versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.21 no.5 Rio de Janeiro maio 2016
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015215.08792015
Nas três últimas décadas, em diversas partes do mundo, observou-se incremento nos estudos sobre internações por condições sensíveis à atenção primária (ICSAP)1. A profusão desses estudos, nos mais diferentes sistemas de saúde e regiões do planeta, foi impulsionada pela capacidade do método de fornecer informações proxy, não só a respeito da qualidade e do acesso à atenção primária, mas também por sua utilidade para apontar desigualdades étnicas ou raciais e por gerar valiosas informações sobre o seu impacto econômico no setor saúde2-5.
Mesmo diante da importante redução na carga da doença nas últimas décadas, a pneumonia permanece como a principal causa de morbidade e mortalidade na infância, gerando impactos negativos em países em desenvolvimento e em regiões de elevada desigualdade social, onde há escassez de recursos humanos e financeiros6,7. Estimativas sugerem que devido a complicações clínicas severas, de 7 a 13% do total de casos conhecidos de pneumonia necessitem de cuidados avançados em ambiente hospitalar8. Não raro, os casos mais graves evoluem para óbito, principalmente em crianças menores de um ano9,10.
Apesar de a pneumonia figurar entre as principais causas de adoecimento e morte na infância, são escassos estudos específicos sobre o tema entre as populações indígenas no Brasil. Os poucos identificados na literatura11-14 investigaram amostras de crianças que residem fora da região amazônica. Estatísticas oficiais do Ministério da Saúde são ainda mais raras e costumam restringir-se a relatórios gerenciais de uso exclusivo dos gestores. Em geral, as análises sobre o tema são baseadas em dados secundários de internação hospitalar, os quais ratificam a importância da pneumonia, principalmente nas crianças menores de 60 meses11-14.
A relevância da pneumonia no perfil de morbimortalidade das crianças indígenas; associada à escassez de estudos sobre a temática e ao potencial das análises sobre hospitalizações evitáveis para a avaliação indireta de modelos de assistência pautados na atenção primária motivaram a realização deste estudo. Nosso objetivo foi analisar os fatores associados à pneumonia em crianças Yanomami internadas por condições sensíveis à atenção primária (ICSAP) nos estados do Amazonas e Roraima, na Amazônia brasileira.
A assistência à saúde aos Yanomami que vivem no Brasil é prestada pelo Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (DSEI-Yanomami), vinculado à Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (SESAI/MS).
O DSEI-Yanomami conta com 37 Polos-Base que operam como unidades básicas de saúde, prestando assistência a cerca de 19.000 indígenas da etnia Yanomami que residem em aproximadamente 272 aldeias, situadas entre os estados do Amazonas e Roraima.
De acordo com Albert15, os Yanomami constituem um conjunto cultural e linguístico composto de quatro subgrupos territorialmente adjacentes que falam línguas mutuamente inteligíveis: o Yanomam, o Yanomami (ou Yanomae), o Sanumá e o Ninam (ou Yanam). Considerando essas características culturais, a população distribui-se geograficamente em sete regiões: Auaris; Parima; Surucucu; Uraricoera; Mucajaí e Paapiú, situadas em Roraima; Alto Amazonas; e Baixo Amazonas, situadas no Amazonas.
Foi realizado um estudo epidemiológico observacional de base hospitalar, a partir de registros disponíveis no Hospital da Criança Santo Antônio (HCSA), situado em Boa Vista, capital do estado de Roraima (RR), durante o período de 01/01/2011 a 31/12/2012.
O HCSA é o único hospital especializado em pediatria do estado e é responsável por 92% da totalidade de internações de crianças Yanomami com idade de 0,1 a 59,9 meses16. No conjunto dessas internações, está incluída não só a demanda das crianças Yanomami de RR, como também a das residentes na porção Noroeste do estado do Amazonas. O HCSA é um hospital público, caracterizado por atendimentos de alta complexidade, com gestão municipal direta e conveniado exclusivamente com o Sistema Único de Saúde (SUS).
A principal fonte de dados deste estudo foi a autorização de internação hospitalar (AIH). Complementarmente, foram consultados os registros da coordenação indígena do HCSA, além dos dados oriundos da Casa de Saúde do Índio (CASAI) de Boa Vista.
A base de dados populacionais foi extraída do módulo demográfico do Sistema de Informação da Atenção da Saúde Indígena (SIASI).
Todos os dados coletados foram transcritos para um formulário padronizado, elaborado especificamente para esta pesquisa.
Foram consideradas as seguintes variáveis: nome completo; cor ou raça; etnia; sexo; faixa etária; localidade de origem; tempo de internação; história anterior de hospitalização nos últimos 90 dias; presença concomitante de desnutrição; diagnóstico principal; diagnóstico secundário; e o desfecho óbito.
O Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH-SUS) é o único sistema de informações do DATASUS que prevê o registro de dados sobre cor ou raça e etnia dos indivíduos. Porém, sabe-se que o preenchimento e a confiabilidade desses registros é precário ou mesmo inexistente, comprometendo análises pormenorizadas acerca da filiação étnica dos grupos indígenas no Brasil. Em nosso estudo, esse problema foi contornado mediante a classificação ou reclassificação dos sujeitos, com base na inspeção dos campos nome-sobrenome e local de residência17, uma vez que a ampla maioria dos Yanomami residentes no Brasil utilizam o etnônimo (por exemplo, Maria Yanomami) ou a região de origem como sobrenome (por exemplo, Maria Palimiutheri – theri sufixo que designa aquele que é originário, nesse caso, do Palimiu).
