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Fatores associados a acidentes de trânsito entre condutores de veículos: achados de um estudo de base populacional

Fatores associados a acidentes de trânsito entre condutores de veículos: achados de um estudo de base populacional

Autores:

Polianna Alves Andrade Rios,
Eduardo Luiz Andrade Mota,
Luciano Nery Ferreira,
Jefferson Paixão Cardoso,
Vivian Mara Ribeiro,
Bruna Silva de Souza

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.25 no.3 Rio de Janeiro mar. 2020 Epub 06-Mar-2020

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020253.1192201

Introdução

O sinal distintivo de que os acidentes de trânsito (AT) se estabeleceram como grave problema de saúde pública mundial é a sua crescente participação no conjunto de causas de morbimortalidade, ceifando a vida de mais de um milhão de pessoas e produzindo até 50 milhões de incapacitados no mundo a cada ano1. Além do desmedido custo humano, esses eventos também afetam negativamente o desenvolvimento de sociedades, por meio dos altos custos em saúde, em assistência previdenciária, danos materiais e perda produtiva2,3.

Esse ônus social e econômico é pago, em grande parte, pelos países em desenvolvimento, que respondem por mais de 90,0% das fatalidades do trânsito1. Embora sejam eventos preveníveis, a tendência para a morbimortalidade relacionada ao tráfego viário nesses locais é de crescimento, o que pode colocar os AT como a quinta causa mais frequente de óbito até 2030 no mundo1-4. Tal panorama fez com que a segurança viária ganhasse espaço na pauta de Organismos Internacionais, principalmente no início do século vinte e um. Por isso, em 2010, as Nações Unidas anunciaram a Década de Ação para Segurança Viária (2011-2020) com o intuito de estabilizar e reduzir as mortes causadas pelo trânsito a partir de ações conduzidas em nível nacional, regional e global5.

O Brasil participa dessa iniciativa internacional, denominada no país como Projeto Vida no Trânsito (PVT)6. Mesmo tendo assumido o compromisso com a segurança viária, os AT ainda produzem vítimas fatais e não fatais em magnitude assustadora no país, colocando em dúvida a sua capacidade de alcançar as metas estabelecidas para enfrentar este problema7. Segundo o Ministério da Saúde, os acidentes de trânsito causaram a morte de 38.651 pessoas8 em 2015 e geraram, aproximadamente, 158 mil internações em hospitais do Sistema Único de Saúde9. Embora esses números já mostrem uma situação preocupante, sabe-se que parte da magnitude dos AT ainda permanece pouco conhecida. Entretanto, outras fontes de informação têm contribuído para o dimensionamento do problema dos acidentes, como o Projeto VIVA (Vigilância de Violências e Acidentes), que registra os atendimentos em serviços de urgência e emergência. Em todas essas fontes, observa-se crescimento do número de vítimas de acidentes entre ocupantes de veículos, sobretudo entre condutores de motocicletas10,11.

Alguns inquéritos nacionais, conduzidos em 2008 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio - PNAD) e 2013 (Pesquisa Nacional de Saúde - PNS), abordaram o tema dos AT e estimaram proporções de envolvimento nesses eventos na ordem de 2,5%12 e 3,1%13, respectivamente, para a população brasileira. Entretanto, no intervalo temporal entre essas duas pesquisas, observou-se mudança do perfil dos acidentes quanto à categoria de vítima, com redução do percentual de ocupantes de carro e aumento para os motociclistas, grupo que representou mais que 60,0% de todos os que sofreram lesão por AT nas regiões Norte e Nordeste em 201314.

Ainda que o país apresente variadas fontes de informação, reconhece-se a escassez de dados sobre acidentes de trânsito a partir de fontes primárias, de base populacional, que possam identificar vítimas não captadas pelos sistemas de informação usuais, e referentes a municípios que não se constituem em grandes centros urbanos, onde se verifica progressiva ampliação da participação das causas externas na morbimortalidade local15,16. Nesse sentido, ganha relevância a realização de inquéritos populacionais com o intuito de contribuir para o conhecimento da extensão do problema dos AT e dos fatores determinantes.

A esse respeito, a literatura científica evidencia que os acidentes de trânsito apresentam determinação complexa e multifacetada. O referencial ecológico proposto por Haddon tem sido o mais utilizado nas pesquisas da área da saúde sobre o tema e estabelece causas relacionadas à pessoa, ao veículo e aos ambientes físico (viário) e sociocultural, que interagem para a ocorrência dos AT17. Dentre essas causas, o fator humano é considerado como elemento de maior participação na geração dos acidentes18. No entanto, convém explicitar que, embora tal fator constitua manifestação individual de condutas no trânsito, ele é determinado por uma rede complexa que inclui desde características psicológicas18 e questões de gênero, a determinantes culturais e socioeconômicos17. Nesse sentido, o PVT elegeu dois fatores de risco, de ordem comportamental, como prioritários para intervenções no Brasil: o comportamento de beber e dirigir; e velocidade excessiva ou inadequada6.

