Compartilhar

Fatores associados à desnutrição em pessoas com 20 anos e mais, com HIV/AIDS, em serviços públicos de saúde no Município de São Paulo, Brasil

Fatores associados à desnutrição em pessoas com 20 anos e mais, com HIV/AIDS, em serviços públicos de saúde no Município de São Paulo, Brasil

Autores:

Katia Cristina Bassichetto,
Denise Pimentel Bergamaschi,
Vania Regina Salles Garcia,
Maria Amélia de Sousa Mascena Veras

ARTIGO ORIGINAL

Cadernos de Saúde Pública

versão impressa ISSN 0102-311Xversão On-line ISSN 1678-4464

Cad. Saúde Pública vol.30 no.12 Rio de Janeiro dez. 2014

http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00174513

Introdução

A manutenção do estado nutricional depende de uma combinação de fatores como ingestão apropriada de alimentos, absorção eficiente de nutrientes e metabolismo adequado. A alteração de quaisquer um desses elementos, num período de tempo prolongado, pode conduzir à desnutrição1.

Em pessoas com infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) ou com a doença decorrente dessa infecção - síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), a alteração desses fatores pode ocorrer de forma simultânea, contribuindo para a ocorrência de deficiências nutricionais, com reflexo na evolução do quadro clínico e na morbimortalidade 1 , 2 , 3 , 4. Tais deficiências interferem nas necessidades nutricionais, e, em função disso, o monitoramento do estado nutricional e as intervenções oportunas podem contribuir para a manutenção do quadro clínico dessas pessoas.

Para fazer frente a essa realidade, uma das políticas públicas adotadas no Brasil - a distribuição universal de antirretrovirais de alta potência (highly-active antiretroviral therapy - HAART) para pessoas com HIV/AIDS - contribuiu para a diminuição da mortalidade. Entretanto, passou também a influir no perfil nutricional e metabólico dos indivíduos com essa condição, sendo descritos, na literatura, aumento na prevalência da síndrome metabólica e alterações na composição corporal, como perda de gordura nas áreas periféricas e ganho nas áreas centrais do corpo. Essas alterações estão associadas à própria evolução da doença, ao tipo e ao tempo de tratamento, à qualidade da adesão ao tratamento e aos efeitos adversos da HAART, entre outros3 , 4 , 5 , 6 , 7 , 8 , 9.

Apesar da transição nutricional observada, a desnutrição ainda se mostra presente, podendo refletir na qualidade de vida e na morbimortalidade das pessoas com HIV/AIDS2 , 3 , 4 , 5. A perda progressiva de peso e a redução acentuada da ingesta de energia, decorrentes de complicações clínicas conjugadas, como infecções oportunistas recorrentes com consequente perda de apetite, anemia, aumento do gasto energético, diminuição do aproveitamento de nutrientes e alterações digestivas secundárias à medicação, podem contribuir para a desnutrição 2 , 10. Por isso, a identificação e caracterização precoce dos diversos fatores de risco que podem levar a essa condição são importantes, tanto para direcionar estratégias específicas quanto para evitar consequências clínicas mais sérias que impliquem em aumento no risco de morbidade e mortalidade, a partir de uma perda de peso em torno de 5%4 , 10 , 11 , 12.

Além disso, novos conhecimentos indicam que pessoas com HIV/AIDS apresentam susceptibilidade aumentada a infecções secundárias e ao desenvolvimento prematuro de sinais avançados de fragilidade associados à presença de inflamação crônica e aos efeitos adversos da HAART, dificultando o manejo clínico de longo prazo13 , 14 , 15 , 16. A complexidade da infecção pelo HIV e suas consequências reforçam a necessidade de ações de saúde para a manutenção do estado nutricional desse grupo. Como grande parte dos estudos brasileiros sobre essa temática tem como população usuários de um único serviço 13 , 14 , 17 , 18 , 19 , 20 , 21 e poucos incluem um número maior de unidades vinculadas a uma rede de atenção15 , 16 , 22 , 23, as investigações sobre o estado nutricional de pessoas com HIV/AIDS, especialmente focando a desnutrição, em uma amostra de pessoas assistidas numa rede pública com serviços com ampla distribuição geográfica, como é a do Município de São Paulo, Brasil, poderá contribuir para a compreensão desse fenômeno.

