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Fatores associados à autopercepção negativa de saúde em mulheres climatéricas

Fatores associados à autopercepção negativa de saúde em mulheres climatéricas

Autores:

Vitor Hipólito Silva,
Josiane Santos Brant Rocha,
Antonio Prates Caldeira

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.23 no.5 Rio de Janeiro maio 2018

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018235.17112016

Introdução

O climatério representa um período de transição entre as fases reprodutiva e não reprodutiva da mulher. É um fenômeno endócrino, caracterizado pelo hipoestrogenismo progressivo, em decorrência do esgotamento dos folículos ovarianos, ocorrendo nas mulheres de meia idade1. A menopausa, um marco do período climatérico, é definida como a última menstruação, identificada retrospectivamente após 12 meses de amenorreia2. A idade média de sua ocorrência tem se mantido praticamente inalterada ao longo dos anos, ou seja, por volta dos 50 anos de idade3. Considerando a expectativa de vida para as mulheres em grande parte do mundo, é natural concluir que as mulheres passam cerca de um terço de suas vidas em um estado de carência hormonal.

Durante o climatério as mulheres passam por mudanças físicas, hormonais e psicossociais simultâneas. Fisicamente, existe uma tendência ao declínio no estado de saúde em decorrência do aparecimento das doenças crônicas associadas ao envelhecimento3. As mudanças hormonais no climatério estão relacionadas ao declínio da função folicular ovariana com flutuações hormonais e consequente instabilidade vasomotora. Como consequência dessas mudanças ocorrem sintomas como ondas de calor, ressecamento da mucosa vaginal e distúrbios do sono4. Sob o aspecto psicossocial, o climatério corresponde a uma série de mudanças na vida da mulher5. Acrescenta-se a esse conjunto de alterações o fato de que nesse período a composição familiar poder sofrer mudanças devido a morte ou divórcio, filhos podem deixar ou retornar ao lar, os pais tornaremse mais dependentes, agravando ainda mais o contexto das alterações orgânicas.

Avaliar a saúde da mulher climatérica e conhecer como ela própria percebe suas condições de saúde são medidas fundamentais para adoção de estratégias preventivas e de promoção de saúde, evitando morbidades e permitindo uma melhor qualidade nessa fase da vida das mulheres. Embora existam vários estudos acerca das condições clínicas associadas ao climatério, poucas pesquisas se dedicam à avaliação da autopercepção de saúde das mulheres durante esse período6.

A autopercepção de saúde é um indicador utilizado de forma crescente em estudos epidemiológicos tendo em vista sua validade e confiabilidade, associando-se fortemente com o estado real ou objetivo de saúde das pessoas, incorporando seus aspectos físicos, cognitivos e emocionais7,8. É uma variável simples de ser obtida e fornece informações importantes acerca da população estudada por ser influenciada não apenas pela presença de doenças, mas também pelo bem-estar, nível de satisfação com a vida, capacidade funcional e qualidade de vida das pessoas9-13.

Estudos demonstram que a percepção de saúde feita pelo próprio indivíduo é um forte preditor de morbidade e mortalidade, mesmo se outros fatores como variáveis físicas, psicossociais e sociodemográficas forem controlados6,14. Alguns autores têm mostrado também que a autopercepção de saúde é uma medida de saúde que se associa com a utilização de serviços de saúde9. Por essas razões a autopercepção de saúde é considerada um indicador útil e uma ferramenta prática em inquéritos de saúde populacionais.

O presente estudo tem como objetivo investigar a prevalência e os fatores associados à autopercepção negativa de saúde das mulheres climatéricas cadastradas na Estratégia Saúde da Família (ESF) de um município norte mineiro.

Métodos

Foi realizado um estudo transversal, cuja população alvo foi composta pelas mulheres com idade entre 40 e 65 anos cadastradas nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) da Estratégia Saúde da Família (ESF) na zona urbana de um grande centro do norte de Minas Gerais. A região representa uma área de transição entre o Sudeste, mais desenvolvido, e o Nordeste, menos desenvolvido, e caracteriza-se por seus contrastes socioeconômicos, sendo considerada uma área emblemática dos desafios do País.

