versão impressa ISSN 0066-782X
Arq. Bras. Cardiol. vol.102 no.2 São Paulo fev. 2014 Epub 14-Dez-2013
https://doi.org/10.5935/abc.20130240
O fenômeno da isquemia e reperfusão intestinal é um evento frequente na clínica e está associado a repercussões deletérias em órgãos a distância, em especial ao coração.
Investigar a expressão gênica do estresse oxidativo e defesa antioxidante no coração de camundongos isogênicos, submetidos a isquemia e reperfusão intestinal (IR).
Doze camundongos (C57BL/6) foram distribuídos em dois grupos: Grupo IR (GIR) com 60 min de oclusão da artéria mesentérica superior, seguidos de 60 min de reperfusão. Grupo Controle (GC) submetidos a anestesia e a laparotomia sem o procedimento de IR observados por 120 min. As amostras de intestino e coração foram processadas pelo método (RT-qPCR / Reverse transcriptase - quantitative Polymerase Chain Reaction) para determinar a expressão gênica de 84 genes relacionados ao estresse oxidativo ("t" de Student, p < 0,05).
Observou-se no tecido intestinal (GIR) uma expressão significantemente aumentada em 65 (74,71%) genes em relação ao tecido normal (GC), e 37 (44,04%) genes estiveram hiperexpressos (maior que três vezes o limiar permitido pelo algoritmo). No tocante aos efeitos da I/R intestinal a distância no tecido cardíaco verificou-se a expressão significantemente aumentada de 28 genes (33,33%), mas somente oito genes (9,52%) se hiperexpressaram três vezes acima do limiar. Quatro (7,14%) desses oito genes se expressaram simultaneamente nos tecidos intestinal e cardíaco. No GIR notaram-se cardiomiócitos com núcleos de menor tamanho, picnóticos, ricos em heterocromatina e raros nucléolos, indicando sofrimento cardíaco.
A I/R intestinal promoveu a hiperexpressão estatisticamente significante de oito genes associados ao estresse oxidativo a distância no tecido miocárdico.
Palavras-Chave: Expressão Gênica; Camundongos; Extresse Oxidativo; Intestinos / patologia
Intestinal ischemia-reperfusion is a frequent clinical event associated to injury in distant organs, especially the heart.
To investigate the gene expression of oxidative stress and antioxidant defense in the heart of inbred mice subjected to intestinal ischemia and reperfusion (IR).
Twelve mice (C57BL / 6) were assigned to: IR Group (GIR) with 60 minutes of superior mesenteric artery occlusion followed by 60 minutes of reperfusion; Control Group (CG) which underwent anesthesia and laparotomy without IR procedure and was observed for 120 minutes. Intestine and heart samples were processed using the RT-qPCR / Reverse transcriptase-quantitative Polymerase Chain Reaction method for the gene expression of 84 genes related to oxidative stress and oxidative defense (Student's "t" test, p < 0.05).
The intestinal tissue (GIR) was noted to have an up-regulation of 65 genes (74.71%) in comparison to normal tissue (CG), and 37 genes (44.04%) were hyper-expressed (greater than three times the threshold allowed by the algorithm). Regarding the remote effects of intestinal I/R in cardiac tissue an up-regulation of 28 genes (33.33%) was seen, but only eight genes (9.52%) were hyper-expressed three times above threshold. Four (7.14%) of these eight genes were expressed in both intestinal and cardiac tissues. Cardiomyocytes with smaller and pyknotic nuclei, rich in heterochromatin with rare nucleoli, indicating cardiac distress, were observed in the GIR.
Intestinal I/R caused a statistically significant over expression of 8 genes associated with oxidative stress in remote myocardial tissue.
Key words: Gene Expression; Mice; Oxidative Stress; Intestines / pathology
A Isquemia e Reperfusão (IR) tecidual e as alterações celulares e humorais que se seguem têm grande impacto na homeostasia do organismo1. Embora as espécies reativas de oxigênio (EROs) estejam envolvidas na homeostase, sua presença em quantidades que ultrapassem os limites naturais de defesa celular, pelos antioxidantes e varredores, levará ao desequilíbrio conhecido como estresse oxidativo2. Embora o oxigênio seja um substrato crítico para o alívio da isquemia, paradoxalmente funciona como metabólito deletério durante o período de reperfusão2 - 5, predispondo ao comprometimento de órgãos distantes, além das lesões locais6.
