versão impressa ISSN 0102-311X
Cad. Saúde Pública vol.30 supl.1 Rio de Janeiro 2014
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00145513
En este artículo se propone el estudio de los factores asociados a la cesárea en adolescentes primíparas en Brasil, utilizando los datos de una encuesta de base hospitalaria, realizada en 2011 y 2012. La información se obtuvo mediante entrevistas con mujeres después del parto, durante la hospitalización. Se estableció un modelo conceptual teórico con tres niveles de jerarquía, donde la variable dependiente fue el tipo de parto: cesárea o vaginal. Los resultados muestran una alta proporción de cesáreas en adolescentes primíparas (40%) y los factores más fuertemente asociados a la cesárea son: la consideraban más segura (OR = 7,0; IC95%: 4,3-11,4); era un parto financiado por el sector privado (OR = 4,3; IC95%: 2,3-9,0); o el hecho de que un mismo profesional de salud prestara atención en el periodo prenatal y parto (OR = 5,7; IC95%: 3,3-9,0), así como la historia clínica de los riesgos y complicaciones (OR = 10,8; IC95%: 8,5-13,7). El embarazo adolescente sigue estando en la agenda de la salud reproductiva, siendo preocupante la proporción de partos operatorios encontrados en este estudio, teniendo en cuenta la exposición temprana a los efectos de la cesárea.
Palabras-clave: Cesárea; Embarazo en Adolescencia; Salud Materno-Infantil; Parto
O excesso de cesarianas realizadas no Brasil tem sido um grande desafio a ser enfrentado pela área de saúde materna e infantil. A proporção de cesariana cresceu de 38% em 2000 para 52% em 2010, constituindo-se num fenômeno que acomete as mulheres de todos os níveis socioeconômicos 1 . Muitas razões têm sido apontadas para esse aumento tão importante, particularmente, as mudanças nas práticas obstétricas 2 .
Outra questão que permanece em pauta no campo da saúde reprodutiva brasileiro é a magnitude da gravidez na adolescência. Em 2010, os partos em menores de 20 anos representaram quase 20% do total no país, sendo mais elevado nas regiões mais carentes, como Norte, 26,3% e Nordeste, 22% (http://www.datasus.gov.br, acessado em 28/Abr/2013).
Diversos autores têm apontado os riscos maternos e infantis de morbimortalidade decorrentes da cesariana quando comparados aos do parto normal 3,4,5,6,7 . Mesmo quando a cesariana é eletiva, esse risco é substancialmente maior do que aqueles ligados ao parto normal 8 . A possibilidade de complicação se intensifica nas gestações subsequentes à cesariana. Entre elas destaca-se a placentação anômala e a morbimortalidade neonatal 9,10 , havendo um padrão dose-resposta dessas complicações na medida em que aumenta o número de cesarianas anteriores 10,11 .
No caso das adolescentes, o primeiro parto por via abdominal pode causar maior prejuízo, haja vista a tendência de se privilegiar a via de parto anterior nos partos subsequentes 12 , além da maior exposição devido ao longo período de vida reprodutiva e maior parturição das mulheres que iniciam a maternidade precocemente 13 .
Considerando o cenário atual e a importância de estudos que utilizam dados de âmbito nacional, o artigo tem por objetivo verificar fatores associados à cesariana entre primíparas adolescentes no Brasil, nos anos de 2011 e 2012.
Nascer no Brasil é um estudo nacional de base hospitalar composto por puérperas e seus recém-nascidos, realizado no período de fevereiro de 2011 a outubro de 2012. A amostra foi selecionada em três estágios. O primeiro, composto por hospitais com 500 ou mais partos/ano estratificado pelas cinco macrorregiões do país, localização (capital ou não capital), e tipo de hospital (privado, público e misto). O segundo foi composto por dias (mínimo de sete dias em cada hospital) e o terceiro composto pelas puérperas. Em cada um dos 266 hospitais amostrados foram entrevistados 90 puérperas, totalizando 23.940 sujeitos. Mais informações sobre o desenho amostral encontram-se detalhadas em Vasconcellos et al. 14 . Na primeira fase do estudo foram realizadas entrevistas face a face com as puérperas durante a internação hospitalar e extraídos dados do prontuário da puérpera e do recém-nato e fotografados os cartões de pré-natal da puérpera. Entrevistas telefônicas foram realizadas antes dos seis meses e aos 12 meses após o parto para a coleta de dados sobre desfechos maternos e neonatais. Informação detalhada sobre a coleta de dados é relatada em do Carmo Leal et al. 15 .
