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Expressividade do profissional da voz: processo de construção de um roteiro fonoaudiológico de observação

Expressividade do profissional da voz: processo de construção de um roteiro fonoaudiológico de observação

Autores:

Telma Dias dos Santos,
Léslie Piccolotto Ferreira

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.32 no.2 São Paulo 2020 Epub 23-Mar-2020

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20192019121

INTRODUÇÃO

Na clínica fonoaudiológica, a avaliação sugere o uso de ferramentas e técnicas(1). Ela direciona os processos terapêuticos e pode variar, conforme as demandas do sujeito que está sendo avaliado e também as do profissional que realiza a avaliação.

Os instrumentos para a avaliação são comumente utilizados na clínica fonoaudiológica, e, em sua grande maioria, são direcionados para a avaliação de um determinado distúrbio e empregados na reabilitação(2). Na falta de instrumentos específicos, a Fonoaudiologia tem tomado emprestado alguns instrumentos primordialmente desenhados para a avaliação dos distúrbios. Estudos fonoaudiológicos sobre intervenção junto a cantores e professores têm utilizado instrumentos validados de avaliação e autoavaliação vocal antes e depois da intervenção(3,4).

Os fonoaudiólogos, em sua maioria, fazem uso de instrumentos não validados para a avaliação da expressividade, em suas pesquisas de intervenção junto a profissionais da voz(5).

A falta de descrição detalhada e a não padronização dos procedimentos utilizados dificultam a comparação entre os estudos e o levantamento de dados mais robustos(6,7).

Uma revisão sistemática da literatura observou um aumento de estudos fonoaudiológicos sobre validação de instrumentos de avaliação nos últimos anos(1). De acordo com as autoras, as áreas da Fonoaudiologia que tiveram mais instrumentos validados entre 1999 e 2015 foram linguagem, com 20 estudos, e audiologia, com 13 estudos. As áreas de voz, disfagia e motricidade orofacial tiveram, respectivamente, sete, quatro e três estudos sobre validação de instrumentos publicados nesse período.

O trabalho com a expressividade é uma abordagem que permeia, há muitos anos, as principais estratégias utilizadas para o aprimoramento da comunicação dos profissionais da voz. Ainda são poucos os trabalhos publicados que conseguem identificar e operacionalizar os indicadores da prática clínica fonoaudiológica, mesmo com a produção científica da Fonoaudiologia adotando os níveis de evidência como norteador de classificação de qualidade dos estudos realizados na área da saúde (8).

OBJETIVO

Apresentar a versão consenso de um roteiro fonoaudiológico para a observação da expressividade de profissionais da voz.

MÉTODO

Este estudo, parte da pesquisa que foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e aprovada sob o número CAAE 66711317.8.0000.5482, é de caráter descritivo e prospectivo de natureza qualitativa. Neste estudo, em especial, foram desenvolvidas as etapas de construção e validação de conteúdo do roteiro e foi dividido em três etapas. Na primeira, foi realizado o levantamento e categorização das variáveis encontradas nos instrumentos descobertos na revisão de literatura. Na segunda etapa, juízes fonoaudiólogos, todos com experiência em atendimento a jornalistas, em conjunto e na presença da pesquisadora, avaliaram a validade do conteúdo criando uma versão inicial do roteiro. Na terceira, juízes fonoaudiólogos e foneticistas validaram o conteúdo do roteiro inicial e criaram a versão consenso do Roteiro Fonoaudiológico de Avaliação da Expressividade para profissionais da voz. A construção do roteiro é parte de uma pesquisa maior que, em subsequente estudo, avaliará sua aplicabilidade.

Etapa 1: levantamento e classificação das variáveis encontradas nos instrumentos.

Para a coleta de fontes, foram selecionadas as plataformas Scopus, Science Direct, SAGE Journals e Medline. A busca considerou o período de 2006 a 2016. As palavras selecionadas para direcionar a busca foram: expressividade, comunicação não verbal, voz profissional e fonoaudiologia, combinadas e pesquisadas nos idiomas português e inglês.

Ao todo, foram encontradas 5.295 produções nas quatro bases de dados selecionadas. Os achados foram categorizados e analisados quanto a: periódico publicado, área do conhecimento, tipo de estudo (revisão de literatura, observacional ou intervencional), sujeitos da pesquisa (profissionais da voz) e instrumentos de avaliação utilizados. Após filtro e avaliação das produções, restaram 36 artigos com a temática expressividade e profissionais da voz, dos quais, apenas cinco trabalhos apresentavam seus instrumentos na íntegra. Esses serviram de base para a construção do roteiro. Os parâmetros encontrados nos cinco instrumentos levantados foram listados, conforme a classificação dada pelos autores e seguindo a ordem de descrição nos trabalhos.