Assim, considerando o problema dos acidentes de transporte terrestre no país e a importância de produzir informações sobre determinantes desses eventos a partir de pesquisas de base populacional, realizou-se este estudo com o objetivo de identificar fatores associados ao envolvimento em AT entre condutores de veículos no município de Jequié, Bahia.

Métodos

Estudo transversal, de base populacional, que constituiu a etapa de linha de base de uma pesquisa longitudinal sobre acidentes de trânsito, seus determinantes e repercussões na vida das pessoas envolvidas, realizada no município de Jequié, Bahia, entre 2013 e 2015. Os dados deste artigo referem-se ao ano 2013, quando a coorte foi constituída por meio de inquérito domiciliar.

O município de Jequié faz parte da região Sudoeste da Bahia e localiza-se a 365 km da capital do estado19, estando fora do eixo metropolitano. Em 2013, sua população foi estimada em 161.391 habitantes20 e apresentava 30,8 veículos para cada 100 residentes, com maior relação de motocicleta do que automóvel por habitante (15,5 motos e 10,4 carros por 100 habitantes, respectivamente)20,21.

Os participantes do estudo foram condutores de veículos motorizados terrestres (automóveis, caminhonetes, motocicletas, motonetas, ciclomotores, van, ônibus e caminhões), que residiam em domicílio particular da zona urbana do município. O corte mínimo da idade para inclusão na pesquisa foi de 14 anos devido à possibilidade de encontrar adolescentes conduzindo veículos, em especial os ciclomotores. Foram excluídos os moradores de domicílios temporários, tendo em vista a necessidade da fase de acompanhamento da pesquisa longitudinal na qual este estudo está inserido.

A amostra foi calculada no programa EPI-Info (Versão 6.0), com base nos seguintes parâmetros: proporção de envolvimento em AT=9,0% (proporção determinada a partir dos achados de um Inquérito de Saúde e Nutrição, no qual 7,8% dos adultos referiram envolvimento em AT nos últimos 12 meses, como qualquer usuário da via pública22. Como a presente pesquisa abordou a população de condutores de veículos, considerou-se pertinente a projeção da frequência para 9,0%); α=5,0%; precisão=2,0%; e efeito de desenho=2; o que resultou em um tamanho amostral de 1.572 condutores.

Para a seleção dos participantes foi utilizada amostragem por conglomerado em estágio único, com sorteio de 35 Setores Censitários (SC), dos 169 SC urbanos que o município apresentava23. Esse quantitativo foi estabelecido levando em conta alguns critérios atribuídos pelos pesquisadores - após realização de estudo piloto em um SC, verificou-se que a fração de acesso à população de pesquisa representou, aproximadamente, um terço de todos os domicílios do setor. Dessa maneira, considerando tal fração no número médio de domicílios por SC (241 domicílios/SC23); a densidade média de dois adultos por domicílio, sendo um deles um provável condutor; e possibilidade de encontrar residências sem condutores, devido à condição socioeconômica de algumas regiões do município, levantou-se que, em média, 60 domicílios por SC poderiam ser incluídos no estudo. Assim, seriam necessários 26 SC para a amostra. Entretanto, alguns setores sorteados possuíam número de domicílios menor que a média municipal, o que fez com o quantitativo fosse ampliado para 35 setores.

A coleta de dados do inquérito ocorreu entre julho e outubro de 2013. Os entrevistadores percorreram todas as quadras dos SC selecionados, com mapas disponibilizados via internet pelo IBGE, e abordaram todos os domicílios para verificar a existência de condutores. Para as residências onde não foi possível entrevistar todos os elegíveis, ausentes ou impossibilitados de participar na primeira abordagem, agendaram-se visitas em horário conveniente ao participante. Estabeleceu-se o número máximo de três tentativas de agendamento, ou retorno ao domicílio fechado em horários distintos, para, em caso de insucesso, considerar o condutor/domicílio como não resposta. A média de condutores entrevistados por domicílio participante foi de 1,2 para os 35 SC, variando de 1,0 a 1,4 condutor/domicílio.

Os dados foram produzidos por meio de entrevistas com formulário estruturado e consulta na base de dados do Censo 2010 do IBGE, para obter informação sobre a renda dos setores censitários.

A variável dependente do estudo foi o envolvimento autorreferido em acidente de trânsito nos 12 meses anteriores à entrevista, estando na condição de condutor no momento do AT (sim; não). A definição de AT adotada na pesquisa foi: “todo acidente com veículo ocorrido na via pública, o que inclui qualquer atropelamento, colisão entre veículos, acidentes com bicicleta, moto e quedas dentro de ônibus (ou para fora dele), quedas de caminhão e motos que ocorrem em ruas ou estradas, podendo ou não causar ferimentos nas pessoas” (definição adaptada dos conceitos da Classificação Internacional de Doenças, 10ª Revisão24 e do estudo de Magalhães et al.25).

