versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.25 no.3 Rio de Janeiro mar. 2020 Epub 06-Mar-2020
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020253.15462018
The objective of this article is to examine factors associated with preventive health services search among Brazilian adults. Sample included adults participants from the National Health Survey (2013), that had reported any health service search in prior 15 days, categorized into “treatment/diagnosis” or “preventive” service. Exploratory variables included sex, age, race, marital status, education, household situation, private health plan enrolment and time of FHS enrolment. Associations were verified by prevalence ratios (PR), estimated using robust Poisson regression, considering complexity of sampling parameters. Final sample included 32,377 individuals, 12,94% have searched “preventive” services. Preventive search was more often among women and less often among the older adults, those not living with partner, with less education. Having private health plan was associated with less preventive services search. FHS enrolment were not associated with preventive search. By conclusion, although some efforts and the importance of preventive actions, most of individuals search for treatment services.
Key words Primary preventive healthcare; Health services; Family health strategy; Prepaid health plans; Epidemiological surveys
O conceito de uso dos serviços de saúde está relacionado a um ponto central do funcionamento do mesmo, compreendendo o contato direto - consultas diretas com profissionais de saúde ou hospitalização - e indireto - realização de exames complementares preventivos e diagnósticos1. Segundo o Modelo Comportamental de Andersen2, em sua última versão, o uso dos serviços é dinâmico e influenciado por fatores predisponentes (sociodemográficos, sociais e crenças em saúde); fatores capacitantes (individuais/familiares e a disponibilidade do serviço para uso); necessidades em saúde, sob a ótica do profissional e do próprio usuário; e o sistema de saúde, englobando as políticas de saúde, recursos financeiros e aspectos organizacionais2,3.
No Brasil, a comparação de dois inquéritos nacionais, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD, 2008) e a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS, 2013), mostra a manutenção do percentual (14-15%) de busca pelos serviços de uma forma geral nas duas últimas semanas, mas uma redução da taxa de internação hospitalar nos últimos 12 meses. Além disso, observou-se aumento de 2% na cobertura por planos privados de saúde, ao passo que a cobertura pela Estratégia de Saúde da Família (ESF) aumentou de 56,1% para 60,9% em todo território nacional4. Análise de dados da PNAD 2008 observou que indivíduos cadastrados na ESF apresentaram maior probabilidade de terem recebido visita do médico ou dentista nos últimos 12 meses, maior vínculo com os profissionais, maior acesso aos medicamentos necessários e maior satisfação com os serviços de saúde, quando comparados a quem possuía plano privado de saúde e a quem não era cadastrado5.
Segundo Starfield6, a Atenção Primária à Saúde (APS) deve oferecer à população ações de promoção de saúde, prevenção de agravos, tratamento, diagnóstico e reabilitação, em constante equilíbrio com as necessidades em saúde das populações. Nesse sentido, um dos grandes desafios da ESF, como eixo estruturante da APS, é organizar, dentro de sua agenda, as ações de promoção/prevenção, além das atividades relacionadas ao cuidado clínico, tratamento ou diagnóstico7. Portanto, a ESF representa no Brasil o modelo de atenção que busca colocar em prática os princípios discutidos na Conferência de Alma Ata (1978), de valorização da promoção de saúde e prevenção de doenças, gerando um grande desafio para os profissionais e usuários, que devem transferir o foco da cura das doenças para o da prevenção8. Os planos privados de saúde também buscam ações preventivas, capazes de reduzir o número de consultas médicas e reduzir os custos com saúde9, sendo que o percentual de brasileiros com cobertura dos mesmos aumenta em função da idade, e este grupo tem maiores chances de apresentar comportamento considerados saudáveis capazes de prevenir doenças crônicas8.
Na população brasileira, em pesquisa com dados recordatórios do ano anterior ao momento da coleta, a cada 100 indivíduos, independente da idade e se o serviço utilizado era público ou privado, 71 realizaram consulta médica, 37 realizaram consulta odontológica e 10 foram hospitalizados10. Pesquisas realizadas no México, país também em desenvolvimento, como o Brasil, evidenciam que a busca pelos serviços de saúde ainda é predominantemente curativa11, apesar de ações de prevenção serem comprovadamente eficazes no combate aos fatores de risco para doenças crônicas12,13, reduzindo os custos com internações e consultas especializadas, especialmente quando conduzidas pela ESF9.