Os cinco instrumentos contemplavam em seus parâmetros de avaliação os aspectos da expressividade oral, vocal e não verbal.

Para uma melhor avaliação do conteúdo abordado nos instrumentos, os parâmetros encontrados foram separados, inicialmente, em três categorias: avaliação dos aspectos emocionais e de interpretação; avaliação dos aspectos relacionados à expressividade oral/verbal; e avaliação dos aspectos relacionados à expressividade não verbal.

Foram acrescentados, a título de complementação das questões que englobam a expressividade, os parâmetros de expressividade verbal, não mencionados em nenhum dos instrumentos encontrados na literatura. A lista inicial apresentada aos juízes continha 48 variáveis, sendo 11 relacionadas a aspectos emocionais e de interpretação, 20 à expressividade oral, três a aspectos relacionados à expressividade verbal e 14 à expressividade não verbal.

Etapa 2: elaboração e análise do conteúdo do roteiro por meio de aplicação e avaliação por fonoaudiólogos especialistas experientes no atendimento ao telejornalista.

Optou-se por criar a versão inicial do roteiro a partir de grupo focal composto por especialistas experientes no atendimento ao telejornalista, considerando a histórica atuação prática no aperfeiçoamento das demandas expressivas (verbais, vocais, não verbais e emocionais) desse público e, também, porque todos os instrumentos encontrados no levantamento bibliográfico foram utilizados em trabalhos com os profissionais do telejornalismo.

Neste momento, 11 fonoaudiólogos experientes no atendimento ao telejornalistas – tempo de experiência médio de 12 anos – compuseram o grupo focal I que, em uma única reunião e juntamente com a pesquisadora, realizaram, a partir da lista de parâmetros apresentada, a construção do roteiro piloto de avaliação fonoaudiológica da expressividade. A reunião começou com um breve relato sobre a pesquisa. A pesquisadora apresentou alguns dados sobre o levantamento bibliográfico e sobre a proposta do roteiro. Duas listas de parâmetros foram exibidas em telão, nos programas Excel (versão com 48 parâmetros) e Word (versão com 41 parâmetros) para que o grupo, em roda, pudesse discutir a respeito. Na versão reduzida em Word, foram retirados os itens com redundância. O grupo focal então, após visualizar e avaliar a estética de ambas as versões, optou por trabalhar o roteiro usando a lista reduzida como guia. Durante a construção do roteiro inicial, foi dada especial atenção para a quantidade de parâmetros, para a avaliação dos grupos temáticos, para a revisão dos itens (texto) e para o formato (tipo e tamanho de fonte).

Etapa 3: validação do conteúdo do roteiro de avaliação da expressividade de profissionais da voz.

A versão inicial do roteiro de avaliação produzida na Etapa 2 foi usada como base neste momento. A validação de conteúdo e criação de uma versão consenso do roteiro também foi realizada por meio de grupo focal. O denominado grupo focal II foi composto por seis profissionais (4 fonoaudiólogos e 2 foneticistas), todos com experiência no atendimento aos profissionais da voz. Ao todo, foram necessárias três reuniões para que a versão consenso do roteiro fosse finalizada. Na primeira, o roteiro fruto da Etapa 2 foi apresentado impresso e, a partir dele, os profissionais foram convidados a falar sobre: quais parâmetros seriam importantes em um roteiro de avaliação da expressividade; clareza na apresentação das questões; pertinência das perguntas; necessidade de resposta e qual o melhor modelo; entre outros. Na segunda reunião, foi dada especial atenção para a quantidade de parâmetros que o roteiro teria, para a avaliação dos grupos temáticos, para a elaboração e inclusão e revisão de novos parâmetros. Na última reunião, que contou apenas com a participação das fonoaudiólogas, foi feita a revisão do material e sua formatação (tipo e tamanho de fonte). Quanto à revisão dos parâmetros, foram considerados os aspectos sintáticos e semânticos que contribuíam para a clareza, pertinência, coerência e abrangência dos parâmetros, além dos aspectos operacionais. Ao final, a partir das sugestões, foi elaborada a versão consenso do Roteiro Fonoaudiológico de Observação da Expressividade.