Este estudo tem como objetivo estimar a magnitude da desnutrição e investigar fatores associados a sua ocorrência, em pessoas com 20 anos e mais, com HIV/AIDS, em Serviços de Assistência Especializada (SAE) da Rede Pública de Saúde, do Município de São Paulo, em 2008 e 2009.

Materiais e métodos

Tipo de estudo e seleção dos participantes

Estudo de corte transversal, realizado no período de janeiro de 2008 a setembro de 2009, com pessoas com HIV/AIDS de 20 anos e mais, em 12 de 15 SAE da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo (SMS-SP) que formam a Rede Municipal Especializada em DST/AIDS. Esses serviços oferecem acompanhamento contínuo, por equipes multiprofissionais, incluindo a avaliação do estado nutricional, conforme protocolo estabelecido pelo Ministério da Saúde24.

Para o cálculo do tamanho da amostra, foram utilizados proporção estimada de desnutrição de 5%, grau de confiança de 95% e precisão de 1,5%. Após correção para população finita (19.097 pessoas em seguimento) e perda de 20%, obteve-se tamanho de amostra de 956. Ao aplicar-se a proporção de 74,5% correspondente a pessoas em seguimento com 20 anos e mais, obteve-se tamanho necessário de 696.

De modo proporcional à demanda observada na época, segundo relatório gerado a partir de um Sistema de Vigilância em Serviços, em uso na Rede Municipal Especializada em DST/AIDS, e à capacidade de atendimento de cada serviço, definiu-se o tamanho da amostra necessário para cada unidade. Por ser uma amostra estratificada com partilha proporcional ao tamanho dos serviços e não por conglomerado, não se considerou necessário o cálculo do efeito do desenho.

Constituíram critérios de inclusão: ter exame sorológico HIV positivo ou existência de documento de notificação compulsória de Aids no prontuário; estar em seguimento em um dos serviços, independente ou não de já estar em acompanhamento no ambulatório de nutrição; e ter assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foram excluídos aqueles que apresentavam hiper ou hipotireoidismo, alterações neurológicas, deficiências físicas que dificultassem a realização da tomada de medidas antropométricas, gestação, impossibilidade de deambular e uso de prótese de silicone.

Dados clínicos, antropométricos e de atendimento

A coleta de dados ocorreu por meio de entrevistas, durante a consulta de nutrição, quando respondiam a um questionário formulado para fins da pesquisa com questões relativas ao quadro clínico e ao atendimento no serviço. Nessa oportunidade, também eram aferidas as medidas antropométricas. O uso da HAART no momento da entrevista e as datas da primeira sorologia de HIV e da notificação de AIDS foram obtidos dos prontuários.

O "tempo conhecido de infecção" e o "tempo de acompanhamento no serviço" foram calculados, respectivamente, pela "diferença entre a data da entrevista e a do primeiro resultado de sorologia positiva para o HIV" e pela "diferença entre a data da entrevista e a data do primeiro atendimento médico no serviço". Na análise, o tempo de acompanhamento foi classificado em duas categorias: acima e abaixo do valor mediano (< 3,3 e ≥ 3,3 anos).

A avaliação do estado nutricional foi realizada por meio do peso (kg), altura (cm) e índice de massa corporal (IMC), calculado pelo peso em quilogramas (kg) dividido pela altura em metros (m) ao quadrado. Para assegurar a qualidade dos dados, as medidas foram aferidas por nutricionistas treinadas, utilizando-se procedimentos recomendados por Lohman et al.25 e pela Organização Mundial da Saúde (OMS)26, sendo o peso obtido por balança digital (Plenna, São Paulo, Brasil.) com capacidade para 150kg, estando o participante descalço e com roupas leves, e a altura, por meio de fita métrica fixa e uso de esquadro para posicionar a cabeça no plano de Frankfurt. As medidas antropométricas foram coletadas em duplicata, utilizando-se a média dos valores observados.

