versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465
Esc. Anna Nery vol.23 no.3 Rio de Janeiro 2019 Epub 30-Maio-2019
http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2018-0326
Os cuidados de saúde contribuem, grandemente, para a saúde humana, bem-estar e longevidade. Contudo, esses cuidados sempre foram, e ainda são um empreendimento carregado de riscos. Tanto as terapias modernas, diagnósticos e intervenções complexas, como também os cuidados mais básicos vem causando danos aos pacientes.1
A terapia com medicamentos é a alternativa mais utilizada e representa um grande avanço na prevenção e tratamento de doenças. No entanto, o uso desnecessário ou incorreto dos medicamentos pode desencadear ou agravar morbidades, comprometendo a qualidade de vida dos usuários ou até mesmo, causando a morte, sendo as morbidades relacionadas aos medicamentos consideradas, atualmente um problema de saúde pública.2
Existem diferentes tipos de problemas associados a medicamentos, alguns são preveníveis e outros não. Da mesma forma que podem ou não resultar em dano. A definição de um comitê de peritos em segurança e qualidade dos cuidados à saúde da OMS diz que: evento adverso a medicamento é qualquer dano ocorrido ao paciente durante a terapia medicamentosa e resultante de cuidado apropriado, ou de cuidado indevido ou subótimo. Eventos adversos incluem: reação adversa a um medicamento durante o seu uso normal e qualquer dano secundário a um erro de medicação.3,4
Nesse âmbito, é importante reconhecer a participação das interações medicamentosas (IM). Apesar do fato do uso simultâneo de alguns medicamentos frequentemente aumentar a eficácia terapêutica, certas combinações provocam danos e podem aumentar o risco de interações medicamentosas. EAM são responsáveis por aproximadamente 5% das admissões hospitalares, das quais 0,25 a 25% são devidas a interações medicamentosas.5
Apesar de muitas vezes não identificadas, as interações estão vertiginosamente presentes, sobretudo, na realidade hospitalar. Em estudo multicêntrico, observou-se que nas primeiras 24 horas de internação em Unidades de Terapia Intensiva, 70,6% dos pacientes apresentaram ao menos uma interação medicamentosa. O número total de interações medicamentosas foi 2.299, com 350 tipos de interações entre medicamentos.6
Portanto, as IM podem causar danos e classificarem-se como eventos adversos a medicamentos (EAM). De acordo com o Sistema de Notificações em Vigilância Sanitária (NOTIVISA) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) foram registrados no Brasil, entre os anos de 2006 a 2013, um total de 103.887 eventos adversos, dos quais 38.730 estavam relacionados a medicamentos.7,8 Estima-se ainda que eventos adversos oriundos de erros de medicação são um dos problemas de segurança do paciente mais frequentes em cenário clínico.9
Nesse sentido, foram estabelecidos medicamentos sobre os quais deveriam ter maior controle, já que estão associados a danos mais representativos para o paciente. Os Medicamentos de Alta Vigilância (MAV) ou Medicamentos Potencialmente Perigosos (MPP) são aqueles que possuem um elevado risco de causar danos significativos quando utilizadas em erro.10 Apesar dos erros não serem, necessariamente, mais comuns com esses medicamentos, as consequências de um erro são claramente mais graves para os pacientes.
