A maior parte dos entrevistados foi representada pela faixa etária entre 31 a 50 anos (55,5%), seguida por 18 a 30 anos (19,5%), 61 a 75 anos (16,9%) e 56 a 60 anos (8,1%) (Tabela 1). Castro e Confalonieri13 também mostraram que o perfil da maioria de seus entrevistados situou-se entre 40 e 50 anos de idade.
Com relação à renda mensal, o questionário amostrou que 66,3% tinham renda de até um salário mínimo (Tabela 1). Porém 14,4% dos agricultores responderam que não possuíam renda mensal além daquela oferecida pelo Governo Federal por intermédio do Bolsa Família. Uma pequena minoria não tinha nenhum tipo de renda (1,2%), sobrevivendo da agricultura de subsistência. Interessantemente, 11,9% recebiam um salário e o Bolsa Família. Ainda, mais da metade das residências dos agricultores entrevistados (53,4%) possuía entre três e cinco pessoas. Castro et al.25 mostraram que, nos assentamentos Mundo Novo e Bernardo Marin II do município de Russas, mais de 90% dos entrevistados relataram possuir renda familiar de até um salário e que a maioria das residências possuía de quatro a cinco moradores.
A maioria dos agricultores (84,3%) possuía água encanada, mas apenas 9,4%, sistema de esgoto. Já 47,1% tinham disponibilidade à coleta regular de lixo, o que explica o descarte de lixo próximo às residências e/ou nos rios (Tabela 1). Dados semelhantes foram encontrados no assentamento São José da Boa Morte, em Cachoeiras de Macacu, no Estado do Rio de Janeiro, onde apenas 25% dos assentados tinham acesso à água tratada13. O fato de não terem agua encanada implica que a lavagem dos vasilhames e/ou borrifadores utilizados na lavoura para a aplicação do agrotóxico seja feita em rios, lagoas e até mesmo em/ou próximos de poços artesanais em até 84% dos casos31-33.
Quanto ao uso, 64,1% (102) utilizavam agrotóxicos e 35,9% não empregavam nenhum tipo deles (Tabela 2). Coutinho et al.34 mostrou que 95% dos agricultores do município de Paty do Alferes, no Estado do Rio de Janeiro, faziam uso de algum tipo dessas substâncias. Isso certamente reflete o fato de que, nos últimos dez anos, o mercado mundial de agrotóxicos cresceu 93%, enquanto o brasileiro, 190%35.
Tabela 2 Atitudes e práticas quanto ao uso de agrotóxicos pelos agricultores entrevistados (n=159)
Informação | % |
---|---|
Uso de agrotóxicos | 64,1 |
Local de uso | |
Residências | 13,7 |
Lavoura | 86,3 |
Obtenção de informações | |
Vizinhos | 44,2 |
Televisão | 23,5 |
Rádio | 1,0 |
Profissionais | 12,7 |
Nenhuma informação | 18,6 |
Leitura do rótulo | 64,7 |
Motivo de uso | |
Ação rápida | 81,4 |
Indicação de amigos, parentes e vizinhos | 6,8 |
Mais usado | 6,8 |
Não souberam dizer | 5,0 |
Local de obtenção dos agrotóxicos | |
Casas agropecuárias | 87,4 |
Cooperativas | 1,9 |
Representantes de venda | 2,9 |
Mercados em geral | 5,9 |
Não compram | 1,9 |
Utilização do receituário agronômico | |
Nunca utilizaram | 92 |
Sempre precisam | 3,0 |
É exigido esporadicamente | 2,5 |
Não sabem o que é receituário agronômico | 2,5 |
Os agrotóxicos eram utilizados na maior parte das vezes na agricultura (86,3%), ou seja, nas plantações, enquanto 13,7% usavam em suas próprias casas (Tabela 2). Resultados similares foram descritos por Leite e Torres36, mostrando que 71% dos trabalhadores rurais do assentamento Catingueira, no município de Baraúna, no Estado do Rio Grande Norte, faziam uso frequente de agrotóxicos nas suas plantações. Ressalta-se que a contaminação alimentar e ambiental também coloca em risco grupos populacionais23.
Os agricultores obtiveram informações sobre agrotóxicos por meio dos vizinhos (44,2%), pela televisão (23,5%) e pelo rádio (1%). Apenas 12,7% disseram obtê-las a partir de profissionais, mas 18,6% nunca adquiriram nenhum tipo de informação (Tabela 2). Em nove municípios de Minas Gerais, Soares et al.37 observaram que os agricultores não eram orientados pelos vendedores, uma vez que esses profissionais pareciam não ter conhecimento da periculosidade advinda do manejo dos agrotóxicos, havendo maior risco de casos de intoxicação por substâncias das classes dos organofosforados e carbamatos nesses casos.