Para classificação do estado nutricional, utilizou-se o critério adaptado da OMS26: IMC < 18,5kg/m2(desnutrido), 18,5 ≤ IMC < 25,0kg/m2 (eutrófico) e IMC ≥ 25,0kg/m2 (excesso de peso). Utilizou-se, como desfecho, a variável desnutrido com duas categorias de IMC (< 18,5kg/m2: desnutrido e ≥ 18,5kg/m2: não desnutrido).

Análise estatística

Foram utilizadas as estatísticas descritivas média, mediana, quartis e frequências como medidas de resumo e de posição.

Para descrever a população de estudo, foram consideradas as covariáveis: tempo conhecido de infecção (anos) e tempo de acompanhamento (anos), ambas resumidas na mediana e quartis. Foi também apresentada a distribuição dessa população segundo sexo; grupo etário (20-39 anos e 40-74 anos); diagnóstico (HIV ou AIDS); uso da HAART entre as pessoas com AIDS (sim, não); atendimento de nutrição anterior à pesquisa (sim, não); estado nutricional (desnutridos, eutróficos e excesso de peso) e coinfecção (sim, não) (Table 1). As coinfecções consideradas foram tuberculose, hepatite B, hepatite C ou quaisquer possíveis combinações dessas. Todas essas informações foram obtidas no momento da entrevista, durante a avaliação nutricional.

Como o estudo incluiu apenas 22 indivíduos com 60 anos e mais, optou-se por ampliar a faixa etária para 40 e mais. A literatura recente utilizando faixas etárias como essa investiga um possível reflexo do HIV/AIDS no "envelhecimento precoce" 27 , 28 , 29 , 30.

Optou-se por considerar, como medida de associação, as razões de prevalências (RP) que foram estimadas por ponto e intervalo de 95% de confiança (IC95%), por meio do modelo de regressão linear generalizado, com família binomial e função de ligação logaritmo31. A modelagem múltipla foi iniciada com as covariáveis que, no modelo log-binomial simples, apresentaram valor de p menor ou igual a 0,2 e com três variáveis de controle (sexo, idade e tempo de acompanhamento). Como quase a totalidade (94,3%) das pessoas com AIDS utilizavam HAART, optou-se por utilizar, na análise, a variável diagnóstico e não a "uso de HAART".

Estatísticas dos testes que apresentaram valores de p menores ou iguais a 0,05 foram consideradas como estatisticamente significantes. A análise foi feita com auxílio do software Stata, versão 11 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos).

Aspectos éticos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da SMS-SP (registro 252/2004), e obteve-se a assinatura do TCLE, sendo assegurados a confiabilidade e o anonimato dos participantes.

Resultados

Descrição da população do estudo

Participaram do estudo 629 pessoas com 20 anos e mais, de ambos os sexos, distribuídas em proporções semelhantes. A idade média observada foi de 40 anos (mínimo 20 anos e máximo 74 anos). Grande parte (66,8%) dos participantes eram casos de AIDS, e, desses, 94,3% faziam uso de HAART. No momento da entrevista, 27,2% apresentavam alguma das coinfecções consideradas. Observou-se que 60,6% estavam vinculados ao ambulatório de nutrição antes da pesquisa. Quanto ao estado nutricional, 7,3% encontravam-se desnutridos, e 38,6%, com excesso de peso (Table 1).

Tabela 1 Distribuição de usuários com HIV/AIDS da Rede Municipal Especializada em DST/AIDS, segundo características demográficas e clínicas. Município de São Paulo, Brasil, 2008-2009. 