A IR, e o consequente estresse oxidativo, está associada a condições clínicas e cirúrgicas, tais como: sepse, trauma oclusivo arterial, parada cardíaca, trombose, embolia, vasoespasmo, tumores, transplantes e ressecções de órgãos, acidentes vasculares cerebrais e infarto do miocárdio2 , 6 - 8.
O estresse oxidativo no sistema cardiovascular predispõe a lesões graves nos cardiomiócitos e vasos cardíacos, alterando os mecanismos de contração e relaxamento, tendo como consequência sua desadaptação e déficit de função6.
A avaliação da expressão gênica associada ao estresse oxidativo em órgãos a distância oferece uma nova ferramenta para esclarecer vários aspectos do fenômeno, tanto no diagnóstico, monitoramento quanto nos resultados de procedimentos terapêuticos9 , 10. Um recurso tecnológico de uso recente permite avaliar uma grande quantidade de genes de maneira segura e relativamente simplificada pelo método da RT- qPCR (Reverse transcriptase quantitative Polymerase Chain Reaction)11 - 14. Desse modo, tem sido descrita em modelos animais a resposta genômica do coração ao estresse oxidativo provocado por isquemia renal, hepática, mesentérica, a oclusão da aorta infrarrenal da aorta ou isquemia de membros inferiores13 - 14.
Considerando que a isquemia esplâncnica, em especial do intestino delgado, é um evento grave e que além de suas manifestações locais tem repercussões sistêmicas, a proposta desta pesquisa foi avaliar a expressão de 84 genes relacionados ao estresse oxidativo e defesa antioxidante no tecido cardíaco após a isquemia e reperfusão intestinal em um modelo em camundongos isogênicos.
A pesquisa foi aprovada pela Comissão de Ética em Pesquisa do Hospital São Paulo vinculado à Universidade Federal de São Paulo-UNIFESP sob o número (1379-1308). O projeto foi ratificado pela Comissão de ética em pesquisa da Universidade Federal da Grande Dourados-UFGD (protocolo 306/08). Os procedimentos experimentais seguiram as normas internacionais de pesquisa em animal e as orientações normativas da Sociedade Brasileira de Ciência em Animais de Laboratório (SBCAL) e foram mantidos segundo o Guia para o Cuidado e Uso de Animais de Laboratório (Instituto de Pesquisa Animal de Laboratório, 1996).
Os animais permaneceram em condições ambientais controladas de temperatura, ruídos e ciclo de doze horas para luz e escuridão. Tiveram livre acesso a água e ração própria para a espécie. Os procedimentos operatórios foram efetuados nos laboratórios de Cirurgia Experimental, no Departamento de Cirurgia da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Foram selecionados 12 camundongos machos (linhagem C57BL/6), adultos, com peso médio de 35 g, procedentes do Centro de Desenvolvimento de Modelos Experimentais para Medicina e Biologia UNIFESP (CEDEME) e aleatoriamente distribuídos em dois grupos, Grupo Isquemia e Reperfusão (GIR), seis animais submetidos a 60 min de oclusão da artéria mesentérica superior seguida de 60 min de reperfusão e Grupo Controle (GC), seis animais somente anestesiados, submetidos a laparotomia mediana, sem realização do clampeamento vascular do intestino e observados por 120 min.
Os animais foram anestesiados por via intramuscular com solução de cloridrato de quetamina (44 mg.Kg-1, Ketamina Agener- União Química, São Paulo), cloridrato de xilasina (2,5 mg.Kg-1, Calmium- União Química, São Paulo) e acepromazina (0,75 mg.Kg-1, Acepran Rhobifarma). A temperatura ambiente foi mantida em 38ºC. O procedimento cirúrgico foi realizado com laparotomia mediana e após a abertura da cavidade peritoneal, foram afastadas as vísceras abdominais, identificadas e isoladas a artéria e a veia mesentéricas superiores e ocluídas por clampe de microcirurgia (clip vascular metálico). A comprovação da oclusão arterial foi verificada pela coloração pálida intestinal, ausência de batimentos arteriais. Após 60 minutos de oclusão vascular o clampe metálico foi retirado, iniciando a reperfusão, caracterizada pelo retorno do batimento arterial e a mudança de coloração das alças.
