versão impressa ISSN 1414-462Xversão On-line ISSN 2358-291X
Cad. saúde colet. vol.23 no.3 Rio de Janeiro jul./set. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/1414-462X201500030121
Burnout syndrome results from chronic occupational stress and is composed by three dimensions emotional exhaustion, depersonalization (cynicism) and professional fulfillment. The study aimed to identify, in basic education teachers from Londrina, Brazil, factors associated with worse levels in these dimensions. This is a cross-sectional study, conducted between August 2012 and June 2013 that gathered information on socio-demographic and occupational characteristics, relationships in school, violence, and burnout syndrome (by means of the Maslach Burnout Inventory - MBI). Scores over the percentile 75 in the MBI (exhaustion and cynicism) or below the percentile 25 (professional fulfillment) were considered the worse levels. Bivariate and Poisson multiple regressions analyses were conducted. A total of 804 teachers participated in the study. After adjustments, bad/fair relationship with students was associated with worse levels in the three BMI dimensions. Insufficient time for family/leisure and bad/fair relationship with students' parents remained significantly associated with higher levels of exhaustion and cynicism. Physical violence, high number of students and bad school infrastructure were associated with worse levels of cynicism, while bad/fair opportunity to express opinions at work with low professional fulfillment. Hostile work environment and other labor factors should be prioritized by policies in order to prevent burnout syndrome among teachers.
Keywords: Burnout; faculty; occupational health; working conditions; cross-sectional studies
A Síndrome de Burnout, ou esgotamento profissional, é um fenômeno psicossocial em resposta aos estressores crônicos presentes no ambiente do trabalho, com consequências negativas em âmbito individual, familiar, profissional e social1-4. Desde 1999, essa síndrome é reconhecida pela Previdência Social, no Brasil, como um transtorno relacionado ao trabalho5. É composta por três dimensões relacionadas entre si, mas independentes: exaustão emocional, despersonalização (também denominada de cinismo4) e baixa realização profissional6,7.
Exaustão emocional refere-se ao esgotamento dos recursos físicos e psíquicos por desgaste emocional e resulta em falta de energia e de entusiasmo em relação ao trabalho. Despersonalização (ou cinismo) é o distanciamento interpessoal, com diminuição do envolvimento emocional no trabalho e do desenvolvimento de atitudes impessoais e desumanizadas no tratamento de clientes e de colegas. Baixa realização pessoal no trabalho corresponde à dimensão de autoavaliação negativa e relaciona-se à baixa produtividade laboral e a sentimentos de ineficácia e de incompetência, que promovem insatisfação profissional1,8,9.
Professores da educação básica apresentam grande risco de desenvolver a Síndrome de Burnout10, pois estão expostos a ambientes de trabalho com elevada exigência profissional, como tarefas extraclasses, carga horária excessiva e pouco tempo para atualização, lazer e convívio social7. Além disso, o professor passa frequentemente por situações conflitantes, como sentir a necessidade de ser companheiro do aluno, propiciar-lhe desenvolvimento pessoal e, ao mesmo tempo, ter que julgá-lo10. Somam-se a isso ainda baixos salários, condições de trabalho precárias, falta de reconhecimento social e inexpressiva participação no planejamento de políticas institucionais11,12.
Dessa forma, o professor pode se sentir exausto e sem entusiasmo, correndo risco de desenvolver a Síndrome de Burnout. Consequentemente, problemas sociais, físicos e psicológicos podem ocorrer, como uso abusivo de álcool ou de outras drogas, imunodepressão, problemas cardiovasculares, ansiedade, depressão, absenteísmo, desejo de abandonar a profissão e baixa produtividade. Há também repercussões importantes na qualidade de vida dos professores, no ensino e no sistema educacional como um todo10,13,14.