Medina et al.14 consideram que ainda são escassos os estudos que tem como desfecho o papel da prevenção e da promoção de saúde dentro do contexto dos serviços de saúde, bem como sobre o papel da APS e da ESF em tais atividades. Diante da importância da participação das atividades de prevenção nos serviços de saúde, especialmente no cenário de predomínio de doenças crônicas, a investigação de fatores associados a essa busca, pode contribuir para o planejamento de ações que visem ampliar o acesso e uso desses serviços. Assim, o objetivo do presente estudo foi analisar a associação entre a busca por serviços preventivos de saúde nas duas últimas semanas e fatores sociodemográficos, posse por plano privado de saúde e cadastro do domicílio na ESF, entre a população adulta participante da PNS (2013). Adicionalmente, avaliou-se se a idade influenciava a possível associação entre o tipo de serviço procurado e a posse de planos de saúde e cadastro na ESF.
A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS, 2013) é um estudo domiciliar, de abrangência nacional, com objetivo de produzir dados sobre estilo de vida, situação de saúde e atenção à saúde da população brasileira. O plano amostral foi definido por conglomerados em três estágios, sendo as unidades primárias de seleção constituídas pelos setores ou conjunto de setores censitários, selecionados por amostragem aleatória simples; os domicílios, também selecionados pelos mesmos critérios utilizados na primeira etapa, constituíram as unidades do segundo estágio; e os moradores adultos, selecionados aleatoriamente com equiprobabilidade entre todos os elegíveis maiores de 18 anos, fizeram parte do terceiro estágio15. No presente estudo foram incluídos apenas os moradores adultos (18 anos ou mais) que responderam afirmativamente à pergunta “Nas duas últimas semanas, procurou algum lugar, serviço ou profissional de saúde para atendimento relacionado à própria saúde?”.
A variável desfecho do estudo foi definida como o tipo de serviço de saúde procurado (“prevenção” x “tratamento/diagnóstico”), a partir da pergunta “Qual foi o motivo principal pelo qual procurou atendimento relacionado à saúde nas duas últimas semanas?”. Foram consideradas “prevenção” ações de “pré-natal”, “puericultura”, “vacinação” e “outro atendimento preventivo”. Foram consideradas “tratamento/diagnóstico” as ações “acidente/lesão”, “doença”, “problema odontológico”, “reabilitação/terapia”, “continuação de tratamento”, “parto”, “exame complementar diagnóstico”, “solicitação de atestado”. Aqueles que responderam a opção “outros” foram excluídos da amostra final, pois esta opção não permite definir o uso relatado como preventivo ou curativo/diagnóstico.
As variáveis explicativas incluíram características sociodemográficas, cobertura por plano privado de saúde e ESF. As características sociodemográficas incluíram sexo (“Feminino” ou “Masculino”), idade em anos contínua e dividida por tercis para análise da prevalência, escolaridade (“Até ensino fundamental incompleto”; “Ensino Fundamental Completo até Ensino Médio Incompleto”; “Ensino Médio Completo ou mais”), estado conjugal (“Vive com companheiro” ou “Não vive com companheiro”), cor de pele (“Branca” ou “Não-Branca”) e situação censitária do município (“Urbano” ou “Rural”). Foi ainda considerada a posse de plano privado de saúde (“Tem plano de saúde” ou “Não tem plano de saúde”) e o cadastro do domicílio na ESF (“não cadastrado”; “cadastrado até 1 ano”; “cadastrado há mais de 1 ano”).
A descrição das características da amostra foi realizada para todas as variáveis explicativas, considerando a população total e os estratos do desfecho (“prevenção” ou “tratamento/diagnóstico”). A comparação entre esses grupos, sem ajuste, foi realizada pelo teste do Qui-Quadrado, com correção de Rao-Scott, e Teste t para amostras independentes para a variável idade. Adicionalmente, foram calculadas as prevalências e respectivos intervalos de confiança (95%) para uso de serviços preventivos, segundo as categorias de todas as variáveis explicativas consideradas nesse estudo.
