versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.8 no.4 São Paulo out./dez. 2010
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082010ao1655
O câncer pancreático (CP) é uma das doenças mais fatais. Sua incidência e mortalidade são bastante semelhantes e representa um problema de Saúde Pública nos países ocidentais(1-3). Na maioria das vezes, o diagnóstico tardio contribui para o prognóstico ruim e impede o tratamento cirúrgico adequado(4). Compreender a carcinogênese e sua relação com o comportamento clínico-patológico e possível valor prognóstico representa um desafio para muitos pesquisadores(5-8).
Foi descrita uma associação entre a mutação de K-ras(9,11), p53(12,13) e p16(14-16) (os genes que apresentam mais mutação no câncer pancreático) e a sobrevida dos pacientes. Os genes supressores tumorais, tais como p53 e p16, desempenham um papel na regulação do ciclo celular e na progressão do tumor. O primeiro, localizado na 17p13, codifica uma proteína 53 KDa e 393 a.a., que se acumula na célula quando o gene sofre mutação, em razão da estabilização. Essa proteína estável é facilmente detectada por imunohistoquímica (IH)(17). De maneira semelhante, o gene p16, localizado em 9p21, quando inativado pela deleção ou hipermetilação impede a regulação do ciclo celular, inibindo os complexos ciclina-cdk que regulam negativamente a proteína Rb1(16). A proteína p16, de maneira semelhante à p53, é facilmente detectada por IH(18,19). Essa detecção da expressão reflete a mutação ou alteração gênica em aproximadamente 85% das amostras(20).
Além dos genes supressores, alguns outros marcadores foram usados para determinar a agressividade e a diferenciação do tumor(21,22). Um marcador comumente usado é o Ki-67, que foi descoberto na Universidade de Kiev, Ucrânia. Essa proteína de 345-395 KDa é expressa em todo tecido em proliferação e em todas as fases celulares, exceto G0, devido a processos de fosforilação. Desde sua descoberta em 1979, tem sido amplamente usada para determinar os padrões de crescimento tumoral e a diferenciação celular. Isso possibilitou aos pesquisadores o uso desse marcador como um fator prognóstico em vez de apenas preditivo(21,23).
Determinar a expressão de p53, p16 e Ki-67 e sua relevância na sobrevida e diferenciação celular e comparar os resultados de imunocoloração isolada e combinada para cada marcador.
Foram estudados 15 casos de CP, sendo todos adenocarcinomas ductais da cabeça pancreática. Todos os pacientes foram atendidos e operados na Disciplina de Gastrenterologia Cirúrgica da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP-EPM), entre 1993 e 2003. A amostra consistiu de 45 blocos fixados rotineiramente em formalina neutral e embebidos em parafina contendo estritamente tecido tumoral, sendo três de cada paciente. Havia 11 homens (73,33%) e 4 mulheres (26,66%), com idade mediana de 56 anos (variação de 45 a 66 anos). De acordo com a União Internacional de Controle do Câncer (UICC, do inglês Union for International Cancer Control), 40% (6 pacientes) tinham estágio IIB, 33,33% (5 pacientes) tinham estágio IIA e 13,33% (2 pacientes) tinham estágios IB e III cada um. Os tumores foram ranqueados, sendo 6 bem diferenciados e 9 moderadamente diferenciados. Até o final da pesquisa, 2 pacientes ainda estavam vivos com 34 e 119 meses de sobrevida cada um.
Os anticorpos primários foram: anti-p53 DO-7 (DakoCytomation, Glostrup, Dinamarca) contra p53 humana, anti-p16 clone Ab7 16PO7 (Neomarkers, Fremont, CA, EUA) contra p16 e anti-Ki67 clone MIB-1 (Immunotech, Marselha, França) contra o antígeno Ki-67. A HI foi realizada de acordo com Hsu et al.(24). Resumidamente, cortes com espessura de 4 μm foram desparafinados e incubados com anticorpos primários contra proteínas humanas e o antígeno diluído para 1:20 no caso da p53, 1:100 para p16 e 1:80 para Ki-67, a 4°C, de um dia para outro. O procedimento de irradiação por micro-ondas foi aplicado para a recuperação do antígeno. A imunolocalização foi realizada com o uso do kit Streptavidin Biotin Complex IHRP; Duet, Mouse/Rabbit (DakoCytomation, Glostrup, Dinamarca). A cor das reações foi desenvolvida com o uso de 3-3'diaminobenzidina (DAB) (SIGMA Chemical Co., St. Louis, MO, EUA) e a contracoloração, com hematoxilina de Harris. Nos controles positivos foram incluídos cortes de adenocarcinoma do colon para p53, cortes de câncer cervical para p16 e cortes de olidendroglioma para Ki-67. Nos controles negativos foram incluídos cortes de tecido pancreático normal. A coloração positiva incluiu a coloração nuclear e citoplasmática para p53 de mais de 10% das células-alvo; para p16, mais de 5% e quaisquer núcleos imunocorados, independentemente da intensidade, para Ki-67 e expresso para o índice proliferativo (IP).