Entre as características associadas às dimensões do Burnout avaliadas em estudos anteriores com professores, destacam-se as sociodemográficas ou do ambiente familiar (sexo, idade, situação conjugal, número de filhos, oportunidade de lazer e expectativas familiares) e as relacionadas ao trabalho (carga horária, tempo de profissão, remuneração, relacionamento com superiores ou com colegas de trabalho, falta de reciprocidade na relação com alunos, percepção de que a profissão interfere na vida pessoal ou que é estressante, intenção de abandonar a profissão, insatisfação com o trabalho, excesso de responsabilidades, conflitos de papéis e sobrecarga, elevado número de alunos por turma, mau comportamento dos alunos e participação em decisões institucionais)7,8,12,15-19.
Contudo, conforme destacam Carlotto e Câmara6 após revisão de literatura, a produção científica brasileira sobre a Síndrome de Burnout ainda é incipiente e suas dimensões e características são pouco conhecidas, apesar dos impactos sociais importantes, além das consequências negativas em nível individual, profissional, familiar e institucional20. Nesse sentido, este estudo tem por objetivo identificar fatores associados a piores níveis nas três dimensões do Burnout em professores da educação básica em Londrina, no Estado do Paraná.
Trata-se de estudo transversal vinculado a uma pesquisa maior denominada “Saúde, Estilo de Vida e Trabalho de Professores da Rede Pública do Paraná” (Pró-Mestre). A população do Pró-Mestre foi composta por todos os professores do ensino regular básico (fundamental e/ou médio) das 20 escolas com maior número de docentes da rede estadual de ensino de Londrina/PR, representando aproximadamente 75,0% dos professores ativos do ensino básico regular da cidade. Foram considerados como perdas os professores que estavam em licença durante os 21 dias de coleta de dados em cada escola e que não retornaram às atividades após 30 dias de seu término (totalizando 51 dias), além daqueles que não aceitaram participar da pesquisa e cujo contato não foi possível após cinco tentativas.
Para este estudo, optou-se por excluir docentes com tempo de trabalho menor que um ano ou que tiraram licença maior que 30 dias nos últimos 12 meses, devido ao período de exposição às variáveis estudadas. Professores que preencheram de forma incompleta os itens da escala de Burnout também foram considerados perdas.
Estudo-piloto foi desenvolvido com 82 professores de três escolas da rede estadual de ensino de município localizado na Região Metropolitana de Londrina/PR, em junho de 2012, a fim de identificar possíveis dificuldades operacionais e aprimorar os instrumentos da entrevista, compostos por formulário para anotação de dados da entrevista e um questionário autorrespondido. Dados sociodemográficos e perguntas relativas à Escala de Burnout foram obtidos pelo questionário autorrespondido; os demais, por entrevista. A coleta de dados foi realizada por estudantes de pós-graduação em Saúde Coletiva e de graduação (Medicina e Enfermagem) previamente treinados, entre agosto de 2012 e junho de 2013.
As variáveis independentes consideradas neste estudo foram: (1) características sociodemográficas – sexo (masculino e feminino); idade (<35, 35-44, 45-54 e ≥55 anos); situação conjugal (solteiro, casado/união estável e separado/divorciado/viúvo, posteriormente categorizados em com ou sem companheiro); (2) características e percepções quanto ao trabalho – tempo de profissão (≤10, 11-20 e >20 anos); carga horária semanal com alunos (≤20 horas e >20 horas); percepções quanto à oportunidade para expressar suas opiniões no trabalho (ruim/regular e bom/excelente); quanto à remuneração recebida em relação ao trabalho realizado (ruim/regular e bom/excelente); quanto à quantidade de alunos por sala de aula (ruim/regular e bom/excelente); quanto à infraestrutura da escola (ruim e regular/bom/excelente); quanto ao tempo disponível para realizar o trabalho (insuficiente e regular/suficiente) e para a família e lazer (insuficiente e regular/suficiente); quanto ao relacionamento com superiores (ruim/regular e bom/excelente), com professores (ruim/regular e bom/excelente), com alunos (ruim/regular e bom/excelente) e com pais de alunos (ruim/regular, bom/excelente e não tem relacionamento); (3) violência sofrida pelo professor no ambiente escolar nos últimos 12 meses – insultos ou gozações de alunos (sim e não); humilhações, insultos ou gozações de professores ou superiores (sim e não); violência física (sim e não) – neste estudo, considerada como qualquer agressão ou tentativa de agressão corporal, com arma de fogo ou com faca/objeto cortante.