Para alcançar os objetivos do presente estudo foram analisados os dados da entrevista hospitalar e de prontuário das primíparas adolescentes, com feto único, tendo como variável dependente a via de parto (vaginal ou cesariana). Considerou-se como primípara a puérpera que vivenciava pela primeira a experiência de ser mãe. Foram excluídas as mulheres que se declararam amarelas ou indígenas devido à pequena proporção nessa população.
Foi estabelecido um modelo teórico conceitual com três níveis de hierarquia (distal, intermediário e proximal), com base na literatura disponível. Foram incluídas como variáveis no nível distal, os fatores socioeconômicos e demográficos: idade (10-16 anos ou 17-19 anos); raça/cor da pele (branca, preta ou parda); escolaridade (adequada para a idade ou não); classificação econômica: Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa – ABEP 16 (A/B, C ou D/E); trabalho remunerado (sim ou não); e situação conjugal (com ou sem companheiro).
No nível intermediário, as características obstétricas e de pré-natal – preferência inicial pela via de parto (vaginal, cesariana ou sem preferência), gestação anterior (sim ou não), informações do pré-natal sobre segurança no parto (parto normal é mais seguro, cesariana é mais segura, tanto um quanto o outro são seguros ou não ficou esclarecida), presença de acompanhante durante a internação (sim ou não) e adequação da assistência pré-natal (adequado/mais que adequado ou inadequado/parcialmente adequado).
No nível proximal, os fatores relacionados às características obstétricas e ligados à assistência ao parto – antecedentes clínicos de riscos e intercorrências durante a gestação e trabalho de parto (sim ou não), satisfação com a gestação atual (sim ou não), fonte de pagamento privado para o parto (sim ou não), mesmo profissional acompanhou o pré-natal e fez o parto (sim ou não). É necessário destacar que a variável “fonte de pagamento privado para o parto” foi classificada como proximal por refletir o modelo de assistência vigente no país, mesmo refletindo a posição socioeconômica da adolescente. Adolescentes com parto em unidades públicas e adolescents com parto em unidades mistas que não foram pagos por plano de saúde foram classificadas como tendo “fonte de pagamento pública”. Adolescentes com parto pago por plano de saúde, tendo o parto ocorrido em unidades mistas ou privadas, e adolescentes com parto em unidades privadas, independente do parto ter sido pago ou não por plano de saúde, foram classificadas como tendo “fonte de pagamento privada”.
Para o cálculo da variável “adequação da escolaridade para a idade” foi considerado o número de anos de estudo esperado para a idade. O critério de classificação econômica adotado foi o preconizado pela ABEP, que estima o poder de compra das pessoas e famílias urbanas, baseado na posse de bens e no grau de instrução do chefe da família 16 . As classes são divididas em 5 categorias, variando de A (classe mais elevada) a E (classe mais baixa). Em função do pequeno número de mulheres nas classes A e E, as classes econômicas foram agrupadas em 3 categorias (A e B; C; D e E).
Para avaliação da adequação da assistência pré-natal, considerou-se a época de início do pré-natal e número de consultas realizadas, corrigida para a idade gestacional no momento do parto. Utilizou-se, como parâmetro, as recomendações do Programa de Humanização do Pré-Natal e Nascimento (PHPN) do Ministério da Saúde 17 que preconizam início do acompanhamento pré-natal até a 16 a semana gestacional e um mínimo de seis consultas, sendo uma no primeiro trimestre gestacional, duas no segundo e três no terceiro trimestre. Seguindo esses critérios, a assistência pré-natal foi classificada em: Inadequada = início do pré-natal após a 27 a semana ou menos de 50% das consultas previstas para a idade gestacional no momento do parto, independente da idade gestacional no início do pré-natal; Parcialmente adequada = início do pré-natal entre a 16 a e 27 a semana gestacional, com pelo menos 100% das consultas previstas para idade gestacional no momento do parto ou início do pré-natal antes da 16 a semana e 50%-99% das consultas previstas para a idade gestacional no momento do parto; Adequada = início da assistência pré-natal até a 16 a semana gestacional e de 100% a 149% das consultas previstas para a idade gestacional no momento do parto; Mais que adequado = início da assistência pré-natal até a 16 a semana gestacional e número de consultas ≥ 150% do número previsto para idade gestacional no momento do parto.