Além de nocivos aos pacientes, os EAM aumentam os custos relacionados à assistência em saúde. Em um estudo realizado no Brasil, em âmbito hospitalar, os custos relacionados aos EAM, levantados em 6 meses de análise, foram de R$ 96.877,90. Os custos diretos somaram um total de R$ 26.463,90, sendo R$ 20.430,36 obtidos em aspecto do hospital e R$ 6.033,54 pela perspectiva do Sistema Único de Saúde (SUS). Desse valor, R$ 14.380,13 foram devidos a EAM não evitáveis e R$ 12.083,77 devido a EAM evitáveis.11
No âmbito da implementação de estratégias para a redução dos EAM, no ano de 2017 foi lançado o 3º Desafio Global de Segurança do paciente com o tema “Medicação sem danos”. A meta desse desafio é a redução em 50% dos danos graves e evitáveis relacionados a medicamentos, durante os próximos cinco anos, utilizando-se do desenvolvimento de sistemas de saúde mais seguros e eficientes nas etapas do processo de medicação.12 É importante destacar, portanto, a imperatividade da elaboração e adoção de estratégias que corroborem com redução de eventos adversos relacionados a medicamentos em realidade brasileira, considerando a maior susceptibilidade de países de média e baixa renda a estes eventos. A compreensão do evento adverso e sua análise, de forma multidisciplinar, é a melhor forma de corrigir a prática; consistindo a preocupação com a segurança do paciente, no fornecimento de instrumentos para que os profissionais assistenciais se apoderem das medidas de prevenção, abordando o evento de forma construtiva.13
A Enfermagem é a maior força de trabalho em saúde no Brasil, estima-se cerca de 1.500.000 profissionais atuantes no País. Esse grande quantitativo de profissionais remete, então, à imperatividade de uma relação direta da categoria com as estratégias de segurança do paciente e prevenção de erros.14
Portanto, entendendo a necessidade da avaliação da natureza e escopo desses eventos para a implementação de estratégias. O objetivo deste estudo é identificar os fatores associados às Interações Medicamentosas Potenciais (IMP) com Medicamentos de Alta Vigilância em Centro de Terapia Intensiva de um Hospital Sentinela.
Estudo transversal, retrospectivo de abordagem quantitativa. Realizado em um hospital universitário, reconhecido como Sentinela, com prescrições medicamentosas relativas aos pacientes internados no Centro de Tratamento Intensivo. Com essa abordagem busca-se verificar informações concernentes às potenciais interações medicamentosas com MAV presentes nas prescrições dos pacientes internados. A pesquisa apoiou-se na análise das prescrições dos pacientes internados no CTI, no período de um ano (janeiro de 2014 a janeiro de 2015), a fim de identificar as interações medicamentosas potenciais, relacionadas aos MAV recorrentes nas mesmas, através de um roteiro específico construído pelos autores e aprovado por três peritos com expertise na área de segurança do paciente e farmacovigilância. A coleta dos dados foi realizada em 6 meses por uma equipe de três pesquisadores. Foram colhidas informações como: sexo, idade, diagnóstico principal, comorbidades, data de admissão no CTI, data de alta, transferência ou óbito; além das informações relacionadas a cada prescrição medicamentosa, a saber, número de medicamentos por prescrição, relação de medicamentos prescritos, interações medicamentosas potenciais, relacionadas aos MAV. Como critérios de inclusão, foram analisados os prontuários que possuíssem de três a cinco prescrições consecutivas, relativas aos primeiros dias de internação; onde estivessem disponíveis as informações necessárias à coleta. As prescrições medicamentosas deveriam possuir ao menos um MAV e serem diferenciadas entre si. Cabe destacar que foram considerados os MAV pertencentes às classes descritas no boletim do Instituto para Práticas Seguras no Uso de Medicamentos (ISMP) Brasil, a saber: Agonistas adrenérgicos endovenosos, Analgésicos opioides endovenosos, transdérmicos e de uso oral, Anestésicos gerais, inalatórios e endovenosos, Antagonistas adrenérgicos endovenosos, Antiarrítmicos endovenosos, Antitrombóticos, Bloqueadores neuromusculares, Contrastes radiológicos endovenosos, Hipoglicemiantes orais Inotrópicos endovenosos, Insulina subcutânea e endovenosa, Medicamentos administrados por via epidural ou intratecal, Medicamentos na forma lipossomal e seus correspondentes medicamentos na forma, Quimioterápicos de uso parenteral e oral, Sedativos endovenosos de ação moderada, Soluções cardioplégicas; bem como medicamentos específicos: Cloreto de potássio concentrado injetável Cloreto de sódio hipertônico injetável (concentração maior que 0,9%) Epinefrina subcutânea Fosfato de potássio injetável Glicose hipertônica (concentração maior ou igual a 20%) Metotrexato de uso oral, Nitroprussiato de sódio injetável, Oxitocina endovenosa, Prometazina endovenosa, Sulfato de magnésio injetável, Vasopressina injetável.15
Como critérios de exclusão, não se utilizariam prescrições que não estivessem devidamente datadas, assinadas e legíveis.