A Escala de Burnout utilizada, o Maslach Burnout Inventory (MBI), é um inventário autoaplicável que permite verificar a percepção do indivíduo sobre seu trabalho em três dimensões: exaustão emocional, despersonalização e realização profissional19. É composto por 22 itens, dos quais 9 avaliam a exaustão emocional, 5, a despersonalização, e 8, a realização profissional. O sistema de pontuação utilizado para classificar as respostas varia de 1 a 5, conforme a frequência, na versão brasileira adaptada por Tamayo21 e adaptada/validada por Carlotto e Câmara22 em uma amostra de professores: 1=nunca, 2=algumas vezes ao ano, 3=algumas vezes no mês, 4=algumas vezes na semana e 5=diariamente. Altos escores em exaustão emocional e despersonalização correspondem a elevado nível de Burnout, enquanto baixos escores em realização profissional estão relacionados a alto nível da síndrome23. Dessa forma, foram estabelecidos três desfechos, um para cada dimensão da escala, de acordo com a seguinte classificação: professores com pontuação > percentil 75 no somatório de pontos do MBI (exaustão emocional e despersonalização) ou < percentil 25 (realização profissional) foram considerados com piores níveis nessa escala. Esse critério baseou-se no fato de inexistirem estudos com pontos de corte validados para a escala de cinco pontos21 na literatura.
Os dados foram duplamente digitados em banco de dados no programa Epi Info®, versão 3.5.4, com correções de discrepâncias após consulta aos instrumentos de pesquisa, e tabulados utilizando o programa Statistical Package for Social Sciences® (SPSS), versão 19.0. Realizaram-se análises descritivas, bivariadas e de múltiplos fatores por regressão de Poisson (método forward). A escolha da regressão de Poisson com variância robusta deveu-se à possibilidade de esta estimar diretamente a razão de prevalência (RP) em estudos seccionais e evitar superestimação da associação em estudos com desfechos de elevada prevalência24. A confiabilidade do instrumento MBI foi avaliada por intermédio do coeficiente alfa (α) de Cronbach, considerando adequado se α≥0,70.
Para cada dimensão do Burnout, variáveis com valor de p<0,20 na análise bivariada foram ajustadas por regressão de Poisson. Essa opção baseia-se na primeira etapa da proposta de Hosmer et al.25, denominada “purposeful selection”. Essa proposta inicia-se com uma análise univariada cuidadosa de cada variável independente a fim de identificar candidatas à análise de regressão múltipla. Os autores recomendam a seleção inicial para o modelo múltiplo daquelas com p-valor de 0,20 ou 0,25 (critério de rastreamento), pois o uso de níveis de significância tradicionais (como o de 5%) pode conduzir à exclusão de variáveis importantes, do ponto de vista epidemiológico, do ajuste do modelo. Idade foi incluída no ajuste na forma contínua. Para todas as análises, considerou-se nível de significância de 5%.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Londrina (UEL), parecer n. 22562, e cada entrevista foi conduzida somente após esclarecimento dos objetivos da pesquisa e consentimento do participante, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Dos 1.126 professores elegíveis para o estudo maior, 148 (13,1%) foram considerados perdas: licença (65), recusa (63) e não localização após cinco tentativas (20). Para esta pesquisa, foram excluídos 128 professores: 9 por tempo de trabalho menor que um ano e 119 por licença maior que 30 dias. Na análise, 46 foram ainda considerados perdas por não preencheram completamente os itens da Escala de Burnout do questionário, restando, portanto, dados de 804 professores para análise.