Após o término do período de reperfusão do grupo (GIR) ou do período de observação do grupo (GC) os animais ainda anestesiados foram submetidos a coleta de amostras de intestino delgado para avaliação dos efeitos da isquemia e expressão gênica. Após esse procedimento foi realizada a toracotomia, retirado o coração, ainda com batimentos, que foi imediatamente seccionado transversalmente ao maior eixo, ao nível dos ventrículos. Fragmentos do coração foram mergulhados em frascos individuais com formaldeído a 10% e submetidos ao processamento histológico padronizado de microscopia óptica para a hematoxilina e eosina (HE). Outro fragmento transversal do coração e segmento com 30 mm de extensão do intestino foram cuidadosamente lavados com solução salina, envolvidos em papel de alumínio identificados e imersos em botijão criogênico contendo nitrogênio líquido (196 graus Celsius negativos). As amostras assim preservadas foram encaminhadas para o Laboratório de Biologia Molecular do Departamento de Ginecologia - UNIFESP para o processamento de expressão gênica.
O RNA dos 84 genes relacionados ao efeito do estresse oxidativo e da defesa antioxidante (Tabela 1) foi extraído das amostras de intestino delgado e coração dos animais dos GC e GIR por meio da utilização do reagente TRIzol® (Life Technologies, Grand Island, NY, USA) e purificados por medidas inversas (Rneasy MiniKit Qiagen, Co - USA). A concentração do total de amostras de RNA foi determinada por espectrofotômetro e a qualidade dos resultados assegurada pela mesma análise em gel agarose a 2%. A primeira cadeia de DNA complementar (cDNA) foi sintetizada usando 1 µg do RNA total e o kit de Primeira Cadeia RT2 (SABiosciences). Quantidades idênticas de cDNA e do Master Mix SYBR® Green qPCR Mastermix (SABiosciences, QIAGEN Company) foram distribuídas por cada poço do PCR array contendo as porções dos genes específicos anteriormente escolhidos. A PCR foi realizada segundo as instruções do fabricante em 96 poços para detectar a expressão de 84 genes ligados ao estresse oxidativo, cinco genes de controle endógeno usados para medição das informações do PCR array (ACTB, Gapdh, Hsp90ab1, Hprt1, Gusb), e um controle negativo para verificar possível contaminação por DNA genômico. A amostra primária do controle negativo detectou, com alto nível de sensibilidade, o DNA genômico não transcrito e repetitivo. Três poços com controles de transcrição reversas (RTCs) foram usados para verificar a eficiência da reação RT com o teste qPCR que busca detectar moldes sintetizados do RNA controle do primeiro kit de síntese de cadeia. A replicação dos controles PCRs positivos (PPCs) foi usada para determinar a eficiência da própria reação da cadeia de polimerase. Esses controles usam sequência de DNA artificial predefinida no processo de detecção. Os poços de controle replicado (RTCs e PPCs) também avaliam a consistência entre os poços e entre as placas. O software do aparelho (MxPro Equipment Real Time Systems, Stratagene, GE, Co) calculou os valores do ciclo de início (Ct) para todos os genes em análise. Por fim, realizou uma comparação em pares por meio do cálculo de mudança na expressão gênica desde o ciclo inicial puro usando o método [2-Δ ΔC]. O método usado para determinar a expressão relativa dos genes de interesse nesse estudo foram colocados na tabela de análise de dados do PCR Array v3.3 (PCR Array Data Analysis v3.3-SABiosciences - Qiagen, Company)15.