Dos entrevistados, 64,8% liam o rótulo para utilizar o produto de forma correta, resultado superior ao encontrado na pesquisa de Castro e Confalonieri13 (52,5%). Coutinho et al.34 alerta para o fato de que a leitura dos rótulos e a compreensão dos procedimentos de preparação e utilização são condições indispensáveis para o manejo e aplicação adequados dos agrotóxicos, diminuindo os possíveis danos à saúde e ao meio ambiente. A principal limitação quanto à leitura dos rótulos é a utilização de termos técnicos, a falta de clareza nas informações e o uso de letras muito pequenas33.
A grande maioria (81,4%) apontou o fato de uma ação rápida sobre as pragas agrícolas como o principal motivo para o uso de agrotóxicos (Tabela 2). Comercialmente, outros motivos para a utilização dos agroquímicos seriam a diminuição dos gastos com a plantação e o aumento da produção e da qualidade do produto final.
A esmagadora maioria (87,4%) dos entrevistados comprava agrotóxicos em casas agropecuárias (Tabela 2) e 92% nunca precisaram do receituário agronômico para comprá-los – alguns até desconheciam a existência do receituário (Tabela 2). Estudos anteriores revelam que a maior parte dos agricultores compra agrotóxicos nos estabelecimentos comerciais e que a indicação do cálculo da dosagem é feita de acordo com o rótulo do produto, indicação do vendedor ou então pelo próprio agricultor por meio de dosagem aleatória. De fato, muitos estabelecimentos não instituem a exigência de apresentação do receituário agronômico13,38. A baixa escolaridade dos agricultores, provavelmente, seja o grande entrave para o entendimento do rótulo ou do receituário agronômico, bem como limita o acesso às informações de segurança em geral14,27-30. Essas considerações tornam preocupantes o fato de que os participantes da pesquisa, em sua maioria, não tenham completado o ensino fundamental, sugerindo que eles estejam correndo graves riscos durante o manejo e a preparação do agrotóxico.
Cerca de 33,6% dos entrevistados armazenavam embalagens ou vasilhames dos agrotóxicos dentro da própria casa; 30,4%, fora de casa, porém em um local específico coberto; 28,5%, fora de casa, mas com outros produtos; 7,8% guardavam as embalagens em local a céu aberto. Embora a maior parte não reutilizasse os vasilhames, poucos os devolviam aos locais de coleta (Tabela 3). De forma correta, os agrotóxicos devem ser armazenados longe do alcance de crianças e de animais, evitando lugares úmidos ou muito quentes, a céu aberto e próximos das residências. Além disso, as embalagens devem ser mantidas sempre fechadas e conservadas na embalagem original39,40.
Tabela 3 Armazenamento e destino das embalagens dos agrotóxicos utilizados pelos agricultores e uso de equipamentos de proteção individual (EPIs)
Informação | % | Informação | % |
---|---|---|---|
Local de armazenamento | EPIs | ||
Dentro de casa | 33,6 | Não | 56,8 |
Local coberto e específico fora de casa | 30,4 | Sim | 43,2 |
Local fora de casa, mas com outros produtos | 28,5 | EPIs utilizados* | |
Máscara | 32,5 | ||
Local a céu aberto | 7,8 | Luvas | 23,5 |
Destino | Botas | 18,9 | |
Não reutilizam | 46,3 | Boné | 17,8 |
Queimam | 43,1 | Óculos | 4,4 |
Enterram | 8,8 | Avental | 1,1 |
Reutilizam | 0,9 | Macacão | 1,1 |
Devolvem | 0,9 | Outros | 1,1 |
*O entrevistado teve a liberdade de citar todos os EPIs que utilizava
É uma prática comum entre os agricultores queimar ou enterrar as embalagens de agrotóxicos após o uso. Quando lançadas no ambiente (como aterros, lixões e beira de rios), essas embalagens vazias tornam-se uma das principais fontes de contaminação. Se estiverem com resto de agrotóxicos, aumentam seu potencial de contaminação, uma vez que os resíduos tóxicos nelas contidos, sob ação da chuva, podem ser levados para o solo, águas superficiais e subterrâneas36. Outra operação muito perigosa para o homem e o meio ambiente é o preparo da calda, pois o produto é manuseado em altas concentrações e essa operação é feita próxima a fontes de captação de água, como poços, rios, lagos e açudes40.
O Brasil é o único país da América Latina que possui uma legislação específica para o destino das embalagens. Segundo a Lei nº 7.082, de 11 de julho de 1989, e a Lei nº 9.974, de 6 de junho de 200035, os usuários de agrotóxicos, de seus componentes e afins deverão efetuar a devolução das embalagens vazias dos produtos aos estabelecimentos comerciais em que foram adquiridos, de acordo com as instruções previstas nas bulas, no prazo de até um ano, contado da data de compra, ou prazo superior, se autorizado pelo órgão registrador35. O Estado do Piauí possui apenas dois postos para a devolução de embalagens vazias (Teresina e Bom Jesus)41. A expansão agrícola implementada por intermédio da intensificação do plantio de soja a partir da década de 1990 consistiu um forte fator para o aumento do uso de agrotóxicos no Piauí, principalmente no cerrado17.