Os dados foram analisados utilizando-se o teste exato de Fisher (χ2) para comparar as proporções de coloração isolada e combinada. Foi usado um ponto de corte na imunocoloração para p16 e Ki-67 de 25 e 15% das células coradas, respectivamente. As estimativas da sobrevida global foram obtidas de acordo com o método atuarial de Kaplan-Meyer(25). As curvas de sobrevida abaixo e acima do ponto de corte escolhido foram representadas mensalmente em gráficos e comparadas por log-rank. Finalmente, para determinar a significância do fator de risco, utilizou-se a análise univariada proporcional de Cox(26). Os testes estatísticos foram pareados e determinou-se um valor de p > 0,05. Foi utilizado o software estatístico SAS versão 8.02 (SAS Institute, Cary, NC, EUA).
Os resultados totais da imunocoloração de proteínas estão resumidos na tabela 1 e exemplos típicos dos grupos positivos e negativos para p53 e p16 são mostrados na figura 1.
Tabela 1 Imunocoloração geral
Marcador | n | % |
---|---|---|
p53 | 14 | 93,33 |
p16 | 14 | 93,33 |
Ki-67 | 13 | 86,66 (IP 11,91 ± 9,47) |
IP: índice proliferativo.
Figura 1 Fotomicrografias representativas de imunocoloração. (A) coloração negativa para DO-7; (B) coloração positiva para DO-7, 400x; (C) coloração negativa para Ab7 16PO7; (D) coloração positiva para Ab7 16PO7, 200x; (E) coloração negativa para MIB-1; (F) coloração positiva for MIB-1, 400x.
De acordo com a classificação TNM e ponto de corte, os dados de expressão são mostrados na tabela 2.
Tabela 2 Imunocoloração e estágio TNM
Estágio | Total (%) | p53ç | p16 | Ki-67 | ||
---|---|---|---|---|---|---|
< 25% | > 25% | < 15% | > 15% | |||
IB | 2 (13,3) | 2 | 1 | 1 | 2 | 0 |
IIA | 5 (33,3) | 5 | 1 | 4 | 2 | 3 |
IIB | 6 (40,0) | 5 | 2 | 3 | 2 | 2 |
III | 2 (13,3) | 2 | 2 | 0 | 1 | 1 |
Total | 15 (100) | 14 (93,3) | 6 (42,9) | 8 (57,1) | 7 (53,8) | 6 (46,2) |
A associação da imunocoloração de p53 com mortalidade não mostrou significância (p = 0,667), mesmo considerando-se coloração com diferenciação celular. Achados semelhantes foram obtidos comparando-se p16 (p ≥ 0,05) e Ki-67 (p > 0,05). A mediana da sobrevida global foi de 17,71 meses (IC95%: 9,07-20,47) (Figura 2). A sobrevida dos pacientes positivos para p53 foi de 15,7 meses. Usando-se o valor do ponto de corte, a sobrevida dos pacientes com expressão de p16 em mais de 25% das células foi de 14,34 (IC95%: 5,39-18,46) em comparação com a expressão abaixo de 25%, que foi de 20,75 (IC95%: 9,07-24,45), log rank p = 0,088 e Hazard Ratio (HR) 2,821 (IC95%: 0,817-9,740) (Tabela 3).
Tabela 3 Imunocoloração e sobrevida usando-se o ponto de corte
Marcador | Sobrevida (meses) | Valor p log rank | Hazard Ratio (HR) |
---|---|---|---|
p53 | 15,7 (4-34) | NS | – |
p16 > 25% | 14,34 (IC95%: 5,39-18,46) | p = 0,088 | 2,821 (IC95%: 0,817-9,740) |
p16 < 25% | 20,75 (IC95%: 9,07-24,45) | ||
Ki-67 > 15% | 17,46 (IC95%: 5,39-27,56) | p = 0,1955 | 0,419 (IC95%: 0,108-1,618) |
Ki-67 < 15% | 17,71 (IC95%: 9,07-19,94) |
NS: não significante.
Os pacientes com coloração para MIB-1 em mais de 15% das células apresentaram sobrevida de 17,46 meses (IC95%: 5,39-27,56) em comparação com aqueles com menos de 15% que sobreviveram 17,71 meses (IC95%: 9,07-19,94), log rank p = 1.955 e HR 0,419 (IC95%: 0,108-1,618) (Tabela 3).
