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Falta de Aconselhamento Nutricional durante Hospitalização

Falta de Aconselhamento Nutricional durante Hospitalização

Autores:

Luiza Antoniazzi

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170

Arq. Bras. Cardiol. vol.113 no.2 São Paulo ago. 2019 Epub 02-Set-2019

https://doi.org/10.5935/abc.20190172

Durante o acompanhamento nutricional de indivíduos hospitalizados, o nutricionista realiza o diagnóstico, prescrição dietética, supervisiona a distribuição das dietas e avalia sua aceitação, além de realizar aconselhamento nutricional para que os pacientes compreendam como um padrão dietético específico pode ser mais adequada tendo em conta os seus diagnósticos e estado nutricional. Segundo a Resolução 600 de 2018 do Conselho Federal de Nutricionistas, o número de profissionais necessários é 1 a cada 15 leitos de alta complexidade e a cada 30 leitos de média complexidade.1

Lima et al.,2 em um artigo publicado nesta edição, avaliaram se era realizado aconselhamento nutricional no ambiente hospitalar para pacientes que haviam sofrido Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) e a qualidade dessa orientação. Segundo eles, 57,6% dos indivíduos internados na rede pública e 70,3% na rede privada, em Sergipe, receberam aconselhamento nutricional intra-hospitalar.

Uma possível causa dessa baixa taxa de aconselhamento pode ser a quantidade de nutricionistas disponíveis nas instituições hospitalares, que é mais baixa do que o previsto pela resolução.1

Seta et al.,3 avaliaram, em 2010, oito hospitais públicos em quatro estados brasileiros, dos quais nenhum nutricionista relatou aconselhamento nutricional.3

Outro problema é a qualidade da orientação. É preciso verificar se ela atende às diretrizes para prevenir a ocorrência de novos eventos cardiovasculares.

Nesse artigo, houve predomínio de diretrizes restritivas, principalmente quanto ao sal e gorduras. Os pacientes da rede privada foram mais beneficiados quanto à inserção de alimentos cardioprotetores, principalmente frutas e hortaliças.

A dieta preventiva após IAM requer adequação calórica e restrição calórica aplicada, quando necessário, para adequação do estado nutricional. É importante que os macronutrientes sejam adequados dentro da normalidade, levando-se em conta a restrição de gorduras saturadas e o equilíbrio entre as outras gorduras, conforme recomendado pelas diretrizes sobre dislipidemia.4-6 Além disso, as recomendações atuais de prevenção de eventos cardiovasculares englobam uma dieta semelhante à mediterrânica: ingestão <5 g de sal por dia; 30-45 g de fibra por dia; consumo regular de frutas e legumes por dia; consumo diário regular de peixe e nozes sem sal, ingestão limitada de álcool, e desencorajamento do consumo bebidas adoçadas com açúcar.7,8

A compreensão do comportamento alimentar é indispensável para aprofundar o conhecimento dos fatores determinantes do comportamento alimentar, que incluem uma gama complexa de fatores nutricionais, demográficos, sociais, culturais, ambientais e psicológicos. Diversos estudos apontam que o modelo transteórico,9 desenvolvido na década de 1980 por dois pesquisadores norte-americanos, James O. Prochaska e Carlo DiClemente,10 pode ser considerado um instrumento promissor para auxiliar a compreender a mudança comportamental relacionada à saúde e é amplamente utilizado em pesquisa e prática clínica. O modelo transteórico de mudança de comportamento tem cinco etapas. No estágio de pré-contemplação, ainda não foi considerada pelo indivíduo ou nenhuma mudança foi feita, não havendo intenção de adotá-la em um futuro próximo. No estágio da contemplação, o indivíduo começa a considerar a mudança comportamental, isto é, pretende mudar o comportamento no futuro, mas um prazo ainda não foi definido.

O indivíduo que toma a decisão, na fase chamada de preparação, pretende mudar seu comportamento no futuro próximo, por exemplo, no próximo mês. Geralmente, depois de superar tentativas anteriores frustradas, pequenas mudanças são feitas e um plano de ação é adotado, ainda não havendo um compromisso sério com o mesmo. Já os indivíduos em ação de fato alteraram seu comportamento, suas experiências ou seu ambiente para superar as barreiras previamente percebidas. Essas mudanças são visíveis e ocorreram recentemente, nos últimos seis meses, por exemplo. Na fase de manutenção, o indivíduo já mudou seu comportamento e o manteve por mais de seis meses.10

