versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.10 Rio de Janeiro out. 2019 Epub 26-Set-2019
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320182410.32442017
O envelhecimento gera mudanças progressivas nos sistemas orgânicos, que determinam a perda da capacidade de adaptação ao meio ambiente, o aumento da vulnerabilidade e a probabilidade para o desenvolvimento de doenças crônicas degenerativas, dentre elas a hipertensão arterial sistêmica (HAS), condição clínica prevalente entre a população idosa1.
Segundo os dados da Pesquisa Nacional de Saúde de 20132, a prevalência de hipertensão autorreferida em pessoas com idade entre 60 e 64 anos foi de 44,4%. Nas faixas etárias mais avançadas, entre 65 a 74 anos e 75 anos ou mais, o índice de hipertensos foi maior correspondendo a 52,7% e 55,0%, respectivamente. Ainda, a distribuição entre os sexos mostrou-se desigual com tendência de aumento entre mulheres mais velhas.
Além de frequente, a HAS é um importante fator de risco para eventos cardiovasculares, e associa-se à incapacidade funcional e morte em idosos3. Embora nos últimos anos a mortalidade por doenças cardiovasculares apresente tendência decrescente, o diagnóstico precoce da HAS é fundamental para que se estabeleçam ações que garantam o controle da doença e a prevenção de complicações4.
A literatura evidencia a melhora do acesso ao tratamento da HAS no Brasil5, entretanto, a cobertura ainda é insuficiente com baixas taxas de controle6. A compreensão de condições que envolvem os déficits no diagnóstico e tratamento da HAS viabiliza análises sobre acesso aos serviços e tratamento e equidade, favorecendo além da prevenção, ações de promoção e educação em saúde.
Deste modo, o objetivo deste estudo foi investigar as prevalências da falha no diagnóstico de HAS, no uso regular de anti-hipertensivo se na eficácia do tratamento da hipertensão, e a associação destes parâmetros com variáveis sociodemográficas, capacidade funcional, multimorbidade e acesso a serviços de saúde em idosos não institucionalizados.
Estudo descritivo de corte transversal, dos dados do projeto principal multicêntrico denominado FIBRA (acrônimo de Fragilidade em Idosos Brasileiros) - pólo Unicamp, o qual teve o objetivo de identificar as condições de fragilidade de idosos da comunidade, sendo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp7.
Foram avaliados 3.478 idosos de diferentes localidades, selecionados por amostragem aleatória simples, de setores censitários urbanos das cidades escolhidas por conveniência. Para o cálculo do tamanho da amostra foi tolerado o erro amostral de 4% para as cidades com mais de 1 milhão de habitantes (601 idosos em Campinas-SP e Belém-PA), e 5% para aquelas com população inferior a 1 milhão de habitantes (235 idosos em Ivoti-RS e 384 idosos nas demais cidades). O número de idosos incluídos em cada setor censitário respeitou a proporcionalidade de distribuição nas faixas etárias de 65-69, 70-74, 75-79 e mais de 80 anos, de acordo com o número de idosos destes segmentos na população urbana de cada cidade8. O número de setores censitários sorteados e recrutados, e a definição das regiões para as análises comparativas foram: Sul/Sudeste, composta pelos municípios de Campinas-SP (90 setores censitários), Poços de Caldas-MG (75 setores censitários), Ivoti-RS (27 setores censitários) e o subdistrito de Ermelino Matarazzo-SP (62 setores censitários); Norte/Nordeste, composta pelos municípios de Belém-PA (93 setores censitários), Parnaíba-PI (60 setores censitários) e Campina Grande-PB (60 setores censitários). Dentro de cada setor censitário, o recrutamento dos idosos não foi epidemiologicamente perfeito.
Os critérios de inclusão foram ter idade igual ou superior a 65 anos, compreender as instruções, concordar em participar e ser residente permanente no domicílio e no setor censitário. Os critérios de exclusão foram déficit cognitivo grave sugestivo de demência, uso de cadeira de rodas ou encontrar-se acamado de forma provisória ou definitiva, ser portador de sequelas graves de acidente vascular encefálico (AVE), ser portador de doença de Parkinson, ser portador de grave déficit de audição ou de visão, que comprometesse seriamente a comunicação e estar em estágio terminal9,10.