RESULTADOS

Conforme apresentado anteriormente, a Etapa 1 teve como objetivo levantar os itens presentes em cinco instrumentos que foram localizados em revisão da literatura.

Etapa 2

De acordo com os estudos de validação, o objetivo do grupo focal é verificar a abrangência e redundância sobre cada item proposto no instrumento(9) e, assim, determinar sua permanência ou exclusão. Quanto aos resultados da Etapa 2, o grupo também entendeu que não havia necessidade de se manter a expressividade verbal como um parâmetro separado, uma vez que ela é inerente ao processo de oralidade.

Quanto ao conteúdo, as manifestações dos participantes estavam frequentemente relacionadas com a abrangência de cada parâmetro e à sua aparente similaridade com os demais. Os parâmetros que tratavam do mesmo assunto, porém com maior ou menor especificidade, foram revistos, reformulados ou até eliminados para que o roteiro pudesse se tornar prático e autoexplicativo. Quanto à possibilidade de se adotar um escore métrico de avaliação, entendeu-se que, por se tratar de um roteiro guia, não seria necessário. Da mesma forma, para evitar a classificação ou quantificação, o grupo decidiu não adotar as palavras “adequado” ou “inadequado” na descrição dos parâmetros. Foi sugerido pelo grupo ajustar a descrição dos parâmetros, transformando-os em afirmações, como: “Qualidade vocal atende à situação de fala” e “ Movimentação facial presente”.

No que diz respeito à forma de apresentação das questões, o grupo entendeu que o melhor seria que o roteiro coubesse em uma página, mantendo assim sua praticidade. O roteiro, portanto, manteve formato em planilha, com fonte Calibri 11.

A estruturação inicial do roteiro resultou num documento com 28 parâmetros distribuídos em três grupos temáticos de avaliação: aspectos gerais de comunicação, com três parâmetros; aspectos relacionados à expressividade oral, com 16; e aspectos relacionados à expressividade corporal, com nove parâmetros.

Etapa 3

Na avaliação feita pelo grupo focal II, surgiram manifestações favoráveis à continuação da construção efetiva e posterior validação do instrumento, bem como valiosas observações e sugestões para a sua melhoria. O grupo focal II também concordou que seria melhor manter o roteiro sem a adoção de escore de medida.

O objetivo desta fase foi a verificação da validade de conteúdo dos parâmetros que compõem o roteiro. O estabelecimento da validade de conteúdo envolve a especificação do domínio de conteúdo do conceito e construção e seleção de indicadores que representam esse domínio do conteúdo (9).

O grupo optou por subdividir o eixo expressividade em três subgrupos, a saber: aspectos vocais, verbais e não verbais. No aspecto não verbais, não aparece mais a subdivisão entre os parâmetros relacionados à face e ao corpo. A versão consenso do roteiro foi finalizada com 28 parâmetros, distribuídos em dois eixos temáticos sendo: impacto inicial da comunicação, com seis parâmetros; e expressividade, dividida em aspectos vocais, com cinco parâmetros, aspectos verbais, com 10 parâmetros, e aspectos não verbais, com sete. O grupo focal II optou por ajustar novamente a descrição dos parâmetros, transformando-os em questões (a serem observadas), por exemplo: “A qualidade vocal é capaz de atender à situação laboral do profissional?” e “Os movimentos de olhos, lábios e sobrancelhas estão presentes?”.

O Quadro 1 descreve a divisão em subcategorias e quantos tópicos ficaram em cada aspecto nas duas etapas.

Quadro 1 Descrição das categorias e respectivas subcategorias e total de parâmetros do roteiro após a finalização da Etapa 1 e após finalização da Etapa 2 

CATEGORIAS SUBCATEGORIAS Nº DE TOPICOS TOTAL DE TOPICOS
ETAPA 1 Aspectos gerais da comunicação - 3 3
Aspectos relacionados à expressividade oral Velocidade de fala 1 16
Quanto à articulação dos sons 3
Quanto às pausas e ênfases 5
Quanto à qualidade vocal 4
Quanto à expressividade verbal 3
Aspectos relacionados à expressividade corporal Quanto à face 4 9
Quanto ao corpo 5
CATEGORIAS SUBCATEGORIAS Nº DE TOPICOS TOTAL DE TOPICOS
ETAPA 2 Impacto inicial da comunicação - 6 6
Aspectos vocais 5 15
Expressividade Aspectos verbais 10
Aspectos não verbais 7 7

As adequações e modificações do roteiro podem ser verificadas a partir da comparação da versão inicial com a consenso no Quadro 2.