As análises bruta e ajustada da associação entre a busca por serviços preventivos e as variáveis explicativas foram baseadas em Razões de Prevalência (RP), estimadas por meio do modelo de regressão de Poisson com variância robusta. Foram testadas interação entre a variável idade e as variáveis posse de planos de saúde e cadastro na ESF. Foi ainda feita análise de sensibilidade com a exclusão dos indivíduos que relataram a opção de uso de serviço “Exames Complementares Diagnósticos” da amostra, considerando que esse grupo poderia ser alocado nas categorias de prevenção ou tratamento, visando avaliar o impacto dessa categoria nos principais resultados descritos no presente estudo.
Os gráficos das probabilidades preditas de busca por serviço preventivos em função da idade foram construídos a partir de um modelo de Regressão Logística, considerando os ajustes pelas mesmas variáveis incluídas no modelo de Poisson.
As análises foram realizadas através do pacote estatístico Stata versão 14.0 (Stata Corp LLP, College Station, TX), considerando a complexidade da amostra.
A PNS foi aprovada pelo Comitê Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (Conep).
A amostra total da PNS é composta por 205.529 indivíduos em todo território nacional. Destes, 36.036 (17,54%) relataram ter procurado o serviço de saúde nas duas últimas semanas. Foram excluídos 3.659 (10,15%) que responderam “outros” em relação ao motivo principal para a busca do serviço, compondo então a amostra deste estudo um total de 32.376 sujeitos. Dentre estes, 28.187 (87,06% - IC95% 85,78-88,20) relataram motivo da busca pelo serviço classificado como “tratamento/diagnóstico” e 4.189 (12,94% - IC95% 11,7-14,2) como “prevenção”.
A Tabela 1 apresenta a descrição da amostra juntamente com a análise univariada para comparação entre a distribuição das variáveis explicativas e o tipo de serviço de saúde procurado pelos indivíduos (preventivo ou tratamento/diagnóstico). A amostra é composta em sua maioria por mulheres (64,72%) com idade média de 47,99 (±0,35). Somente em relação a cor da pele, situação censitária do domicílio e cadastro na ESF não houve diferença entre quem procurou serviços preventivos ou tratamento. Para as demais variáveis (sexo, idade, estado civil, escolaridade, posse de plano privado de saúde) houve associação com o serviço procurado (p < 0,05).
Tabela 1 Características da amostra total estudada e segundo tipo de serviço usado. Pesquisa Nacional de Saúde (2013).
Variáveis | Amostra Total | Tipo de serviço | Valor p* | |
---|---|---|---|---|
Tratamento | Prevenção | |||
Sexo (%) | <0,001 | |||
Feminino | 64,72 | 54,70 | 10,02 | |
Masculino | 35,28 | 32,36 | 2,92 | |
Idade em anos, média (desvio padrão) | 47,99 (0,35) | 39,24 (0,15) | 32,65 (0,35) | <0,001 |
Cor da pele (%) | 0,120 | |||
Branca | 51,24 | 44,14 | 7,10 | |
Não branca | 48,73 | 42,92 | 5,83 | |
Estado civil (%) | 0,006 | |||
Vive com companheiro | 63,33 | 54,35 | 8,98 | |
Não vive com companheiro | 36,67 | 32,71 | 3,96 | |
Escolaridade (%) | <0,001 | |||
Até fundamental completo | 49,05 | 39,18 | 4,37 | |
Fundamental completo até médio incompleto | 15,65 | 11,68 | 1,47 | |
Médio completo ou mais | 35,30 | 3,62 | 7,09 | |
Localização do domicílio (%) | ||||
Urbana | 81,04 | 77,64 | 11,58 | 0,835 |
Rural | 18,96 | 9,42 | 1,36 | |
Possui plano privado de saúde (%) | <0,001 | |||
Sim | 36,71 | 30,82 | 5,89 | |
Não | 63,29 | 56,25 | 7,05 | |
Cadastro do domicílio na ESF (%) | 0,502 | |||
Não | 43,81 | 37,89 | 5,92 | |
Sim, até 1 ano | 7,56 | 6,49 | 1,07 | |
Sim, acima de 1 ano | 48,63 | 42,68 | 5,95 |
Tratamento/diagnóstico: acidente/lesão, doença, problema odontológico, reabilitação/terapia, continuação de tratamento, parto, exame complementar diagnóstico e solicitação de atestado. Prevenção: pré-natal, puericultura, vacinação e outro atendimento preventivo. ESF: Estratégia de Saúde da Família.