A etapa de recrutamento envolveu duas fases, sendo a primeira de informação à comunidade envolvida com palestras e anúncios nos meios de comunicação e a segunda de visitas aos idosos pelos recrutadores da pesquisa. Os idosos que fossem recrutados seguiam, em local, datas e horários previamente agendados, para a etapa de coleta de dados. As sessões de coleta de dados tiveram duração de 40 a 120 minutos, sendo que os idosos eram instruídos sobre as características do estudo FIBRA e, se concordassem em participar, assinavam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Os idosos participantes eram encaminhados a um entrevistador para a realização da primeira etapa de coleta de dados, sendo submetidos à medida das variáveis socioeconômicas e demográficas, medidas antropométricas, de pressão arterial, fragilidade e status cognitivo pelo mini-exame do estado mental (MEEM)11. As notas de corte utilizadas para definição do déficit cognitivo pelo MEEM foram: 17 para os analfabetos; 22 para idosos com escolaridade entre 1 e 4 anos; 24 para os com escolaridade entre 5 e 8 anos e 26 os que tinham 9 anos ou mais anos de escolaridade12.
Indivíduos que pontuaram abaixo da nota de corte para seu nível de escolaridade participaram apenas da primeira etapa da coleta e, em seguida, eram dispensados. Os idosos que pontuaram acima da nota de corte no MEEM, realizaram além das medidas das variáveis coletadas na primeira etapa, medidas de autorrelato acerca das condições físico funcionais, cuidado e variáveis psicossociais7.
Todas as informações foram coletadas e registradas por entrevistadores treinados, e para o presente estudo foram selecionadas as variáveis sociodemográficas: idade, sexo, raça ou cor, renda pessoal, situação atual de trabalho e estado civil. A variável “morbidades” também foi selecionada, sendo caracterizada pelo número de doenças relatadas por meio da pergunta: Algum médico já diagnosticou no(a) senhor(a) alguma/s das doenças listadas?, e classificada em duas categorias (1 doença ou 2 e mais doenças crônicas).
Em relação à capacidade funcional foram investigados os níveis de independência para realização das atividades básicas de vida diária (ABVD)13, e instrumentais de vida diária (AIVD)14, sendo classificados como independentes os idosos que relatassem não precisar de ajuda para nenhuma atividade e dependentes aqueles que relatassem precisar de ajuda parcial ou total para uma ou mais atividades.
O acesso ao serviço de saúde foi definido como o tipo de serviço de saúde utilizado frequentemente, e relatado pelo idoso na entrevista (serviços da rede pública de saúde; convênios, planos privados de saúde e serviços particulares pagos diretamente pelo paciente).
A variável “pressão arterial” (PA) foi obtida através de três medidas consecutivas de pressão arterial sistólica (PAS) e pressão arterial diastólica (PAD) em posição sentada, como braço apoiado à altura aproximada do coração. As medidas foram realizadas em intervalos de 1 minuto, de acordo com as recomendações da 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial7,15, utilizando-se o esfigmomanômetro da marca Omrom HEM 705 CP IT®. Os idosos foram orientados a fazer esvaziamento vesical antes das medidas e colocados em um descanso confortável de 5 minutos na posição sentada. Também foram orientados a evitar consumo de café, fumar e realização de alta ingestão alimentar antes da entrevista. Dos valores obtidos foram calculadas médias simples, em seguida, registradas como valores contínuos, em mmHg. A classificação da HAS deu-se a partir das médias de PAS e PAD. Foram classificados como hipertensos os indivíduos que apresentaram as médias de PAS ≥ 140 mmHg e PAD ≥ 90 mmHg, como portadores de hipertensão sistólica isolada (HSI), aqueles com médias de PAS ≥ 140 mmHg e PAD < 90 mmHg e normotensos aqueles com médias de PAS < 140 mmHg e PAD < 90 mmHg15.