Características n %
Sexo
Homens 311 49,4
Mulheres 318 50,6
Grupo etário (anos)
20-39 338 53,7
40-74 291 46,3
Diagnóstico
HIV 209 33,2
AIDS 420 66,8
Coinfecção
Não 458 72,8
Sim 171 27,2
Uso de HAART *
Sim 396 94,3
Não 24 5,7
Atendimento de nutrição anterior à
pesquisa
Sim 381 60,6
Não 248 39,4
Estado nutricional
Desnutrido 46 7,3
Eutrófico 340 54,1
Excesso de peso 243 38,6

HAART: highly-active antiretroviral therapy.

* Somente para as pessoas com AIDS.

Quanto aos tempos de infecção e de acompanhamento, a população de estudo apresentou, para a primeira variável, valores de percentis 25, 50 e 75 de 1,2; 4,1 e 8,2 anos e, para a segunda, 0,7; 3,3 e 6,5 anos, respectivamente.

Por meio do modelo log-binomial simples, verificou-se que diagnóstico (p = 0,004) e coinfecção (p < 0,001) eram associados ao desfecho. As variáveis sexo (p = 0,594), idade (p = 0,931) e tempo de acompanhamento (p = 0,320) não apresentaram associação estatística (dados não apresentados).

No modelo múltiplo inicial, foram incluídas as variáveis coinfecção, diagnóstico, sexo, idade e tempo de acompanhamento. A análise do valor de p para o teste de Wald indicou que as duas primeiras variáveis deveriam permanecer no modelo como associadas ao desfecho: diagnóstico (p = 0,019) e a coinfecção (p < 0,001), e as demais, como de controle. Dessa forma, o modelo final apresenta as mesmas variáveis que o inicial. São apresentadas, na Table 2, as prevalências e RP brutas e as RP ajustadas com IC95%.

Tabela 2 Prevalência de desnutrição e razão de prevalência (RP) bruta e ajustada para desnutrição em modelo final múltiplo. Usuários com HIV/AIDS da Rede Municipal Especializada em DST/AIDS. Município de São Paulo, Brasil, 2008-2009.  

Covariáveis Desnutrido Prevalência RP *
(n = 46) Bruta (%) Bruta Ajustada IC95%
Diagnóstico
HIV (n = 209) 6 2,9 1,00 1,00
AIDS (n = 420) 40 9,5 3,56 3,12 1,23-7,93
Coinfecção
Não (n = 458) 21 4,6 1,00 1,00
Sim (n = 171) 25 14,6 3,56 3,41 1,81-6,44
Sexo
Masculino (n = 311) 21 6,8 0,85 0,72
Feminino (n = 318) 25 7,9 1,00 1,00
Idade (anos)
< 40 (n = 338) 25 7,4 1,00 1,00
40-74 (n = 291) 21 7,2 0,97 0,67 0,36-1,27
Tempo de acompanhamento (anos)
< 3,3 (n = 318) 20 6,3 1,00 1,00
≥ 3,3 (n = 311) 26 8,4 1,36 1,02 0,53-1,98

IC95%: intervalo de 95% de confiança.

* Modelo log-binomial simples e múltiplo.

Assim, observou-se que a prevalência de desnutrição em pessoas com AIDS é 3,12 vezes aquela verificada entre pessoas com HIV, e, entre pessoas com coinfecção, 3,41 vezes a obtida entre pessoas sem coinfecção (Table 2).

Discussão

O presente estudo descreve características antropométricas, demográficas e clínicas de pessoas com HIV/AIDS com 20 anos e mais, usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS), da Rede Municipal Especializada em DST/AIDS do Município de São Paulo.

A prevalência bruta de desnutrição entre pessoas com HIV/AIDS estimada no presente estudo (7,3%) é semelhante à encontrada por Mariz et al.22 (8,8% em ambos os sexos) e mais elevada que a de Giudici et al.16 (5,4%), obtida em estudo desenvolvido na mesma rede de serviços. Outros estudos brasileiros apresentam prevalências que variam de 1,5% a 5,9%, entre homens, e de 3,7% a 9,8%, entre mulheres15 , 16 , 17 , 23. De modo discordante, no presente estudo, não foi observada diferença na prevalência de desnutrição segundo sexo e idade. A estratégia de utilizar grupo etário de 40 anos e mais não se mostrou efetiva para identificar prevalências maiores de desnutrição entre pessoas mais jovens com HIV/AIDS.