As variáveis independentes foram organizadas em blocos para análise multivariada, a saber:

- Bloco 1 - Variável de vizinhança: renda média do SC (representada pelo rendimento mensal das pessoas com 10 anos de idade e mais, com e sem rendimento, categorizada em: menor que R$500,00; de R$500,00 a R$724,00; e maior que R$724,00).

- Bloco 2 - Sociodemográficas: sexo (masculino; feminino), faixa etária (15 a 29 anos; 30 a 44 anos; 45 a 59 anos; 60 anos e mais), cor da pele (preta ou parda; branca), convivência marital (sim; não), escolaridade (superior completo; 2º grau completo; 1º grau completo).

- Bloco 3 - Experiências no trânsito: possui Carteira Nacional de Habilitação (CNH) (sim; não), antecedente de multa no trânsito nos últimos 12 meses (sim; não), opinião favorável à “nova” Lei Seca (Lei nº 12.760/2012) (sim; não), e tipo de condutor (motociclista; motorista). Esta última variável derivou do questionamento sobre o tipo de veículo que o participante referiu conduzir mais frequentemente e foi categorizada em: “motorista”, para os que referiram automóvel ou outros veículos de quatro ou mais rodas, e “motociclista”, para os que referiram motocicleta, motoneta ou ciclomotor.

- Bloco 4 - Comportamentos no trânsito: beber e dirigir (ingestão de qualquer quantidade de bebida alcoólica) (sim; não), usar telefone celular enquanto dirige (sim; não), referir gostar de correr ao dirigir (sim; não), e adotar velocidade insegura em via urbana (sim: > 50km/h; não: ≤ 50 km/h), variável categorizada a partir do questionamento sobre a velocidade máxima que costuma dirigir.

O critério de corte para definição de velocidade insegura nesta pesquisa foi baseado em relatórios da Organização Mundial da Saúde (OMS), que considera 50 km/h como a melhor prática para os limites em área urbana, pois tanto reduzem as chances de AT quanto minimizam lesões e mortes1,4.

O software Stata®, versão 12.0, foi utilizado para análise dos dados. Foram estimadas frequências das variáveis para descrição das características dos participantes e, para comparação entre as proporções de AT, foi empregado o teste Qui-Quadrado Rao-Scott (p ≤ 0,05); versão que se adequa a dados com estrutura de dependência devido ao desenho amostral utilizado.

A análise de fatores associados foi baseada em um modelo conceitual hierarquizado (Figura 1), elaborado de acordo às relações proximais-distais das exposições e do desfecho. A estratégia hierarquizada de análise apresenta algumas vantagens em comparação com a análise multivariada tradicional, pois é adequada para situações nas quais se tem um grande número de variáveis, além de considerar relações de mediação que podem existir na determinação dos fenômenos em estudo26.

Figura 1 Modelo conceitual hierarquizado para análise de fatores associados ao envolvimento em acidentes de trânsito entre condutores de veículos. 

Foi empregado o modelo de Regressão Logística Multinível para as estimativas de Razão de Chances (RC) e Intervalos de Confiança a 95% (IC95%), com uso da sintaxe xtlogit, do Stata®. A escolha do modelo de regressão multinível também leva em consideração a estrutura de dependência dos dados, portanto, as estimativas levaram em conta o efeito do desenho do estudo. Para a seleção das variáveis na modelagem, estabeleceram-se valores de p ≤ 0,20 na etapa bivariada e p ≤ 0,10 na multivariada-intrablocos. Na etapa hierarquizada, considerou-se p ≤ 0,05 para significância estatística. O teste da razão de máxima verossimilhança foi utilizado para avaliar a permanência das variáveis no modelo.

Todos os preceitos éticos foram seguidos no estudo. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Saúde Coletiva, da Universidade Federal da Bahia.

Resultados

Da amostra de 1.572 condutores, 1.407 foram entrevistados e 165 pessoas não foram encontradas no domicílio em todas as tentativas estipuladas para realização da entrevista. Um participante foi excluído da análise devido ao número de dados faltantes do formulário de entrevista. Assim, o percentual de perda amostral situou-se em 10,6%, e os resultados do artigo referem-se a 1.406 pessoas. O envolvimento em acidentes de trânsito nos últimos 12 meses, na condição de condutor de veículo, foi referido por 10,4% (147) dos participantes.

Na Tabela 1, observa-se que as frequências de envolvimento em AT variaram de acordo a categorias dos fatores de exposição, com resultados estatisticamente significantes para maior proporção de AT em pessoas jovens, de cor da pele preta ou parda, sem convivência marital, que dirigem motocicleta, não sendo habilitados, com antecedentes de multa, que não concordavam com a “nova” Lei Seca e que relataram comportamentos inseguros e ilegais no trânsito.