A população estudada constituiu-se predominantemente de mulheres (67,2%), casada ou em união estável (57,2%) e com menos de 45 anos (62,9%). Os participantes trabalhavam como professores, em média, havia 13,23 anos (DP=8,95) e cumpriam carga horária média semanal com alunos de 28,24 horas (DP=9,27). A maioria considerou a remuneração e a quantidade de alunos por sala de aula ruim ou regular (64,3% e 68,7%, respectivamente). Grande parte deles acreditava que o tempo disponível para realizar seu trabalho (45,0%) e para família ou lazer (46,8%) era insuficiente. Uma pequena parcela avaliou a infraestrutura da escola como ruim (14,7%).
A violência mais relatada nos 12 meses anteriores à pesquisa foi ter recebido insultos ou gozações de alunos (54,6%), seguida de humilhações, insultos ou gozações de colegas ou superiores (17,7%). A violência física foi relatada por 8,7% dos professores.
A análise da consistência interna das respostas aos itens do MBI pelo método de alfa de Cronbach identificou alta ou boa confiabilidade para as dimensões exaustão emocional (α=0,907), despersonalização (α=0,714) e realização profissional (α=0,820).
Na análise bivariada, verificou-se associação da idade e da situação conjugal com algumas dimensões do Burnout (Tabela 1). Pessoas mais jovens apresentaram níveis mais elevados de exaustão, despersonalização e baixa realização profissional. À exceção de tempo de profissão e carga horária semanal com alunos, todas as demais características do trabalho associaram-se a piores níveis de exaustão emocional, despersonalização e baixa realização profissional. Professores com menos tempo de profissão também apresentaram maior frequência de baixa realização profissional (Tabela 2). Piores níveis de exaustão emocional, despersonalização e baixa realização profissional também foram observados entre professores que julgavam seus relacionamentos com alunos, pais de alunos, superiores ou colegas como ruim/regular e entre os que referiram violência nos 12 meses anteriores à pesquisa, embora nem todas as associações tenham sido estatisticamente significativas (Tabela 3).
Tabela 1 Associação entre características sociodemográficas e piores níveis nas dimensões da Síndrome de Burnout em professores da rede estadual de ensino de Londrina/PR, 2012-2013
Variáveis | Exaustão | Despersonalização | Baixa realização profissional | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Total† | N (%) | RP (IC 95%) | N (%) | RP (IC 95%) | N (%) | RP (IC 95%) | |
Sexo | |||||||
Masculino | 264 | 54 (20,5) | 1 | 62 (23,5) | 1 | 54 (20,5) | 1 |
Feminino | 540 | 127 (23,5) | 1,15 (0,87-1,52) | 120 (22,2) | 0,95 (0,72-1,24) | 99 (18,3) | 0,90 (0,67-1,21) |
Idade (anos) | |||||||
<35 | 260 | 64 (24,6) | 1,70* (0,95-3,06) | 70 (26,9) | 1,86* (1,04-3,33) | 63 (24,2) | 3,68* (1,54-8,83) |
35-44 | 246 | 52 (21,1) | 1,46 (0,80-2,65) | 59 (24,0) | 1,66* (0,92-2,99) | 51 (20,7) | 3,15* (1,31-7,61) |