Tabela 1 Distribuição dos genes pesquisados segundo o agrupamento em famílias com funções similares e suas respectivas siglas de identificação no banco de genes
# | Famílias | No. de genes | Genes pesquisados |
1 | Glutationa Peroxidases (GPX): | 10 | Gpx1, Gpx2, Gpx3, Gpx4, Gpx5, Gpx6, Gpx7, Gpx8, Gstk1, Gsr. |
2 | Peroxiredoxinas (TPX): | 8 | Ehd2, Prdx1, Prdx2, Prdx3, Prdx4, Prdx5, Prdx6, Prdx1rs1. |
3 | Peroxidases | 16 | Aass, Apc, Cat, Ctsb, Duox1, Epx, Lpo, Mpo, Ptgs1, Ptgs2, Rag2, RGD1560658 (Serpinb1b), RGD1565187 (Kif9), Slc41a3, Tmod1, Tpo. |
4 | Espécies Reativas de Oxigênio | 16 | Ccs, Cyba, Fmo2, Il19, Il22, Ncf2, Nos2, Nox1, Nox4, Noxa1, Noxo1, Recql4, Scd1, Sod1, Sod2, Sod3. |
5 | Estresse Oxidativo | 22 | Als2, Apoe, Ercc2, Ercc6 Gab1, Idh1, Mpp4, Nqo1, Nudt15, Nxn, Park7, Ppp1r15b, Prnp, Psmb5, Srxn1, Txnip, Txnrd1, Txnrd2, Txnrd3, Ucp3, Xpa, Zmynd17. |
6 | Transportadores de Oxigênio | 12 | Aqr, LOC367198 (Atr), Cygb, Dnm2, Fancc, Hbq1, Slb (Ift172), Mb, Ngb, Slc38a1, Vim , Xirp1. |
Para dados da expressão gênica cada amostra foi avaliada em triplicata. O teste "t" de Student (p < 0,05) foi aplicado para validar a homogeneidade da reação de expressão de cada gene. Para comparação entre os dois grupos o programa computacional calculou a variação do ciclo de quantificação (Ct) do grupo estudo em relação o ciclo de quantificação (Ct) grupo controle expressos na base logarítmica (2) pela fórmula 2^(-Delta Delta Ct). Os resultados da expressão gênica são apresentados como expressão positiva (GIR maior que GC) ou expressão negativa (GIR menor que GC). Os números representam quantas vezes cada gene se expressou, acima [sinal positivo (+)] ou abaixo [sinal negativo (-)]. O programa de software estabeleceu os resultados três vezes acima (hiperexpressão) ou três vezes abaixo (hipoexpressão) o limiar permitido pelo algoritmo para significância estatística (p < 0,05).
Em 84 genes avaliados no intestino, 65 genes (74,71%) apresentaram expressão positiva, e desses, 37 (44,04%) genes foram hiperexpressos, ou seja, expressão superior a três vezes o limiar estabelecido pelo algoritmo em comparação com o grupo controle (Gráfico 1).
Gráfico 1 Dispersão da expressão dos 84 genes no tecido cardíaco relacionados com o fenômeno de isquemia e reperfusão intestinal nos animais do grupo GC e GIR; a linha preta indica a expressão do nível de normalidade; as linhas rosa indicam o limiar de três vezes da expressão gênica permitida pelo algoritmo.
Na análise sobre o tecido cardíaco, após a I/R intestinal, ocorreu expressão positiva em 28 (33,33%) genes (Tabela 2). Apenas oito (9,52%) superaram em três vezes o limiar do algoritmo (Tabela 3 e gráfico 2). Quatro genes (4,76%) se expressaram positiva e simultaneamente nos tecidos intestinal e cardíaco (Tabela 4).
Tabela 2 Distribuição de 28 genes dentre os 84 genes investigados no coração com expressão positiva (+) ou expressão negativa (-) 2^(- Delta Delta Ct) nos animais submetidos a 60 min de isquemia do intestino delgado e 60 min de reperfusão em comparação ao grupo controle sem isquemia / reperfusão; (* = valor significante p < 0,05)
# | Base do Gene | Símbolo do Gene | Nome do Gene | GIR Intestino | P- valor | GIR Coração | P- valor |
1 | NM_013930 | Aass | Aminoadipate-semialdehyde synthase | +19,63* | 0,000001 | +6,65* | 0,01209 |
2 | NM_009696 | Apoe | Apolipoprotein E | +1,76* | 0,002533 | +3,60* | 0,01737 |
3 | NM_007985 | Fancc | Fanconi anemia. complementation group C | +7,42* | 0,000015 | +1,87* | 0,04313 |
4 | NM_018881 | Fmo2 | Flavin containing monooxygenase 2 | +1,52* | 0,019633 | +4,93* | 0,00772 |
