versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde vol.24 no.3 Brasília jul./set. 2015
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742015000300009
analizar los factores asociados a la falta de registro de nacimiento en un servicio de registro ubicado en una maternidad del Sistema Único de Salud (SUS)en el municipio de Nova Iguaçu, Estado de Rio de Janeiro, Brasil.
estudio transversal con datos de 468 nacidos vivos en junio y julio de 2012; la variable dependiente fue la falta de registro de nacimiento en el servicio de registro ubicado en la maternidad, dentro de los15 días del parto; se usó la Regresión de Poisson para estimar razones de prevalencia (RP) e intervalos de confianza (IC) de 95%.
un 40,6% de los niños no fue registrado en el servicio de registro de la maternidad; la falta de registro de nacimiento se asoció positivamente con la baja o ausente escolaridad de la madre (RP 1,41; IC95% 1,04-1,93 ); con el parto extra-hospitalario (RP 2,15; IC95%1,04-4,46 ) y con la residencia de la madre en un municipio vecino (RP 1,39; IC95%1,03-1,89).
deben dirigirse orientaciones sobre el registro a las madres con escolaridad baja o ausente o con partos fuera del ambiente hospitalario.
Palabras-clave: Nacimiento Vivo; Registro de Nacimiento; Parto; Estudios Transversales
A certidão de nascimento é o primeiro direito de um indivíduo. É o documento que registra sua existência perante o Estado, conferindo-lhe identidade, nome e nacionalidade, condições essenciais para o exercício da cidadania.1 A certidão de nascimento é uma das fontes usadas para a elaboração de estatísticas de dados vitais, que auxiliam na avaliação de saúde da população, no desenvolvimento de pesquisas epidemiológicas, na elaboração de indicadores e na avaliação de programas e planejamento em saúde.2
No Brasil, com a criação do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), os estabelecimentos de saúde passaram a documentar o nascimento de uma criança nascida viva oficialmente, mediante a emissão da Declaração de Nascido Vivo (DNV).3 Trata-se de um formulário composto de três vias: uma é entregue aos pais, outra arquivada no prontuário e a terceira encaminhada às secretarias de saúde, para alimentação do Sinasc. No país, o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) estabeleceu algumas ações para universalização do registro de nascimento e ampliação da documentação básica, enfatizando o fortalecimento da DNV como mecanismo de acesso ao registro civil e estendendo seu direito de emissão às parteiras.4 Ainda que a DNV constitua o primeiro documento de dados vitais, é fundamental, para a vida do cidadão brasileiro, o registro público em Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais. Este estabelecimento é responsável pela emissão da certidão de nascimento, cuja inexistência torna "invisíveis" para o Estado - e por conseguinte, para as políticas públicas - quase 7% das crianças nascidas no país.5
A expressão 'nascido vivo' corresponde à expulsão ou extração completa de um produto da concepção do corpo materno, independentemente da duração da gestação, e que, depois da separação do corpo materno, respire ou manifeste qualquer outro sinal de vida.4 Todas as crianças nascidas vivas no Brasil têm o direito ao registro e emissão da certidão de nascimento pelo cartório. Além de questões individuais, como identidade e cidadania, os dados de nascimentos fornecidos pelos cartórios brasileiros são úteis para a elaboração de indicadores utilizados no delineamento de políticas públicas na área da Saúde.6
No Brasil, têm-se promovido algumas iniciativas com o objetivo de motivar os pais a registrar o nascimento de seus bebês em cartórios de registro civil e obter, o mais precoce possível, a certidão de nascimento, destacando-se: (i) concessão, pelo Ministério da Saúde, de gratificações para as unidades de assistência à saúde que estimulem as famílias a registrarem seus filhos antes da alta hospitalar da mãe; e (ii) instalação, em maternidades, de postos interligados a cartórios de registro civil.5
Apesar das medidas em implementação, estima-se que no ano de 2010, 600 mil crianças brasileiras todavia não possuíam certidão de nascimento, quase 29 mil delas residentes no estado do Rio de Janeiro, correspondendo a 4,8% dos nascimentos não registrados no país.5 O presente estudo se justifica porque uma das estratégias para a redução do sub-registro de nascimento tem sido a instalação de postos de cartórios de registro civil em maternidades públicas. Esta medida pretende que nenhuma criança receba alta da maternidade sem que a mãe leve consigo o documento oficial de certidão de nascimento. Além da instalação de cartórios, outras medidas a serem tomadas, relacionadas às condições da gestante, do parto ou do recém-nato, podem contribuir para a maior adesão das mães à iniciativa de elaboração da certidão de nascimento ainda na maternidade.