Tabela 1 Características da população do estudo e frequências absolutas e relativas de acidentes de trânsito (AT) entre condutores de veículos, segundo categorias das variáveis sociodemográficas e relacionadas ao trânsito. Jequié, Bahia, 2013 (n = 1.406). 

Variáveis População do estudo Envolvimento em AT valor de pa
N % N %
Sexo 0,230
Masculino 934 66,4 106 11,3
Feminino 472 33,6 41 8,7
Faixa etária (em anos) 0,000
15 a 29 367 26,1 62 16,9
30 a 44 517 36,8 57 11,0
45 a 59 336 23,9 22 6,5
60 e mais 186 13,2 6 3,2
Cor da peleb 0,031
Preta ou parda 949 67,5 111 11,7
Branca 457 32,5 36 7,9
Convivência marital 0,000
Não 550 39,1 79 14,4
Sim 856 60,9 68 7,9
Escolaridade 0,237
Superior completo 298 21,2 37 12,4
2º grau completo 720 51,2 70 9,7
1º grau completo 388 27,6 40 10,3
Renda média do Setor Censitário 0,985
Menos de 500,00 reais 413 29,4 44 10,6
500,00 a 724,00 reais 454 32,3 48 10,6
Mais de 724,00 reais 539 38,3 55 10,2
Tipo de condutor 0,000
Motociclista 549 39,1 81 14,8
Motorista 857 60,9 66 7,7
Carteira Nacional de Habilitação 0,002
Não 243 17,3 36 14,8
Sim 1.163 82,7 111 9,5
Antecedentes de multa no trânsito 0,014
Sim 129 9,2 23 17,8
Não 1.277 90,8 124 9,7
Opinião favorável à "nova" Lei Seca 0,113
Não 79 5,6 14 17,7
Sim 1.327 94,4 133 10,0
Beber e dirigir 0,003
Sim 286 20,3 50 17,5
Não 1.120 79,7 97 8,7
Adota velocidade insegura em via urbana 0,025
Sim (> 50 km/h) 631 44,9 80 12,7
Não (≤ 50 km/h) 775 55,1 67 8,7
Refere gostar de correr ao dirigir 0,000
Sim 264 18,8 46 17,4
Não 1.142 81,2 101 8,8
Uso de celular enquanto dirige 0,000
Sim 382 27,2 60 15,7
Não 1.024 72,8 87 8,5

aTeste Qui-Quadrado com correção Rao & Scott.

bCor da pele autodeclarada; branca: inclui condutores que se declararam brancos e amarelos.

No modelo de regressão bivariado verificou-se que a renda média do SC e a escolaridade não estiveram associadas ao desfecho. As demais variáveis seguiram para o modelo multivariado (intrablocos). Embora a renda do SC não tenha apresentado valor de p < 0,20, ela foi mantida nas outras etapas da análise por se tratar de uma variável contextual. Observa-se que o desfecho se manteve associado, no Bloco 2, com sexo, faixa etária, cor da pele e convivência marital. No Bloco 3, apresentou associação com tipo de condutor, antecedente de multa de trânsito, não concordar com a “nova” Lei Seca. Já no Bloco 4, não se associou somente a “adotar velocidade insegura em via urbana” (Tabela 2).

Tabela 2 Valores de Razão de Chances (RC) das análises de regressãoa bivariada e multivariada intrablocos para fatores associados a acidentes de trânsito (AT) entre condutores de veículos. Jequié, Bahia, 2013 (n = 1.406). 

Variáveis Bivariada Multivariada intrablocos
RC valor de pb RC valor de pc
Nível Contextual
Bloco 1: Vizinhança
Renda média do Setor Censitáriod
Menos de 500,00 reais 1,06 0,808 1,06 0,808
500,00 a 724,00 reais 1,05 0,837 1,05 0,837
Nível Individual
Bloco 2: Sociodemográficas
Sexo
Masculino 1,35 0,120 1,49 0,044
Faixa etária (em anos)
15 a 29 6,22 0,000 5,42 0,000
30 a 44 3,73 0,003 3,81 0,002
45 a 59 2,12 0,110 2,26 0,084
Cor da pelee
Preta ou parda 1,54 0,032 1,47 0,061
Convivência marital
Não 1,97 0,000 1,50 0,038
Escolaridade
Superior completo 1,22 0,399 - -
2º grau completo 0,93 0,767 - -
Bloco 3: Experiências no trânsito
Tipo de condutor
Motociclista 2,08 0,000 2,02 0,000
Carteira Nacional de Habilitação
Não 1,66 0,015 1,31 0,215
Antecedentes de multa
Sim 2,04 0,004 2,18 0,002
Opinião favorável à "nova" Lei Seca
Não 1,92 0,035 1,77 0,069
Bloco 4: Comportamentos no trânsito
Beber e dirigir
Sim 2,23 0,000 1,76 0,005
Adota velocidade insegura em via urbana
Sim (> 50 km/h) 1,53 0,015 1,25 0,211
Refere gostar de correr ao dirigir
Sim 2,20 0,000 1,69 0,011
Uso de celular enquanto dirige
Sim 2,00 0,000 1,51 0,035