Dos 214 prontuários levantados, foi possível selecionar 60, obedecendo aos critérios de inclusão e exclusão. Sessenta e seis foram excluídos por não possuírem, no mínimo, três prescrições diferentes entre si; estarem com prescrições ilegíveis, não possuírem prescrições relativas a primeira semana de internação no CTI ou um mínimo de prescrições contendo MAV. Dos 60 prontuários selecionados, chegou-se a 244 prescrições medicamentosas. Todos os prontuários disponíveis foram analisados para o atendimento aos critérios de inclusão e possível utilização. Antes da coleta definitiva dos dados, foi realizado um teste piloto com o roteiro de coleta de dados. Contudo, como não houve alteração necessária e a quantidade de prontuários disponível era pequena, decidiu-se utilizar os dados na pesquisa. Para cada prontuário, foram analisadas as primeiras prescrições, considerando minimamente as três primeiras prescrições até o limite das cinco primeiras, dependendo da disponibilidade das mesmas e período de internação do indivíduo. A partir das prescrições foram analisadas as IMP, que envolvessem ao menos um MAV.
Os pares de IMP foram definidos de acordo com a indicação da base de dados Micromedex 2,0.16 A partir do estabelecimento dos pares de medicamentos nas prescrições, foi pesquisada a presença ou ausência de interação medicamentosa na base supracitada.
As variáveis foram analisadas por meio de estatísticas de posição (média, mediana, mínimo e máximo) e escala (desvio padrão e intervalos interquartis), respeitando-se a distribuição da população (normal ou anormal) para cada variável. A fim de identificar a associação entre as variáveis selecionadas com a ocorrência das interações medicamentosas relacionadas aos MAV, comparou-se a média de idade dos pacientes com e sem IMP segundo o teste t-student e o Tempo de internação pelo teste de Mann-Whitney de correlações entre variáveis contínuas.
Já a quantidade de IMP com MAV por período, tempo de internação, número de medicamentos prescritos e idade, foram descritas por coeficientes de correlação de Pearson e gráficos de dispersão.
A prevalência do uso de medicamentos foi expressa por frequências absolutas e relativas e comparadas segundo pacientes com e sem IMP pelo teste Qui-quadrado, assim como as comorbidades, sexo e motivo da internação. Como o número de pacientes que não apresentaram IMP era muito baixo, realizaram-se comparações do número de IMP com MAV segundo medicamentos e comorbidades pelo teste de Mann-Whitney, então se ajustou um modelo linear generalizado com distribuição Gama e função de ligação inversa para o número de IMP com MAV explicada pelos medicamentos, significativas ao nível de significância de 5% segundo teste de Mann-Whitney. Os testes consideraram um nível de significância de 5% sob hipótese bicaudal e os cálculos foram realizados com auxílio do software R 3.2.2.
Salienta-se que o presente estudo buscou atender a todas as determinações presentes na resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, sendo submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa e foi aprovado sob o parecer de número 988494.
Foram selecionados prontuários pertencentes a 60 pacientes, levantando-se 244 prescrições medicamentosas. Quanto ao sexo, 25 (41,66%) pacientes eram do sexo feminino e 35 (58,33%) do sexo masculino. A média de idade dos pacientes foi de 58,6 anos.
Os diagnósticos principais dos pacientes variavam entre arritmias, pneumonias, insuficiência cardíaca, síndromes, acidentes vasculares cerebrais, epilepsias; entretanto grande parte dos sujeitos apresentava as doenças oncológicas como diagnóstico principal (32 - 53,33%).
A maioria dos pacientes (37 - 61,66%) teve como motivo de admissão o pré ou pós-operatório de variados procedimentos cirúrgicos tendo um período de internação menor que cinco dias.
Também é importante salientar a questão das comorbidades dos sujeitos que tiveram suas prescrições analisadas. A maioria delas relacionou-se a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica, Hipertensão Arterial Sistêmica e Diabetes Mellitus. O resumo das informações dos pacientes encontra-se na Tabela 1.
Tabela 1 Caracterização dos pacientes expostos a IMP, segundo variáveis demográficas e clínicas, 2014-2015, Niterói, 2015.