O presente estudo teve o objetivo de analisar os fatores associados à ausência de registro de nascimento em cartório de registro civil localizado em maternidade do Sistema Único de Saúde (SUS) no município de Nova Iguaçu, estado do Rio de Janeiro, Brasil.
Estudo transversal desenvolvido com dados secundários obtidos pela revisão de prontuários de uma amostra de mães atendidas em maternidade da rede pública de saúde, localizada em Nova Iguaçu. Este município pertence à Região Metropolitana I do estado, dista cerca de 28 km da capital do Rio de Janeiro e em 2010, somava uma população estimada em 796.257 habitantes, apresentava um índice de desenvolvimento humano médio de 0,713 e um percentual superior a 60% de pessoas na idade de 17 e mais anos com o Ensino Fundamental completo.7
O serviço prestado pela maternidade, projetada para atender gestações de alto risco, não era regulado e funcionava de portas abertas, realizando cerca de 40% dos nascimentos ocorridos no município. A unidade possuía ambulatório de pré-natal e serviços de apoio como banco de sangue, unidade de terapia intensiva (UTI) neonatal e de adulto, além de oferecer a assistência de equipe multiprofissional, incluindo médicos, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais. À época do estudo, a maternidade acatava a Iniciativa Hospital Amigo da Criança e desenvolvia práticas baseadas em equipes multiprofissionais, incluindo atividades para incentivar as mães a buscar pelo registro dos bebês no posto de cartório.
No período de 15 de junho a 31 de julho de 2012, todas as mães que deram à luz nascidos vivos nas dependências do hospital ou que foram assistidas imediatamente após o parto foram consideradas para inclusão no estudo. Os casos que evoluíram para morte materna foram excluídos.
A amostra foi calculada utilizando-se o pacote estatístico Epi Info, nível de confiança de 95%, poder do estudo de 80% e estimativa de risco relativo de 2, para avaliar a associação entre as exposições de interesse e o desfecho 'ausência de registro de nascimento', considerando-se a prevalência desse evento de 10%. Todos os partos de nascidos vivos ocorridos na unidade de saúde entre 15 de junho e 31 de julho de 2012 foram considerados elegíveis para o estudo. A amostra foi estimada em 438 nascidos vivos.
Os dados foram compilados mediante consulta a livros de registro de partos ocorridos no período estudado, seguida de identificação dos prontuários, verificação da cópia da DNV e da cópia ou anotação da certidão de nascimento. A data de cada parto de nascido vivo e o nome da mãe, constantes nos livros de registro de partos, foram as variáveis usadas para identificação e seleção do prontuário para consulta. A informação sobre a certidão de nascimento foi obtida depois de transcorridos os primeiros 15 dias do parto, tendo em vista ser este o prazo para a elaboração do documento em postos de cartório de maternidades. A consulta baseou-se em duas ações, cada uma delas dirigida a uma fonte de pesquisa: (i) verificação de cópia do documento arquivado, junto ao prontuário; e/ou (ii) identificação do registro do nascimento, mediante consulta à base de dados do posto de cartório de registro civil de pessoas naturais instalado na maternidade.
A ausência da cópia de certidão de nascimento do bebê junto ao prontuário ou nos arquivos eletrônicos do posto de cartório definiu a variável dependente 'ausência de nascimento' (sim; não). As variáveis independentes foram obtidas da via rosa da DNV e de anotações registradas no prontuário médico, contemplando as seguintes características:
a) maternas:
- idade, em anos (<20; ≥20);
- cor da pele (não branca; branca);
- município de residência (vizinho ao da maternidade; município da maternidade);
- escolaridade, em anos de estudo (0-8; ≥9); e
- número de filhos vivos em casa (nenhum; 1; >1);
b) paternas:
- idade, em anos (<20; ≥20); e
- nome do pai não declarado na DNV (sim; não);
c) da atual gestação:
- realização de pré-natal (sim; não); e
- local de ocorrência do parto no hospital (sim; não);
d) do recém-nato:
- sexo (masculino; feminino);
- peso ao nascer, em gramas (<2.500 g; ≥2.500 g); e
- destino no pós-parto (UTI neonatal; alojamento conjunto).