aAnálise de Regressão Logística Multinível;

b Valor de p < 0,20 para permanência no modelo e entrada na etapa multivariada da análise;

cValor de p < 0,10 para permanência no modelo e entrada na análise hierarquizada;

dA variável renda média do Setor Censitário foi mantida nas etapas da análise por se tratar de uma variável contextual;

eCor da pele autodeclarada; branca: inclui condutores que se declararam brancos ou amarelos. Categorias de referência: Renda média do Setor Censitário: mais de R$724,00; Sexo: feminino; Faixa etária: 60 anos e mais; Cor da pele: branca; Convivência marital: sim; Escolaridade: 1º grau completo; Tipo de condutor: motorista (de automóvel/van ou outro veículo com mais de quatro rodas); Possui Carteira Nacional de Habilitação: sim; Antecedentes de multa: não; Opinião favorável à "nova" Lei Seca: sim; Beber e dirigir: não; Velocidade máxima em via urbana: segura (≤ 50 km/h); Gosta de correr ao dirigir: não; Uso de celular enquanto dirige: não.

Na Tabela 3, encontram-se os resultados da análise hierarquizada a partir dos modelos A (Blocos 1 e 2), B (Blocos 1, 2 e 3) e C (Blocos 1, 2, 3 e 4). No modelo A, observou-se o efeito direto da associação entre envolvimento em AT e sexo, faixa etária e convivência marital, ajustado pela renda do SC. A chance de envolvimento em AT entre homens foi 52,0% maior do que para mulheres, ajustado pelas demais variáveis. Quanto à faixa etária, observaram-se valores maiores de razão de chances entre pessoas de 15 a 29 anos e entre 30 a 44 anos.

Tabela 3 Valores de Razão de Chances (RC) e Intervalos de Confiança a 95% (IC95%) da análise hierarquizadaa para fatores associados a acidentes de trânsito (AT) entre condutores de veículos. Jequié, Bahia, 2013 (n = 1.406). 

Variáveis Envolvimento em acidentes de trânsito
Modelo A
(Blocos 1 e 2)
Modelo B
(Blocos 1, 2 e 3)
Modelo C
(Blocos1, 2, 3 e 4)
RC (IC95%) RC (IC95%) RC (IC95%)
Bloco 1: Vizinhança
Renda média do SCb
Menos de 500,00 reais 0,80 (0,50-1,28) 0,73 (0,45-1,19) 0,77 (0,49-1,29)
500,00 a 724,00 reais 0,88 (0,55-1,40) 0,84 (0,52-1,35) 0,88 (0,55-1,41)
Bloco 2: Sociodemográficas
Sexo
Masculino 1,52 (1,03-2,24) 1,40 (0,94-2,08) 1,22 (0,81-1,83)
Faixa etária (em anos)
15 a 29 5,61 (2,31-13,60) 4,28 (1,71-10,69) 3,15 (1,24-8,02)
30 a 44 3,91 (1,64-9,30) 3,18 (1,31-7,72) 2,42 (0,98-5,95)
45 a 59 2,30 (0,91-5,81) 2,02 (0,79-5,15) 1,78 (0,69-4,55)
Cor da pelec
Parda ou preta 1,49 (0,99-2,23) 1,49 (0,99-2,24) 1,56 (1,03-2,35)
Convivência marital
Não 1,50 (1,02-2,20) 1,47 (1,00-2,17) 1,49 (1,01-2,21)
Bloco 3: Experiências no trânsito
Tipo de condutor
Motociclista 1,51 (1,02-2,23) 1,73 (1,15-2,60)
Antecedentes de multa
Sim 2,02 (1,21-3,37) 1,75 (1,04-2,94)
Bloco 4: Comportamentos
Beber e dirigir
Sim 1,68 (1,12-2,53)
Uso de celular enquanto dirige
Sim 1,63 (1,09-2,43)

aAnálise de Regressão Logística Multinível;

bA variável renda média do Setor Censitário foi mantida no modelo por se tratar de uma variável contextual;

cCor da pele autodeclarada; branca: inclui condutores que se declararam brancos e amarelos. Bloco 1: variável contextual (referente ao setor censitário); Bloco 2: variáveis sociodemográficas dos indivíduos; Bloco 3: variáveis sobre experiências relacionadas ao trânsito; Bloco 4: variáveis sobre comportamentos de risco no trânsito. Categorias de referência: Renda média do Setor Censitário: mais de 724,00 reais; Sexo: feminino; Faixa etária: 60 anos e mais; Cor da pele: branca; Convivência marital: sim; Tipo de condutor: motorista; Antecedentes de multa: não; Beber e dirigir: não; Uso de celular enquanto dirige: não. Coeficiente de correlação intraclasse do modelo final (rho): 0,0105443.