O presente estudo também indica que as prevalências de desnutrição são maiores em pessoas com AIDS e com, pelo menos, uma coinfecção se comparadas às de pessoas com HIV e sem coinfecção. Como essas condições podem ser deletérias para a manutenção do estado nutricional nesses grupos, os resultados do presente estudo reforçam a importância de monitorá-las, de modo a estabelecer projetos terapêuticos que considerem as necessidades individuais.

A literatura tem discutido os mecanismos que podem explicar o observado e que resultam em perda de massa magra, de gordura e de massa corporal20 , 32 , 33, assim, uma investigação mais aprofundada, incluindo outras variáveis de interesse, poderia elucidar os fatores envolvidos nessas associações.

Na época da coleta de dados do presente estudo, o uso da HAART estava indicado somente para as pessoas com AIDS34. A atual recomendação do Ministério da Saúde para início precoce dessa terapia35 pode representar alguma prevenção para a desnutrição. Entretanto, como o estado nutricional é determinado por múltiplos fatores, não se pode depositar, nessa intervenção, um papel preponderante na manutenção do estado nutricional, considerando os efeitos adversos do uso da HAART como dislipidemia, lipodistrofia, alterações do metabolismo da glicose, entre outros36.

Alguns fatores podem estar envolvidos nas alterações nutricionais observadas, como a perda de peso e a desnutrição, dentre os quais, a dificuldade em manter a adesão aos medicamentos, o tempo de tratamento e o risco de efeitos adversos no longo prazo10 , 11 , 12 , 37 , 38. Dessa forma, uma das principais contribuições desse estudo é chamar a atenção para situações em que a prevalência de desnutrição se apresenta em magnitudes maiores (AIDS e presença de coinfecção) e que indivíduos, nessas condições, requerem uma atenção especial, o que inclui intervir precocemente e de forma direcionada para responder às demandas identificadas.

Entre as limitações do presente estudo, podemos citar o tipo de população analisada, específica de usuários de serviços públicos de saúde, e a não consideração, na coleta dos dados, de características importantes como CD4 e carga viral e as relativas ao tratamento, como tipo de esquema e tempo de uso. Ainda, devido à ausência de indicadores de estado nutricional e de classificação, específicos para a população com HIV/AIDS, foi necessário utilizar aqueles propostos para a população geral. Outro fator de limitação é que não havia, no serviço, um fluxo padronizado para o encaminhamento dos usuários ao atendimento de nutrição, sendo que esse poderia ocorrer a qualquer momento durante o acompanhamento nos serviços.

Um aspecto difícil de avaliar neste estudo é a influência do atendimento de nutrição no estado nutricional. É possível que o grande percentual de pessoas que já estavam em acompanhamento (60,6%) possa refletir num estado nutricional melhor para o grupo como um todo, no entanto, embora essa dificuldade pudesse representar um problema, a análise efetuada controlou as estimações de tempo de acompanhamento, mesmo que com resultado não significativo contornando esse. Por outro lado, pode-se discutir que, apesar das ações nutricionais em curso, muito ainda precisa ser implementado, pois 45,9% da população estudada encontra-se com estado nutricional alterado (7,3% desnutrida e 38,6% com excesso de peso).

Apesar de o uso do IMC não permitir avaliar separadamente alterações de volume hídrico, massa magra ou gordura corporal, esse é recomendado pela OMS26 como método de avaliação do estado nutricional para pessoas com HIV/AIDS, por ser de fácil obtenção.

Podem ser, inclusive, discutidos os pontos de corte para classificação de desnutrição como estratégia de intervenção eficaz para minimizar o quadro, a exemplo do recomendado pelo Guide for Nutritional Care and Support 39 para triar indivíduos com IMC abaixo de 20kg/m2 para cuidados nutricionais. Esse ponto de corte, apesar de superior ao definido pela OMS para desnutrição, possibilitaria aos profissionais de saúde que complementassem a avaliação do estado nutricional e que interviessem precocemente.