Características | TOTAL N (%) | Sem IMP relacionada aos MAV N (%) | Com IMP relacionada aos MAV N (%) | |
---|---|---|---|---|
Sexo | MASCULINO | 35 (58,33%) | 1 (2,85%) | 34 (97,14%) |
FEMININO | 25 (41,66%) | 1 (4%) | 24 (96%) | |
Idade em anos | 12 – 18 | 1 (1,66%) | 0 (0%) | 1 (100%) |
19 – 59 | 30 (50%) | 1 (3,33%) | 29 (96,66%) | |
≥60 | 29 (48,33%) | 1 (3,44%) | 28 (96,55%) | |
Polifarmácia excessiva (acima de 10 medicamentos) | SIM | 54 (90%) | 1 (1,85%) | 53 (98,14%) |
NÃO | 6 (10%) | 1 (16,66%) | 5 (83,33%) | |
Comorbidades | SIM | 38 (63,33%) | 1 (2,63%) | 37 (97,36%) |
NÃO | 22 (36,66%) | 1 (4,54%) | 21 (95,45%) | |
Paciente cirúrgico | SIM | 37 (61,66%) | 1 (2,70%) | 36 (97,29%) |
NÃO | 23 (38,33%) | 1 (4,34%) | 22 (95,65%) | |
Tempo de internação em dias | Até 10 | 41 (68,33%) | 2 (4,87%) | 39 (95,12%) |
11 - 30 | 15 (25%) | 0 (0%) | 15 (100%) | |
>30 | 4 (6,66%) | 0 (0%) | 4 (100%) |
A média de medicamentos recebidos pelos pacientes em até 5 prescrições medicamentosas foi de 14 medicamentos.
Nas 244 prescrições medicamentosas foram identificadas 846 interações medicamentosas potenciais, relacionadas aos MAV e 112 pares diferentes de IMP envolvendo os MAV. Foram identificados 33 medicamentos de alta vigilância diferentes. Destes 33 medicamentos, 21 participaram de ao menos uma IMP.
Dos 112 tipos de IMP identificadas, algumas foram mais recorrentes; a saber: tramadol e ondansetrona, que foi identificada 97 vezes nas prescrições; midazolam e omeprazol, 67 vezes; insulina regular e hidrocortisona, que ocorreu 54 vezes. No que diz respeito às IMP entre os medicamentos de alta vigilância, as principais interações foram fentanil e midazolam, identificada 74 vezes; bem como insulina regular e noradrenalina, observada 51 vezes.
Dos 60 pacientes que constam no banco de dados, apenas dois não apresentaram nenhum caso de IMP. Portanto, a prevalência das IMP com MAV nesta amostra foi de 0,96 (96%).
Optou-se por fazer a avaliação pelo número de IMP com MAV por período como medida contínua. A Figura 1 apresenta dispersão dessa quantidade em relação ao logaritmo do tempo de internação. Existe uma relação aparentemente crescente se considerarmos pacientes internados até 45 dias. Dois pacientes apresentaram mais de 100 dias de internação.
Figura 1 Dispersão do tempo de internação segundo quantidade de IMP com MAV por período, Niterói, 2015.
As Figuras 2 e 3 apresentam as relações da quantidade de IMP segundo o número de medicamentos e a idade do paciente. O coeficiente de correlação de Pearson do número de IM com o número de medicamentos é alto: 0,729 com IC95% de [0,582; 0,829], portanto, existe uma correlação entre as duas variáveis. Já para idade, não parece existir nenhuma relação. A correlação estimada nesse caso foi de -0,005 com IC95% [-0,258; 0,249].
Figura 2 Dispersão da quantidade de IMP com MAV por período e número de medicamentos concomitantes, Niterói, 2015.
Nesse gráfico pode-se perceber a existência de uma associação entre a quantidade de IMP com a quantidade de medicamentos utilizada pelo paciente.
A Tabela 2, então, compara as distribuições da quantidade de IMP com MAV por período, considerando fatores como sexo, comorbidades e medicamentos. Cabe destacar que foram elencados na tabela aqueles que apresentaram maior propensão de causar IMP à análise.
Tabela 2 Comparações de escalas da quantidade de IMP com MAV por período segundo sexo, comorbidades e medicamentos selecionados, Niterói-2015.