A amostragem realizada foi do tipo probabilístico. As participantes foram selecionadas mediante sorteio, seguindo um plano amostral em dois estágios. Inicialmente, foram selecionados os conglomerados, representados pelas UBS, por amostragem aleatória simples. Das 73 unidades da ESF do município, 20 foram sorteadas para participar da amostra. Num segundo estágio, foram selecionadas as participantes do estudo de forma aleatória simples, com estratificação de acordo com o período do climatério. Foram consideradas na pré-menopausa as mulheres com idade entre 40 e 45 anos, na perimenopausa aquelas que tinham entre 46 e 51 anos e, na pósmenopausa, as que tinham entre 52 e 65 anos de idade15. Na determinação do cálculo amostral, tomou-se como parâmetro o número de mulheres cadastradas nas equipes de saúde da ESF e uma frequência esperada de 50% do evento (autopercepção negativa de saúde), considerando a inexistência de dados prévios sobre o indicador e o fato dessa prevalência gerar o maior número amostral. O erro amostral admitido foi de 5% e o nível de confiança de 95%. O valor final foi multiplicado por um fator de correção para efeito do desenho (deff) igual a 2, obtendo-se, assim, um número mínimo de 760 mulheres a serem avaliadas.

Após o treinamento dos entrevistadores e antes do período da coleta de dados, conduziu-se um estudo piloto em uma unidade da ESF, com mulheres pertencentes ao grupo etário estudado e que não fizeram parte da amostra final. O estudo piloto permitiu que fossem testados na prática o questionário e o desempenho dos entrevistadores. Após essa fase, a pesquisa de campo foi iniciada. Ajustes no instrumento de coleta de dados não foram necessários.

Para coleta dos dados foi utilizado um questionário com questões obtidas de outros instrumentos validados16-18 referentes a aspectos sociodemográficos, comportamentais e relacionados ao estado de saúde. A variável dependente foi representada pela autopercepção de saúde e foi obtida por meio da pergunta: Em comparação com pessoas da sua idade, como você considera o seu estado de saúde?. As quatro categorias de resposta foram dicotomizadas em positiva (para as opções “muito bom” e “bom”) e negativa (para as opções “regular” e “ruim”).

As variáveis independentes foram subdividas em sociodemográficas, comportamentais e relacionadas ao estado de saúde. As variáveis sociodemográficas pesquisadas foram idade, cor da pele, escolaridade, estado civil e trabalho formal. As comportamentais foram representadas pela prática de atividade física, tabagismo atual e abuso do álcool. A atividade física foi verificada pelo Questionário Internacional de Atividade Física - IPAQ, versão curta16. Foram consideradas ativas aquelas mulheres que cumpriram as recomendações de atividade vigorosa: ≥ 3 dias na semana e ≥ 20 minutos por sessão; ou atividade moderada ou caminhada: ≥ 5 dias na semana e ≥ 30 minutos por sessão; ou qualquer atividade somada: ≥ 5 dias na semana e ≥ 150 minutos na semana. As sedentárias foram aquelas que não realizaram nenhuma atividade física por pelo menos 10 minutos contínuos durante a semana. As mulheres consideradas irregularmente ativas foram aquelas que realizaram atividade física, porém insuficientemente para serem classificadas como ativas, pois não cumpriram as recomendações quanto à frequência ou duração. O abuso de álcool, foi considerado o consumo de 4 ou mais doses de bebida alcoólica (sendo 1 dose igual a 1 lata de cerveja, 1 taça de vinho ou 1 dose de destilados como cachaça ou uísque) em uma única ocasião, nos últimos 30 dias17. Em relação ao estado de saúde, foram avaliados o uso atual de algum medicamento, a presença de morbidades autorrelatadas (hipertensão arterial, doenças do coração, colesterol elevado, diabetes, problema de coluna, depressão), menstruação nos últimos 12 meses, sintomas climatéricos de acordo com o índice de Kupperman18 e o cálculo do índice de massa corporal (IMC) utilizando-se as medidas antropométricas de massa corporal (kg) e a estatura (m) das mulheres avaliadas (para mensuração, utilizaram-se balanças da marca Filizola com precisão de 100g e estadiômetro acoplado).

Para análise dos dados, utilizou-se o programa estatístico SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), versão 21. Inicialmente, foi realizada uma análise descritiva exploratória dos dados, com distribuição de frequências das variáveis do estudo. Em seguida foram realizadas análises bivariadas, buscando-se associações entre as variáveis independentes e a autopercepção negativa da saúde, com uso do teste qui-quadrado, sendo selecionadas para a análise multivariada, as variáveis associadas até o nível de 20% (p ≤ 0,20).