No modelo B, após introdução do Bloco 3, pôde-se observar o efeito direto das variáveis antecedente de multa no trânsito e tipo de condutor, ajustada pelas variáveis dos Blocos 1 e 2. A inclusão do Bloco 3 promoveu redução das razões de chance de envolvimento em AT para as variáveis faixa etária e sexo, com destaque para esta última, que deixou de estar associada no Modelo B (RC=1,40 e IC95% 0,94-2,08) (Tabela 3).

Com a introdução do Bloco 4, o Modelo C foi ajustado e constituiu o modelo final de fatores associados. Assim, estimou-se o efeito direto dos comportamentos de beber e dirigir (RC=1,68; IC95% 1,12-2,53) e do uso de celular durante a condução (RC=1,63; IC95% 1,09-2,43) sobre o envolvimento em acidentes, ajustados pelas demais variáveis. Neste modelo, observou-se aumento nas razões de chance de algumas variáveis (tipo de condutor e cor da pele) e redução para outras (antecedentes de multa, faixa etária e sexo). Desse modo, estiveram associados ao envolvimento em AT os seguintes fatores: faixa etária, com razão de chance de 3,15 para condutores de 15 a 29 anos (IC95% 1,24-8,02); cor da pele, com chance de envolvimento 56,0% maior entre os que se declararam pardos ou pretos (IC95% 1,03-2,35); tipo de condutor, tendo o motociclista chance 73,0% maior que os motoristas (IC95% 1,15-2,60); convivência marital; antecedente de multa no trânsito; e os comportamentos de beber e dirigir e usar telefone celular enquanto dirige (Tabela 3).

Discussão

Os fatores associados ao envolvimento em acidentes de trânsito entre condutores de veículos foram investigados por meio de abordagens pouco usuais no país, como o inquérito de base populacional e a aplicação de modelo hierarquizado.

Observou-se que o estudo, embora restrito à população de condutores, encontrou resultados que seguiram o padrão sociodemográfico de ocorrência da morbimortalidade por AT no país e no mundo, com maior proporção de acidentes para o sexo masculino e jovens, corroborando achados nacionais14,25,27 e internacionais28,29, assim como entre aqueles de cor da pele preta ou parda11, solteiros30, que usam motocicleta11,12 e que referem antecedentes de multa e comportamentos inseguros no trânsito27,31,32.

Apesar da maior proporção de AT observada entre homens, o sexo deixou de estar associado ao envolvimento em acidentes a partir da inclusão das variáveis sobre experiência no trânsito. O valor da razão de chances tornou-se ainda mais reduzido quando da introdução das variáveis sobre comportamentos de risco. A ausência de associação entre sexo e envolvimento em AT no modelo final pode sugerir que o efeito desta exposição sobre o desfecho seja mediado pelas variáveis que refletem experiências no trânsito e condutas arriscadas, o que é plausível, uma vez que estudos mostram diferenciais de gênero no engajamento em comportamentos de risco e em violações no trânsito33. A literatura sobre o tema aponta maior risco de AT para homens e, no presente estudo, observou-se maior frequência de acidentes nos condutores do sexo masculino, assim como foi notado que, no modelo multivariado final, a razão de chances para homens foi 22,0% maior do que para mulheres, embora esta diferença não tenha apresentado significância estatística. O que os dados do modelo final podem indicar é que, uma vez tendo adotado condutas de risco, homens e mulheres estariam igualmente expostos aos AT.

Há consenso na literatura científica, até o momento, que o maior envolvimento dos homens em acidentes se deve a diferenças de gênero, manifestadas pela maior exposição histórica do sexo masculino à motorização, assim como por representações de virilidade ao assumir condutas agressivas durante a condução de veículos28,29,33. Entretanto, com a intensa motorização contemporânea, observa-se a participação crescente das mulheres como condutoras de veículos e, mais recentemente, como condutoras de motocicletas. Tal fato pode contribuir para a redução das diferenças na frequência de AT entre os sexos, sinalizando, talvez, para uma redução do perfil “masculinizado” dos acidentes com condutores.

Ademais, algumas pesquisas internacionais não verificaram diferenças para certas condutas de risco no trânsito entre homens e mulheres, como o estudo de Wickens et al.34, realizado no Canadá, sobre direção agressiva, e o de Lonczak et al.35, que estudou aspectos de “angry driving” com condutores dos Estados Unidos. Necessário salientar que se tratam de achados em diferentes culturas, com níveis avançados de motorização e organização viária. Mesmo assim, trazem indícios de uma possível mudança, tanto nos padrões de exposição quanto no de condutas das mulheres no trânsito. No Brasil, pesquisadores apontam para o crescimento da representação das mulheres nos acidentes como condutoras36,37.