5 | NM_010343 | Gpx5 | Glutathione peroxidase 5 | +5,10* | 0,001774 | +0,50* | 0,03717 |
6 | NM_027127 | Gpx8 | Glutathione peroxidase 8 (putative) | +1,43 | 0,072334 | +2,19* | 0,01271 |
7 | NM_010344 | Gsr | Glutathione reductase | +1,64 | 0,149896 | +2,34* | 0,02997 |
8 | NM_080420 | Lpo | Lactoperoxidase | +23,88* | 0,00002 | -2,28* | 0,00326 |
9 | NM_010877 | Ncf2 | Neutrophil cytosolic factor 2 | +4,31* | 0,000018 | +2,43* | 0,02876 |
10 | NM_010927 | Nos2 | Nitric oxide synthase 2. inducible | +4,71* | 0,000117 | +1,31* | 0,00129 |
11 | NM_015760 | Nox4 | NADPH oxidase 4 | +12,47* | 0,000005 | +5,73* | 0,02561 |
12 | NM_172204 | Noxa1 | NADPH oxidase activator 1 | +3,06* | 0,000083 | +1,49* | 0,00072 |
13 | NM_027988 | Noxo1 | NADPH oxidase organizer 1 | +1,33* | 0,000177 | +2,10* | 0,03623 |
14 | NM_008750 | Nxn | Nucleoredoxin | +1,98* | 0,002268 | +2,53* | 0,036 |
15 | NM_133819 | Ppp1r15b | Protein phosphatase 1. regulatory (inhibitor) subunit 15b | +1,06 | 0,962143 | +1,99* | 0,04908 |
16 | NM_012021 | Prdx5 | Peroxiredoxin 5 | -1,54* | 0,008534 | +2,14* | 0,01926 |
17 | NM_011186 | Psmb5 | Proteasome (prosome. macropain) subunit. beta type 5 | +1,21 | 0,078442 | +1,32* | 0,00488 |
18 | NM_008969 | Ptgs1 | Prostaglandin-endoperoxide synthase 1 | +1,56* | 0,012124 | +2,94* | 0,00004 |
19 | NM_011198 | Ptgs2 | Prostaglandin-endoperoxide synthase 2 | +10,07* | 0,000003 | +3,94* | 0,00691 |
20 | NM_009020 | Rag2 | Recombination activating gene 2 | +15,79* | 0,000293 | +3,42* | 0,04444 |
21 | NM_009127 | Scd1 | Stearoyl-Coenzyme A desaturase 1 | +6,85* | 0,00042 | +31,73* | 0,000099 |
22 | NM_134086 | Slc38a1 | Solute carrier family 38. member 1 | +4,59* | 0,000106 | +8,86* | 0,01516 |
23 | NM_013671 | Sod2 | Superoxide dismutase 2. mitochondrial | +1,47* | 0,009249 | -1,80* | 0,02156 |
24 | NM_011435 | Sod3 | Superoxide dismutase 3. extracellular | +2,51* | 0,002347 | +1,28* | 0,00081 |
25 | NM_021883 | Tmod1 | Tropomodulin 1 | +15,01* | 0,000161 | -1,05* | 0,00619 |
26 | NM_023719 | Txnip | Thioredoxin interacting protein | +1,87* | 0,00026 | +2,02* | 0,00127 |
27 | NM_009464 | Ucp3 | Uncoupling protein 3 (mitochondrial. proton carrier) | +15,85* | 0,000102 | +1,62* | 0,01441 |
28 | NM_011701 | Vim | Vimentin | +2,20* | 0,000155 | +2,59* | 0,01509 |
Tabela 3 Distribuição de oito genes hiperexpressos 2^(- Delta Delta Ct) dentre os 84 genes investigados no coração de comparados aos genes expressos no intestino de animais submetidos a 60 min de isquemia do intestino delgado e 60 min de reperfusão em comparação ao grupo controle sem isquemia / reperfusão; (* = valor p < 0,05)
# | Base do Gene | Símbolo do Gene | Nome do Gene | GIR Intestino | P- valor | GIR Coração | P- valor |
1 | NM_013930 | Aass | Aminoadipate-semialdehyde synthase | +19,64 | 0,000001* | +6,65 | 0,012092* |
2 | NM_009696 | Apoe | Apolipoprotein E | +1,94 | 0,002533* | +3,6 | 0,017365* |
3 | NM_018881 | Fmo2 | Flavin containing monooxygenase 2 | +1,6 | 0,019633* | +4,93 | 0,007719* |
4 | NM_015760 | Nox4 | NADPH oxidase 4 | +3,13 | 0,000005* | +5,73 | 0,025614* |
5 | NM_011198 | Ptgs2 | Prostaglandin-endoperoxide synthase 2 | +14,6 | 0,000003* | +3,94 | 0,006908* |
6 | NM_009020 | Rag2 | Recombination activating gene 2 | +10,76 | 0,000293* | +3,42 | 0,044442* |
7 | NM_009127 | Scd1 | Stearoyl-Coenzyme A desaturase 1 | +1,62 | 0,000420* | +31,73 | 0,000099* |
8 | NM_134086 | Slc38a1 | Solute carrier family 38, member 1 | -1,29 | 0,000106* | +8,86 | 0,015159* |
Gráfico 2 Oito genes relacionados ao estresse oxidativo e com expressão três vezes acima do limiar da permitido pelo algoritmo nos tecidos intestinal e cardíaco.