*Teste do Qui-Quadrado com correção de Rao-Scott ou Teste t de Student.
A Tabela 2 mostra a prevalência de uso de serviços preventivos, com seus respectivos Intervalos de Confiança (IC95%) para cada categoria das variáveis explicativas incluídas no estudo. Para definição destas categorias, a idade foi categorizada em 3 faixas etárias, por tercis.
Tabela 2 Prevalência da busca por serviços preventivos, segundo variáveis exploratórias. Pesquisa Nacional de Saúde (2013).
Variáveis | Prevalência de busca por serviços de prevenção* | Intervalo de confiança (95%) |
---|---|---|
Sexo | ||
Feminino | 15,47 | 13,86-17,24 |
Masculino | 8,28 | 6,77-10,08 |
Faixa etária em anos** | ||
18-38 | 16,81 | 12,03-22,97 |
39-56 | 17,27 | 15,01-19,79 |
57 ou mais | 10,26 | 8,94-11,74 |
Cor da Pele | ||
Branca | 13,86 | 12,04-15,90 |
Não branca | 11,96 | 10,55-13,54 |
Estado civil | ||
Vive com companheiro | 14,18 | 12,63-15,89 |
Não vive com companheiro | 10,78 | 9,14-12,68 |
Escolaridade | ||
Até fundamental completo | 10,04 | 8,42-11,92 |
Fundamental completo/Médio Incompleto | 11,20 | 8,47-14,66 |
Médio completo ou mais | 1,63 | 1,44-1,85 |
Localização do domicílio | ||
Urbano | 12,97 | 11,69-14,37 |
Rural | 12,62 | 9,87-15,99 |
Possui plano privado de saúde | ||
Sim | 16,05 | 13,92-18,43 |
Não | 11,13 | 9,73-12,69 |
Cadastro do domicílio na ESF | ||
Não | 13,51 | 11,79-15,43 |
Sim, até 1 ano | 14,09 | 10,4-18,72 |
Sim, acima de 1 ano | 12,23 | 10,55-14,15 |
ESF: Estratégia de Saúde da Família.
*Prevenção: pré-natal, puericultura, vacinação e outro atendimento preventivo.
**Faixa Etária dividida por Tercil.
A Tabela 3 apresenta o resultado da análise bruta e ajustada para associação entre o tipo de serviço procurado e as variáveis explicativas incluídas na análise. Após ajustamento por todas as variáveis, as mulheres tiveram maior probabilidade de procurar ações preventivas, ao passo que indivíduos mais velhos, que não viviam com companheiro e que não tinham plano de saúde apresentaram menor probabilidade de buscar as mesmas ações. O cadastro na ESF não foi associado a maior ou menor probabilidade de buscar medidas de prevenção em saúde. As interações testadas entre idade e as variáveis posse de plano privado de saúde e cadastro na ESF não foram significativas dentro do modelo de Regressão de Poisson (p > 0,05).
Tabela 3 Associação entre a busca por serviços preventivos de saúde e as variáveis explicativas. Pesquisa Nacional de Saúde (2013).
Variáveis | Razão de Prevalência bruta (Intervalo de confiança - 95%) |
Razão de Prevalência ajustada* (intervalo de confiança - 95%) |
---|---|---|
Sexo | ||
Masculino | 1,00 | 1,00 |
Feminino | 1,86 (1,49-2,34) | 1,87 (1,49-2,34) |
Idade em anos | 0,98 (0,97-0,99) | 0,98 (0,97-0,99) |
Cor da pele | ||
Branca | 1,00 | 1,00 |
Não branca | 0,86 (0,71-1,03) | 0,87 (0,72-1,06) |
Estado civil | ||
Vive com companheiro | 1,00 | 1,00 |
Não vive com companheiro | 0,76 (0,62-0,92) | 0,72 (0,59-0,88) |
Escolaridade | ||
Até fundamental incompleto | 1,00 | 1,00 |
Fundamental Completo a médio incompleto | 1,11 (0,80-1,55) | 0,95 (0,66-1,36) |
Médio completo ou mais | 1,63 (1,31-2,02) | 1,20 (0,92-1,57) |
Localização do município | ||
Urbano | 1,00 | 1,00 |
Rural | 0,97 (0,74-1,26) | 1,13 (0,86-1,50) |
Posse de plano privado de saúde | ||
Sim | 1,00 | 1,00 |
Não | 0,69 (0,56-0,84) | 0,76 (0,62-0,94) |
Cadastro na ESF | ||
Não | 1,00 | 1,00 |
Sim, até de 1 ano | 1,04 (0,75-1,43) | 1,07 (0,77-1,51) |
Sim, acima de 1 ano | 0,90 (0,74-1,10) | 0,96 (0,79-1,17) |
ESF: Estratégia de Saúde da Família.