Inicialmente, realizou-se uma análise estatística descritiva para estimar a média e o desvio-padrão (DP) das variáveis numéricas e frequências absolutas e relativas das variáveis categóricas. Foram calculadas as razões de prevalência (RP) brutas e respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%) por meio da Regressão de Poisson, sendo consideradas para análises posteriores as variáveis com valor de p≤0,25. Na modelagem multivariada, as variáveis foram incluídas no modelo, uma a uma, utilizando-se a estratégia conhecida como forward stepwise regression para obter RP ajustadas por outras variáveis e um modelo mais parcimonioso. Ao valorizar principalmente as concepções teóricas, as variáveis que tiveram valor de p≤0,05 ou aquelas que, quando retiradas do modelo, repercutiram em variação de pelo menos 10% na RP, foram consideradas fatores de confusão e mantidas na análise multivariada.
A digitação dos dados foi feita pelos programas Microsoft Word e Microsoft Office ACCESS 2003. A análise dos dados foi conduzida pelo pacote estatístico R versão 2.9.2.
O trabalho atendeu a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) no 466, de 12 de dezembro de 2012, que regulamenta as pesquisas envolvendo seres humanos. Foram tomados todos os cuidados para garantir o anonimato e a confidencialidade das informações coletadas. O estudo foi desenvolvido após sua aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Geral de Nova Iguaçu (HGNI), mediante Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) no 10145012.1.0000.5254 e Parecer no 176.969, de 18 de dezembro de 2012.
Nos 45 dias observados pelo estudo, 461 mães trouxeram à luz 468 bebês nascidos vivos. Não houve exclusões motivadas por morte materna. Contudo, 15 ocorrências foram excluídas porque os respectivos prontuários não estavam disponíveis no arquivo médico. A média de idade materna dessas ocorrências foi de 23,5 anos (desvio padrão [DP] = 6,2 anos), a idade paterna de 27,8 anos (DP=7,8 anos) e a idade gestacional de 37,8 semanas (DP=3,0 semanas). Verificou-se que 26,5% das mães residiam em município vizinho ao da unidade de saúde, sendo Belford Roxo o segundo município em frequência de partos na maternidade-sede do estudo (9,2%). No momento do preenchimento da DNV, 7,4% das mães omitiram o nome do pai da criança. Nove bebês nasceram antes da hospitalização, com três partos no domicílio e seis em via pública, a caminho da unidade de saúde; 98,1% dos partos foram hospitalares. A distribuição por sexo dos nascidos vivos foi similar, com média de peso ao nascer de 3.058,07 g (DP=687,3 g); 15,4% dos bebês nasceram com peso inferior a 2.500 g. Imediatamente após o parto, a maioria dos bebês (88,5%) foi encaminhada para alojamento conjunto, na companhia da mãe, e os demais, à UTI neonatal (Tabela 1).
Tabela 1 Características de mães e bebês nascidos vivos na maternidade do Hospital Geral de Nova Iguaçu, município de Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, junho a julho de 2012
a) IC95%: intervalo de confiança de 95%
b) Variáveis com falta de informação: cor da pele (1,1%), filhos vivos em casa (2,1%), idade paterna (12,8%) e nome do pai não declarado (2,4%)
Um total de 190 nascidos vivos (40,6%) não teve a certidão de nascimento registrada no cartório da maternidade. Na análise bivariada, os fatores associados a ausência de registro de nascimento no cartório da maternidade foram: escolaridade materna de 0 a 8 anos de estudo (RP 1,46; IC95% 1,07-1,99; p=0,002); local de ocorrência do parto extra-hospitalar (RP 2,24; IC95% 1,10-4,55; p=0,004); município de residência vizinho ao da maternidade (RP 1,40; IC95% 1,04-1,90; p=0,004); ausência de pré-natal (RP 1,54; IC95% 1,04-2,31; p=0,007); e ter dois ou mais filhos vivos em casa (RP 1,45; IC95% 1,04-2,04; p=0,019).