Tabela 4 Quantidade e porcentagem da ocorrência de genes hiperexpressos com valores estatisticamente significantes e suas ocorrências simultânea nos tecidos intestinal e cardíaco
GIR Intestino | GIR Coração | Ocorrência simultânea | |||
Genes considerados significantes (p < 0,05) | 65 (74,71%) | 28 (33,33%) | 24 (28,57%) | ||
Genes considerados hiperexpressos | 37 (44,04%) | 8 (9,52%) | 4 (4,76%) |
Na avaliação histológica qualitativa as amostras dos tecidos do coração dos animais pertencentes aos dois grupos de estudo estavam constituídos por vários feixes de fibras musculares cardíacas separados uns dos outros por fibras colágenas do tipo I. Esses feixes estavam formados por células musculares cárdicas, de forma alongada com um ou dois núcleos em posição central, contendo no citoplasma estriações transversais. Ao redor dos cardiomiócitos nota-se a presença de células do tecido conjuntivo, fibras colágenas tipo III e capilares sanguíneos.
No GC observaram-se cardiomiócitos contendo um ou dois núcleos volumosos e nucléolos bem evidentes (Figura 1). No grupo GIR (uma hora de isquemia e uma hora de reperfusão) notaram-se cardiomiócitos de menor tamanho com núcleos picnóticos mais escuros, ricos em heterocromatina e raros nucléolos, indicando sofrimento cardíaco (Figura 2).
Figura 1 Fotomicrografia do ventrículo esquerdo de camundongo pertencente ao Grupo Controle (GC). Notar os núcleos de cardiomiócitos centralizados na célula, volumosos e eucromáticos (setas amarelas); vasos íntegros sem extravasamento de hemácias (setas azuis); fibras cardíacas dispostas regularmente. (HE 400x).
Figura 2 Fotomicrografia mostrando ventrículo esquerdo de camundongo pertencente ao grupo isquemia e reperfusão (GIR). Notar núcleos dos cardiomiócitos na periferia celular (seta branca), de volume diminuído e picnóticos (setas amarelas); células edemaciadas e desestruturação da direção das fibras cardíacas. (HE 400x).
Os dados coletados na pesquisa sobre estresse oxidativo e resposta antioxidante celular mostraram que, num modelo de isquemia intestinal em curto prazo (uma hora de isquemia seguida de uma hora de reperfusão) em camundongos isogênicos, ocorreu a expressão positiva de determinados genes no tecido cardíaco (Tabela 2 e gráfico 1).
A análise global permite afirmar que a isquemia intestinal seguida de reperfusão é um fenômeno intimamente relacionado à geração e modulação das espécies reativas de oxigênio. As alterações locais no intestino promoveram respostas humorais e celulares que, disseminadas pela corrente sanguínea, afetaram o aparato genômico do tecido cardíaco induzindo respostas de expressão gênica relacionadas à geração e modulação de EROs.
O gene Aminoadipate-semialdehyde synthase (Aass) codifica uma proteína peroxidase com atividade catalisadora cujos substratos são o peróxido de hidrogênio e os hidroperóxidos orgânicos. Está presente na maioria dos tecidos, funcionando como uma enzima bifuncional degradando a lisina até acetilcoenzima A (acetil-CoA) por duas vias metabólicas distintas (sacaropina e ácido pipecólico)16 , 17. A lisina causa lipoperoxidação diminuindo a concentração de glutationa peroxidases e comprometendo as defesas antioxidantes celulares. Atua causando a inibição da Na+/K+-ATPase com alterações dos mecanismos de troca iônica na membrana celular, sendo indutora do estresse oxidativo18 , 19. A degradação da lisina pela acetilação atua na motilidade do miocárdio, aumentando a velocidade de deslizamento da actina-miosina em comparação com as suas respectivas isoformas não acetiladas19. Em razão das atividades conhecidas da enzima codificada pelo gene Aass é possível inferir que a sua hiperexpressão no tecido cardíaco esteve associada à proteção do tecido cardíaco da ação deletéria das EROs.