*Ajustadas pelas variáveis listadas na tabela, estimadas pela Regressão de Poisson com variância robusta.
A análise de sensibilidade, conduzida para avaliar o impacto da exclusão da categoria “Exames Complementares Diagnósticos” nos resultados apresentados na Tabela 3, mostrou que as associações se mantiveram na mesma direção, significância e com magnitudes semelhantes, sendo essa categoria, portanto, mantida no grupo denominado “Tratamento/diagnóstico”.
A Figura 1 apresenta a probabilidade predita do indivíduo buscar o serviço de saúde para prevenção, segundo a posse de plano de saúde e cadastro na ESF. A probabilidade predita de busca por serviços preventivos é maior entre os mais jovens, independente da posse ou não de plano privado de saúde e essa busca também é maior em quem tem plano, o que se mantém em todas as idades. Para o cadastro na ESF, a probabilidade predita de busca por serviços preventivos é a mesma para todas as categorias dessa variável, mantendo a diferença em relação à idade.
O presente estudo mostrou que quase um quinto da população adulta brasileira procurou algum serviço de saúde nas duas semanas anteriores à entrevista, com 12,94% desses buscando por serviços classificados como preventivos. Além disso, os dados ressaltaram que a procura por serviços preventivos foi mais frequente entre as mulheres e menos frequente entre os mais velhos, sem companheiro e sem plano privado de saúde. Adicionalmente, o cadastro do domicílio na ESF não apresentou associação com o tipo de serviço demandado pela população.
A busca por serviços de saúde nas últimas duas semanas foi relatada por 17,54% dos indivíduos, sendo superior às registradas nas Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2003 (14,6%) e 2008 (14,6%)4. Além disso, apenas uma pequena parcela da população (12,94%) que buscou os serviços de saúde nas duas últimas semanas o fez para ações de prevenção. Em 2003, a procura por esse mesmo motivo foi registrada para 31,3% e em 2008 por 24,7% da população adulta brasileira16, indicando possível redução dessa proporção com o passar dos anos. Esta redução está em desacordo com o que é preconizado no Plano de Ação para Prevenção e Controle de Doenças não Transmissíveis (DCNT, 2011-2022) que, entre suas ações e metas, visa ao controle dos fatores de risco e prevenção das DCNT, ressaltando a importância dos cuidados preventivos17. Um estudo realizado com a população mexicana demonstrou que indivíduos submetidos a um programa de prevenção de doenças crônicas alcançou redução de alguns fatores de risco como Índice de Massa Corporal (IMC), circunferência de cintura e quadril, peso e taxas de colesterol e triglicerídeos12, ressaltando a importância desse contato com os serviços e o possível impacto negativo da baixa prevalência de indivíduos que busca os serviços preventivos, como demonstrado na presente análise. Estudo também realizado com dados da PNS 2013 demonstrou que indivíduos que possuíam doenças crônicas realizaram 1,26 mais consultas médicas quando comparados aqueles que não apresentavam essas doenças18. A categoria “consulta médica” foi considerada como “tratamento” neste estudo, o que mostra que mesmo com a tentativa de incentivo à prevenção, a maioria dos indivíduos ainda buscam o serviço para tratamento, considerando que na PNS 2013, 45,1% dos indivíduos possuem diagnóstico de pelo menos uma DCNT19.