45-54 | 222 | 54 (24,3) | 1,68* (0,93-3,04) | 42 (18,9) | 1,31 (0,71-2,41) | 34 (15,3) | 2,33* (0,95-5,74) |
≥55 | 76 | 11 (14,5) | 1 | 11 (14,5) | 1 | 5 (6,6) | 1 |
Situação conjugal | |||||||
Com companheiro | 458 | 98 (21,4) | 1 | 97 (21,2) | 1 | 78 (17,0) | 1 |
Sem companheiro | 342 | 83 (24,3) | 1,13 (0,88-1,47) | 85 (24,9) | 1,17 (0,91-1,52) | 75 (21,9) | 1,29* (0,97-1,71) |
RP = Razão de Prevalência
IC = Intervalo de confiança
†A soma não totaliza 804 em todas as variáveis devido a informações faltantes
*p<0,20
Tabela 2 Associação entre características laborais e piores níveis nas dimensões da Síndrome de Burnout em professores da rede estadual de ensino de Londrina/PR, 2012-2013
Variáveis | Exaustão | Despersonalização | Baixa realização profissional | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Total† | N (%) | RP (IC 95%) | N (%) | RP (IC 95%) | N (%) | RP (IC 95%) | |
Tempo de profissão (anos) | |||||||
≤10 | 403 | 92 (22,8) | 0,95 (0,69-1,30) | 99 (24,6) | 1,26* (0,89-1,77) | 89 (22,1) | 1,80* (1,17- 2,77) |
11-20 | 222 | 46 (20,7) | 0,86 (0,60-1,24) | 48 (21,6) | 1,11 (0,75-1,63) | 42 (18,9) | 1,54* (0,96-2,48) |
>20 | 179 | 43 (24,0) | 1 | 35 (19,6) | 1 | 22 (12,3) | 1 |
Horas (semana) com alunos | |||||||
≤20 | 189 | 38 (20,1) | 1 | 42 (22,2) | 1 | 35 (18,5) | 1 |
>20 | 612 | 143 (23,4) | 1,16 (0,85-1,60) | 140 (22,9) | 1,03 (0,76-1,40) | 118 (19,3) | 1,04 (0,74-1,46) |
Oportunidade para expressar opinião | |||||||
Bom/excelente | 649 | 127 (19,6) | 1 | 130 (20,0) | 1 | 107 (16,5) | 1 |
Ruim/regular | 150 | 53 (35,3) | 1,81* (1,38-2,36) | 50 (33,3) | 1,66* (1,27-2,19) | 44 (29,3) | 1,78* (1,31-2,41) |
Remuneração | |||||||
Bom/excelente | 287 | 47 (16,4) | 1 | 47 (16,4) | 1 | 44 (15,3) | 1 |
Ruim/regular | 516 | 134 (26,0) | 1,59* (1,18-2,14) | 135 (26,2) | 1,60* (1,19-2,15) | 109 (21,1) | 1,38* (1,00-1,90) |
Quantidade de alunos | |||||||
Bom/excelente | 252 | 40 (15,9) | 1 | 37 (14,7) | 1 | 35 (13,9) | 1 |
Ruim/regular | 552 | 141 (25,5) | 1,61* (1,17- 2,21) | 145 (26,3) | 1,79* (1,29-2,49) | 118 (21,4) | 1,54* (1,09-2,18) |
Infraestrutura da escola | |||||||
Regular/bom/excelente | 686 | 146 (21,3) | 1 | 138 (20,1) | 1 | 124 (18,1) | 1 |
Ruim | 118 | 35 (29,7) | 1,39* (1,02-1,91) | 44 (37,3) | 1,85* (1,40-2,45) | 29 (24,6) | 1,36* (0,95-1,94) |
Tempo para o trabalho | |||||||
Regular/suficiente | 442 | 74 (16,7) | 1 | 89 (20,1) | 1 | 71 (16,1) | 1 |
Insuficiente | 362 | 107 (29,6) | 1,77* (1,36-2,30) | 93 (25,7) | 1,28* (0,99-1,65) | 82 (22,7) | 1,41* (1,06-1,88) |
Tempo para a família e lazer | |||||||
Regular/suficiente | 428 | 66 (15,4) | 1 | 76 (17,8) | 1 | 67 (15,7) | 1 |
Insuficiente | 376 | 115 (30,6) | 1,98* (1,52-2,60) | 106 (28,2) | 1,59* (1,22-2,06) | 86 (22,9) | 1,46* (1,10-1,95) |
RP = Razão de Prevalência
IC = Intervalo de confiança
†A soma não totaliza 804 em todas as variáveis devido a informações faltantes
*p<0,20
