On-line version ISSN 1982-0194
Acta paul. enferm. vol.27 no.6 São Paulo Nov./Dec. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201400087
A ausência no trabalho, na atualidade, é um importante problema em diferentes países e acarreta elevado custo econômico para as instituições.(1)
Absenteísmo por doença é o período de ausência laboral atribuível a uma incapacidade do indivíduo(2) e pode ser categorizado em voluntário (por razões particulares), legal (amparado por lei, como no caso de licença maternidade, nojo e férias), compulsório (impedimentos de ordem disciplinar) e por doença. A ausência devido a acidente de trabalho é registrada de forma distinta.(3) O ambiente de trabalho dos profissionais de Enfermagem é insalubre, tanto nos aspectos materiais quanto psicológicos e, por estarem submetidos a condições de trabalho inadequadas, a manutenção da saúde deles pode estar prejudicada.(3)
Diferentes estudos identificaram que o absenteísmo varia segundo sexo, idade, ocupação, nível de responsabilidade e regime de trabalho, entre outros.(4-7) Todavia, estudos apontam para a necessidade de informações comparativas entre os setores do hospital e que correlacionem o absenteísmo por doença ao ambiente e à natureza do trabalho, e a características individuais.(6,7)
Revisão sistemática de literatura abrangendo o período de 1986 a 2006 identificou que fatores individuais (registro anterior de falta ao trabalho) e relacionados ao trabalho (satisfação com o trabalho, comprometimento organizacional e envolvimento no trabalho) reduziam o absenteísmo, com ênfase na ausência de teoria que dê suporte à discussão sobre absenteísmo.(8)
Estudo longitudinal realizado no Canadá identificou seis fatores que interferiam na redução do absenteísmo: horário de trabalho não flexível; número insuficiente de profissionais de Enfermagem; estresse na casa e no trabalho; condições inadequadas de trabalho; baixos salários; comunicação com superiores e com colegas; e falta de incentivo para que os trabalhadores não utilizassem atestado e problemas relativos à saúde.(9)
Reconhecendo a problemática resultante do absenteísmo por doença como importante na dinâmica laboral, posto que esta interfere nas condições de trabalho e torna o ambiente desfavorável ao cuidado de Enfermagem, é que se propôs a realização deste estudo, que objetivou avaliar a associação do absenteísmo por doença com o perfil sociodemográfico e relacioná-lo ao trabalho dos profissionais de Enfermagem.
Estudo descritivo exploratório com abordagem quantitativa, desenvolvido em um hospital universitário público de alta complexidade, com aproximadamente 400 leitos, no interior do Estado de São Paulo, na Região Sudeste do país. Foi utilizado o banco de dados do setor de Recursos Humanos da universidade com informação sobre sexo, idade, estado civil, escolaridade, função, local de trabalho, turno, vínculo empregatício e tempo de trabalho na instituição − informações estas que compõem o sistema de frequência.
A amostra total foi composta por 994 profissionais de Enfermagem, lotados no Departamento de Enfermagem, aprovados em concurso público. O grupo que apresentou absenteísmo por doença foi composto por 645 profissionais de Enfermagem. O absenteísmo foi analisado considerando-se os afastamentos do trabalho por doença com duração ≤15 dias, justificados por atestados médicos, no período de 1° de janeiro a 31 de dezembro de 2011.
As variáveis foram divididas em duas categorias: relacionadas ao perfil sociodemográfico (sexo, faixa etária, estado civil e escolaridade) e características do trabalho (função, lotação, vínculo empregatício e tempo de trabalho na instituição).
Os dados foram inseridos em planilha eletrônica no editor Microsoft Excel® e analisados utilizando-se o Statistical Analysis System 9.2 e R-Project versão 2.15.0. Foram realizadas análises descritivas para verificar a consistência dos dados e comparações envolvendo as variáveis sociodemográficas e relacionadas ao trabalho na amostra total e no grupo que apresentou absenteísmo por doença (testes de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis). Foi utilizado o teste qui-quadrado para estudar a associação entre as variáveis categóricas. Para todas as análises, foi considerado nível de significância <5%.
O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.