Quadro 2 comparação da versão inicial com a final do roteiro com as adequações e modificações sugeridas pelo grupo focal I (versão inicial) e grupo focal II (versão consenso) 

VERSÃO INICIAL DO ROTEIRO (grupo focal I) VERSÃO CONSENSO DO ROTEIRO (grupo focal II)
1-- Avaliação dos aspectos gerais de comunicação 1 –– IMPACTO INICIAL DA COMUNICAÇÃO:
Fala naturalmente Quanto à comunicação do profissional em questão, alguma característica expressiva se sobrepõe durante a comunicação? () Sim () Não
FALA ASSERTIVAMENTE O profissional fala naturalmente?
Transmite credibilidade O profissional fala com segurança?
O profissional parece convincente?
O profissional parece agradável/amigável?
O profissional apresenta uma comunicação interessante/cativante?
O profissional demonstra conhecimento no assunto?
2-- Avaliação dos aspectos relacionados à Expressividade Oral 2 –– EXPRESSIVIDADE
Velocidade de fala adequada ao estilo adotado ASPECTOS VOCAIS:
A qualidade vocal chama a atenção de forma negativa?
Quanto à Articulação dos Sons A qualidade vocal é capaz de atender à situação laboral do profissional?
Articulação dos sons da fala adequada ao estilo adotado O Pitch utilizado atende à situação laboral do profissional?
Coarticulação dos sons da fala encadeada O Loudness utilizado atende à situação habitual do profissional?
Fala com clareza Ressonância: () Equilibrada () laringofaríngea () faríngea () hiponasal () hipernasal
Quanto às Pausas e Ênfases ASPECTOS VERBAIS:
Faz uso de pausas adequadas ao conteúdo A articulação tende a ser: () precisa () imprecisa () travada () exagerada
Realiza pausas () expressivas/interpretativas () respiratórias O uso de pausas tende a ser: () restrito () médio () frequente
Faz uso de ênfase com variação de loudness/pitch A duração das pausas tende a ser: () breve () média ()prolongada
Faz uso de ênfase com deslocamento acentual A velocidade de fala tende a ser: () aumentada () média () diminuída
Há um predomínio de modulação Os recursos de ênfase tende a ser: () naturais () excessivos () poucos () deslocados
() descendente () ascendente () neutra Qual a natureza dos recursos de ênfase mais frequentemente utilizados:
() elevação de loudness () modulação ascendente () modulação ascendente / descendente () alongamento das sílabas
Quanto à qualidade vocal Sua construção de fala apresenta traços de oralidade?
Qualidade vocal habitual adequada Faz uso de jargões e/ou apresenta outro ruído de comunicação durante a fala?
Loudness habitual adequado ao sujeito Do ponto de vista do planejamento a fala parece organizada?
Pitch habitual adequado Quando há leitura, essa é natural e constituída?
Ressonância habitual pessoal
Qualidade vocal atende à situação de fala ASPECTOS NÃO VERBAIS
Loudness atende à situação de fala Os movimentos de olhos, lábios e sobrancelhas estão presentes?
Pitch atende à situação de fala Mantém contato visual natural durante as diferentes situações de fala?
Ressonância atende à situação de fala Faz uso de alguma expressão da emoção não consonante com a fala?
(tristeza, alegria, medo, raiva, nojo, surpresa ou desprezo)
Quanto à expressividade verbal Consegue se movimentar naturalmente?
Apresenta fala organizada (caminhar, movimentar braços, pernas e cabeça)
Utiliza marcadores de oralidade Os movimentos corporais são consonantes com a fala/com o discurso?
Presença de ruídos de comunicação (movimento de braços, pernas e cabeça)
Faz uso de algum movimento ou gesto como apoio para a expressão?
3-- Avaliação dos aspectos relacionados à Expressividade Não Verbal Faz uso de algum movimento ou gesto não consoante com a fala?
Quanto à face
Movimentação facial presente
Predomínio de alguma emoção na expressão facial
Expressões consonantes com o discurso
Mantém contato visual natural nas diferentes situações
Quanto ao corpo
Postura corporal adequada
Consegue se movimentar naturalmente
Movimentos consonantes com o discurso
Meneios de cabeça () presentes () ausentes () adequados
Gestos consonantes ao discurso

DISCUSSÃO

Os instrumentos para avaliação e reavaliação são tradicionalmente usados na clínica fonoaudiológica, em especial na clínica de reabilitação. O fato de esses instrumentos validados serem muito direcionados para a clínica da voz com a presença de distúrbios vocais pode, em parte, explicar a não tradição de usar instrumentos para avaliação da voz, da comunicação, da expressividade do profissional de voz adaptada, ou seja, clientes da assessoria fonoaudiológica, de aprimoramento vocal, da habilitação comunicativa.