Na fase analítica ajustada, foi utilizada a regressão de Poisson, com variância robusta, baseada em um modelo hierárquico em que o bloco das variáveis sociodemográficas foi considerado o determinante distal (primeiro nível). As variáveis relacionadas aos hábitos de vida compuseram o bloco seguinte (segundo nível) e as variáveis relacionadas ao estado de saúde como morbidades autorreferidas, uso de medicamentos, sintomas climatéricos e IMC compuseram o terceiro e último nível, mais proximal à variável dependente. Foram obtidas as razões de prevalências (RP) e seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC 95%), sendo adotado para o modelo final o nível de significância de 5% (p < 0,05). Todos os cálculos durante as análises foram realizados considerando a ponderação amostral (complex sample analysis).

Os participantes do estudo concordaram em participar da presente pesquisa de forma voluntária e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, contendo o objetivo do estudo, procedimento de avaliação e caráter de voluntariedade da participação. O projeto do estudo foi previamente avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa das Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros.

Resultados

Foram entrevistadas 761 mulheres com idade entre 40 e 65 anos, sendo que dessas, 43,9% compreendiam o grupo etário correspondente à pósmenopausa (52 a 65 anos) e 56,1% os grupos pré e perimenopausa (40 a 51 anos). Mais da metade das mulheres referiu a cor da pele como parda (65,6%), era casada (64,4%) e tinha até 8 anos de estudo (67,2%). Em relação aos hábitos de vida, maioria delas não fumava (89,4%) e era irregularmente ativa (56,8%). A Tabela 1 apresenta uma descrição detalhada em relação ao perfil sociodemográfico e comportamental da amostra.

Tabela 1 Características sociodemográficas e comportamentais de mulheres climatéricas, 2014. 

Variáveis (n) % %*
Idade
40 a 45 anos (pré-menopausa) 224 28,4 29,4
46 a 51 anos (perimenopausa) 203 27,3 26,7
52 a 65 anos (pós-menopausa) 334 44,3 43,9
Cor da pele
Branca 129 18,0 17,0
Parda 499 64,8 65,6
Preta 90 12,0 11,8
Outras 43 5,2 5,6
Estado Civil
Solteira 71 9,3 9,3
Casada 490 65,3 64,4
Separada/Divorciada 123 15,4 16,2
Viúva 77 10,0 10,1
Escolaridade
Até 4 anos de estudo 308 39,6 40,5
5 a 8 anos de estudo 203 26,8 26,7
Mais de 8 anos de estudo 250 33,6 32,8
Trabalho formal
Não 446 59,0 58,6
Sim 315 41,0 41,4
Tabagismo atual
Sim 81 10,0 10,6
Não 680 90,0 89,4
Abuso do álcool
Sim 56 7,4 7,8
Não 705 92,6 92,2
Atividade física
Sedentárias 231 30,7 30,3
Irregularmente ativas 432 56,1 56,8
Ativas/muito ativas 98 13,1 12,9

(*)Prevalências ajustadas, segundo a ponderação amostral.

As características do estado de saúde estão descritas na Tabela 2. Observa-se que 58,4% das mulheres avaliadas relataram autopercepção de saúde muito boa ou boa e 41,6% relataram autopercepção regular ou ruim. Mais da metade delas usava algum tipo de medicamento (63,8%) e apresentava excesso de peso (74,2%). Entre os principais problemas de saúde referidos destacaram-se os problemas de coluna (53,2%), a hipertensão arterial (47,9%) e o colesterol elevado (41,0%).

Tabela 2 Características do estado de saúde e autopercepção de saúde de mulheres climatéricas, 2014. 

Variáveis (n) % %*
Menstruou nos últimos 12 meses
Não 406 53,4 53,4
Sim 355 46,6 46,6
Uso atual de algum medicamento
Sim 486 63,5 63,8
Não 275 36,5 36,2
Morbidades autorreferidas **
Pressão alta 365 48,1
47,9
Colesterol alto 312 40,7 41,0
Problema de coração 100 13,9 13,2
Diabetes 117 15,0 15,4
Problema de coluna 405 52,0 53,2
Depressão 174 22,9 22,8
IMC
Adequado 198 26,1 26,0
Sobrepeso 289 38,4 38,0
Obesidade 274 35,5 36,0
Sintomas climatéricos
Presentes 292 39,0 38,4
Ausentes 469 61,0 61,6
Autopercepção de saúde
Muito bom 110 14,1 14,4
Bom 335 43,2 44,0
Regular 241 32,7 31,7
Ruim 75 10,0 9,9

(*)Prevalências ajustadas, segundo a ponderação amostral.