A variável “antecedentes clínicos de riscos e intercorrências durante a gestação e trabalho de parto” foi construída com base em dados identificados no prontuário da gestante, considerando a presença de alguma das seguintes situações: doenças clínicas pré-existentes, síndromes hipertensivas (hipertensão crônica, pré-eclâmpsia, eclâmpsia, síndrome HELLP), diabetes (gestacional ou não), infecção pelo HIV, apresentação não cefálica do recém-nato, crescimento intrauterino restrito (CIUR), oligodramnia, polidramnia, isoimunização, placenta prévia, descolamento prematuro de placenta (DPP), sofrimento fetal, trabalho de parto prematuro, pós-maturidade, macrossomia, gestação múltipla, malformação congênita grave, iteratividade (duas ou mais cesáreas anteriores), falha de indução do parto e complicações na evolução do trabalho de parto (desproporção cefalopélvica, discinesia, distocia, ruptura uterina, período expulsivo prolongado e atonia uterina).
A relação entre a variável “desfecho” cesariana e os fatores investigados como variáveis independentes, nos três níveis de hierarquia está representada no modelo teórico-conceitual descrito a seguir (Figura 1).
A partir da análise estatística bivariada foram selecionadas as variáveis para o modelo multivariado que apresentaram nível de significância < 0,20, pelo teste de Wald. Em seguida, as variáveis foram organizadas por nível de proximidade com o desfecho, inserindo-se primeiro as variáveis do nível distal. As variáveis significativas (p < 0,05) foram conservadas no modelo e entraram no ajuste do nível intermediário. O mesmo procedimento foi empregado até que as variáveis proximais fossem ajustadas.
Os resultados foram expressos em valores de razão de chances, com seus respectivos intervalos de 95% de confiança (IC95%). Os resultados apresentados são estimativas da população estudada (355.547 partos), baseados na amostra de 3.447 puérperas adolescentes primíparas entrevistadas.
O pacote utilizado foi IBM SPSS versão 19 (IBM Corp., Armonk, Estados Unidos), e por se tratar de uma amostra complexa utilizou-se o módulo complex sample para correção do efeito do desenho.
O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz), parecer n o 92/10 e todas as puérperas assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, conforme diretrizes e normas da Resolução n o 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
Descrever as variáveis selecionadas nos permitiu identificar um padrão de parir entre as puérperas adolescentes no Brasil, segundo o tipo de parto. Das primíparas estudadas, em cerca de 40% a via de parto foi a cirúrgica.
A Tabela 1 apresenta a proporção de adolescentes submetidas à cesariana em sua primeira experiência de parto. Nesse sentido, observa-se maior proporção do parto cirúrgico entre aquelas com o nível de escolaridade adequado para a idade; as de classe econômica mais elevada (A e B), apontando gradiente, reduzindo as cesarianas nas de classe C e, mais ainda nas classes D e E. Foram também mais submetidas à cesariana as adolescentes que não tinham trabalho remunerado; as que se classificaram como brancas e as mais velhas, aqui chamadas de adolescentes tardias (17-19 anos). Ter ou não companheiro não esteve associado ao tipo de parto nesse grupo.
Tabela 1 Características socioeconômicas e demográficas de primíparas adolescentes segundo a via de parto. Brasil, 2011-2012.