A prostaglandina-endoperóxido sintetase (Ptgs-2) é uma peroxidase com a função de converter o ácido araquidônico em prostaglandina e está associada às lesões causadas pelo processo inflamatório e proliferação celular20. Ela tem duas funções no processo inflamatório: inicialmente contribui para o aparecimento da inflamação e posteriormente atua na resolução do processo21 , 22. A Ptgs2 não é detectável nas células em condições normais, porém está presente em resposta a citocinas inflamatórias em diferentes tipos celulares e situações de estresse oxidativo. Há relato de sua presença no miocárdio em várias doenças concorrendo para a falência cardíaca. No contexto desta pesquisa a hiperexpressão do gene Ptgs2 mostrou que o tecido miocárdio é sensível a isquemia intestinal respondendo de modo defensivo contra o estresse oxidativo22.
Os processos de neutralização de xenobióticos, entre eles aminas, sulfuretos e alguns compostos de fósforo e selênio, são executados por uma enzima da família das mono oxigenases (Fmo2) que contêm o nucleotídeo flavina. A reação é dependente da presença do NADPH (nicotinamida adenina dinucleótido fosfato hidrogenase). Na ausência de NADP (nicotinamida adenina dinucleótido fosfato) a Fmo2 funcionaria como uma NADPH-oxidase que consome NADPH e causa estresse oxidativo, mediante a produção excessiva de peróxido de hidrogênio23. Mamíferos expressam cinco diferentes mono-oxigenases, e a isoforma Fmo2 é a mais prevalente Estudo em humanos associou a Fmo2 com a maior resistência ao estresse oxidativo causado por fatores ambientais24 , 25. Nesta pesquisa a hiperexpressão do gene Fmo2 sugere que a isquemia intestinal induziu a codificação da proteína para a defesa antioxidante do tecido cardíaco.
A NADPH oxidase (Nox) é um grupo de sete enzimas oxidases com manifestação intracelular, perinuclear e presente em diversos tecidos. É relevante sua presença no tecido cardiovascular, embora sem distinção clara entre miócitos e demais componentes vasculares. A Nox4 é a isoforma envolvida na produção de EROs, predominantemente de peróxido de hidrogênio e em menor escala do ânion superóxido26. Está envolvida na detecção de oxigênio, controle vasomotor, proliferação celular, diferenciação, migração, apoptose, senescência, fibrose e angiogênese27. Citocinas inflamatórias, entre elas a TNF-alfa, funcionam como moduladoras da expressão do gene Nox428. Ambas desempenham um papel relevante na patogênese das doenças cardiovasculares estimulando a via extrínseca na formação de um complexo de sinalização indutor de morte celular, conduzindo à ativação da cascata de caspases. Fica evidente a correlação delas em doenças cardiovasculares (aterosclerose, hipertensão arterial, insuficiência cardíaca e acidente vascular cerebral isquêmico)26 , 28 , 29. A sua hiperexpressão evidencia que a isquemia/reperfusão intestinal teve um efeito deletério sobre o coração. O efeito pôde ser constatado morfologicamente pelas alterações identificadas nas lâminas coradas pela HE (Figura 2).
A apoliproteína E (Apoe) é fundamental para o metabolismo normal dos componentes lipoprotéicos de triglicérides e colesterol. Primariamente produzida pelo fígado e macrófagos, atua no transporte do colesterol, proteção às células endoteliais dos vasos, tem aparente ação em doenças neurológicas, e exerce funções imunomoduladoras in vitro diminuindo proliferação de linfócitos após o estímulo mitogênico30. Há relatos da sua ação ante a isquemia agindo como antioxidante, protegendo células de diferentes tecidos, como o endotélio contra o efeito tóxico do peróxido de hidrogênio31 - 34. Considerando as atividades da Apoe nos diferentes tecidos, pode-se levantar a hipótese de que ante o estresse oxidativo do nosso modelo experimental houve uma resposta de proteção dos efeitos deletérios das EROs sobre o coração.
O gene Rag2 (recombination-activating gene 2) codifica uma das peroxidases que desempenham papel importante no rearranjo e recombinação dos genes das imunoglobulinas e dos receptores moleculares de células T27. É uma multiproteína complexa, mediadora da fase de clivagem de DNA durante recombinação. As proteínas RAG1 E RAG2 são essenciais para a maturação dos linfócitos bursa (B) e timo (T) dependentes. Os dois tipos celulares são fundamentais na adaptação do sistema imunológico35. As peroxidases são conhecidas por desempenhar um papel na modulação do estresse oxidativo35 , 36. A hiperexpressão da Rag2 pode estar associada à necessidade de ajustes na replicação celular cardíaca devido à presença de excessiva quantidade de EROs, em especial o peróxido de hidrogênio e os hidroperóxidos orgânicos, mostrando uma ação de proteção aos efeitos deletérios das EROs.