Após análise multivariável, os fatores que permaneceram estatisticamente associados ao desfecho (p<0,05) foram 'escolaridade materna de 0-8 anos de estudo' (RP 1,41; IC95% 1,04-1,93), 'município de residência vizinho ao da maternidade' (RP 1,39; IC95% 1,02-1,89) e 'parto extra-hospitalar' (RP 2,15; IC95% 1,04-4,46). Feito o ajustamento, optou-se por manter a variável 'ausência de pré-natal' (RP 1,28; IC95% 0,85-1,95), enquanto fator de confusão entre as características examinadas e a variável 'ausência de registro de nascimento' no cartório da maternidade (Tabela 2), devido à valorização das concepções teóricas e tendo em vista a forte significância dessa variável na análise bruta (p=0,007).
Tabela 2 Prevalência, análise bivariada e análise multivariada com modelo final preditivo de ausência de registro de nascimento em cartório de registro civil implantado em maternidade do Sistema Único de Saúde, sobre 468 bebês nascidos vivos, no município de Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, junho a julho de 2012
a) RP: razão de prevalência
b) IC95%: intervalo de confiança de 95%
c) Teste do qui-quadrado para heterogeneidade de proporções
d) Variáveis com falta de informação: cor da pele (1,1%), filhos vivos em casa (2,1%), idade paterna (12,8%) e nome do pai não declarado (2,4%)
Mães com baixa escolaridade, residentes em municípios diferentes daquele da unidade de saúde e que deram à luz antes de efetivada a hospitalização, apresentaram maior frequência de não busca do cartório da maternidade para o registro de nascimento de seus bebês. Diante do grande avanço alcançado na redução do sub-registro de nascimento no Brasil, ações em microespaços, a exemplo da implantação de cartórios em maternidades, podem ser direcionadas ao perfil de mulheres delineado e assim, constituir uma estratégia específica para diminuir ainda mais o número de crianças não reconhecidas oficialmente no Brasil.
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) estimou que no ano 2000, 41% dos nascimentos no mundo permaneciam sem registro, significando 50 milhões de crianças sem nome, identidade e nacionalidade.8 No Brasil, as medidas para solucionar esse problema tiveram início na década de 1990. Primeiramente, a gratuidade para obter registros civis foi garantida pela Lei Federal no 9.534, sancionada em 10 de dezembro de 1997.9 Logo, o Ministério da Saúde se firmou o Protocolo de Intenções junto à Associação dos Notários e Registradores do Brasil (ANOREG-BR) com a finalidade de fixar condições de cooperação mútua e facilitar a elaboração do registro de nascimento diretamente nas maternidades públicas, em todo o território nacional.10 Apesar das medidas implementadas, a meta máxima aceitável de 5% de sub-registro estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) ainda não foi atingida no país.5
O nascimento registrado representa para a criança um primeiro ato de reconhecimento social.5 A saída da maternidade sem o usufruto desse direito significa a perda da oportunidade de documentar a existência da criança perante o Estado. Agindo dessa forma, as mães podem-se privar do apoio do próprio Estado para enfrentar outros problemas como, por exemplo, a falta de reconhecimento de paternidade.11 Um inquérito realizado na macrorregião Nordeste do Brasil apontou que a negação à paternidade esteve presente em 10% dos nascimentos não registrados.12 Nessas circunstâncias, quando o registro da criança é feito apenas pela mãe e há o desejo de indicar e acionar o pai, este poderá ser intimado e o problema resolvido pelo cumprimento de determinação judicial fundamentada na Lei no 8.560, de 29 de dezembro de 1992.13 Outrossim, a postergação da emissão do documento coloca a criança em situação de vulnerabilidade diante de diversas situações, como por exemplo, violência, tráfico de crianças, adoção ilegal e menor acesso a direitos sociais - incluindo a Educação formal, condicionada à comprovação oficial da existência da criança.8
Segundo o presente estudo, uma em cada quatro mães residia em município diferente daquele da unidade de saúde, incluindo todos os municípios da Baixada Fluminense. A residência em outros municípios esteve associada à não realização de registro do bebê no cartório da maternidade.