Foram criadas as variáveis dependentes (1) Falha no diagnóstico da HAS, definida pelo registro de hipertensão arterial em indivíduo que não se declarasse hipertenso; (2) Falha no uso regular de medicamentos para HAS, correspondendo aos idosos que se declararam hipertensos, porém não faziam uso de medicação anti-hipertensiva; (3) Falha na eficácia do tratamento medicamentoso, pelo autorrelato de HAS entre os participantes que faziam uso de medicação anti-hipertensiva, mas com registro de valores elevados de PA no momento da coleta (os classificados com HAS e HSI).
Todas as análises foram realizadas por meio do programa estatístico Stata® SE versão 14.0. Foram verificadas as associações entre as variáveis pelo teste qui-quadrado de Pearson com nível de significância de 5%. Em seguida, realizou-se análise de regressão de Poisson com variância robusta, bruta e ajustada (pelo tipo de serviço utilizado, ou seja, usuário de serviço privado ou do público, uma vez que o acesso aos serviços esteve associado à renda), com estimativa de razão de prevalência (RP) e respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). A escolha do modelo estatístico deveu-se ao fato de as variáveis dependentes terem prevalência alta na população e por se tratar de um estudo transversal que tem por medida de associação a razão de prevalência.
De acordo com a amostra estudada, a média de idade dos idosos foi de 72,9 anos, sendo que 67,6% eram mulheres e a maioria (53,75%) residia nas regiões Sul/Sudeste do país. A Tabela 1 mostra a distribuição das variáveis dependentes: 29,6% apresentaram falha no diagnóstico, 4,6% falha no uso de medicamentos e 65,3% falha na eficácia (Tabela 1).
Tabela 1 Distribuição percentual das variáveis falha no diagnóstico, falha no uso e na eficácia dos medicamentos anti-hipertensivos, segundo regiões. FIBRA 2008/09.
Variáveis | % (n) | Sul/ Sudeste | Norte/ Nordeste |
---|---|---|---|
Falha no diagnóstico da HAS | |||
Sim | 29,6 (583) | 27,3 (281) | 32,1 (302) |
Não | 70,4 (1391) | 72,7 (751) | 67,9 (640) |
Falha no uso de anti-hipertensivos | |||
Sim | 4,6 (97) | 3,3 (39) | 6,3 (58) |
Não | 95,4 (2032) | 96,7 (1165) | 93,7 (867) |
Falha na eficácia medicamentosa | |||
Sim | 65,3 (1311) | 62,5 (717) | 69,0 (594) |
Não | 34,7 (698) | 37,5 (431) | 31,0 (267) |
Considerando a falha no diagnóstico, observou-se maiores prevalências em idosos do sexo masculino, com renda pessoal em até três salários mínimos, que trabalhavam, residiam com companheiro, com 1 morbidade e usuários de serviço de saúde privado (Tabela 2). Especificamente, nas regiões Sul/Sudeste as maiores razões de prevalência para falha no diagnóstico foram indivíduos que trabalhavam e usavam serviço de saúde privado, e menores razões de prevalência no sexo feminino, pretos/mulatos, sem companheiro e naqueles que relatavam 2 ou mais morbidades (Tabela 2). Nas regiões Norte/Nordeste menores razões de prevalência foram encontradas para o sexo feminino, com renda de 1 a 3 salários mínimo e que relatavam 2 ou mais morbidades (Tabela 2).
Tabela 2 Prevalência de falha no diagnóstico e razão de prevalência, segundo variáveis sociodemográficas, de saúde e acesso ao serviço de saúde em idosos da comunidade. FIBRA 2008/09.