Finalmente, foram calculadas as associações das imunoexpressões, mostrando que 53% dos pacientes compartilhavam p53 e p16 (> 25%); 33,3% dos pacientes apresentavam p53 e Ki-67(> 15%), 26,7% apresentando associação de p16 (> 25%) e Ki-67 (> 15%), e aqueles que acumulavam a expressão de p53, p16 (> 25%) e Ki-67 (> 15%) totalizaram 26,7%. Nenhuma das expressões combinadas parece estar relacionada à sobrevida (p ≥ 0,05).
A identificação de genes mutados no CP aumentou a compreensão sobre essa doença. Na literatura mais antiga, os pesquisadores aceitavam que o conteúdo de DNA nas células tumorais pudesse influenciar no prognóstico. Entretanto, observou-se pouco efeito na prática clínica; na maior parte do tempo, porque algumas mutações eram relativamente específicas e raras, e a tecnologia envolvida na detecção e identificação dessas alterações era cara e nem sempre disponível. A carcinogênese pelo CP é um processo de múltiplas etapas e certamente seria mais bem compreendido se estudássemos mais de um gene ou marcador envolvido de cada vez. A possibilidade de detecção imunohistoquímica das expressões proteicas é uma ferramenta importante na pesquisa genética. Isso é especialmente considerado no gene p53, uma vez que a mutação ou alteração em sua função confere estabilidade e aumenta a meia-vida da proteína nuclear. De maneira semelhante, a expressão de p16 seria facilmente determinada por IH(19,27-29). Desde a sua primeira descrição, a proteína Ki-67 tem sido empregada para medir precisamente a proliferação da fração celular, que seria um marcador da diferenciação celular. Isso criaria vários usos possíveis como um excelente marcador para prognóstico e não apenas para previsão(23).
Neste estudo, todas as amostras tiveram reação positiva para DO-7 em mais de 50% das células, exceto o paciente 14, que foi negativo e o único que sobreviveu mais de 5 anos (119 meses). Noventa e três por cento das amostras foram positivas para Ab7 16PO7. Essas proporções não foram significativas e os resultados influenciaram a tomada de decisão para a criação de grupos usando-se um ponto de corte de expressões positivas. Duas publicações mostram achados interessantes. Uma delas publicou a falta de expressão da p16 relacionada à melhor sobrevida(14) e a outra revelou que a mutação da p16 estava relacionada a taxas de sobrevida nitidamente maiores(16). O IP foi bastante heterogêneo (11,91 ± 9,47) e não significativo. Alguns autores(16,30) publicaram resultados semelhantes em pacientes com CP e outros tumores gastrintestinais em razão da expressão heterogênea de Ki-67. Por outro lado, isso não foi observado em alguns tumores neurológicos, nos quais o IP seria facilmente utilizado como preditor e também como fator prognóstico(23,31).
A correlação entre a classificação TNM e a expressão proteica também foi descrita(32,33), mas essa associação não foi suficientemente clara e requer mais estudos. Nosso grupo não foi capaz de encontrar essa associação, assim como com um valor de p > 0,05. Neste estudo, usando-se o método de Kaplan-Meyer, as estimativas de sobrevida global foram realizadas em amostras com expressões abaixo e acima do ponto de corte. Embora não tenha sido possível usar um ponto de corte das expressões da p53, foram realizadas observações interessantes nos grupos da p16. A sobrevida dos pacientes com expressões focalmente positivas para Ab7 16PO7 (< 25%) foi melhor do que aquela com expressões positivas difusas (> 25%). Em primeiro lugar, não foi possível encontrar uma diferença estatisticamente significante entre esses grupos e os grupos Ki-67/IP; além disso, é possível que esses achados tenham refletido o pequeno número de indivíduos estudados.
Há diversos trabalhos que analisam as mutações genéticas e expressões alteradas de vários genes como responsáveis pelas diferenças na sobrevida(10,21). Entretanto, como em nosso estudo, os resultados negativos estão relacionados à pequena amostra de pacientes(10,16). Esse viés poderia explicar nossos achados sobre a associação das expressões e a falta de diferenças na sobrevida.
Neste estudo, a superexpressão das proteínas p53, p16 e Ki-67 não estava relacionada à sobrevida ou ao grau tumoral quando se compararam as expressões isoladas ou combinadas.
De modo geral, estes resultados nos estimulam a criar um grupo de cooperação para estudar não apenas essas mutações, mas também um conjunto delas em uma série expressiva, por meio de outras tecnologias específicas, como microarranjos e sequenciamento genético.