... | Via de parto | Valor de p * | |
---|---|---|---|
Vaginal (61,5%) | Cesariana (38,5%) | ||
Escolaridade adequada com a idade | ... | ... | 0,061 |
Sim | 56,3 | 40,7 | |
Não | 63,8 | 36,2 | ... |
Classificação econômica | ... | ... | < 0,001 |
Classe D+E | 68,3 | 31,7 | |
Classe C | 59,3 | 40,7 | |
Classe A+B | 52,0 | 48,0 | ... |
Trabalho remunerado | ... | ... | < 0,001 |
Sim | 50,7 | 49,3 | |
Não | 62,9 | 37,1 | ... |
Cor da pele/Raça | ... | ... | 0,022 |
Branca | 56,6 | 43,4 | |
Preta | 68,4 | 31,6 | ... |
Parda | 62,7 | 37,3 | ... |
Situação conjugal | ... | ... | 0,515 |
Sem companheiro | 61,7 | 38,3 | |
Com companheiro | 61,4 | 38,6 | ... |
Idade da mãe (anos) | ... | ... | 0,011 |
10-16 | 65,0 | 35,0 | |
17-19 | 59,6 | 40,4 | ... |
* Nível de significância do teste de qui-quadrado de Pearson.Nota: via vaginal (n = 218.659); via cesariana (n = 136.887).
Na Tabela 2 pode-se notar que as adolescentes que tinham a cesariana como o tipo de parto preferido desde o início da gestação foram mais submetidas a essa cirurgia (46%), enquanto nas que preferiam o parto normal, a proporção foi de 36%. O fato de ter tido uma gestação anterior, não levada até o fim, não influenciou o tipo de parto atual. Quando foram questionadas em relação ao “ o que entendeu do pré-natal, você diria que para uma gestação sem complicações que tipo de parto é mais seguro ”, quase 80% daquelas que disseram que “ a cesariana era mais segura ” terminaram a gestação com esse ato cirúrgico, enquanto naquelas que responderam que o parto vaginal era mais seguro, esse valor foi de 29,1%. Em relação à adequação do pré-natal identifica-se maior proporção de cesarianas realizadas quando o pré-natal foi classificado como adequado ou mais que adequado.
Tabela 2 Características obstétricas e de pré-natal de primíparas adolescentes segundo via de parto. Brasil, 2011-2012.
... | Via de parto | Valor de p * | |
---|---|---|---|
Vaginal (61,5%) | Cesariana (38,5%) | ||
Preferência inicial pela via de parto | ... | ... | 0,007 |
Vaginal | 63,4 | 36,6 | ... |
Cesariana | 54,0 | 46,0 | |
Sem preferência | 58,8 | 41,2 | |
Gestação anterior | ... | ... | 0,438 |
Sim | 61,7 | 38,3 | ... |
Não | 59,0 | 41,0 | |
Informações anteriores sobre segurança no parto | ... | ... | < 0,001 |
O parto normal é mais seguro para a mãe | 70,9 | 29,1 | ... |
A cesárea é mais segura para a mãe | 23,4 | 76,6 | |
Tanto o parto normal quanto a cesárea são seguros para a mãe | 41,2 | 58,8 | |
Não ficou esclarecida | 55,5 | 44,5 | |
Adequação da assistência pré-natal | ... | ... | 0,012 |
Adequado/Mais que adequado | 58,9 | 41,1 | ... |
Inadequado/Parcialmente adequado | 64,9 | 35,1 |
* Nível de significância do teste de qui-quadrado de Pearson.
O fato de ter ficado satisfeita com a gestação não alterou o tipo de parto realizado nesse grupo etário. Por outro lado, aquelas que tiveram seus partos financiados pelo plano de saúde tiveram mais que o dobro de cesarianas comparadas às do SUS. Do mesmo modo, houve maior percentual de cesariana naquelas que foram assistidas pelo mesmo profissional no pré-natal e no parto (75%). Também foram mais submetidas à cesariana aquelas que referiram antecedentes clínicos de risco e/ou intercorrências na gestação e no trabalho de parto (Tabela 3).
Tabela 3 Características obstétricas de assistência ao parto de primíparas segundo a via de parto. Brasil, 2011-2012.
... | Via de parto | Valor de p * | |
---|---|---|---|
Vaginal (61,5%) | Cesariana (38,5%) | ||
Satisfeita com a gestação no início | ... | ... | 0,292 |
Sim | 60,8 | 39,2 | ... |
Não | 63,0 | 37,0 | ... |
Financiamento privado para o plano | ... | ... | < 0,001 |
Sim | 23,3 | 76,7 | ... |
Não | 63,8 | 36,2 | ... |
Mesmo profissional que fez o parto e acompanhou o pré-natal | ... | ... | < 0,001 |
Sim | 24,5 | 75,5 | ... |
Não | 64,7 | 35,3 | ... |
Presença de acompanhante durante a internação | ... | ... | 0,002 |
Sim | 59,5 | 40,5 | ... |
Não | 68,4 | 31,6 | ... |
Antecedentes clínicos de risco e intercorrências na gestação atual | ... | ... | < 0,001 |
Sim | 18,3 | 81,7 | ... |
Não | 64,9 | 35,1 | ... |
* Nível de significância do teste de qui-quadrado de Pearson.