Variáveis | Prevalência (%) | Sul/Sudeste | Norte/Nordeste | ||
---|---|---|---|---|---|
RP bruta | RP ajustada | RP bruta | RP ajustada** | ||
Sexo* | <0,001 | ||||
Masculino | 38,6 | 1 | 1 | 1 | 1 |
Feminino | 24,7 | 0,59 (0,47-0,76) | 0,62 (0,48-0,81) | 0,65 (0,52-0,82) | 0,63 (0,48-0,82) |
Idade | 0,726 | ||||
65-69 | 30,9 | 1 | 1 | 1 | 1 |
70-74 | 28,7 | 1,00 (0,74-1,35) | 0,94 (0,68-1,29) | 0,89 (0,67-1,19) | 0,84 (0,60-1,18) |
75-79 | 28,0 | 0,90 (0,64-1,28) | 0,96 (0,66-1,40) | 0,90 (0,65-1,23) | 0,86 (0,89-1,25) |
80+ | 30,1 | 1,17 (0,82-1,67) | 1,24 (0,83-1,84) | 0,89 (0,63-1,25) | 0,73 (0,46-1,14) |
Raça ou cor* | 0,055 | ||||
Branca | 31,4 | 1 | 1 | 1 | 1 |
Pretos, mulatos, caboclos e pardos | 27,4 | 0,62 (0,48-0,80) | 0,65 (0,45-0,92) | 0,89 (0,69-1,14) | 0,94 (0,69-1,28) |
Renda Pessoal* | 0,021 | ||||
<1 SM | 26,8 | 1 | 1 | 1 | 1 |
1 a 3 SM | 31,3 | 1,15 (0,86-1,54) | 1,01 (0,73-1,39) | 1,32 (1,03-1,70) | 1,42 (1,06-1,92) |
>3 SM | 34,2 | 1,62 (1,19-2,20) | 1,32 (0,92-1,89) | 0,94 (0,64-1,39) | 0,84 (0,53-1,35) |
Trabalho* | <0,001 | ||||
Não trabalha | 27,3 | 1 | 1 | 1 | 1 |
Trabalha | 43,1 | 1,75 (1,32-2,32) | 1,60 (1,18-2,16) | 1,41 (1,04-1,91) | 1,38 (0,97-1,97) |
Estado civil* | 0,007 | ||||
Com companheiro | 32,4 | 1 | 1 | 1 | 1 |
Sem companheiro | 26,9 | 0,65 (0,51-0,84) | 0,71 (0,54-0,94) | 0,80 (0,70-1,11) | 0,89 (0,68-1,18) |
Morbidades* | <0,001 | ||||
Até 1 | 37,3 | 1 | 1 | 1 | 1 |
2 ou mais | 22,2 | 0,56 (0,42-0,74) | 0,59 (0,45-0,78) | 0,60 (0,45-0,81) | 0,62 (0,46-0,83) |
Capacidade funcional | 0,654 | ||||
Independente | 29,9 | 1 | 1 | 1 | 1 |
Dependente | 31,3 | 1,27 (0,90-1,79) | 1,28 (0,92-1,79) | 0,84 (0,59-1,22) | 0,86 (0,59-1,23) |
Acesso ao serviço de saúde* | 0,006 | ||||
Rede pública | 27,5 | 1 | 1 | 1 | 1 |
Convênios ou privado | 34,2 | 1,24 (1,03-1,50) | 1,24 (1,03-1,50) | 1,23 (0,93-1,64) | 1,23 (0,93-1,64) |
*Significância estatística de p < 0,05.
**Ajustado por tipo de serviço de saúde.
A Tabela 3 demonstra maiores prevalências de falha no uso de medicamento anti-hipertensivo em idosos do sexo masculino, e naqueles que trabalhavam. Ademais, nas regiões Sul/Sudeste a maior razão de prevalência para falha no uso de medicamento ocorreu entre aqueles que trabalhavam, achado que também foi verificado nas regiões Norte/Nordeste, além da significância mantida entre idosos que recebiam de 1 a 3 salários mínimos (SM).
Tabela 3 Prevalência de falha no uso de anti-hipertensivos e razão de prevalência, segundo variáveis sociodemográficas, de saúde e acesso ao serviço de saúde em idosos da comunidade. FIBRA 2008/09.