Variável | Fator | N | Mín | Máx | Médio | Desvio padrão | Mediana | 1º quartil | 3º quartil | p* |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Sexo | Fem. | 25 | 0 | 27 | 9,72 | 7,272 | 9 | 4 | 14 | 0,108 |
Masc. | 35 | 0 | 52 | 17,08 | 14,861 | 12 | 5 | 26,5 | ||
Comorbidades | Não | 22 | 0 | 44 | 11,90 | 11,169 | 8 | 5 | 17,25 | 0,402 |
Sim | 38 | 0 | 52 | 15,23 | 13,552 | 11,5 | 5 | 20 | ||
HAS | Não | 36 | 0 | 49 | 14,94 | 13,427 | 11 | 5 | 21,25 | 0,672 |
Sim | 24 | 1 | 52 | 12,62 | 11,761 | 9,5 | 5 | 14,5 | ||
DM | Não | 46 | 0 | 49 | 14,47 | 12,278 | 12 | 5 | 20 | 0,306 |
Sim | 14 | 2 | 52 | 12,5 | 14,527 | 6,5 | 3,5 | 14,5 | ||
DPOC | Não | 52 | 0 | 49 | 13,05 | 11,703 | 9 | 5 | 19,25 | 0,316 |
Sim | 8 | 2 | 52 | 20,25 | 17,831 | 13,5 | 8,25 | 33 | ||
Polifarmácia excessiva (>10) | Não | 6 | 0 | 7 | 4 | 2,366 | 4,5 | 3,25 | 5 | 0,012 |
Sim | 54 | 0 | 52 | 15,13 | 12,938 | 12 | 5 | 20 | ||
Fentanil | Não | 37 | 0 | 20 | 7,216 | 5,287 | 5 | 3 | 10 | <0,001 |
Sim | 23 | 2 | 52 | 24,957 | 13,65 | 25 | 14,5 | 34,5 | ||
Midazolam | Não | 40 | 0 | 20 | 7,175 | 5,088 | 5,5 | 3 | 10,25 | <0,001 |
Sim | 20 | 9 | 52 | 27,7 | 12,444 | 26,5 | 19 | 36 | ||
Noradrenalina | Não | 42 | 0 | 27 | 8,714 | 6,248 | 8 | 4,25 | 12 | <0,001 |
Sim | 18 | 1 | 52 | 26,389 | 15,401 | 26,5 | 15 | 36 | ||
Insulina regular | Não | 5 | 0 | 5 | 2,4 | 1,949 | 3 | 1 | 3 | 0,003 |
Sim | 55 | 0 | 52 | 15,073 | 12,779 | 12 | 5 | 20 | ||
Amiodarona IV | Não | 51 | 0 | 49 | 11,255 | 10,585 | 9 | 4,5 | 14 | <0,001 |
Sim | 9 | 8 | 52 | 29,667 | 13,105 | 32 | 20 | 36 | ||
Tramadol | Não | 21 | 0 | 36 | 17,905 | 11,743 | 20 | 8 | 27 | 0,032 |
Sim | 39 | 0 | 52 | 11,923 | 12,899 | 9 | 5 | 12 | ||
Fosfato de K | Não | 48 | 0 | 52 | 12,875 | 13,114 | 9 | 4,5 | 15 | 0,035 |
Sim | 12 | 4 | 36 | 18,583 | 10,326 | 17,5 | 11,5 | 26,25 |
*Teste de Mann-Whitney
Quando se associa a quantidade de IMP e a idade da amostra de pacientes internados, percebe-se que aparentemente não existe correlação entre essas duas variáveis, indicando que nesta amostra, a idade não estaria relacionada as IMP.
Polifarmácia excessiva aumenta a média do número de IMP de 2,3 para 12,9 (p = 0,012). E alguns medicamentos parecem mais propensos a causar a IMP, como Fentanil (p valor <0,01), Midazolam (p valor <0,01), Noradrenalina (p valor <0,01), Insulina regular (p valor 0,03), Amiodarona IV (p valor <0,01), Tramadol (p valor 0,032) e Fosfato de K (p valor de 0,035). Percebeu-se que a administração de Midazolam, Insulina regular e Amiodarona IV são medicamentos independentes importantes associados a um aumento do número de IMP com MAV por período ao nível de significância de 5%.