O estudo de Vieira et al.,11 realizado com pacientes que passaram por angioplastia em um hospital especializado em cardiologia de São Paulo, identificou os estágios de mudança de comportamento em que se encontravam: 36% estavam em manutenção, 26% em preparação, 17% em pré-contemplação, 12% em ação e 9% em contemplação. É necessário que a equipe de nutrição crie estratégias adequadas de educação alimentar para os indivíduos em cada uma dessas etapas, a fim de promover a adesão a um plano alimentar mais favorável e a adequação do estado nutricional.Um estudo buscou identificar mudanças de atitudes e hábitos em indivíduos da região norte do Paraná, após IAM ou angioplastia. As principais mudanças identificadas foram: aumento do número de refeições, aumento no consumo de frutas, redução no consumo de gorduras e frituras e uso do saleiro na mesa. O número de pacientes que não realizavam atividade física diminuiu.12

É muito importante avaliar o alcance e a qualidade da orientação nutricional de forma a permitir a implementação de ações adequadas, já que o momento seguinte ao evento cardiovascular pode ser benéfico para se adotar mudanças dietéticas favoráveis.

REFERÊNCIAS

1 Conselho Federal de Nutricionistas (CFN). Resolução cfn nº 600, de 25 de fevereiro de 2018. Dispõe sobre a definição das áreas de atuação do nutricionista e suas atribuições, indica parâmetros numéricos mínimos de referência, por área de atuação, para a efetividade dos serviços prestados à sociedade e dá outras providências. Brasilia,2018.
2 Lima TC, Silva DG, Barreto ID, Oliveira JC, Oliveira LC, Arcelino La, et al. Quality of intra-hospital nutritional couseling in patients with STEMI in the public and private health networks of Sergipe: the VICTIM. Arq Bras Cardiol. 2019; 113(2):260-269.
3 Seta MH, O’Dwyer G, Henriques P, Sales GLP. Cuidado nutricional em hospitais públicos de quatro estados brasileiros: contribuições da avaliação em saúde à vigilância sanitária de serviços Ciência & Saúde Coletiva.2010;15(supl 3):3413-22.
4 Piegas LS, Timerman A, Feitosa GS, Nicolau JC, Mattos LAP, Andrade MD et al.,Sociedade Nrasileira de Cardiologia. V Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Tratamento do Infarto Agudo do Miocárdio com Supradesnível do Segmento ST. Arq Bras Cardiol. 2015; 105(2 supl 1):1-105.
5 National Cholesterol Education Program (NCEP) Expert Panel on Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Cholesterol in Adults (Adult Treatment Panel III). Third Report of the National Cholesterol Education Program (NCEP) Expert Panel on Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Cholesterol in Adults (Adult Treatment Panel III) final report. Circulation. 2002;106(25):3143-421.
6 Xavier HT, Izar MC, Faria Neto JR, Assad MH, Rocha VZ, Sposito AC et al. V Diretriz brasileira de dislipidemias e prevenção da aterosclerose. Arq Bras Cardiol. 2017;109(2 supl 1):1-76.
7 Piepoli MF, Hoes AW, Agewall S, Albus C, Brotons C, Catapano AL et al. 2016 European Guidelines on cardiovascular disease prevention in clinical practice: The Sixth Joint Task Force of the European Society of Cardiology and Other Societies on Cardiovascular Disease Prevention in Clinical Practice (constituted by representatives of 10 societies and by invited experts). Developed with the special contribution of the European Association for Cardiovascular Prevention & Rehabilitation (EACPR). Eur Heart J. 2016;37(29):2315-81.
8 The Task Force for the management of acute myocardial infarction in patients presenting with ST-segment elevation of the European Society of Cardiology (ESC). 2017 ESC Guidelines for the management of acute myocardial infarction in patients presenting with ST-segment elevation. Eur Heart J. 2018;39:119-77.
9 Toral N, Slater B. Abordagem do modelo transteórico no comportamento alimentar Ciência & Saúde Coletiva. 2007;12(6):1641-50.
10 Prochaska JO, DiClemente C,Norcross JC. In search of how people change application to addictive behaviors. Am Physiol. 1992;47(9):1102-14.
11 Vieira LP, Nobre MR, Queiroz GG. Eating behavior and nutritional status in patients who underwent coronary angioplasty. Nutr Hosp. 2012;27(1):281-7.
12 Gallo AM, Laurenti R. Mudança de hábitos e atitudes em sobreviventes de infarto agudo do miocárdio e angioplastia primária. Saúde. 2014;40(2):59-66.