A maioria da amostra era do sexo feminino, casada, com média de idade de 41,9 ± 10,1 anos, variando entre 20 e 69 anos. Em relação à escolaridade, a maioria dos profissionais havia concluído o Ensino Médio (593 profissionais), seguida pelo Ensino Superior (372 profissionais) e Fundamental (29 profissionais). Quanto à função, 6% eram auxiliares de Enfermagem, 67% técnicos em Enfermagem e 27% eram enfermeiros. Pouco mais de um terço dos funcionários estava lotado no Unidade de Internação Adulto; 17% faziam parte do Centro Cirúrgico e da Central de Materiais; 13% da Unidade de Terapia Intensiva; 9% Unidade Ambulatorial; 9% do Unidade de Enfermagem Pediátrica; 8% Unidade de Apoio e Diagnóstico; 7% da Unidade de Emergência e 2% atuavam diretamente no Departamento de Enfermagem. Em relação ao tempo de trabalho na instituição, a média foi de 11,4±8,7 anos.
Foram estatisticamente significantes a escolaridade e o absenteísmo por doença tanto entre os trabalhadores que apresentaram absenteísmo por doença, quanto na amostra estudada (p=0,02 e 0,0007). A faixa etária foi estatisticamente significante no grupo geral do estudo (p=0,001), mas não significante entre os que apresentaram pelo menos um afastamento (p=0,14). Não houve relação estatística entre sexo e absenteísmo por doença (p=0,56) (Tabela 1).
Tabela 1 Dias ausentes por afastamentos com até 15 dias de duração da equipe de enfermagem de acordo com as variáveis sociodemográficas
Variáveis | Total de dias ausentes por atestado | Somente os funcionários que apresentaram atestado | Amostra do estudo | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n | Média | DP | Mediana | p-value | n | Média | DP | Mediana | p-value | ||
Gênero | |||||||||||
Feminino | 6.476 | 550 | 11,8 | 11,2 | 8 | 0,39 | 850 | 7,6 | 10,6 | 8,5 | 0,56 |
Masculino | 1.018 | 95 | 10,7 | 10,0 | 8 | 144 | 7,1 | 9,5 | 8 | ||
Grupo etário (anos) | |||||||||||
20-29 | 533 | 58 | 9,2 | 9,8 | 7 | 0,14 | 120 | 4,4 | 8,2 | 0 | 0,0001 |
30-39 | 2.190 | 201 | 10,9 | 10,0 | 7 | 305 | 7,2 | 9,6 | 3 | ||
40-49 | 2.421 | 200 | 12,1 | 12,3 | 7,5 | 305 | 7,9 | 11,5 | 3 | ||
50-59 | 2.089 | 163 | 12,8 | 10,9 | 10 | 228 | 9,2 | 10,9 | 5 | ||
60-69 | 261 | 23 | 11,3 | 10,5 | 11 | 36 | 7,2 | 10,0 | 2,5 | ||
Estado civil | |||||||||||
Casado | 3.676 | 310 | 11,9 | 10,6 | 8 | 0,43 | 470 | 7,8 | 10,3 | 3 | 0,12 |
Divorciado/viúvo | 1.050 | 83 | 12,6 | 10,4 | 10 | 118 | 8,9 | 10,5 | 4,5 | ||
Solteiro | 2.768 | 252 | 11,0 | 11,6 | 7 | 406 | 6,8 | 10,6 | 2 | ||
Escolaridade | |||||||||||
Fundamental | 405 | 25 | 16,2 | 10,8 | 15 | 0,02 | 29 | 14,0 | 11,5 | 13 | 0,00007 |
Ensino médio | 4.798 | 397 | 12,1 | 11,0 | 8 | 593 | 8,1 | 10,7 | 3 | ||
Superior | 2.291 | 223 | 10,3 | 10,8 | 7 | 372 | 6,2 | 9,7 | 2 |
DP – Desvio padrão
Foi estatisticamente significante a função e o absenteísmo por doença entre toda a amostra de estudo e aqueles que apresentaram atestado médico (p= 0,02 e 0,0000). Quanto ao local de trabalho, as análises foram estatisticamente significante na amostra do estudo (p=0,002) e não estatisticamente significante entre os que tiveram pelo menos um afastamento (p=0,90). Ainda, o tempo de trabalho foi estatisticamente significante na amostra geral do estudo (p=0,000) e não estatisticamente significante para os trabalhadores que apresentaram pelo menos um afastamento (p=0,10) (Tabela 2).