Tabela 3 Associação entre características de relacionamento e de violência e piores níveis nas dimensões da Síndrome de Burnout em professores da rede estadual de ensino de Londrina/PR, 2012-2013
Variáveis | Exaustão | Despersonalização | Baixa realização profissional | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Total† | n (%) | RP (IC 95%) | n (%) | RP (IC 95%) | n (%) | RP (IC 95%) | |
Relacionamento com superiores | |||||||
Bom/excelente | 746 | 158 (21,2) | 1 | 164 (22,0) | 1 | 136 (18,2) | 1 |
Ruim/regular | 58 | 23 (39,7) | 1,87* (1,32-2,65) | 18 (31,0) | 1,41* (0,94-2,12) | 17 (29,3) | 1,61* (1,05-2,47) |
Relacionamento com professores | |||||||
Bom/excelente | 770 | 172 (22,3) | 1 | 173 (22,5) | 1 | 143 (18,6) | 1 |
Ruim/regular | 34 | 9 (26,5) | 1,19 (0,67-2,11) | 9 (26,5) | 1,18 (0,66-2,10) | 10 (29,4) | 1,58* (0,92-2,72) |
Relacionamento com alunos | |||||||
Bom/excelente | 722 | 145 (20,1) | 1 | 145 (20,1) | 1 | 122 (16,9) | 1 |
Ruim/regular | 82 | 36 (43,9) | 2,19* (1,64-2,91) | 37 (45,1) | 2,25* (1,70-2,97) | 31 (37,8) | 2,24* (1,62-3,09) |
Relacionamento com pais de alunos | |||||||
Bom/excelente | 428 | 81 (18,9) | 1 | 79 (18,5) | 1 | 73 (17,1) | 1 |
Ruim/regular | 105 | 36 (34,3) | 1,81* (1,30-2,52) | 37 (35,2) | 1,91* (1,38-2,65) | 22 (21,0) | 1,23 (0,80-1,88) |
Não tem relacionamento | 269 | 64 (23,8) | 1,26* (0,94-1,68) | 65 (24,2) | 1,31* (0,98-1,75) | 58 (21,6) | 1,26* (0,93-1,72) |
Insultos ou gozações de alunos | |||||||
Não | 365 | 53 (14,5) | 1 | 62 (17,0) | 1 | 58 (15,9) | 1 |
Sim | 439 | 128 (29,2) | 2,01* (1,51-2,68) | 120 (27,3) | 1,61* (1,22-2,12) | 95 (21,6) | 1,36* (1,01-1,83) |
Humilhações, insultos ou gozações de professores ou superiores | |||||||
Não | 662 | 132 (19,9) | 1 | 137 (20,7) | 1 | 119 (18,0) | 1 |
Sim | 142 | 49 (34,5) | 1,73* (1,32-2,27) | 45 (31,7) | 1,53* (1,15-2,03) | 34 (23,9) | 1,33* (0,95-1,86) |
Violência física | |||||||
Não | 734 | 158 (21,5) | 1 | 153 (20,8) | 1 | 136 (18,5) | 1 |
Sim | 70 | 23 (32,9) | 1,53* (1,06-2,19) | 29 (41,4) | 1,99* (1,46-2,72) | 17 (24,3) | 1,31 (0,84-2,04) |
RP = Razão de Prevalência
IC = Intervalo de confiança
†A soma não totaliza 804 em todas as variáveis devido a informações faltantes
*p<0,20
A análise de regressão de Poisson é apresentada na Tabela 4. Após ajustes incluindo as variáveis com valor de p<0,20, permaneceram associadas a piores níveis de exaustão emocional: relacionamento ruim/regular com alunos e pais de alunos; tempo insuficiente para família e lazer; ter sofrido insulto ou gozações de alunos. Associaram-se a piores níveis de despersonalização: relacionamentos ruim/regular com alunos e com pais de alunos; tempo insuficiente para família e lazer; infraestrutura ruim da escola; quantidade ruim/regular de alunos por sala de aula; ter sofrido violência física. Além do relacionamento ruim/regular com alunos, também se associou à baixa realização profissional a percepção ruim/regular sobre oportunidade para expressar opinião no trabalho.