Sendo uma das metas nutricionais para as pessoas com HIV/AIDS estabilizar ou recuperar o peso, o simples monitoramento desse, pelas equipes de saúde, pode ser útil para evitar que a perda de peso comprometa ainda mais sua qualidade de vida. Tang et al.11, em um estudo longitudinal com 552 pessoas com HIV/AIDS, concluíram que a perda de peso é um forte preditor de mortalidade na era HAART, quando comparado com as medidas aferidas pela bioimpedância elétrica.

O automonitoramento do peso para a manutenção da saúde de adultos em geral é outro exemplo de uma medida simples a ser estimulada, uma vez que favorece o desenvolvimento da autobservação e o envolvimento do indivíduo em seu processo terapêutico mais amplo40.

Os resultados do presente estudo reforçam a necessidade de avaliar intervenções voltadas para prevenção e tratamento da desnutrição, especialmente em pessoas com AIDS e coinfectadas.

A própria escolha de indicadores ou índices antropométricos para a prática clínica dos serviços especializados merece ser revista e padronizada, potencializando seu papel como método reprodutível, não invasivo e de custo acessível, capaz de fornecer uma informação precoce de alterações da composição corporal e uma estimativa da prevalência de estados nutricionais alterados em populações específicas 41.

Uma compreensão mais aprofundada dos mecanismos envolvidos na ocorrência da desnutrição é necessária, não perdendo de vista que a avaliação do estado nutricional na atenção às pessoas com HIV/AIDS se insere em um conjunto de outras medidas previstas nos serviços de saúde especializados em DST/AIDS que incluem suporte psicológico, de saúde bucal, entre outros42.

Conclusão

Apesar de os novos medicamentos que compõem a HAART estarem modificando substancialmente a morbidade e a mortalidade por AIDS e da reconhecida importância das políticas públicas implantadas no país para o controle das consequências da infecção 43 , 44, incluindo a oferta de esquema de imunização diferenciado, de aconselhamento nutricional e de suplementos nutricionais45, a desnutrição ainda é um problema presente, principalmente em pessoas com AIDS ou coinfectadas, que merece ser estudado e tratado no contexto do cuidado das pessoas com HIV/AIDS.