Variáveis | Prevalência (%) | Sul/Sudeste | Norte/Nordeste | ||
---|---|---|---|---|---|
RP bruta | RP ajustada | RP bruta | RP ajustada** | ||
Sexo* | 0,012 | ||||
Masculino | 6,4 | 1 | 1 | 1 | 1 |
Feminino | 3,8 | 0,51 (0,27-0,96) | 0,74 (0,34-1,61) | 0,66 (0,39-1,13) | 0,69 (0,38-1,25) |
Grupo de idade | 0,863 | ||||
65-69 | 4,2 | 1 | 1 | 1 | 1 |
70-74 | 4,3 | 0,73 (0,31-1,72) | 0,75 (0,26-2,11) | 1,25 (0,66-2,38) | 1,04 (0,52-2,06) |
75-79 | 5,2 | 1,39 (0,61-3,17) | 1,28 (0,68-4,63) | 1,10 (0,53-2,28) | 0,88 (0,38-2,04) |
80+ | 4,8 | 1,56 (0,62-3,92) | 2,22 (0,74-6,65) | 0,84 (0,36-1,91) | 0,90 (0,35-2,29) |
Raça ou cor | 0,063 | ||||
Branca | 3,8 | 1 | 1 | 1 | 1 |
Pretos, mulatos, caboclos e pardos | 5,5 | 0,65 (0,34-1,24) | 0,72 (0,29-1,82) | 1,53 (0,81-2,89) | 1,40 (0,70-2,78) |
Renda Pessoal | 0,083 | ||||
< 1 SM | 4,6 | 1 | 1 | 1 | 1 |
1 a 3 SM | 5,7 | 1,13 (0,57-2,25) | 1,09 (0,48-2,50) | 1,65 (0,96-2,83) | 2,12 (1,15-3,91) |
> 3 SM | 2,6 | 0,82 (0,31-2,11) | 0,72 (0,23-2,24) | 0,44 (0,13-1,44) | 0,58 (0,16-2,04) |
Trabalho* | <0,001 | ||||
Não trabalha | 3,9 | 1 | 1 | 1 | 1 |
Trabalha | 9,2 | 2,08 (1,00-4,39) | 2,44 (1,07-5,55) | 2,65 (1,45-4,85) | 2,86 (1,52-5,36) |
Estado civil | 0,156 | ||||
Com companheiro | 5,3 | 1 | 1 | 1 | 1 |
Sem companheiro | 4,0 | 0,68 (0,36-1,29) | 0,89 (0,42-1,88) | 0,74 (0,44-1,24) | 0,85 (0,48-1,51) |
Morbidades | 0,164 | ||||
Até 1 | 5,6 | 1 | 1 | 1 | 1 |
2 ou mais | 4,1 | 0,84 (0,41-1,72) | 0,97 (0,46-2,06) | 0,67 (0,37-1,21) | 0,70 (0,39-1,27) |
Capacidade funcional | 0,945 | ||||
Independente | 4,8 | 1 | 1 | 1 | 1 |
Dependente | 4,9 | 0,85 (0,29-2,45) | 0,94 (0,32-2,74) | 1,00 (0,50-2,01) | 1,02 (0,50-2,05) |
Acesso ao serviço de saúde | 0,431 | ||||
Rede pública | 5,2 | 1 | 1 | 1 | 1 |
Convênios ou privado | 4,3 | 0,83 (0,51-1,33) | 0,83 (0,51-1,33) | 0,71 (0,37-1,37) | 0,71 (0,37-1,37) |
*Significância estatística de p < 0,05.
**Ajustado por tipo de serviço de saúde.
A falha na eficácia do tratamento medicamentoso da HAS, apresentou maiores prevalências para o sexo masculino, idade de 75 anos ou mais, não referir cor branca e ter até 1 morbidade; já relatar rendimento mensal de 1 a 3SM apresentou menor prevalência em relação categoria de referência (Tabela 4).
Tabela 4 Prevalência de falha na eficácia do tratamento medicamentoso da hipertensão e razão de prevalência, segundo variáveis sociodemográficas, de saúde e acesso ao serviço de saúde em idosos da comunidade. FIBRA 2008/09.