Tabela 4 Regressão de Poisson de fatores associados a piores níveis nas dimensões da Síndrome de Burnout em professores da rede estadual de ensino de Londrina/PR, 2012-2013
Variáveis | Exaustão | Despersonalização | Baixa realização profissional |
---|---|---|---|
RP (IC 95%) | RP (IC 95%) | RP (IC 95%) | |
Relacionamento ruim/regular com alunos | 1,53** (1,14-2,06) | 1,71*** (1,28-2,28) | 1,95*** (1,39-2,73) |
Relacionamento ruim/regular com pais | 1,50* (1,08-2,07) | 1,47* (1,06-2,03) | |
Tempo insuficiente para a família e lazer | 1,66*** (1,25-2,19) | 1,46** (1,12-1,91) | |
Insultos ou gozações de alunos (sim) | 1,69*** (1,27-2,27) | ||
Violência física (sim) | 1,69** (1,23-2,33) | ||
Quantidade ruim/regular de alunos por sala de aula | 1,46* (1,05-2,02) | ||
Infraestrutura ruim da escola | 1,52** (1,14-2,04) | ||
Oportunidade ruim/regular para expressar opinião no trabalho | 1,39* (1,00-1,93) |
RP = Razão de Prevalência
IC = Intervalo de confiança
*p≤0,05, **p<0,01, ***p<0,001
Além das demais variáveis com p<0,20, a idade foi incluída em todos os modelos como variável contínua, com valores de beta=–0,006 para exaustão (p=0,389), –0,019 para despersonalização (p<0,001) e –0,027 para realização profissional (p=0,012)
Relacionamento precário entre professor e aluno, violência em ambiente escolar e outras características do trabalho foram fatores associados a piores níveis na Escala de Burnout entre os professores estudados, fortalecendo o argumento de que as condições de trabalho e a qualidade da relação entre o indivíduo e as outras pessoas em seu ambiente laboral estão associados a essa síndrome26,27.
É importante destacar algumas limitações deste estudo. Por ser de delineamento transversal, não é possível estabelecer relações de causalidade, exceto no caso de variáveis que sabidamente antecedem o desfecho, como sexo e idade. Além disso, professores afastados por licença ou readaptados de função não fizeram parte da amostra final. Por esse motivo, os resultados possivelmente estejam subestimados, uma vez que os professores afetados pela síndrome podem ter sido excluídos, enquanto os docentes mais resistentes ao Burnout podem ter sido selecionados, resultando no conhecido efeito do trabalhador sadio28. Ademais, não é possível extrapolar os resultados para a totalidade dos professores da educação básica, particularmente para os que atuam em escolas menores ou na área rural.
Destacam-se, todavia, alguns pontos fortes do trabalho. A seleção das escolas com maior número de professores possibilitou uma amostra abrangente de professores atuantes em todas as regiões da área urbana do município, tanto central como periféricas. A consistência interna do MBI para medir as dimensões da Síndrome de Burnout mostrou-se altamente satisfatória, com alfas de Cronbach semelhantes ou superiores aos encontrados em outro estudo29, que avaliou o comportamento psicométrico do MBI de professores de escolas privadas da Região Metropolitana de Porto Alegre/RS: exaustão emocional (α=0,880), realização profissional (α=0,820) e despersonalização (α=0,580).