Para identificar os fatores associados à cesariana foi realizado procedimento de regressão logística multivariada, utilizando um modelo hierarquizado (Tabela 4). No nível distal foram significativas as variáveis de classificação econômica e trabalho remunerado, sendo, portanto, inseridas no nível intermediário. Optou-se por incluir a variável idade materna no nível seguinte devido ao resultado limítrofe (OR = 1,2; IC95%: 1,0-1,4).Nenhuma dessas variáveis perdeu significância com a entrada, no modelo, das variáveis do nível intermediário, ou seja, o efeito das variáveis não modificou a magnitude da classe social, trabalho remunerado e idade materna (resultados não apresentados). Verificou-se, ainda, que ter acompanhante durante a internação e a informação apreendida no pré-natal sobre segurança no parto favorável à cesariana foram relevantes na explicação da realização do procedimento cirúrgico.
Tabela 4 Fatores associados à realização de cesariana em primíparas adolescentes. Brasil, 2011-2012.
Variáveis/Categoria | OR ajustado | IC95% |
---|---|---|
Modelo distal | ... | ... |
Escolaridade adequada para a idade | ... | ... |
Sim | 1,1 | 0,9-1,3 |
Não | 1,0 | - |
Classificação econômica | ... | ... |
Classe A+B | 1,7 | 1,3-2,3 |
Classe C | 1,4 | 1,1-1,7 |
Classe D+E | 1,0 | - |
Trabalho remunerado | ... | ... |
Sim | 1,5 | 1,1-1,9 |
Não | 1,0 | - |
Cor da pele/Raça | ... | ... |
Branca | 1,2 | 0,9-1,5 |
Preta | 0,8 | 0,5-1,2 |
Parda | 1,0 | - |
Idade materna (anos) | ... | ... |
17-19 vs. 10-16 | 1,2 | 1,0-1,4 |
10-16 | 1,0 | - |
Modelo intermediário * | ... | ... |
Preferência inicial pelo tipo de parto | ... | ... |
Cesariana | 1,1 | 0,8-1,4 |
Sem preferência | 1,0 | 0,7-1,4 |
Vaginal | 1,0 | - |
Informações anteriores sobre segurança no parto | ... | ... |
Cesárea mais segura | 7,7 | 4,8-12,3 |
Tanto um quanto o outro seguros | 3,7 | 2,7-5,0 |
Não ficou esclarecida | 2,0 | 1,5-2,7 |
Parto normal mais seguro | 1,0 | - |
Adequação da assistência pré-natal | ... | ... |
Adequado ou mais que adequado | 1,2 | 0,9-1,4 |
Inadequado ou parcialmente adequado | 1,0 | - |
Acompanhante durante a internação | ... | ... |
Sim | 1,4 | 1,1-1,8 |
Não | 1,0 | - |
Modelo proximal ** | ... | ... |
Antecedentes clínicos de risco e intercorrências na gestação atual | ... | ... |
Sim | 10,8 | 8,5-13,7 |
Não | 1,0 | - |
Fonte de pagamento do parto | ... | ... |
Privado | 4,3 | 2,1-9,0 |
Público | 1,0 | - |
Mesmo profissional no pré-natal e parto | ... | ... |
Sim | 5,7 | 3,6-9,0 |
Não | 1,0 | - |
IC95%: intervalo de 95% de confiança; OR: odds ratio.* Ajustado para trabalho remunerado, idade materna e classe social;** Ajustado para trabalho remunerado, idade materna e classe social, informações do pré-natal sobre segurança no parto, acompanhante durante a internação.