O levantamento também aponta para a falta de instrumentos validados de avaliação da expressividade de profissionais da voz (7). Outra questão que deve ser considerada é a singularidade comunicativa desses profissionais. O profissional da voz é, acima de tudo, um comunicador que lida com diferentes demandas expressivas e emocionais diariamente. Um fator que, inclusive, impacta a construção de programas de treinamento mais uniformes (6) e dificulta a elaboração e validação de instrumentos padronizados de avaliação.

Dentre os trabalhos levantados há uma prevalência de estudos em que a expressividade está relacionada apenas à comunicação oral(7,10). Os instrumentos encontrados na literatura e a elaboração do roteiro nos dois grupos focais endossam essa afirmação ao se detalhar a avaliação de parâmetros da fala (orais, verbais, vocais) em detrimento de parâmetros do corpo (não verbais). Essa situação parece ser decorrente da forte tendência herdada da aproximação dos estudos da Fonoaudiologia com a Linguística e de um trabalho de assessoria prestado, predominantemente, por fonoaudiólogos especialistas na área de voz.

A abordagem da expressividade oral faz parte da atuação fonoaudiológica há aproximadamente 40 anos, tanto na reabilitação como na intervenção junto ao profissional da voz. Para os fonoaudiólogos, o trabalho em competência comunicativa, por exemplo, é composto, em grande parte, por exercícios de expressividade que têm o objetivo de promover uma comunicação condizente com o contexto e a intenção do discurso, desenvolver a autopercepção e aprimorar a comunicação(6,11). O trabalho com a expressividade busca, portanto, uma interatividade entre os recursos corporais, verbais, vocais e emocionais que reflete um momento particular da expressão (12) de cada um que comunica. Há uma dimensão da comunicação capaz de funcionar como um elemento de espontaneidade que está estritamente relacionada à expressividade no que se refere aos efeitos comunicativos dessa (13). Esse parece ser um desafio para a Fonoaudiologia, principalmente para aqueles que trabalham com assessoria e com comunicação profissional.

Diferentes autores têm chamado a atenção para a falta de instrumentos fonoaudiológicos brasileiros validados (1,14,15) e da falta de consenso nos instrumentos de avaliação utilizados em estudos junto ao profissional da voz. Vale ressaltar novamente que os profissionais da voz são os que apresentam demanda de comunicação diversa que exige diferentes ajustes, não apenas com relação à questão profissional, mas também na determinação da intervenção fonoaudiológica (tipo e duração, por exemplo)(6). Nesse sentido, ao se criar um instrumento padronizado para avaliação da expressividade, é possível que padrões sejam esperados e buscados e que a singularidade expressiva do sujeito perca seu espaço. Daí o interesse de desenvolver um roteiro guia para a observação da expressividade de profissionais da voz. Esse cuidado parte do entendimento de que o trabalho de habilitação da comunicação profissional é complexo, específico e deve dar conta da observação da espontaneidade, autenticidade e coloquialidade do profissional.

Para que um roteiro fonoaudiológico de observação da expressividade tenha potencial, em sua essência, para promover uma observação multidimensional do profissional, é necessário considerar, além dos parâmetros elencados na versão consenso, questões mais abrangentes como as características sócio-histórico-culturais desses sujeitos, os diferentes gêneros discursivos e aspectos como tessitura e variações de timbre em função do texto/construção verbal, por exemplo.

O roteiro fonoaudiológico de observação da expressividade, nesse contexto, se propõe a funcionar como um guia, não só para aqueles que trabalham com assessoria, mas também como um norteador para futuras pesquisas sobre a expressividade dos profissionais da voz.

CONCLUSÃO

A versão consenso do Roteiro Fonoaudiológico de Observação da Expressividade foi finalizada com 28 parâmetros, distribuídos em dois eixos temáticos sendo: impacto inicial da comunicação, com seis parâmetros, e expressividade, com 22.

REFERÊNCIAS

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