As mulheres apresentaram maior probabilidade de buscarem serviços ligados à prevenção, em comparação à população masculina. Este resultado já foi observado na PNAD de 1998, quando um percentual maior de mulheres procurou serviços de saúde classificados como preventivos20, o que está de acordo com o fato das mulheres terem a tendência a se preocupar mais com a saúde que os homens. Como o objetivo central do presente estudo não era a verificação da diferença dos gêneros em relação a busca por prevenção ou tratamento, o “pré-natal” foi inserido como ação preventiva, o que também contribuiu para maior probabilidade da busca por serviços preventivos entre o sexo feminino. Ainda assim, esses resultados reforçam a necessidade de estratégias que visem aumentar o acesso aos serviços de saúde para a população masculina, sobretudo os preventivos, como já estabelecido nas políticas nacionais21.
O percentual de indivíduos que buscaram serviços preventivos foi menor entre os mais velhos. Este resultado pode ser considerado negativo em relação a diversos aspectos da saúde do idoso, uma vez que idosos que apresentam perfis de uso de serviços de saúde predominantemente preventivos apresentam melhor qualidade de vida, especialmente entre aqueles com condições crônicas11. De forma contrária, idosos com limitação em atividades de vida diária utilizam o serviço de saúde de forma predominantemente curativa, mesmo em Unidades Básicas de Saúde22. Este estudo não analisou questões funcionais referentes aos idosos da amostra, mas a redução da busca por ações preventivas em faixas etárias mais elevadas pode ser devido a maior limitação funcional quando comparado a indivíduos mais jovens, e então maior procura por consultas médicas, continuidade de tratamentos longos e reabilitação.
No presente estudo, indivíduos que não viviam com o companheiro apresentaram menor proporção de busca por serviços preventivos na última semana. Viver com o companheiro é um item relacionado ao capital social do indivíduo, o que pode falar a favor de maior suporte para busca por serviços preventivos. No estudo de Fang et al.23, apresentar capital social positivo foi associado a melhor adesão à atividade física e alimentação saudável, consideradas ações preventivas em saúde, o que reforça as evidências relatadas no presente estudo.
Em relação a planos privados de saúde, na amostra do presente estudo, 36,71% dos indivíduos possuíam essa cobertura, evidenciando um aumento desse percentual quando comparado aos dados das PNADs de 2003 (24,6%) e 2008 (25,9%)4. A posse por esses planos aumentou a probabilidade de procura por serviços preventivos e essa diferença se manteve ao longo de todas as idades. Sabe-se que uma maior proporção de indivíduos que possuem planos de saúde tende a apresentar alimentação mais saudável, maior proporção de prática de exercício físico durante o tempo livre e realização de mamografia e Papanicolau, demonstrando que essa população apresenta um perfil de maior cuidado com a saúde8, estando coerente com os resultados descritos na presente análise.
A adesão à programas de prevenção de agravos e promoção de saúde levou à redução do número de consultas médicas e internação em 4 anos, gerando menores custos para o prestador de serviços9. O presente estudo não avaliou os custos em saúde, mas seus resultados são semelhantes em relação a maior adesão de quem tem plano de saúde às ações preventivas, falando a favor do possível impacto positivo nos custos da atenção à saúde com o aumento da busca por serviços de prevenção e promoção da saúde.
O estudo de Macinko e Lima-Costa5 discorre sobre um perfil de uso dos serviços por indivíduos com baixa escolaridade e que não possuem planos de saúde de menor busca por serviços preventivos, uma vez que os com menor escolaridade tem menor renda e consequentemente, menor chance de possuir plano privado de saúde5. Entre a escolaridade e a posse de planos de saúde, no presente estudo, provavelmente os planos de saúde tem maior influência no tipo de serviço buscado, pois sua associação com o desfecho é mantida na análise ajustada, o que não acontece com a escolaridade. Ao mesmo tempo, este mesmo grupo é aquele que mais usa os serviços da ESF, e deveria ter mais acesso a ações de prevenção e promoção de saúde, o que não é corroborado pelos resultados do presente estudo.
