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Fasciíte nodular: relato de caso

Fasciíte nodular: relato de caso

Autores:

Hugo Guilherme M. Jurema,
Rafael H. Tomaszeski,
Lucas R. Mostardeiro,
Valéria M. Jorge,
Eduardo B. C. Bicca

ARTIGO ORIGINAL

Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial

versão impressa ISSN 1676-2444versão On-line ISSN 1678-4774

J. Bras. Patol. Med. Lab. vol.55 no.3 Rio de Janeiro maio./jun. 2019 Epub 01-Ago-2019

http://dx.doi.org/10.5935/1676-2444.20190028

INTRODUÇÃO

Descrita pela primeira vez em 1995(1), pelo Dr. Konwaler, a fasciíte nodular (FN) é uma lesão fibroblástica de caráter benigno que é confundida com patologias malignas devido ao seu crescimento rápido. Historicamente, a FN tem sido descrita como um processo pós-inflamatório. Entretanto, evidências atuais mostrando a fusão da miosina de cadeia pesada 9 (MYH9) sugerem que a FN seja na verdade uma desordem proliferativa clonal. Anatomicamente, a FN tende a afetar as extremidades; contudo pode ocorrer em qualquer parte do corpo humano(2).

Histologicamente, a FN é um tumor altamente celular com células fusiformes de índice mitótico relativamente alto. Suas características histopatológicas podem levar à confusão com sarcoma de baixo grau(3,4). Nesses casos, a análise imuno-histoquímica (IHQ) pode fornecer o diagnóstico definitivo com a coloração por actina específica de músculo (MSA) e sem coloração por S100, desmina, β-catenina, ALK, queratina, MyoD1 e miogenina.

A FN exige um alto índice de suspeita por parte do clínico e do patologista. O diagnóstico definitivo é importante, já que o diagnóstico diferencial inclui desordens que necessitam de abordagens mais agressivas, e a FN é curada por uma simples excisão(5). O objetivo deste relato é oferecer informações sobre características clínicas e patológicas de um paciente diagnosticado com FN, assim como descrever brevemente a literatura atual a respeito deste tópico.

RELATO DO CASO

Nossa paciente, uma mulher de 54 anos, relatou o aparecimento de um nódulo no braço direito. Não havia história de cirurgia. A massa era dolorosa à palpação, sem sinais de inflamação aguda, com consistência elástica, medindo aproximadamente 2,5 cm em seu eixo maior. Os achados clínicos não foram conclusivos, de modo que foi marcada uma consulta cirúrgica visando à biópsia.

A paciente se submeteu a uma biópsia de excisão. Macroscopicamente, uma massa amarelo-acinzentada se aderia à fáscia muscular. Todos os tecidos comprometidos pela massa foram removidos, com margem de segurança. Microscopicamente, havia uma proliferação celular atípica com atipia variada, matriz mixoide e alto índice mitótico (Figura 1). O espécimen foi submetido à análise IHQ posterior, havendo coloração positiva para actina de músculo liso (AML) e vimentina (Figura 2). Observou-se coloração negativa para S100 CD34, antígeno de membrana epitelial (EMA), miogenina, desmina e AE1/AE3. Essas características foram decisivas para o diagnóstico de FN. A biópsia excisional promoveu a cura definitiva, e após acompanhamento não houve sinais de recorrência.

FIGURA 1 Estudo patológico com coloração HE regularA) imagem com pouca ampliação; B) maior ampliação mostra atipia celular marcadamente proliferativa com matriz mixoide e alto índice mitótico.HE: hematoxilina e eosina. 

FIGURA 2 Estudo IHQ no mesmo cassete histológicoA) mostra coloração por vimentina; B) mostra coloração por AML.IHQ: imuno-histoquímico; AML: actina do músculo liso. 

DISCUSSÃO

A FN é uma lesão fibroblástica proliferativa pseudossarcomatosa(6). Embora a lesão tenha sido bem descrita na literatura, sua etiologia permanece desconhecida(7). Já se sugeriu o trauma como uma de suas causas, o que não é amplamente aceito(5,8). A FN é tipicamente encontrada nas extremidades superiores em adultos jovens, sem preferência de sexo(9). As extremidades superiores são responsáveis por 39%-54% dos casos; enquanto o tronco exibe 15%-20%; e as extremidades inferiores, 16%-18%. Cabeça e pescoço também abrangem alguns casos (7%-20%)(10). Em nosso caso, a paciente era ligeiramente mais velha que a maioria dos pacientes com esta desordem, e a lesão situava-se em local típico.

À histologia, a FN é uma proliferação de células fusiformes dispostas em fascículos em forma de S em uma matriz mixoide, com muitos vasos pequenos e hemácias. Mesmo tendo alto índice mitótico, a atipia celular é incomum. Histologicamente, a FN pode ser classificada em três subtipos: mixoide ou reativo (tipo 1), celular (tipo 2) e fibroso (tipo 3). Pode haver sobreposição entre os tipos dentro de uma lesão(11). Nossa suspeita era de FN tipo 1 mixoide ou reativo, mas o alto índice de células atípicas que encontramos em nosso caso não foi o achado esperado para esse subtipo.