Por outro lado, com a entrada do último bloco de variáveis, estando parte do efeito das variáveis dos níveis anteriores representado pelas variáveis mais proximais, observou-se que a realização de cesariana em primíparas adolescentes no Brasil pode ser representada pelos fatores: trabalho remunerado (nível distal), informação apreendida no pré-natal sobre segurança no parto favorável à cesariana (nível intermediário). Neste caso, quando a puérpera compreendeu que a cesariana é mais segura, a chance de ter essa modalidade de parto foi sete vezes maior comparada com as que entenderam que o parto vaginal era mais seguro, e também foi maior a chance no grupo que considerou ambas as modalidades de parto igualmente seguras (3,4 vezes). Verificou-se ainda que, no nível proximal, ter o parto financiado pelo setor privado, ampliou a chance de serem submetidas à cesariana em 4,3 vezes; ter o mesmo profissional de saúde assistindo o parto e pré-natal, aumentou a chance de parto cirúrgico em 5,7 vezes; e antecedentes clínicos de risco e intercorrências na gestação atual e parto aumentaram em 10 vezes a chance de realização de cesariana.
Os resultados deste estudo mostram a grande contribuição dos fatores socioeconômicos e assistenciais recebidos, no pré-natal e parto, na determinação de cesariana de adolescentes que experimentam pela primeira vez a maternidade.
A cesariana esteve mais fortemente associada às melhores condições de vida das primíparas adolescentes, tais como nível de escolaridade adequado, possuir plano de saúde e até mesmo a cor da pele branca da puérpera, chegando a se identificar gradiente de cor, indicando que quanto mais clara a cor da pele, maior a proporção do procedimento cirúrgico.
A elevada proporção de cesariana encontrada nessa amostra, representativa do Brasil, reproduz o modelo de parto intervencionista adotado nas décadas mais recentes no país. Apesar da proporção de cesariana nesse grupo ter sido inferior à média encontrada na amostra do estudo como um todo (56%), não parece exatamente uma vantagem, mas reflexo da baixa condição social e econômica da maioria dessas adolescentes, uma vez que 55,5% foram classificadas na classe C e 32,7% nas classes D e E.
Uma das principais discussões referentes aos prejuízos advindos de uma gravidez na adolescência não recai apenas sobre os efeitos adversos no recém-nascido, mas se estende exatamente sobre outras esferas da vida social da jovem mãe, tais como a evasão escolar, a baixa inserção no mercado de trabalho e a desigualdade social no acesso aos serviços de saúde 13 .
No Canadá, onde apenas 3% dos partos ocorrem em adolescentes, também é encontrado atraso em relação aos anos de estudo para a idade nas mães adolescentes, apontando desvantagem para o grupo 18 .
Tais disparidades podem ser encontradas até mesmo dentro do próprio grupo de adolescentes. Um estudo realizado em 2007 identificou o perfil de adolescentes atendidas em maternidades do sistema público e privado realizado em um Município de São Paulo. Encontrou-se que as usuárias do sistema público fizeram menor número de consultas de pré-natal, possuíam menor escolaridade, tinham maior paridade e o parto normal foi mais frequente. No entanto, no privado foi maior o número de atendimento de pré-natal, a escolaridade, a primiparidade e a realização de cesariana 19 .
Estudos nacionais mostram que a cesariana não está relacionada apenas aos casos com indicação clínica, mas “privilegia” a classe econômica e o fonte de pagamento em detrimento das intervenções na gestação 20 .
Outros países vêm identificando a relação do aumento de cesariana com a fonte de pagamento. Na Austrália, que vem experimentando recentemente o crescimento dos nascimentos por cesariana, estudo aponta que essa tendência vem se dando em consequência da política de implementação do seguro de saúde privado 21 . Também na Itália, em 2011, Kambale 22 demonstrou que aspectos sociais são fortes preditores para a realização de cesariana. Resultados semelhantes foram observados no Uruguai 23 , onde a proporção de cesariana no setor privado chega a ser duas vezes maior comparado ao público. Os autores chamam a atenção para o efeito do sistema de remuneração do médico, que no setor privado recebe por procedimento, enquanto nas instituições públicas o salário é fixo, podendo ser esse um dos motivos desse resultado. Seguindo a tendência de outros países, na Tailândia a chance de uma mulher ser submetida à cesariana no setor privado de saúde chega a ser 9,4 vezes maior do que no serviço público 24 .