A análise hierarquizada mostrou que o envolvimento em AT esteve associado a fatores que encontram paralelo na literatura. Observou-se efeito tipo dose-resposta entre as categorias da faixa etária, com aumento na frequência de acidentes na medida em que diminuía a faixa de idade. Entretanto, pode-se verificar que esta variável exerceu efeito mediado sobre o desfecho, uma vez que a medida de associação foi reduzida nos Modelos B e C, mantendo maior proporção de envolvimento somente entre os condutores mais jovens, corroborando outros estudos12,14,25,29 e enfatizando a transcendência do fenômeno AT, ao apresentar grande potencial de perda produtiva e incapacitação precoce.

A cor da pele foi outro fator associado ao envolvimento em acidentes, tendo os condutores de cor preta ou parda maior proporção do evento. Esse resultado é consistente com o perfil encontrado, de modo geral, para as causas externas no país11,38,39, expressando as iniquidades sociais dos acidentes de trânsito. Uma das explicações para essa desigualdade seria a condição de maior vulnerabilidade a que as pessoas negras estão submetidas no ambiente viário, uma vez que, devido à exclusão social de grande parte desses indivíduos, acabam por constituir a maioria dos usuários vulneráveis da via pública40.

A respeito dos condutores de motocicleta, verificou-se maior frequência de acidentes neste grupo, o que reflete o padrão nacional contemporâneo para as ocorrências no trânsito, com predomínio dos usuários de motocicleta como vítimas de AT. Dados do Ministério da Saúde apontam que os ocupantes de moto correspondem à maioria das vítimas nos registros dos sistemas de informação do SUS, desde o atendimento ambulatorial, monitorado pelo VIVA11, até as estatísticas de óbito8. No cenário nacional, a Região Nordeste apresenta um quadro preocupante quanto às ocorrências envolvendo esta categoria14. Estudos constatam o crescimento da violência no trânsito envolvendo motos nesta Região, especialmente em cidades de pequeno porte16 e fora do eixo metropolitano41.

A gênese dos acidentes envolvendo motociclistas no Brasil é bastante complexa, pois envolve macrodeterminates com elementos políticos, econômicos e sociais, somados a fatores relacionados ao estilo de condução e maior vulnerabilidade no trânsito, inerente a esse tipo de veículo. Podem-se destacar como alguns macrodeterminantes: i) a opção política pelo transporte individual e incentivos fiscais dirigidos às montadoras de veículos; ii) a situação de desemprego para um grande contingente populacional, que viu no uso da motocicleta uma possibilidade de renda; iii) a ascensão de ocupações com o uso da moto, nas quais estão presentes as lógicas da celeridade e da remuneração por produtividade; e iv) facilidades de aquisição e menor custo de manutenção deste veículo42,43.

Esse quadro contribuiu para que a motocicleta se avolumasse no trânsito, assumindo diferentes papeis na sociedade, suprindo demandas de deslocamento individual, algumas vezes familiar, em um contexto de precária mobilidade urbana e congestionamento das vias públicas, e funcionando como instrumento de trabalho. Acrescem-se, ainda, o baixo investimento governamental em medidas de engenharia de tráfego apropriadas às motos, devido ao privilégio histórico dos automóveis no ambiente viário43,44.

O município de Jequié apresenta características que vão ao encontro dos determinantes, apontados pela literatura, para produção de acidentes com motociclistas. Uma delas é a grande frota de motocicletas da cidade, que, desde 2007, supera a frota de automóveis e demais veículos. Em 2006, as motos (motocicletas e motonetas) respondiam por 38,3% da frota local, alcançando 50,3% em 2013, enquanto a proporção de automóveis passou de 41,6% para 33,9% nesse mesmo período21.Tais dados mostram uma verdadeira “transição veicular” no local, com presença massiva de um veículo inerentemente vulnerável.

Outro fator que se mostrou associado ao envolvimento em AT foi ter sido multado no trânsito. O estudo de Marín-Leon e Vizzotto27, com condutores jovens, encontrou associação entre histórico de multa e envolvimento em acidentes somente para o grupo dos homens. Os autores consideraram o “histórico de ter sido multado no trânsito” como uma variável que carrega, nela mesma, transgressões de normas e, por isso, esta seria uma expressão de comportamentos inadequados no trânsito, que contribuem para o aumento do risco de acidentes. Concorda-se com essa hipótese, ainda mais porque, após a inclusão das variáveis do último Bloco (sobre comportamentos de risco), a medida de associação entre antecedentes de multa e envolvimento em AT foi reduzida, o que sugere um efeito mediado pelas variáveis comportamentais estudadas.

Quanto aos comportamentos de risco, apenas adotar velocidade insegura na via urbana não apresentou associação com o desfecho. Condutores que referiram dirigir após ingerir bebida alcoólica apresentaram chance de envolvimento em AT 68,0% maior do que os que não referiram, o que mostra um resultado preocupante, mas, consistente com achados de pesquisas realizadas no país27 e até mesmo em outros contextos culturais, como Nova Zelândia45 e França46.