O cadastro na Estratégia de Saúde da Família (ESF) há mais de um ano foi observado em 48,63% dos domicílios da amostra, além de ter sido observado que 7,56% estavam cadastrados há menos de um ano. Quando comparado a PNAD de 2008, onde foi registrado 50,9% de cobertura, independente do tempo, observa-se aumento em todo território nacional, especialmente entre a população com menor nível de escolaridade18. Considerando ser uma estratégia fundamental como garantia de saúde integral, baseada na equidade, coordenação do cuidado e longitudinalidade6, esta ampliação da cobertura é relevante, embora ainda esteja inferior a de outros países em desenvolvimento. A Costa Rica, por exemplo, apresenta 88% de cobertura do programa EBAIS (Equipos Básicos de Atención Integral en Salud), semelhante à ESF brasileira24, e Cuba, cujo sistema de saúde é inteiramente coberto por recursos públicos, consegue cobrir 100% da população25. O “National Health Service” (NHS) da Inglaterra, maior sistema em redes inteiramente financiado pelo governo federal, apresenta cobertura de 100% da população, sendo mais utilizada nas zonas menos urbanizadas, com menor nível de desenvolvimento e entre a população acima de 60 anos26.
No presente estudo, ter o domicílio cadastrado na ESF não foi associado ao tipo de serviço de saúde procurado, independente das demais variáveis consideradas. Um grande desafio para as ESF é a conciliação dos serviços de prevenção e promoção de saúde, preconizados por portarias e projetos das Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde, uma vez que a maioria das equipes ainda atua com características essencialmente assistenciais27. Uma pesquisa com dados do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) evidencia que, em todo o Brasil, as ações de prevenção realizadas na APS são incipientes e inferiores ao esperado das equipes, especialmente aquelas direcionadas aos idosos14. Essas informações corroboram os achados do presente estudo, quando a busca por ações preventivas não foi associada ao cadastramento nas ESF. No Brasil, ainda falta à APS incorporar práticas preventivas na rotina dos serviços, como em outros países que contam com reformas ligadas ao fortalecimento deste nível de atenção, como observado na Espanha28.
Cabe ressaltar que atividades como “vacinação” e “pré-natal”, classificadas como preventivas no presente estudo, estão presentes em todas as áreas cobertas pela ESF, independente do tempo de cobertura. No entanto, ainda assim, a inclusão dessa informação não foi suficiente para aumentar a proporção de busca por serviços preventivos nas áreas cobertas. O Programa Nacional de Imunização coloca a vacinação como ação prioritária para a APS e a maioria das Unidades Básicas de Saúde tem salas de vacina funcionando e consideradas boas ou ótimas, embora existam barreiras relacionadas ao horário de funcionamento e à divulgação da importância da vacinação, em todas as faixas etárias29. Em relação ao pré-natal, as consultas fazem parte da agenda, especialmente da enfermagem, e é vista pelas gestantes de forma positiva, como momento de acolhimento, retirada de dúvidas, espaço educativo e importante para o estabelecimento de vínculos30. A “puericultura”, atividade também considerada “prevenção” no presente estudo, ao contrário, já não é fortemente consolidada entre as ações da agenda da ESF, sendo os cuidados com o recém-nascido pré-termo não considerado como ação da APS e focado no modelo biomédico, com importantes deficiências no processo31,32. Portanto, estudos que busquem entender os motivos da não associação entre a existência de cobertura pela ESF e a busca por serviços preventivos podem auxiliar no direcionamento de políticas que visem incorporar, efetivamente, essas ações na rotina das atividades desenvolvidas pelas equipes.
A PNS 2013 constitui uma amostra de base populacional, com representatividade nacional, o que confere robustez aos resultados apresentados sobre a relação entre a procura por serviços de saúde de forma preventiva e os fatores associados. São limitações do estudo aquelas inerentes aos inquéritos transversais e também a falta de informações mais detalhadas em relação a opções de busca por serviços de saúde para ações de prevenção, especialmente as específicas para DCNT e estímulo à prática de atividade física. É possível que algumas ações ligadas à prevenção e promoção de saúde sejam realizadas, especialmente pelas equipes da ESF e não tenham sido registradas devido à forma das perguntas do inquérito, o que pode ter diluído as forças das associações descritas nesse estudo.
Entretanto, nossos resultados permitiram retratar os fatores associados à busca por ações preventivas, permitindo uma caracterização da população com maior probabilidade de procura por esse tipo de serviço. Além dos fatores sociodemográficos, chama atenção que ter planos de saúde aumentou as possibilidades de procura por esse tipo de serviço, enquanto o cadastro do domicílio na ESF não se associou a essa procura. Esses resultados podem sugerir a necessidade de maior capacitação e estímulo das equipes da ESF para incorporação de ações de prevenção em suas agendas, incentivando sua prática na população.