Os resultados encontrados para as primíparas adolescentes neste estudo tornam-se mais preocupantes pela exposição precoce aos efeitos do parto cirúrgico, uma vez que a cesariana prévia tem sido indicação quase absoluta para nova cesariana. Há quase um século Craigin 25 (p. 1), disse, “ uma vez cesariana, sempre cesariana ” e, por muitos anos essa teoria foi seguida pela Associação de Obstetrícia & Ginecologia dos Estados Unidos, refletindo fortemente no manejo dos partos de mulheres com cesariana prévia em diversos países 25 .
Estudo realizado nos Estados Unidos em 2001 mostrou que a chance de uma mulher fazer uma cesariana primária sem pertencer a grupo de risco era 50% maior quando comparada ao ano de 1996 26 , resultado também observado em estudo realizado em maternidades privadas do Rio de Janeiro, no Brasil 27 .
Alguns autores consideram que um dos motivos pelos quais as mulheres se submetem à cesariana desnecessária é que, durante a gestação, não recebem orientações sobre as possíveis consequências desse procedimento 27,28 , prejudicando, assim, o seu poder de escolha 12 .
Os benefícios da assistência pré-natal identificados em muitos estudos 12,29,30 , em relação ao tipo de parto desapareceram, uma vez que o maior número de consultas expôs a adolescente à maior chance de ter a cesariana como via de parto. Provavelmente esse achado está relacionado ao fato de que as mulheres que têm mais consultas com profissionais médicos, têm mais oportunidade de convencimento da melhor via de parto, segundo a visão desse profissional, especialmente quando o parto é assistido pelo mesmo.
Esse dado é reforçado pela intensidade como as adolescentes captam as informações apreendidas no pré-natal em relação à maior segurança da cesariana. Esta variável mostrou-se tão importante que, mesmo ajustada para as demais variáveis do modelo hierarquizado, permaneceu associada significativamente com a realização de cesariana.
Ainda que não tenha permanecido no modelo final, outra questão que merece destacar é a maior proporção de cesariana entre as adolescentes tardias, 17-19 anos, apontando mais uma vez para a falta de critério na indicação dessa modalidade de parto. Se a indicação da via de parto fosse exclusivamente clínica, provavelmente as mais jovens estariam mais expostas 31 .
Conforme esperado, antecedentes clínicos de risco e intercorrências na gestação também foram indicadores de realização de cesariana. De modo geral, as adolescentes apresentam menor frequência de intercorrências na gestação e parto (menos macrossomia, menos partos gemelares, menos síndromes hipertensivas e diabetes etc.) do que as mulheres adultas 32 . Ainda assim, enquanto mais de 35% das adolescentes foram submetidas à cesariana sem essa indicação, quase 20% daquelas com essa indicação pariram por via vaginal, apontando mais uma vez a falta de protocolo e esclarecimentos para definição da via de parto 20,27,33 .
Como em todo estudo com desenho transversal, há possibilidade de viés de memória ou mudança de opinião sobre um evento no passado em função de alguma experiência recente, sendo essa a limitação do estudo. Outro limite refere-se a variável fonte de pagamento. Como o instrumento utilizado não permitiu a identificação de adolescentes que tiveram parto pago por desembolso direto, é possível que algumas mulheres atendidas em unidades mistas, e que foram classificadas como tendo financiamento público da assistência, tenham pago pela assistência de seu parto. Entretanto, como essas adolescentes apresentaram características socioeconômicas muito semelhantes a das adolescentes atendidas em unidades públicas, é provável que esse erro de classificação tenha ocorrido em poucos casos. Como se trata de erro de classificação não-diferencial em relação aos desfechos estudados, espera-se que tenha ocorrido atenuamento da magnitude das associações observadas.
Em conclusão, considera-se a proporção de cesariana encontrada nesse estudo bastante elevada, especialmente considerando que se trata de adolescentes e primíparas. O acesso a esta via de parto extrapola a indicação clínica e a preferência das mulheres, comprometendo o futuro reprodutivo das adolescentes com a realização de sucessivas cesarianas nas gestações posteriores. A cesariana é influenciada pela assistência recebida no pré-natal, pela fonte de pagamento do parto e outros fatores socioeconômicos, sugerindo que, no Brasil, o parto cirúrgico é um bem de consumo.