Um grande estudo de base populacional, desenvolvido na Austrália, avaliou os fatores associados ao não registro de bebês nascidos vivos até cinco anos após o parto:14 seus autores relataram a frequência de 95,1% de registros ao final do quarto ano após o nascimento, e um dos fatores identificados por eles como associados ao não registro foi a residência da mãe em áreas distantes dos grandes centros urbanos. No estado do Rio de Janeiro, em 2010, estimava-se que aproximadamente 15 mil crianças na faixa de 0 a 10 anos viviam sem certidão de nascimento e portanto, "invisíveis" para o poder público. Na região da Baixada Fluminense, área periférica à metrópole do Rio de Janeiro, estima-se que a ausência de certidão de nascimento afete municípios como Duque de Caxias, São João de Meriti e Belford Roxo com 2.774, 1.058 e 1.020 crianças sem registro, respectivamente.15
Embora bastante próxima à capital do estado, a Baixada Fluminense é permeada por importantes problemas sociais. Parte significativa de sua população encontra-se em desvantagem socioeconômica, relativamente à capital, com reflexos proporcionais nas condições locais de vida e saúde. Em Londrina, estado do Paraná, mulheres sem qualquer instrução ou com o Primeiro Grau de ensino incompleto mostraram-se mais propensas a não registrar seus filhos. Negligência e falta de legitimidade da paternidade foram consideradas fatores importantes na decisão de não registrar a criança.16
Cabe destacar dois indicadores representativos da família, utilizados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), e situar o grau de vulnerabilidade social a que estão expostas as mulheres e crianças da Baixada Fluminense:7 primeiramente, (i) dos 12 municípios da região, cinco (Japeri, Duque de Caxias, Seropédica, Magé e Queimados) apresentam proporção superior a 20% de mães chefes de família sem Ensino Fundamental e com filho menor; e quanto à situação de trabalho e renda, (ii) todos os 12 municípios contam com uma proporção acima de 20% de indivíduos vulneráveis à pobreza, cinco desses municípios (Japeri, Nova Iguaçu, Belford Roxo, Queimados e Magé) com essa proporção superior a 30%. Tais circunstâncias sugerem a presença de bolsões de pobreza, relacionados a desfechos desfavoráveis como o sub-registro de nascimento.
O sub-registro de nascimento é definido pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) como o conjunto de nascimentos não registrados no próprio ano de ocorrência ou até o fim do primeiro trimestre do ano subseqüente.5 Possivelmente, grande parte das mães que deixam a maternidade sem registrar seus bebês fazem-no posteriormente, sem configurar sub-registro. No presente estudo, a proporção de bebês com certidão de nascimento elaborada nos primeiros 15 dias, na maternidade (59,4%), foi similar à encontrada para o município de Ribeirão Preto, estado de São Paulo, segundo um estudo com participantes de nove instituições não parceiras de cartórios.17 Não obstante, tais ações visam a obtenção da certidão de nascimento antes da alta hospitalar e a identificação das condições facilitadoras do não registro pode ajudar na elaboração e implementação de medidas nesse sentido, além de otimizar os recursos empregados. À baixa escolaridade, condição difícil de resolver no curto prazo, soma-se mais um achado importante associado à ausência de registro de nascimento em maternidades: o parto extra-hospitalar.
No Brasil, existe a expectativa de que 0,4% dos partos ocorram em ambientes não hospitalares.18 Embora essa frequência pareça baixa, sua distribuição pelo país é desigual. De acordo com a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde de 2006,19 em todas as cinco grandes regiões brasileiras, o relato de parto domiciliar de nascido vivo era mais frequente nas regiões Nordeste (1,6%) e Norte (7,5%). Estas regiões também respondem pela maior frequência de sub-registro de nascidos vivos.5
Na Austrália,20 as ações para reduzir esse sub-registro contemplam, entre outras medidas, o monitoramento do parto extra-hospitalar realizado (i) sem assistência de parteiras ou profissionais de saúde e (ii) sem cuidados hospitalares nas primeiras 24 horas. Naquele país, a mãe deve se comunicar por telefone com o departamento responsável pelos registros e fornecer o nome e endereço de duas testemunhas do parto. O modelo de processo australiano prossegue com uma troca de correspondências, incluindo cópias de documentos de identidade das testemunhas, e conclui-se com o recebimento da certidão de nascimento, a qual é enviada à mãe do recém-nato pelo correio.