REFERÊNCIAS

1. Polo Rodri´guez R. Manual de nutricio´n y SIDA. 3(a) Ed. Madrid: Wellcome; 2002.
2. Fenton M, Silverman E. Terapia nutricional para a doença do vírus da imunodeficiência humana. In: Mahan L, Escott-Stump S, organizadores. Krause - alimentos, nutriça~o & dietoterapia. 11(a) Ed. São Paulo: Roca; 2005. p. 980-1010.
3. Kotler DP. Nutritional alterations associated with HIV infection. J Acquir Immune Defic Syndr 2000; 25 Suppl 1:S81-7.
4. Salomon JTPD, De Truchis P, Melchior JC. Nutrition and HIV infection. Br J Nutr 2002; 87 Suppl 1:S111-9.
5. Shevitz AH, Knox TA. Nutrition in the era of highly active antiretroviral therapy. Clin Infect Dis 2001; 32:1769-75.
6. Sharpstone D, Murray C, Ross H, Phelan M, Craner R, Lepri AC, et al. The influence of nutritional and metabolic status on progression from asymptomatic HIV infection to AIDS-defining diagnosis. AIDS 1999; 13:1221-6.
7. Heath KV, Hogg RS, Singer J, Chan KJ, O'Shaughnessy MV, Montaner JSG. Antiretroviral treatment patterns and incident HIV-associated morphologic and lipid abnormalities in a population-based cohort. J Acquir Immune Defic Syndr 2002; 30:440-7.
8. Knox TA, Zafonte-Sanders M, Fields-Gardner C, Moen K, Johansen D, Paton N. Assessment of nutritional status, body composition, and human immunodeficiency virus-associated morphologic changes. Clin Infect Dis 2003; 36 Suppl 2:S63-8.
9. Almeida L, Jaime P. Aspectos atuais sobre nutrição e Aids na era da terapia antirretroviral de alta atividade. J Bras Aids 2006; 7:4-8.
10. Polsky B, Kotler D, Steinhart C. HIV-associated wasting in the HAART era: guidelines for assessment, diagnosis, and treatment. AIDS Patient Care STDS 2001; 15:411-23.
11. Tang AM, Forrester J, Spielman D, Knox TA, Tchetgen E, Gorbach SL. Weight loss and survival in HIV-positive patients in era of highly active antiretroviral therapy. J Acquir Immune Defic Syndr 2002; 31:230-6.
12. Kotler DP. Challenges to diagnosis of HIV-associated wasting. J Acquir Immune Defic Syndr 2004; 37 Suppl 5:S280-3.
13. Anjos EM, Pfrimer IK, Machado AA, Cunha SFC, Salomão RG, Monteiro JP. Nutritional and metabolic status of HIV-positive patients with lipodystrophy during one year of follow-up. Clinics 2011; 66:407-10.
14. Leite LHM, Sampaio ABMM. Risco cardiovascular: marcadores antropométricos, clínicos e dietéticos em indivíduos infectados pelo vírus HIV. Rev Nutr PUCCAMP 2011; 24:79-88.
15. Oliveira OMV, Medeiros RS, Nascimento MAB, De Boni MS. Perfil nutricional e fatores de risco para obesidade central de pessoas que vivem com HIV/AIDS. Com Ciênc Saúde 2008; 19:305-14.
16. Giudici KV, Duran ACFL, Jaime PC. Self-reported body changes and associated factors in persons living with HIV. J Health Popul Nutr 2010; 28:560-6.
17. Jaime PC, Florindo AA, Latorre MRDO, Brasil BG, Santos ECM, Segurado AAC. Prevalência de sobrepeso e obesidade abdominal em indivíduos portadores de HIV/AIDS, em uso de terapia antirretroviral de alta potência. Rev Bras Epidemiol 2004; 7:65-72.
18. Florindo AA, Latorre MRDO, Santos ECM, Borelli A, Rocha AS, Segurado AAC. Validação de métodos de estimativa da gordura corporal em portadores do HIV/AIDS. Rev Saúde Pública 2004; 38:643-9.
19. Jaime PC, Florindo AA, Latorre MRDO, Segurado AAC. Central obesity and dietary intake in HIV/AIDS patients. Rev Saúde Pública 2006; 40:634-40.
20. Albuquerque MDM, Ximenes RAA, Maruza M, Batista JDL, Albuquerque MFPMA. Índice de massa corporal em pacientes coinfectados pela tuberculose-HIV em hospital de referência da cidade de Recife, Estado de Pernambuco, Brasil. Epidemiol Serv Saúde 2009; 18:153-60.
21. Curti MLR, Almeida LB, Jaime PC. Evolução de parâmetros antropométricos em portadores do vírus da imunodeficiência humana ou com síndrome da imunodeficiência adquirida: um estudo prospectivo. Rev Nutr PUCCAMP 2010; 23:57-64.
22. Mariz CA, Albuquerque MFPM, Ximenes RAA, Melo HRL, Bandeira F, Oliveira TGB, et al. Body mass index in individuals with HIV infection and factors associated with thinness and overweight/obesity. Cad Saúde Pública 2011; 27:1997-2008.