Para descobrir quais desses medicamentos independentemente predizem a quantidade de IMP ajustou-se um modelo linear generalizado considerando distribuição Gama com ligação inversa, indicando como variáveis explicativas os medicamentos previamente significativos. Conclui-se que a administração de Midazolam, Insulina regular e Amiodarona IV são medicamentos independentes importantes associados a um aumento do número de IMP com MAV por período ao nível de significância de 5% (Tabela 3).
Tabela 3 Modelo final para Quantidade de IMP com MAV por período. Modelo linear generalizado considerando distribuição Gama com ligação inversa, Niterói, 2015.
Coeficiente | Estimativa | Erro padrão | valor t | p |
---|---|---|---|---|
Intercepto | 0,413 | 0,107 | 3,847 | <0,001 |
MIDAZOLAM | -0,085 | 0,014 | -6,092 | <0,001 |
INSULINA REGULAR | -0,284 | 0,108 | -2,627 | 0,011 |
AMIODARONA IV | -0,019 | 0,009 | -2,195 | 0,032 |
As estimativas que constam na Tabela 3 devem ser interpretadas como variação no inverso da média da resposta (Quantidade de IMP). Ou seja, a média de IMP por período para pacientes que não utilizaram nenhum desses três medicamentos é
Portanto, pode-se entender que dentre os fatores individuais analisados, existe uma correlação entre a polifarmácia e a ocorrência de IMP com MAV, mais especificamente ao uso de três deles concomitantes com outros medicamentos. Os pacientes idosos aparentemente não apresentam maior risco de desenvolver IMP com MAV e o período de internação é diretamente proporcional ao número de IMP com MAV.
Através da análise dos prontuários, no que diz respeito ao perfil dos pacientes internados, pode-se perceber que no CTI da instituição, em questão, há um perfil diferenciado da maioria das instituições de terapia intensiva, onde pacientes têm uma demanda de cuidados complexa, instabilidade e/ou gravidade; já que a maioria (61,66%) destes era oriunda de pré ou pós-operatório de procedimentos cirúrgicos e em poucos dias era transferida para as enfermarias do Hospital.
Contudo, parece comum que os setores de terapia intensiva recebam pacientes graves, dependentes de ventilação mecânica e de tecnologias mais complexas. Geralmente, dá-se preferência a estes perfis de paciente nesses setores.
Os setores de terapia intensiva são definidos como área crítica destinada à internação de pacientes graves, que necessitam de atenção profissional especializada, materiais específicos e o uso de tecnologias.17
Quanto ao perfil demográfico dos pacientes, a maioria era do sexo masculino (58,33%); o que converge com um estudo multicêntrico onde foram incluídos 1124 prontuários; sendo 630 (56%) de pacientes do sexo masculino. De acordo com uma revisão da literatura publicada em 2013, a maioria dos pacientes internados em setores de terapia intensiva é do sexo masculino e idosa.6,18
Entretanto, em pesquisa realizada em dois hospitais brasileiros, a média de idade foi de 56,1 e a mediana de 57 anos.19 Já em pesquisa realizada em um hospital brasileiro de atenção terciária, a amostra (n=573) apresentou-se com 73% dos pacientes com idade igual ou acima de 60 anos.20No presente estudo, 48,32% dos pacientes possuíam mais de 60 anos de idade, enquanto a média de idade foi de 57,5 e 58,5 anos, respectivamente para o grupo dos pacientes expostos e não expostos à IMP, o que não caracterizou uma maioria de pacientes idosos. Acredita-se que esse perfil se deva a internação de muitos pacientes jovens em pré ou pós-operatório.