Variáveis | Prevalência (%) | Sul/Sudeste | Norte/Nordeste | ||
---|---|---|---|---|---|
RP bruta | RP ajustada | RP bruta | RP ajustada** | ||
Sexo* | 0,001 | ||||
Masculino | 70,9 | 1 | 1 | 1 | 1 |
Feminino | 63,1 | 0,86 (0,73-1,01) | 0,85 (0,71-1,02) | 0,92 (0,77-1,10) | 0,91 (0,74-1,12) |
Grupo de idade* | 0,005 | ||||
65-69 | 62,9 | 1 | 1 | 1 | 1 |
70-74 | 62,1 | 0,88 (0,73-1,05) | 0,94 (0,76-1,15) | 1,09 (0,89-1,34) | 1,21 (0,95 -1,54) |
75-79 | 69,8 | 1,02 (0,83-1,26) | 1,00 (0,79-1,28) | 1,12 (0,89 -1,41) | 1,27 (0,97-1,66) |
80+ | 71,4 | 1,07 (0,84-1,36) | 1,13 (0,84-1,52) | 1,06 (0,84-1,35) | 1,25 (0,93-1,69) |
Raça ou cor* | 0,001 | ||||
Branca | 61,7 | 1 | 1 | 1 | 1 |
Pretos, mulatos, caboclos e pardos | 69,3 | 0,93 (0,80-1,08) | 1,07 (0,89-1,30) | 1,11 (0,93-1,34) | 1,06 (0,85-1,32) |
Renda Pessoal* | 0,010 | ||||
< 1 SM | 68,2 | 1 | 1 | 1 | 1 |
1 a 3 SM | 60,9 | 0,95 (0,80-1,13) | 1,01 (0,82 -1,23) | 0,83 (0,69-1,02) | 0,90 (0,71-1,14) |
> 3 SM | 65,4 | 1,07 (0,87-1,32) | 1,14 (0,88-1,46) | 0,92 (0,72-1,17) | 1,02 (0,75-1,38) |
Trabalho | 0,331 | ||||
Não trabalha | 65,5 | 1 | 1 | 1 | 1 |
Trabalha | 62,2 | 0,92 (0,73-1,17) | 1,02 (0,79-1,31) | 0,94 (0,71-1,24) | 0,92 (0,67-1,25) |
Estado civil | 0,494 | ||||
Com companheiro | 66,1 | 1 | 1 | 1 | 1 |
Sem companheiro | 64,6 | 0,98 (0,85-1,14) | 0,91 (0,76-1,08) | 0,94 (0,80-1,11) | 0,94 (0,78-1,14) |
Morbidades* | 0,016 | ||||
Até 1 | 67,7 | 1 | 1 | 1 | 1 |
2 ou mais | 61,7 | 0,90 (0,76-1,07) | 0,90 (0,76-1,07) | 0,91 (0,75-1,10) | 0,90 (0,74-1,09) |
Capacidade funcional | 0,576 | ||||
Independente | 64,7 | 1 | 1 | 1 | 1 |
Dependente | 62,9 | 0,87 (0,68-1,12) | 0,92 (0,72-1,17) | 0,96 (0,76-1,22) | 0,96 (0,76-1,23) |
Acesso ao serviço de saúde | 0,431 | ||||
Rede pública | 5,2 | 1 | 1 | 1 | 1 |
Convênios ou privado | 4,3 | 0,90 (0,79-1,02) | 0,90 (0,79-1,02) | 0,84 (0,68-1,04) | 0,84 (0,68-1,04) |
*Significância estatística de p < 0,05.
**Ajustado por tipo de serviço de saúde.
A HAS é uma condição clínica amplamente estudada, no entanto, pouco se sabe a respeito dos fatores associados ao desconhecimento do diagnóstico da hipertensão, às falhas no uso de medicamentos anti-hipertensivos e na eficácia do tratamento medicamentoso entre os hipertensos. Compreender os determinantes destes déficits é um desafio.
Neste contexto, este estudo mostrou as prevalências expressivas de 29,6% e de 65,3% para falhas no diagnóstico e na eficácia do tratamento da HAS, respectivamente, em idosos não institucionalizados residentes nas diferentes regiões do Brasil. Especificamente, o desconhecimento do diagnóstico da doença associou-se ao sexo masculino, presença de uma morbidade, ter um companheiro, raça ou cor branca, acesso ao serviço de saúde convênio ou privado, renda pessoal inferior e média e ocupação do trabalho. Além disso, a falha no uso de medicamentos anti-hipertensivos esteve significativamente associada à renda inferior e média e ocupação do trabalho. Notoriamente, os principais resultados também mostraram as dessemelhanças nestas associações, conforme as regiões estudadas.