(**)A somatória é maior que 100% pois algumas mulheres relataram mais de uma morbidade.

As Tabelas 3 e 4 apresentam os resultados das análises bivariadas entre autopercepção de saúde e as variáveis independentes. Após análise múltipla, permaneceram no modelo hierarquizado as variáveis idade, escolaridade, situação conjugal, a falta de trabalho formal, o tabagismo atual, o sedentarismo, o uso de medicamentos e o autorrelato de pressão alta, colesterol alto, problema de coração, diabetes, problema de coluna, depressão, sobrepeso/obesidade, segundo o IMC, além da presença de sintomas climatéricos (Tabela 5).

Tabela 3 Associaçao entre características sociodemográficas e comportamentais e autopercepçao de saúde em mulheres climatéricas, 2014 (análise bivariada). 

Variáveis Autopercepção de saúde
Negativa Positiva p-valor RP (IC 95%)*
(n) % (n) %
Idade <0,001
52 a 65 anos 166 49,2 171 50,8 1,37(1,33-1,41)
40 a 51 anos 151 35,7 273 64,3 1,00
Escolaridade <0,001
Até 8 anos 244 48,3 261 51,7 1,73(1,67-180)
9 ou mais anos 71 27,8 185 72,2 1,00
Cor da pele 0,070
Não Branca 261 41,8 363 58,2 1,03(0,99-1,07)
Branca 55 40,4 82 59,6 1,00
Estado Civil 0,010
Com companheiro 210 42,2 287 57,8 1,04(1,01-1,07)
Sem companheiro 107 40,6 157 59,4 1,00
Trabalho formal <0,001
Não 208 46,3 241 53,7 1,32(1,28-1,36)
Sim 109 35,0 203 65,0 1,00
Tabagismo atual <0,001
Sim 42 55,9 34 44,1 1,40(1,34-1,45)
Não 273 39,9 412 60,1 1,00
Abuso do álcool 0,210
Sim 24 42,9 32 57,1 1,03(0,98-1,09)
Não 342 48,5 363 51,5 1,00
Atividade física <0,001
Sedentárias 115 49,3 119 50,7 1,28(1,25-1,32)
Ativas 202 38,3 325 61,7 1,00

(*)RP: Razão de Prevalência; IC95%: Intervalo de Confiança de 95%.

Tabela 4 Associação entre características do estado de saúde e autopercepção de saúde em mulheres climatéricas, 2014 (análise bivariada). 

Variáveis Autopercepção de saúde
Negativa Positiva p-valor RP (IC 95%)*
(n) % (n) %
Menstruou nos últimos 12m < 0,001
Não 193 47,6 213 52,4 1,36(1,32-1,41)
Sim 124 34,8 231 65,2 1,00
Uso de algum medicamento < 0,001
Sim 238 49,2 245 50,8 1,73(1,67-1,80)
Não 79 28,3 199 71,7 1,00
Pressão alta < 0,001
Sim 199 54,5 167 45,5 1,83(1,77-1,88)
Não 117 29,7 278 70,3 1,00
Colesterol alto < 0,001
Sim 167 54,0 143 46,0 1,64(1,59-1,68)
Não 148 32,9 303 67,1 1,00
Problema de coração < 0,001
Sim 68 64,6 38 35,4 1,69(1,64-1,74)
Não 250 38,1 405 61,9 1,00
Diabetes < 0,001
Sim 72 63,0 42 37,0 1,67(1,62-1,72)
Não 244 37,7 403 62,3 1,00
Problema de coluna < 0,001
Sim 214 54,0 182 46,0 1,96(1,90-2,03)
Não 100 27,5 265 72,5 1,00
Depressão < 0,001
Sim 100 57,4 74 42,6 1,55(1,51-1,60)
Não 217 36,9 370 63,1 1,00
IMC < 0,001
Sobrepeso/obesidade 253 45,0 309 55,0 1,41(1,35-1,46)
Adequado 63 31,9 136 68,1 1,00
Sintomas climatéricos < 0,001
Presentes 177 59,5 120 40,5 1,95(1,89-2,00)
Ausentes 142 30,5 322 69,5 1,00

(*)RP: Razão de Prevalência; IC95%: Intervalo de Confiança de 95%.