O diagnóstico de FN sempre se baseia na análise IHQ, basicamente para descartar malignidades relacionadas que possam requerer abordagens mais invasivas. A coloração é tipicamente positiva para MSA, vimentina, e tipicamente negativa para S100, desmina, tripsina, fator VIII, um antígeno específico de macrófagos, e HLA-DR1. A expressão negativa de CD34 é útil para excluir malignidades sarcomatosas. A FN pode corar positivamente para Cd-68 e KP-1(12). As características do nosso caso na análise IHQ foram exatamente as descritas na literatura.

A FN pode se assemelhar às múltiplas desordens proliferativas do tecido conectivo e deve ser levada em consideração no diagnóstico diferencial de lesões malignas ou benignas como rabdomiossarcoma, leiomiossarcoma, fibrossarcoma, processos inflamatórios reacionais, como granuloma piogênico, e até malignidades hematológicas com deposição mixoide(7). No nosso caso, apenas a histologia não foi capaz de excluir condições malignas, e a coloração por IHQ foi fundamental para o diagnóstico.

Além da biópsia excisional, o tratamento pode incluir a espera vigilante pela regressão, injeções intralesionais de esteroides altamente potentes ou ressecção parcial(7,12,13). As taxas de recorrência são muito baixas com a cirurgia excisional, que é considerada curativa(5,6), sendo também o procedimento padrão(12,14).

CONCLUSÃO

A FN é um tumor benigno de crescimento rápido, com características de um tumor maligno à histologia, que pode ter uma ampla variedade de diagnósticos diferenciais. A coloração IHQ quase sempre proporciona o diagnóstico definitivo, especialmente para descartar malignidades do tecido conjuntivo que podem requerer uma abordagem mais agressiva e por etapas.

REFERÊNCIAS

1 Konwaler BE, Keasbery L, Kaplan L. Subcutaneous pseudosarcomatous fibromatosis (fasciitis). Am J Clin Pathol. 1955; 25(3): 241-52.
2 Montgomery EA, Meis JM. Nodular fasciitis: its morphologic spectrum and immunohistochemical profile. Am J Surg Pathol. 1991; 15: 942-8.
3 Borumandi F, Cascarini L, Mallawaarachchi RS. The chameleon in the neck: nodular fasciitis mimicking malignant neck mass of unknown primary. Int J of Surg Case R ep. 2012; 3(10): 501-3.
4 Pandian T, Zeidan M, Ibrahim K, Moir C, Ishitani M, Zarroug A. Nodular fasciitis in the pediatric population: a single center experience. J Pediatr Surg. 2013; 48: 1486-9.
5 Hseu A, Watters K, Perez-Atayde A, Silvera M, Rahbar R. Pediatric nodular fasciitis in the head and neck evaluation and management. JAMA Otolaryngol Head Neck Surg. 2015; 141(1): 54-9.
6 Shimzu S, Hashimoto H, Enjoji M. Nodular fasciitis: an analysis of 250 patients. Pathology. 1984; 16: 161-6.
7 Hino S, Masuda I, Fukai S, Kaneko, Horie N, Shimoyama T. A case of nodular fasciitis involving the tongue. J Oral Maxillofac Surg Med Pathol. 2015; 27: 377-9.
8 Xie S, Liu W, Xiang Y, Dai Y, Ren J. A huge nodular fasciitis in the parapharyngeal space in a 7-year-old girl: a case report and review of literature. Int J Clin Exp Pathol. 2014; 12: 9023-7.
9 Goldblum JR. Soft tissues. 7 ed. vol. 41. Rosai and Ackerman's Surgical Pathology; 2018. pp. 1810-1914.
10 Vyas T, Bullock MJ, Hart RD, Jonathan TR, Taylor SM. Nodular fasciitis of the zygoma: a case report. Can J Plast Surg. 2008; 16: 241-3.
11 Gibson TC, Bishop JA, Thompson LD. Parotid gland nodular fasciitis: a clinicopathologic series of 12 cases with a review of 18 cases from the literature. Head Neck Pathol. 2015; 9: 334-44.
12 Oh BH, Kim J, Zheng Z, Roh MR, Chung KY. Treatment of nodular fasciitis occurring on the face. Ann Dermatol. 2015; 27: 694-701.
13 Celentano A, Mascolo M, de Rosa G, Mignogna M. Nodular fasciitis of the tongue. Head Neck. 2016; 38(1): E29-31.
14 Souza e Souza ID, Rochael MC, Farias RE, Vieira RB, Vieira JS, Schimidt NC. Nodular fasciitis on the zygomatic region: a rare presentation. An Bras Dermatol. 2013; 6(Suppl 1): 89-92.