Dados prévios demonstram a dimensão dos déficits no diagnóstico e tratamento da HAS no Brasil. Estima-se que um terço da população hipertensa desconhece o diagnóstico clínico da doença e entre diagnosticados, apenas trinta por cento tem a pressão controlada16. Apesar dos avanços médicos nos últimos anos, evidencia-se a necessidade de maior atenção a estas falhas, principalmente entre os idosos, por apresentarem altos índices da hipertensão e serem mais vulneráveis.
Bezerra et al.17, em um estudo publicado recentemente mostraram a dificuldade no acesso ao diagnóstico e tratamento da hipertensão em brasileiros com maiores vulnerabilidades sociais e de saúde. A amostra consistiu de 350 participantes com ampla faixa etária (18 anos e mais) de comunidades quilombolas. Os autores notaram que mais de trinta por cento dos hipertensos desconhecia o diagnóstico da HAS, e ressaltaram que houve associação positiva entre o desconhecimento da doença com o estágio 1 da HAS e o sexo masculino.
Corroborando estes achados, nosso estudo evidenciou maiores prevalências no desconhecimento da HAS em idosos do sexo masculino, para todas as regiões inseridas na pesquisa. Sabe-se que por questões comportamentais e culturais, os homens procuram com menor frequência os serviços de saúde e apresentam um número reduzido de consultas. A conscientização do tratamento e prevenção ainda é tipicamente feminina18-20.
A falha diagnóstica nas regiões Norte/Nordeste e Sul/Sudeste também foi maior entre os indivíduos com apenas uma doença crônica relatada. A hipótese para este achado consiste nas atitudes de maiores necessidades e buscas dos serviços de saúde entre os portadores de doenças simultâneas, consequentemente aumentando as chances para o conhecimento do diagnóstico.17,21,22 Estudos realizados no âmbito nacional23 e internacional24 mostram a tendência de maior procura por atendimento médico entre as pessoas idosas com multimorbidade, sendo esta condição clínica relacionada aos maiores riscos de complicações e desfechos desfavoráveis nas faixas etárias mais avançadas.
Ainda na população total, observou-se maior prevalência de falha no diagnóstico entre os idosos com companheiros. No entanto, curiosamente nas regiões Sul/Sudeste houve menor prevalência do desconhecimento da HAS entre aqueles que não tinham companheiros. Estes resultados estão em concordância com um estudo previamente publicado25, no qual identificou os maiores índices de HAS referida em idosos não casados ou solteiros. Além disso, os autores ressaltaram que a vida sem um companheiro interfere o bem-estar emocional e precipita o surgimento de doenças crônicas, sendo que nestes casos de vulnerabilidades em saúde a procura médica é mais frequente e também estaria relacionada com o maior conhecimento do diagnóstico da doença.
As raças pretas, caboclas, mulatas e pardas associaram-se negativamente à falha diagnóstica nas regiões Sul/Sudeste. Sugere-se que nas regiões mais desenvolvidas há maior preparo dos profissionais de saúde da rede em relação às características epidemiológicas da HAS. Outra hipótese consiste na alta porcentagem de indivíduos negros e principalmente pardos no norte e nordeste do Brasil26, e este fator pode ter influenciado a análise de regressão, atenuando as diferenças estatísticas mediante a menor variabilidade das etnias.