Tabela 2 Dias ausentes por afastamentos com até 15 dias de duração da equipe de enfermagem de acordo com as variáveis relacionadas ao trabalho
Variáveis | Total de dias ausentes por atestado | Trabalhadores que apresentaram atestado | Amostra do estudo | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n | Média | DP | Mediana | p-value | n | Média | DP | Mediana | p-value | ||
Função | |||||||||||
Enfermeiro | 1.728 | 162 | 10,7 | 11,0 | 7 | 0,02 | 273 | 6,3 | 10,0 | 2 | 0,0000 |
Técnico de Enfermagem | 4.980 | 435 | 11,4 | 10,5 | 8 | 664 | 7,5 | 10,1 | 3 | ||
Auxiliar de Enfermagem | 786 | 48 | 16,4 | 13,8 | 14 | 57 | 13,8 | 14,0 | 11 | ||
Local de Trabalho | |||||||||||
Departamento de Enfermagem | 80 | 6 | 13,3 | 13,1 | 10 | 0,90 | 20 | 4,0 | 9,2 | 0 | 0,0002 |
Centro Cirúrgico/Central de Materiais | 1.548 | 124 | 12,5 | 11,8 | 7,5 | 165 | 9,4 | 11,6 | 5 | ||
Unidade de Apoio e Diagnóstico | 647 | 49 | 13,2 | 13,0 | 10 | 82 | 7,9 | 12,0 | 2 | ||
Serviço | |||||||||||
Ambulatorial | 837 | 70 | 12,0 | 10,6 | 10,5 | 92 | 9,1 | 10,5 | 5 | ||
Unidade de Internação Adulto | 2.654 | 229 | 11,6 | 11,0 | 8 | 345 | 7,7 | 10,5 | 2 | ||
Pediatria | 542 | 52 | 10,4 | 8,0 | 9 | 90 | 6,0 | 78,0 | 2 | ||
Unidade de Emergência | 424 | 40 | 10,6 | 11,9 | 5,5 | 72 | 5,9 | 10,3 | 1,5 | ||
Unidade de Terapia Intensiva | 762 | 75 | 10,2 | 9,8 | 7 | 128 | 5,9 | 9,0 | 2 | ||
Turno | |||||||||||
Matutino | 1.764 | 152 | 11,6 | 10,3 | 8 | 0,56 | 251 | 7,0 | 9,8 | 2 | 0,04 |
Vespertino | 1.050 | 102 | 10,3 | 11,7 | 6 | 180 | 5,8 | 10,1 | 1,5 | ||
Noturno | 3.299 | 279 | 11,8 | 10,9 | 9 | 402 | 8,2 | 10,6 | 4 | ||
Administrativo | 1.381 | 112 | 12,3 | 11,5 | 9,5 | 161 | 8,6 | 11,1 | 4 | ||
Vínculo | |||||||||||
CLT | 6.735 | 585 | 11,5 | 11,02 | 8 | 0,45 | 915 | 7,4 | 10,4 | 3 | 0,07 |
CLT aposentado | 759 | 60 | 12,6 | 10,81 | 11 | 79 | 9,6 | 10,9 | 5 | ||
Tempo de trabalho na instituição (anos) | |||||||||||
0-4 | 1.466 | 151 | 9,7 | 9,9 | 7 | 0,1 | 288 | 5,1 | 8,6 | 1 | 0,0000 |
5-9 | 1.893 | 163 | 11,6 | 10,6 | 7 | 211 | 9,0 | 1,05 | 5 | ||
10-14 | 1.317 | 100 | 13,2 | 11,4 | 10 | 160 | 8,2 | 11,0 | 3 | ||
15-19 | 402 | 37 | 10,9 | 8,1 | 10 | 55 | 7,3 | 8,4 | 4 | ||
20-24 | 1.507 | 134 | 11,2 | 10,6 | 7 | 197 | 7,6 | 10,2 | 4 | ||
25-29 | 909 | 60 | 15,1 | 15,0 | 10 | 83 | 10,9 | 14,4 | 5 |
CLT – Consolidação das Leis de Trabalho
Uma das limitações deste estudo é que, por ser retrospectivo, não foi possível identificar se a causa do absenteísmo por doença foi em razão da doença relacionada ao trabalho ou motivacional. Outro aspecto é que, nos dados do sistema de informação da instituição, não constava o Código Internacional da Doença (CID) referente ao afastamento dos trabalhadores no ano de 2011.