Tabela 5 Associação entre características sociodemográficas, comportamentais e relacionadas à saúde e autopercepção negativa de saúde de mulheres climatéricas, 2014 (análise múltipla). 

Variáveis p-valor RP* IC 95%**
Compontente Distal
Idade > 52 anos < 0,001 1,43 1,36-1,52
Escolaridade < 8 anos de estudo < 0,001 2,14 2,02-2,27
Com companheiro < 0,001 1,15 1,09-1,22
Sem trabalho formal < 0,001 1,25 1,19-1,33
Componente Intermediário
Tabagismo atual < 0,001 1,77 1,64-1,93
Sedentárias < 0,001 1,36 1,29-1,44
Componente Proximal
Uso de medicamentos atual 0,008 1,11 1,03-1,20
Pressão alta < 0,001 1,55 1,44-1,66
Colesterol alto < 0,001 1,39 1,31-1,48
Problema de coração < 0,001 1,83 1,68-1,99
Diabetes < 0,001 1,68 1,55-1,83
Problema de coluna < 0,001 2,38 2,24-2,52
Depressão < 0,001 1,40 1,30-1,50
Sobrepeso/obesidade < 0,001 1,41 1,31-1,51
Sintomas climatéricos < 0,001 2,41 2,28-2,56

(*)RP: Razão de Prevalência.

(**)IC95%: Intervalo de Cofiança de 95%.

Discussão

O presente estudo revelou uma elevada prevalência de autopercepção negativa da saúde (saúde regular ou ruim) entre as mulheres climatéricas. Estudo populacional que avaliou a presença de multimorbidades em mulheres brasileiras com a mesma faixa etária também apresentou resultados similares para autoavaliação negativa de saúde19. Embora com diferentes categorias de respostas para autopercepção de saúde, estudo realizado em Florianópolis9 com pessoas idosas de ambos os sexos também mostrou elevada prevalência para autopercepção negativa de saúde. A análise desses resultados aproxima os resultados de autopercepção de saúde de mulheres climatéricas daqueles encontrados com a população idosa.

Com relação à idade, observou-se que entre as mulheres na pós-menopausa (faixa etária acima dos 52 anos de idade) houve um aumento na prevalência de uma pior autopercepção de saúde em relação às mulheres climatéricas mais jovens. Uma piora na percepção do estado de saúde relacionada com o envelhecimento já foi demonstrada em outros estudos, embora a maioria desses tenha sido realizada com a população geral20-23. Sabe-se que, à medida em que se envelhece, há uma diminuição na condição das pessoas em realizar atividades cotidianas que pode ser causada, anteceder, ou ocorrer de forma independente do aparecimento de morbidades e isso causa impacto na percepção de saúde dos indíduos21.

A associação entre a autopercepção de saúde e escolaridade já foi demonstrada em diversos estudos24-27. No presente estudo observou-se que a escolaridade de até oito anos de estudo foi associada à autopercepção negativa de saúde. É possível que a baixa escolaridade comprometa a participação social da mulher em atividades que possam favorecer seu estado de saúde, como acesso à informação, aos cuidados de saúde em geral e às oportunidades sociais ao longo da vida28. Segundo dados do Vigitel, inquérito nacional realizado em todas as capitais brasileiras e no Distrito Federal, houve expressiva redução na frequência de autoavaliação negativa da saúde com aumento da escolaridade29.

Em relação ao arranjo familiar, as mulheres que relataram ter um companheiro avaliaram sua saúde de forma negativa, em relação àquelas sem companheiro. Este estudo apresenta dados semelhantes aos de outro estudo realizado com idosos, em que aqueles que moravam sozinhos avaliaram sua saúde de forma mais positiva em relação aos que moravam acompanhados28. Essa associação pode ser atribuída ao fato de que aquelas pessoas que vivem sozinhas apresentam melhores condições de saúde física, não dependendo de terceiros para o autocuidado.