23. Kroll AF, Sprinz E, Leal SC, Labrêa MG, Setúbal S. Prevalence of obesity and cardiovascular risk in patients with HIV/AIDS in Porto Alegre, Brazil. Arq Bras Endocrinol Metab 2012; 56:137-41.
24. Programa Nacional de DST/AIDS, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Manual clínico de alimentação e nutrição na assistência a adultos infectados pelo HIV. Brasília: Ministério da Saúde; 2006.
25. Lohman T, Roche AF, Martorell R. Anthropometric standardization reference manual. Champaign: Human Kinetics Books; 1988.
26. World Health Organization. Physical status: the use and interpretation of anthropometry. Report of a WHO Expert Committee. Geneva: World Health Organization; 1995. (WHO Technical Report Series, 854).
27. Rickbaugh TM, Jamieson BD. A challenge for the future: aging and HIV infection. Immunol Res 2010; 48:59-71.
28. Meir-Shafir K, Pollack S. Accelerated aging in HIV patients. Rambam Maimonides Med J 2012; 3:e0025.
29. Smith RL, de Boer R, Brul S, Budovskaya Y, van der Spek H. Premature and accelerated aging: HIV or HAART? Front Genet 2013; 3:328.
30. Somarriba G, Neri D, Schaefer N. The effect of aging, nutrition, and exercise during HIV infection. HIV AIDS (Auckl) 2010; 2:191-201.
31. Reichenheim ME, Coutinho ESF. Measures and models for causal inference in cross-sectional studies: arguments for the appropriateness of the prevalence odds ratio and related regression. BMC Med Res Methodol 2010; 10:66.
32. Kotler DP. Human immunodeficiency virus-related wasting: malabsorption syndromes. Semin Oncol 1998; 25(2 Suppl 6):70-5.
33. Mulligan K, Tai VW, Schambelan M. Energy expenditure in human immunodeficiency virus infection. N Engl J Med 1997; 336:70-1.
34. Programa Nacional de DST/AIDS, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Recomendações para terapia antirretroviral em adultos e adolescentes infectados pelo HIV: 2005/2006. 6a Ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2007. (Série Manuais, 2).
35. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para adultos vivendo com HIV/Aids. Brasília: Ministério da Saúde; 2013.
36. Silva EFR, Lewi DS, Vedovato GM, Garcia VRS, Bassichetto KC. Nutritional and clinical status, and dietary patterns of people living with HIV/AIDS in ambulatory care in São Paulo, Brazil. Rev Bras Epidemiol 2010; 13:677-88.
37. Macallan DC, Noble C, Baldwin C, Jebb SA, Prentice AM, Coward WA, et al. Resting expenditure and wasting in human immunodeficiency virus infection. N Engl J Med 1995; 333:83-8.
38. Wanke CA, Silva M, Knox TA, Forrester J, Speigelman D, Gorbach SL. Weight loss and wasting remain common complications in individuals infected with human immunodeficiency virus in the era of highly active antiretroviral therapy. Clin Infect Dis 2000; 31:803-5.
39. Food and Nutrition Technical Assistance Project. HIV/AIDS: a guide for nutrition, care and support. Washington DC: Academy for Educational Development; 2001.
40. Gomes DL, Ferreira EAP, Souza CMC. Automonitoramento e adesão a dois tipos de regras nutricionais em adultos com diabetes tipo 2. Acta Compartamentalia 2012; 20:327-42.
41. WHO Working Group. Use and interpretation of anthropometric indicators of nutritional status. Bull World Health Organ 1986; 64:929-41.
42. Segurado AC, Miranda SD, Latorre MRDO; The Brazilian Enhancing Care Initiative Team. Evaluation of the care of women living with HIV/AIDS in São Paulo, Brazil. AIDS Patient Care STDS 2003; 17:85-93.
43. Barreto ML, Teixeira MG, Bastos FI, Ximenes RA, Barata RB, Rodrigues LC. Successes and failures in the control of infectious diseases in Brazil: social and environmental context, policies, interventions, and research needs. Lancet 2011; 377: 1877-89.
44. Dourado I, Veras MASM, Barreira D, Brito AM. Tendências da epidemia de AIDS no Brasil após a terapia antirretroviral. Rev Saúde Pública 2006; 40 Suppl:9-17.
45. Barbosa RMR, Fornés NS. Avaliação nutricional em pacientes infectados pelo Vírus da Imunodeficiência Adquirida. Rev Nutr PUCCAMP 2003; 16:461-70.