Neste estudo, foi observada menor média de dias ausentes no grupo etário de 20 a 29 anos e maior média no grupo de 50 a 59 anos.
Investigação realizada no Canadá identificou que trabalhadores do sexo feminino, com faixa etária mais elevada, auxiliares de Enfermagem e aqueles com um salário por hora menores eram mais propensos a apresentar absenteísmo por doença.(10)
No presente estudo, os auxiliares de Enfermagem apresentaram maior média de ausências por licença médica que os técnicos de Enfermagem e estes, mais que os enfermeiros, porém a relação com a idade não foi linear.
Dado similar é relatado em estudo realizado no Estado do Rio de Janeiro, no qual os autores relataram que os enfermeiros tendiam a assumir papel de liderança na equipe, que exige maior assiduidade; apresentavam menor risco de contaminação e de doenças; e, também, assumiam tarefas administrativas.(11) A maior prevalência de ausências não previstas nas categorias de nível médio de formação educacional foi observada também em outro estudo.(12)
Houve relação entre absenteísmo por doença e o turno de trabalho (p=0,04) no presente estudo. Pesquisa realizada na Espanha corrobora tais achados.(13) O absenteísmo da equipe de Enfermagem foi analisado mediante a implantação de sistema de rodízio de turnos no ano de 2011, com ampliação da duração da jornada de trabalho (8 às 20h, 20 às 8h, 10 às 22h, 22 às 10h e das 15 às 8h) e, consequentemente, houve aumento dos dias de descanso. Observou-se redução de 40,8% do absenteísmo geral, porém houve aumento do absenteísmo por doença, provavelmente, pelos longos turnos de trabalho.(13)
Quanto ao local de trabalho, foram encontrados resultados semelhantes, e o maior registro de ausência no trabalho por doença foi no Centro de Material, no qual 91,6% dos trabalhadores apresentaram pelo menos um afastamento por doença, seguido do Centro Cirúrgico.(7)
Embora não tenha sido objeto deste estudo, é importante destacar algumas pesquisas realizadas em outros países, que relacionaram absenteísmo e proporção de profissionais de Enfermagem por paciente, ainda sem dados similares em pesquisas nacionais.
Estudo realizado em hospital universitário na França identificou que a satisfação do paciente foi correlacionada ao absenteísmo por doença da equipe de Enfermagem.(14) Pesquisa realizada no Reino Unido identificou que em hospitais com maior quantidade de pacientes por enfermeiro as taxas de mortalidade eram 26% mais altas que as observadas naqueles com menor proporção de pacientes por enfermeiro.(15) Em estudo realizado no Brasil, o aumento do número de pacientes por equipe de Enfermagem esteve associado ao aumento da incidência de quedas do leito, infecção associada ao cateter venoso central, absenteísmo, rotatividade de profissionais e menor taxa de satisfação dos pacientes.(16) Na Alemanha, foi identificado que a baixa relação enfermeiro-paciente estava associada a maiores riscos para o paciente e também a outras situações indicadoras de estresse, tal como o absenteísmo.(17) Estudo realizado na Holanda relatou como preditores do absenteísmo as queixas de saúde e as consultas com médico generalista.(18)
Os achados do presente estudo subsidiam a perspectiva do absenteísmo com determinantes multifatoriais e complexos, que precisariam ser analisados sob a perspectiva do processo de trabalho, da cultura institucional, da saúde e bem-estar dos trabalhadores de Enfermagem. É importante que a coordenação dos serviços de Enfermagem envolva os trabalhadores na realização do planejamento e de tomada de decisões, para que haja comprometimento da equipe e que o trabalhador sinta-se como parte fundamental no processo de trabalho.
Este estudo contribuiu para o avanço do conhecimento da Enfermagem quanto às características do absenteísmo por doença, sinalizando a importância em se investir em ações que visem à prevenção da saúde e à promoção da qualidade de vida no trabalho.
O absenteísmo por doença teve fatores complexos e multifatoriais, de modo que se faz essencial a abordagem destes para melhorar a qualidade da assistência de Enfermagem, a satisfação com o trabalho e haver a redução de custos institucionais. Os fatores associados ao absenteísmo por doença foram: faixa etária, escolaridade, função, turno, tempo na instituição e local de trabalho.