Na presente pesquisa, a idade não apresentou nenhuma correlação com a quantidade de IMP ao teste de Pearson. Além do que, ao se comparar a idade dos pacientes que apresentaram IMP com a daqueles que não apresentaram IMP, não se identificou uma diferença significativa estatisticamente ao teste t-student (p 0,934). Em outro estudo com IM em Terapia Intensiva, as interações medicamentosas foram mais frequentes nos pacientes com idade maior ou igual a 60 anos, porém a relação não foi estatisticamente significativa (p valor = 0,90).21
Em relação ao tempo de internação, encontrou-se uma correlação entre a quantidade de IMP por período e o tempo de internação, indicando que este poderia ser um fator predisponente às IMP. Esse fato é também verdadeiro em outros estudos desenvolvidos em terapia intensiva. Todavia, seria importante adotar uma análise criteriosa, já que normalmente se espera um número maior de medicamentos e consequentemente de IMP em pacientes com um maior tempo de internação. Em pesquisa, que comparou dados de IMP entre 24 e 120 horas de internação dos pacientes em terapia intensiva, observou-se que o número médio de IMP por paciente elevou de 2,9 (24 horas) para 3,3 (120 horas).6
Há de se destacar que os medicamentos que obtiveram forte associação com IMP, também foram medicamentos extensamente prescritos, portanto, presente em muitas das IMP, mas a amiodarona excetuou-se a esse fator, já que foi prescrita apenas a nove pacientes.
O fentanil e o midazolam são bastante utilizados em terapia intensiva, tanto que a literatura atual também traz a alta frequência de IM envolvendo estes dois medicamentos. Foi possível observar em pesquisas realizadas em CTI que dentre os medicamentos mais interagentes, o midazolam e o fentanil apresentaram 45 (14,5%) das interações medicamentosas identificadas e das 15 IM mais frequentes, nove envolviam midazolam ou fentanil.21,22
Observa-se ainda que das IM mais frequentes o fentanil ou midazolam estavam associadas a oito delas. O fentanil também foi o maior interagente encontrado, presente em 36 de 54 pares de IM.6,19
Acredita-se que a presença das IMP com esses MAV se deva entre outros fatores, a sua grande utilização em terapia intensiva. Esse fator, associado aos agravantes do setor e a complexidade da clientela podem aumentar a ocorrência de erros e IMP. Em pesquisa relacionada a erros de medicação, 12,1% das ocorrências de erros com medicamentos estavam relacionados aos MAV, predominando a classe dos anestésicos venosos (fentanil, midazolam e propofol), correspondendo 43,3%.23 A amiodarona por sua vez, possui risco conhecido de aumentar o intervalo QT. O medicamento possui relação de interação medicamentosa notificada com cerca de 197 outros medicamentos, muitas delas com repercussões relacionadas ao prolongamento do intervalo QT.16,24
A insulina também apresentou associação com as IMP. Em outros estudos a relação do medicamento com as IM também foi destacada: de 840 pares de IM identificados, 14 relacionavam-se a insulina. A insulina também relacionou-se aos 15 principais pares de IM, sendo a frequência de IM envolvendo este medicamento de 6,67%.6,22
Se considerarmos a relevância da utilização de insulinas na atualidade, deparamo-nos com o possível impacto de erros envolvendo estes medicamentos. Em 2012, existiam cerca de 366 milhões de pessoas vivendo com diabetes melito em todo mundo, sendo que em 2011, cerca de 4,6 milhões de pessoas vieram a óbito em decorrência da doença.25
Um fator importante a ser discutido é a questão da polifarmácia, que apresentou uma forte correlação com as IMP neste estudo. Destaca-se que o uso de mais de seis medicamentos por dia aumenta 9.8 vezes o risco de IM e a prevalência de interações é fortemente associada ao número de medicamentos prescritos (p 0,001).22,26
Nessa perspectiva, considera-se que os pacientes de unidades de terapia intensiva podem apresentar maior probabilidade de desenvolver interações medicamentosas quando comparados aos pacientes de outras unidades. Além do risco atribuído a polifarmácia, há o risco da gravidade, doença e da falência de órgãos.6
Esforços para a prevenção dos erros de medicação devem ser feitos, considerando a grande repercussão dos mesmos sobre a segurança do paciente, entre eles, a reconciliação terapêutica/medicamentosa (RT). O conceito surgiu em 2002 nos Estados Unidos e, em 2003, a Joint Commission considerou a RT como uma atividade indispensável para melhorar a segurança dos doentes. Uma revisão sistemática indicou que discrepâncias não intencionais com medicamentos foram identificadas em 98,2% dos pacientes, a partir da utilização da reconciliação medicamentosa. 27,28