Ainda em relação ao Sul/Sudeste, interessantemente, o serviço de saúde convênio e privado associou-se à falha diagnóstica. É sabido que a rede pública de saúde apresenta algumas deficiências como dificuldade de acesso aos serviços; impossibilidade frequente de agendamento e de escolha do profissional/prestador; grande tempo em lista de espera para cirurgias eletivas e especialmente a baixa oferta de serviços de apoio diagnósticos e terapêuticos. Estas limitações levam a população à descrença no serviço público, e muitos procuram os serviços privados, planos ou seguradoras, principalmente os idosos por questões de maior necessidade e utilização27. Porém, o atual sistema de saúde brasileiro possui avanços notáveis no que diz respeito à oferta de programas, projetos, políticas e aumento da cobertura com resultados relevantes. Estes avanços também são compreendidos como um novo olhar integral para o paciente, caracterizado pela interdisciplinaridade que vai de encontro ao tratamento fragmentado em especialidades, no qual é comum nos convênios de saúde28-30.
Contudo, apesar dos progressos o acesso à saúde ainda possui carências, sendo considerado seletivo e excludente em muitos casos, apresentando barreiras socioeconômicas e geográficas em relação à garantia da universalidade31,32. De fato, na presente pesquisa em regiões menos favorecidas socioeconomicamente (norte e nordeste) destaca-se a renda inferior e média como um fator relevante na falha diagnóstica da hipertensão e no uso de medicamento anti-hipertensivo. A literatura ressalta que nos países onde há desigualdade na distribuição de renda, ambos os grupos com renda inferior e média sofrem com a pior situação de saúde, por outro lado nas regiões onde uma sociedade é equitativa, mesmo os grupos mais pobres apresentam uma situação de saúde melhor33,34.
Interessantemente, a atividade do trabalho na velhice também foi um fator importante em nível de falha no diagnóstico e no uso de medicamentos anti-hipertensivos nas regiões avaliadas. Vale lembrar que os idosos brasileiros estão cada vez mais inseridos no mercado do trabalho. Em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2012, as pessoas com sessenta anos e mais ocupavam 27% das vagas de emprego e a tendência para os próximos anos é do aumento progressivo deste índice35.
Apesar do trabalho significar ocupação e sentimento de utilidade na sociedade, para alguns idosos a aposentadoria permite o tempo livre para o autocuidado e muitos deles desfrutam este benefício realizando atividades prazerosas e de autocuidado. O período ocioso está relacionado com a oportunidade de realização de atividades físicas e procura do cuidado médico36.
A variável falha na eficácia do tratamento medicamentoso não obteve o mesmo efeito estatístico de associação observado nos desfechos supramencionados. Ressalta-se a dificuldade para análise da variável PA, construída com base nas medidas de PA in locu, sendo sujeitas à variabilidade decorrente de aspectos psicológicos dos participantes no momento da triagem, como a “hipertensão do jaleco branco”; ainda que plausível ora potencial viés, a proporção de falha de eficácia no total da amostra é elevada. Além disso, nosso estudo não analisou as medidas não farmacológicas como dieta, exercício físico e educação em saúde, em relação ao manejo da hipertensão da população estudada. Compreende-se que o tratamento do hipertenso é fundamentado no conjunto das modalidades de tratamento farmacológico e não farmacológico, sendo complementares e influentes no controle dos níveis pressóricos.
A limitação desta pesquisa consiste no desenho transversal deste estudo, que não nos permite descrever relações de causa e efeito em função das variáveis analisadas. Mais do que identificar fatores de risco, faz-se necessário, estudar de forma aprofundada a relação longitudinal entre os determinantes sociais e de saúde envolvidos no processo saúde/doença da HAS. Outro ponto crítico consiste no fato de que a medida pontual da pressão arterial, ainda que feita sistematicamente e de acordo com os melhores consensos, pode não representar fielmente a condição de pressão arterial desses idosos em seu ambiente habitual. Entretanto, esta é uma condição comum aos estudos sobre pressão arterial, o que não minimiza a importância dos achados apresentados.
As falhas no diagnóstico da HAS, no uso e na eficácia de medicamentos anti-hipertensivos foram prevalentes em idosos na comunidade. Sobretudo, as diferenças na prevalência das falhas entre as regiões brasileiras, mediante aspectos sociais, econômicos e étnicos refletem as insuficiências em saúde nos grupos de idosos mais vulneráveis, que merecem atenção especial. São necessárias medidas que viabilizem o rastreio e tratamento adequados da hipertensão em um país extenso territorialmente, com diferenças socioeconômicas e miscigenação intensa.