A associação entre álcool e direção é um dos principais fatores de risco para ocorrência de acidentes de trânsito no mundo4 e, por isso, diversos países estabeleceram em suas legislações níveis máximos de tolerância de álcool no sangue. Apesar da existência do aparato legal de “tolerância zero” para alcoolemia no Brasil, estabelecida pela Lei nº 11.705/2008 (“Lei Seca”), o comportamento de beber e dirigir ainda se faz presente no cotidiano da sociedade brasileira, uma vez que 24,3% dos adultos participantes da PNS afirmaram conduzir veículo após ingestão de qualquer quantidade de bebida alcoólica47. Com efeito, pela relevância que esse comportamento apresenta na geração de acidentes, ele foi selecionado como um dos alvos nacionais para as ações do Projeto Vida no Trânsito, implantado no Brasil entre 2010 e 2011, consonante à Década de Segurança no Trânsito6.

Outro fator de ordem comportamental que apresentou associação com o envolvimento em AT foi o uso de telefone celular. Enquanto no Brasil são raras as pesquisas que abordaram esse comportamento na ocorrência de acidentes48, em outros países há produção de evidências32,46 sobre o perigo do uso de telefone celular durante a condução de veículos, como a pesquisa longitudinal realizada na França, que encontrou risco relativo para AT com lesões de 1,88 (IC95%: 1,35-2,61) entre os que sempre o usavam enquanto dirigiam46.

A OMS aponta que o risco de sofrer acidentes de trânsito entre quem usa celular na direção pode variar de duas a nove vezes o risco dos que não utilizam esse aparelho e, por isso, lançou em 2011 o documento Mobile phone use: a growing problem of driver distraction, com o qual espera aumentar a conscientização sobre os riscos desse comportamento. Além disso, incentiva a produção de conhecimento sobre o tema, que é relativamente recente e permanece desconhecido em muitas nações31.

O uso de aparelhos celulares durante a direção de veículos é uma conduta contemporânea, que compartilha de alguns determinantes já abordados para outros fatores associados, como a precariedade na fiscalização, sensação de impunidade e questões relativas aos processos de trabalho, como as ocupações que têm o veículo e o celular, juntos, como instrumentos para o trabalho. Além desses determinantes, há também outros fatores mais recentes, como o intenso uso deste aparelho pela sociedade nos últimos anos. A relação entre uso de celular e ocorrência de AT tem como processo subjacente o deslocamento da atenção das tarefas primárias (processos cognitivos da condução do veículo) para tarefas secundárias (uso do aparelho). Esse desvio, conhecido como distração cognitiva, é apontado como tão prejudicial ao desempenho do condutor quanto os efeitos do álcool31.

Quanto às limitações da presente pesquisa, menciona-se o viés de sobrevivência e as dificuldades operacionais para alcançar o tamanho final da amostra, pois não foi possível encontrar alguns condutores em todas as tentativas estipuladas para realização da entrevista até o final do período de coleta. Mesmo assim, observaram-se importantes associações que foram coerentes e consistentes com os achados da literatura nacional e internacional sobre o tema. É possível que alguns resultados possam ter sido subestimados, tanto devido à questão amostral quanto devido à natureza de alguns assuntos, que são socialmente condenáveis e legalmente proibidos e, portanto, passíveis de serem omitidos pelos respondentes. No entanto, a magnitude observada para as frequências dos comportamentos de risco e das medidas de associação desses fatores com o envolvimento em AT expressam a gravidade da insegurança viária contemporânea.

Para concluir, observaram-se importantes fatores sociodemográficos e comportamentais associados ao envolvimento em acidentes de trânsito, com maior proporção desse evento no grupo de jovens, pardos ou pretos, sem convivência marital, motociclistas, com antecedentes de multa no trânsito e que adotam comportamentos de risco nesse ambiente, como beber e dirigir e uso do celular durante a condução de veículos. Um achado interessante, que difere da maior parte das evidências sobre o tema, foi a ausência de associação entre AT e sexo quando incluídas outras variáveis no modelo. Tal resultado pode ser explicado, em parte, pelo efeito de mediação de outros fatores de exposição posteriormente introduzidos, assim como por influência do poder da amostra. Por outro lado, também pode indicar redução das desigualdades de gênero nas ocorrências de trânsito. Observou-se que os fatores proximais modificaram as medidas de associação das exposições dos níveis superiores de determinação do modelo hierarquizado, o que sugere algum efeito mediado por esses fatores comportamentais, disparadores do evento.

Desse modo, os resultados deste estudo ratificam tanto o potencial de prevenção dos acidentes de trânsito, em virtude dos fatores evitáveis associados ao desfecho, quanto à urgência por investimentos em intervenções educativas e fiscalizadoras no trânsito e, sobretudo, em políticas de mobilidade segura que priorizem os deslocamentos de caráter coletivo.

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