Quanto questionados sobre a utilização dos EPIs, 56,8% não os utilizavam, enquanto que 43,2% usavam algum tipo de EPI, principalmente luvas (23,5%) e máscaras (32,5%) (Tabela 3). Alves et al.42 também demonstraram que 50% dos agricultores de cultura de tomates em Goiás aplicavam o agrotóxico na lavoura sem utilizar EPIs. No município de Paty do Alferes, no Estado do Rio de Janeiro, a negligência foi ainda maior, pois cerca de 92% não usavam nenhum EPI para preparar e/ou aplicar os pesticidas43.
A grande maioria dos agricultores (94,1%) considera os agrotóxicos prejudiciais à saúde, confirmando resultados anteriores descritos por Rangel et al.3. Nesse contexto, 85% dos entrevistados nunca se sentiram mal durante ou após a aplicação de agrotóxicos. Entre as 24 pessoas (15%) que afirmaram ter sentido algum sinal de envenenamento, os sintomas mais citados foram dores de cabeça (33,4%), enjoo (25%), vertigem/tontura (16,6%), irritação de pele (12,6%) e perda de apetite (4,2%). Resultados semelhantes foram descritos por Castro e Confalonieri13, em Cachoeiras de Macacu, onde observou-se que 22,5% dos agricultores entrevistados relataram intoxicação (tontura, visão turva, dores de cabeça e no corpo) e 62,5% dos trabalhadores conheceram alguma pessoa que já se sentiu mal após utilização de agrotóxicos13. Recentemente, um estudo com 106 agricultores expostos a pesticidas revelou uma atividade reduzida da enzima butirilcolinesterase e aumento significante de peroxidação lipídica, mostrando que os agrotóxicos agrícolas alteraram o estado oxidativo dos trabalhadores. Isso evidencia a importância do monitoramento das condições de saúde desses profissionais e incentivo à utilização dos EPIs44.
No Brasil, um fator se destaca na análise das informações sobre intoxicações e envenenamentos no meio rural: a distância, o que dificulta o acesso dos trabalhadores aos centros de atendimento médico-hospitalar. Essa situação faz com que inúmeras vítimas de acidentes graves acabem morrendo sem qualquer assistência médica. Os acidentes mais leves frequentemente não são sequer registrados na Fundação de Previdência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL). Esse fator é relevante para explicar a baixa incidência, apenas aparente, de acidentes leves entre os trabalhadores rurais45. Além da distância, outros fatores que podem esclarecer as subnotificações são a não procura de médicos, quando os sintomas são brandos, e a falta de capacitação de profissionais da saúde quanto aos efeitos dos produtos químicos.
Os agrotóxicos foram considerados prejudiciais ao ambiente por 80,4% dos entrevistados. Nesse caso, é de extrema importância o desenvolvimento de estratégias de prevenção de contaminação do meio ambiente, pois cidades com programas de educação ambiental têm 56% a menos de chance de contaminação de água e do solo por agrotóxicos quando comparados com aquelas que não investem em tais medidas preventivas46.
De modo geral, os agricultores demonstraram um nível de conhecimento insatisfatório com relação ao uso adequado de agrotóxicos e uma baixa escolaridade, achados que, provavelmente, dificultem as recomendações e práticas de segurança. Além disso, a não utilização de EPIs durante o preparo da calda e na aplicação aumenta os riscos de contaminação das famílias e do meio ambiente, fato que nos remete à importância da necessidade de novas tecnologias e alternativas para combater pragas agrícolas e vetores de doenças.
Uma vez que a aquisição de conhecimentos da população não resulta, necessariamente, em mudanças de comportamento, em atitudes e práticas preventivas adequadas, há a necessidade constante de: a) campanhas de conscientização como parte do trabalho das secretarias de saúde e de meio ambiente dos municípios para esclarecer a população sobre os riscos toxicológicos e ambientais dos agrotóxicos, uma vez que o conhecimento desses riscos é fundamental para a construção de estratégias de intervenção; b) capacitação de profissionais de saúde que prestem assistência às populações rurais para melhor detecção e tratamento imediatos de intoxicações (para reduzir a subnotificação e aumentar a sobrevida); c) uma política fiscalizatória contra a venda indiscriminada de agrotóxicos; d) treinamento dos trabalhadores quanto à auto-higienização e ao uso e armazenamento dos agrotóxicos em local correto.