Em Gana, um projeto conduzido por organizações internacionais lançou mão de voluntários da comunidade. Eles seriam responsáveis por captar as informações sobre nascimento de bebês ou óbito de crianças menores de 5 anos e transmiti-las a supervisores distritais, via telefonia celular.21 No México, outro estudo, ao analisar 20 municípios de índice de desenvolvimento humano (IDH) muito baixo, estimou que 68,1% dos nascimentos ocorridos em 2007 e 2008 não apresentavam certidão de nascimento.22 Um dos fatores relacionados à falta de certidão de nascimento foi o parto assistido por parteiras.
No Brasil, nas últimas décadas, observou-se considerável redução no sub-registro de nascimentos.
A vigilância de partos extra-hospitalares pode ser um meio para refinar as ações de identificação das crianças não registradas e assim evitar que permaneçam como minorias socialmente excluídas. Mães admitidas para cuidados de pós-parto ocorridos fora do hospital devem ser alvo de atenção e devidamente instruídas, durante sua permanência no hospital, sobre as facilidades de obtenção do registro de nascimento, superando as barreiras que as impedem, e a seus filhos, de usufruir de seus direitos.
É oportuno reforçar que a falta de registro e condições precárias de vida estão intimamente relacionadas, acabando por alimentar um círculo vicioso no qual a criança permanece em situação de exclusão, inclusive sob risco de violência.23 Ainda que a parcela da população desprovida de registro de nascimento seja pequena, o fenômeno é complexo e de grande repercussão na vida da criança e futuro adulto. Tal constatação aumenta a responsabilidade de todos os envolvidos na resolução do problema, inclusive dos serviços de saúde.
Para as crianças, a certidão de nascimento representa uma porta aberta à cidadania, o direito a um nome, à família, à nacionalidade brasileira, incluído o acesso aos direitos constitucionais como o direito à saúde, e à proteção contra situações de vulnerabilidade decorrentes da falta de um documento de identidade. De acordo com estudo do UNICEF realizado em 15 países, sobre o período de 1999 a 2003, ter ou não o nascimento legalmente registrado mostrou associação com dispor de cartão de vacinação (14 países), ter apresentado diarreia nas duas semanas prévias à entrevista (6 países) e febre nas duas semanas prévias à entrevista (6 países).24
O presente estudo é pioneiro na investigação dos fatores associados à ausência de emissão de certidão de nascimento em maternidade beneficiada pela instalação de posto avançado de cartório. Este trabalho foi desenvolvido em um momento quando as autoridades governamentais despendem grande quantidade de recursos para resolver o problema de sub-registro de nascimentos no país. Entretanto, o estudo apresenta limitações. Primeiramente, foi conduzido com dados secundários de prontuários, não sendo possível obter informações diretamente das mães sobre as razões para o não registro. A falta de informações consistentes sobre a situação conjugal, por sua vez, impediu que essa característica fosse adequadamente avaliada entre os possíveis fatores associados. Por fim, apenas os dados paternos contidos na DNV puderam ser avaliados; uma questão importante para a elaboração da certidão de nascimento, o reconhecimento de paternidade, não pode ser analisado.
O estudo permitiu delinear os fatores associados ao não registro de nascimento de nascidos vivos em cartório de registro civil instalado em maternidade do SUS. Mães de baixa escolaridade, que dão à luz seus filhos antes de efetivada a hospitalização e que residem em municípios vizinhos ao da unidade de saúde são aquelas com maior risco de não se beneficiarem do direito disponibilizado pelo cartório. Medidas direcionadas a esse perfil de mulheres podem ajudar no aprimoramento das ações destinadas a reduzir o sub-registro de nascimentos no país, primeiro passo no sentido da efetiva proteção da criança e da garantia de seu direito a sair da maternidade oficialmente reconhecida como cidadã brasileira.