A percepção negativa do estado de saúde esteve associada também à ausência de um trabalho formal, fato já constatado anteriormente21. Essa associação ainda é ambígua quando se avaliam outros estudos. A partir de dados da Pesquisa Mundial de Saúde conduzida no Brasil, por exemplo, verificou-se que apenas entre os homens o desemprego esteve associado a uma autopercepção negativa da saúde, não sendo observada essa associação com as mulheres naquela ocasião25. A progressiva inserção da mulher no mercado de trabalho e, ao mesmo tempo, algum tipo de sofrimento por não poder trabalhar ou a própria condição de desemprego podem associar-se, hipoteticamente, à autopercepção negativa de saúde.

Com relação aos hábitos de vida, verificou-se no presente estudo que o sedentarismo e o consumo atual de tabaco estiveram associados a uma autoavaliação negativa do estado de saúde. Já foi demonstrado que a prática regular de atividade física promove uma melhoria na qualidade de vida, através da manutenção da independência e autonomia das pessoas e, consequentemente, o bem-estar biopsicossocial9. O tabagismo é um reconhecido fator de risco para várias doenças e já foi também apontado como variável associada à percepção negativa da saúde24.

Os resultados deste estudo indicam que a presença de doenças crônicas entre as mulheres no climatério associa-se de maneira significativa com uma percepção negativa do estado de saúde. A presença de doenças crônicas implica em uma maior probabilidade de se avaliar a saúde de forma negativa19,20,24,26. Essa associação negativa é esperada, sobretudo, entre os idosos, podendo ser resultado de uma percepção de que ter saúde signifique ausência de doenças. Outro fator que também pode explicar a autopercepção negativa de saúde ligada à presença de comorbidades é o fato de que elas podem trazer limitações para atividades cotidianas e também para o autocuidado. Em estudo realizado na cidade de Belo Horizonte, com mulheres climatéricas com 11 ou mais anos de escolaridade, foi evidenciada associação entre autopercepção de saúde péssima/ruim e presença de depressão30. Esse dado pode sinalizar que a percepção do estado de saúde para essa população específica tenha comportamento similar às demais populações em que o indicador já foi estudado.

Além da presença de doenças crônicas, verificou-se neste estudo que o uso de medicamentos também esteve associado a uma pior percepção do estado de saúde. É esperado que o consumo regular de medicamentos implique, de fato, em uma sensação de fragilidade das condições de saúde9,10. O sobrepeso e a obesidade também foram associados a uma pior percepção do estado de saúde, fato já demonstrado em estudo prévio realizado com mulheres brasileiras com mais de 50 anos31. Embora a obesidade esteja reconhecidamente relacionada com a presença de doenças crônicas como as doenças cardiovasculares, a associação entre IMC e autopercepção negativa de saúde persiste mesmo após o ajuste para a presença dessas morbidades.

Associação entre sintomas climatérios e autopercepção negativa da saúde foi verificada neste estudo. Esse achado alerta para a necessidade de maior valorização desses sintomas na abordagem à mulher na faixa etária de 40 a 65 anos. Já foi demonstrado que a maior intensidade de sintomas climatéricos associa-se à autopercepção negativa de saúde, sendo possível que essa associação seja causada pelo efeito negativo que os sintomas trazem ao estado psicológico da mulher32.

O presente estudo apresenta algumas limitações que precisam ser consideradas no processo de interpretação e generalização dos resultados. A população estudada compreendeu apenas mulheres cadastradas nas equipes do sistema público de saúde, da ESF. Esse público é, em sua maioria, de classe socioeconômica mais baixa e, portanto, os resultados não podem ser extrapolados para a população geral. O delineamento transversal não permite que se façam inferências de causa-efeito em relação à autopercepção negativa de saúde e as variáveis estudadas. Outra possível limitação é que o uso de variáveis autorreferidas pode implicar em informações incorretas, embora treinamento da equipe de campo e realização de estudo piloto tenham sido realizados para minimizar possíveis erros no momento da coleta.

Por outro lado, destaca-se a relevância do presente estudo cujos resultados apresentados representam informações importantes sobre a saúde de uma parcela quase sempre negligenciada da população brasileira, as mulheres climatéricas. A análise de uma amostra representativa das mulheres climatéricas de um grande centro possibilitou a identificação de fatores associados à autopercepção negativa de saúde. Os resultados apresentados contribuem para que outras pesquisas envolvendo aspectos de promoção e autopercepção de saúde sejam desenvolvidas, com objetivo de melhorar a qualidade de vida das mulheres, em especial ao atingir a fase do climatério.

REFERÊNCIAS

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