A proteína codificada pelo gene Scd1 (Stearoyl-Coenzyme A desaturase 1) catalisa a síntese de ácidos graxos insaturados e seu principal produto é o ácido oleico, formado pela dessaturação do ácido esteárico, e está agrupada na família de enzimas relacionadas às espécies reativas de oxigênio37. A deficiência de Scd1 aumenta a taxa de oxidação de ácidos graxos no fígado e no músculo esquelético. Quanto maior essa taxa, maior é a probabilidade de que a deficiência de Scd1 venha a alterar o metabolismo cardíaco invertendo a proporção do substrato energético entre ácidos graxos e glicose disponível para o coração38. A incompatibilidade entre a absorção e utilização de ácidos graxos de cadeia longa pelo miocárdio leva a concentração anormalmente elevada de ácido graxo intracelular, induzindo a disfunção do miocárdio37. Na presente pesquisa, a hiperexpressão do gene no tecido cardíaco pode estar relacionada à necessidade de maior aproveitamento das gorduras em substituição ao substrato oxidável dependente da glicose, na tentativa de reparar o desequilíbrio metabólico cardíaco.
A proteína codificada pelo gene Slc38a1 (Solute carrier family 38) é transportadora de aminoácidos de ocorrência predominante no coração, no cérebro e na placenta. Transportadores de soluto são proteínas da membrana eucariótica que controlam a absorção e efluxo de diferentes solutos, incluindo aminoácidos, açúcares e fármacos39. Os aminoácidos são necessários para uma ampla variedade de importantes processos biológicos celulares como na produção do tiol glutationa (GSH) catalisada pela presença da cisteína também necessária para outras reações no tecido do miocárdio e fornecida pela proteína transportadora Slc38a140. A vigência do estresse oxidativo estimula sua captação provocando aumentos de expressão Slc38A1 no miocárdio de mamíferos, consequentemente com maior presença de (GSH)39 , 40. No presente estudo a hiperexpressão do gene Slc38a1 corrobora a afirmação de sua ação similar em outros tecidos e mostra que sua presença pode implicar uma ação protetora no mecanismo de transporte energético da célula miocárdica.
O racional desta pesquisa foi traçar o perfil de resposta gênica do tecido cardíaco quando submetido a estímulos provenientes de órgãos a distância atingidos pelo estresse oxidativo. Dados o ineditismo dos resultados e a complexidade da expressão gênica, a ratificação dos resultados fica na dependência de confirmação posterior através da proteômica, onde a identificação e a quantificação da proteína no tecido poderão fornecer subsídios que permitam verificar se a expressão gênica funcionou como estímulo real de codificação proteica ou se a expressão está relacionada à sinalização ou modulação de outras vias metabólicas de resposta ao estresse oxidativo. Como ponto de partida para futuras pesquisas o mapeamento realizado permitiu identificar oito genes que se mostraram mais responsíveis ao estresse oxidativo que, portanto, devam ser inicialmente focados como novo objeto de estudo. A linha de pesquisa é promissora, pois o entendimento da expressão gênica poderá produzir procedimentos de monitoramento da evolução e tratamento da síndrome de falência de múltiplos órgãos e especificamente na participação do tecido cardíaco nesse fenômeno.
No perfil traçado para a resposta gênica associada ao estresse oxidativo foram identificados oito genes no tecido cardíaco que respondem com hiperexpressão quando o intestino é submetido a isquemia e reperfusão. O estudo abre perspectiva de organizar um protocolo de monitoramento em situações clínicas de isquemia e reperfusão a partir da expressão gênica em tempo real.
Concepção e desenho da pesquisa: Somaio Neto F, Fagundes DJ; Obtenção de dados, Análise e interpretação dos dados e Redação do manuscrito: Somaio Neto F, Ikejiri AT, Bertoletto PR, Chaves JCB, Teruya R, Fagundes DJ, Taha MO; Análise estatística: Somaio Neto F, Teruya R, Fagundes DJ; Obtenção de financiamento: Somaio Neto F, Ikejiri AT, Bertoletto PR, Chaves JCB, Taha MO; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual: Fagundes DJ.