Quanto às variáveis sociodemográficas, professores mais jovens apresentaram maior frequência de piores níveis de despersonalização e de baixa realização profissional. Estudos anteriores mostram que pessoas mais jovens tendem a apresentar níveis mais elevados de Burnout e maior sentimento de despersonalização1,12,17. Profissionais jovens em início de carreira precisam se adaptar ao seu novo papel e à nova realidade. Dessa forma, tendem a se envolver excessivamente com o trabalho na busca por autorrealização. No entanto, a presença de múltiplos fatores que promovem insatisfação no percurso profissional gera sentimento de frustração, o que influencia diretamente no grau de envolvimento com o trabalho e pode resultar na realização de atividades mínimas para a manutenção no emprego, já que a atividade docente não é mais percebida como prazerosa30. Além disso, alguns pesquisadores argumentam que professores mais jovens têm mais entusiasmo, mas também mais dificuldade para lidar com as diversas situações em sala de aula, por insegurança, falta de experiência ou por formação inadequada18.
A percepção de dificuldade para expressar opiniões no trabalho associou-se à baixa realização profissional neste estudo e pode estar relacionada à diminuição da autonomia dos professores e à falta de participação nas definições das políticas de ensino, condições que podem predispor ao desenvolvimento da Síndrome de Burnout8,10. Além disso, perceber o número de alunos por sala de aula como elevado associou-se à despersonalização, possivelmente pela maior dificuldade de se estabelecer bom relacionamento aluno-professor em ambiente com maior número de alunos.
Tempo insuficiente para a família e lazer permaneceu nas dimensões de exaustão e de despersonalização. A profissão docente está associada à sobrecarga de trabalho, pois, além das atividades desenvolvidas na escola, muitos professores levam tarefas para casa, o que acaba comprometendo o tempo disponível para atividades com a família ou para descanso. Estudo17 em escolas municipais de João Pessoa/PB revela que o fato de o professor acreditar que a atividade laboral interfere na vida pessoal está relacionado à exaustão emocional e à baixa realização profissional, pois isso gera insatisfação, distanciando o indivíduo do sentimento de realização profissional. No entanto, vale destacar que atividades de lazer podem diminuir a vulnerabilidade ao Burnout por proporcionar divertimento e sensação de bem-estar10.
A percepção de relacionamento ruim/regular com alunos foi a única variável que permaneceu nos três modelos de regressão, mesmo após os ajustes realizados. Estudos prévios observaram que experimentar dificuldades na relação professor-aluno associou-se às dimensões do Burnout9,31. Relacionar-se com alunos é a base para o desenvolvimento da atividade docente e é essencial no processo de aprendizagem. Professores que mantêm um bom relacionamento com seus alunos são mais motivados, entusiasmados e apreciam seu ambiente de trabalho. No entanto, se esse relacionamento não for satisfatório, pode tornar-se fonte de estresse e dificultar o desempenho da função docente e a obtenção dos objetivos pedagógicos8,31.
Professores que referiram ter sofrido insulto/gozações de alunos ou violência física apresentaram maiores frequências de níveis elevados de exaustão emocional e de despersonalização, respectivamente, e esse efeito foi independente de outras características. A violência sofrida pelo professor influencia negativamente em seu comportamento, é fonte de estresse, gera efeitos diretos na sua saúde física e mental e torna seu ambiente de trabalho mais difícil e insuportável. Muitos docentes que sofrem com Burnout se sentem ameaçados em sala de aula, e a violência contra o professor está associada ao desgaste físico, emocional e cognitivo18. A violência na escola, especialmente de alunos, que representam a maior parte do tempo do trabalho docente, dificulta as atividades do professor, exigindo grande consumo de energia de um profissional que já está esgotado, além de levar à diminuição de sua eficiência e ao sentimento de insatisfação8,18.
Ambiente de trabalho hostil, número elevado de alunos, sofrer violência no ambiente de trabalho e outros fatores laborais aumentam a frequência de níveis mais elevados de exaustão emocional, despersonalização e baixa realização profissional (dimensões da Síndrome de Burnout) entre professores. Reconhecer essa realidade e promover medidas públicas para assegurar condições de trabalho adequadas pode melhorar a qualidade de vida dos professores e colaborar para a manutenção de sua saúde física e psicológica. Destaca-se, assim, a importância de estratégias e de políticas para melhorar o ambiente escolar e reduzir a sobrecarga de trabalho dos professores da educação básica.