A equipe de enfermagem tem papel fundamental na redução dos EAM, uma vez que funciona ininterruptamente no cuidado e representa, na maioria dos casos, o maior percentual de trabalhadores em serviços de saúde. Ademais, a equipe de enfermagem é a mais envolvida na administração de medicamentos.29
É importante destacar no âmbito das IM, que os enfermeiros devem atentar-se para o aprazamento das prescrições médicas, de modo a evitar que medicamentos que possam interagir e/ou interferir na eficácia do tratamento sejam administrados simultaneamente, garantindo que haja o planejamento adequado das medicações e seus intervalos, minimizando os possíveis eventos adversos associados às IM.30
A população do estudo mostrou-se bastante homogênea no que diz respeito às IMP com MAV, já que apenas dois pacientes não foram expostos às mesmas. Das variáveis independentes analisadas, a saber, sexo, idade, comorbidades, polifarmácia e tempo de internação; a polifarmácia e a utilização de alguns medicamentos específicos como midazolam, insulina regular e amiodarona IV mostraram associação forte e significativa com as IMP. O tempo de internação também mostrou associação com a presenças das IMP com MAV. Esta pesquisa mostra-se relevante no que diz respeito à segurança do paciente e a utilização de medicamentos, já que existem poucos estudos voltados às interações medicamentosas relacionadas aos MAV, sobretudo quando se refere ao público de terapia intensiva. Considerando que as IM podem se configurar erros de medicação, é indispensável que a equipe de saúde trabalhe com estratégias para melhor manejar o sistema de medicação, desde o momento da prescrição medicamentosa até a administração dos medicamentos. Esse fator é relevante sobremaneira quando se refere aos profissionais de enfermagem, que exercem grande parte da sua rotina de trabalho em CTI, lidando com medicamentos. Para implementar estratégias com vistas à redução de erros de medicação relacionados às IM, são necessários estudos que caracterizem e estabeleçam o perfil e os fatores de riscos a esses eventos. Nesse sentido, esta pesquisa encontra sua valia. Considerando ainda que os MAV são medicamentos que resultam em eventos mais graves quando relacionados a erros, é imperativo debruçar-se sobre o estudo desse assunto.
É importante destacar a relevância de alguns medicamentos. Alguns deles mostraram-se mais propensos a causar a IMP, como Fentanil (p valor <0,01), Midazolam (p valor <0,01) e Insulina regular (p valor 0,03). Esse fato, apesar de poder ser influenciado pela grande utilização desses agentes no ambiente de terapia intensiva, representa a relevância dos mesmos quando se trata de erros relacionados ao sistema de medicação. Isto também se mostra verdadeiro quando se atenta à literatura atual. Os erros e EAM relacionados a estes medicamentos são frequentes em diversos estudos realizados em CTI ou UTI. Por conta da farmacodinâmica desses fármacos, as repercussões podem ser ainda mais graves, considerando ainda o paciente internado em CTI ou UTI; normalmente polimedicado, idoso, apresentando comorbidades e com possibilidade de ineficiência nos processos metabolização e excreção de medicamentos. Desta forma, há de se estabelecer certa vigilância no sentido de evitar IM desnecessárias ou quando a administração conjunta de determinados interagentes for indispensável, deve-se possuir competências para manejar esta administração de forma mais adequada com o menor risco possível para a o paciente.
Quanto às limitações do estudo, a quantidade de sujeitos foi pequena e o estudo realizado em apenas uma unidade, o que dificulta a generalização dos resultados. Acredita-se que são necessários estudos posteriores, com um número maior de participantes, a fim de atribuir um maior poder à análise. Salienta-se ainda que alguns fármacos, não foram identificados no software utilizado para a realização do estudo, por isso não foram consideradas as possíveis IM envolvendo os mesmos. Este fato pode, então, subestimar a prevalência das IMP. Quanto ao método e à análise de dados, pretendia-se estabelecer os fatores de risco para as IM com MAV, contudo como o número de pacientes que não apresentação IM era muito baixo (apenas dois), realizaram-se comparações do número de IM com MAV segundo medicações e comorbidades pelo teste de Mann-Whitney.