Foram incluídas crianças admitidas em unidade de internação pediátrica, com idade entre 0,1 e 59,9 meses, de ambos os sexos e com tempo de permanência igual ou superior a 24 horas18.
Foram excluídas crianças com síndromes genéticas ou malformações congênitas, uma vez que essas condições conferem riscos adicionais à hospitalização, com períodos de internação superiores em relação às demais crianças.
Com o objetivo de excluir os registros repetidos, procedeu-se a uma análise para identificar eventuais duplicidades, segundo metodologia proposta por Souza e Santos19.
Todos os casos foram classificados com base na variável diagnóstico principal, que é codificada de acordo com a lista de categorias de três e quatro caracteres da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10).
As internações pediátricas potencialmente evitáveis foram classificadas de acordo com a Lista Brasileira de Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária (ICSAP), também baseada na CID-10. A partir dessa classificação, os registros foram agrupados em duas categorias: i) pneumonias bacterianas (ou simplesmente pneumonias) e ii) demais hospitalizações evitáveis.
Para os casos que apresentaram mais de um diagnóstico foram priorizadas as pneumopatias, as desnutrições e as diarreias como causa principal, em detrimento de registros de infecção das vias aéreas superiores, anemias e desidratação, respectivamente5,12,20.
Nas crianças em que houve hospitalização pelo mesmo diagnóstico principal, num período de até 15 dias após a última admissão, somou-se o tempo de permanência das duas internações, convertendo-as em um único evento, ou seja, em apenas um caso de internação. Esse procedimento visou assegurar a independência dos registros12,20.
Foi estimada a taxa de internação hospitalar (TIH) por ICSAP, incluindo no numerador a frequência de ocorrência de ICSAP e no denominador a população média de crianças em 2011-2012, de acordo com sexo, faixa etária e localização geográfica, multiplicado por 1.000 (mil), conforme indicado abaixo.
O risco de hospitalizações foi estimado mediante a razão de taxas, acompanhadas de seus respectivos intervalos de confiança, ao nível de 95%.
As taxas foram padronizadas pelo método direto, com intervalo de confiança exato, ao nível de 95%21 e a população da OMS foi utilizada como padrão. A análise descritiva incluiu frequências absolutas e relativas, bem como a geração de tabelas de contingência.
Utilizou-se a regressão logística não condicional para identificar fatores associados às hospitalizações por pneumonia. A Odds Ratio (OR) foi empregada como medida de associação, acompanhada de seu respectivo intervalo de confiança ao nível de 95%.
A modelagem estatística iniciou-se com a seleção de covariáveis associadas à internação por pneumonia, considerando um nível de significância de 20% na regressão simples. Na análise de regressão múltipla, as covariáveis foram introduzidas seguindo uma sequencia crescente dos valores de p obtidos na regressão simples. Ademais, o critério de seleção de Akaike corrigido (AICc) foi utilizado para a seleção do modelo mais bem ajustado. Permaneceram no modelo final as variáveis com nível de significância de 5%. A significância estatística das associações foi avaliada mediante o teste de razão de verossimilhança22.
A presença de interações entre as covariáveis também foi avaliada. As distâncias de Cook foram utilizadas para avaliar observações influentes. O ajuste final do modelo logístico foi avaliado com o gráfico de envelope para o resíduo componente do desvio padronizado23, que representa a banda de confiança empírica, útil para detectar afastamentos da distribuição assumida.
Os dados foram analisados com auxílio do programa estatístico R, versão 3.1.1 (http://www.r-project.org).
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Roraima.
Foram contabilizados 388 registros de internação hospitalar em crianças Yanomami. Destes, 359 (93%) foram classificadas como Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária (ICSAP), dos quais 250 (69,4%) corresponderam à pneumonia. O segundo grupo de causas de hospitalização foi constituído pelas gastroenterites infecciosas e suas complicações (19,4%) e o terceiro por deficiências nutricionais (4,4%).
As crianças com idade entre 12,0 e 23,9 meses foram as que apresentaram o maior percentual de ICSAP (27,6%). Já as hospitalizações por pneumonia predominaram entre as crianças mais jovens (0,1 a 5,9 meses) e do sexo masculino (Tabela 1). As hospitalizações por pneumonia também predominaram entre as crianças que permaneceram internadas por um período de 1 a 7 dias e naquelas provenientes das regiões Parima, Auaris e Alto Amazonas.
Tabela 1 Fatores demográficos e clínicos de crianças Yanomami menores de 60 meses, hospitalizadas por pneumonia bacteriana, Hospital da Criança Santo Antônio, Boa Vista, Roraima, Janeiro de 2011 a Dezembro de 2012.
História de hospitalização nos últimos 90 dias, óbito como desfecho e desnutrição foram constatadas em 7,2%, 4,4% e 12,0% das crianças com pneumonia, respectivamente (Tabela 1).
A taxa padronizada relativa às ICSAP nos menores de 60 meses foi de 18,6 hospitalizações para cada 1.000 habitantes, o que representa um risco de hospitalização 3,4 vezes maior em relação às crianças não indígenas do estado de Roraima e 3,8 maior quando comparado às crianças não indígenas do Norte do Brasil (Tabela 2).
Tabela 2 Taxas padronizadas de internação por condições sensíveis à atenção primária (ICSAP) entre crianças Yanomami menores de 60 meses e crianças não indígenas do estado de Roraima e da região Norte, Brasil, Janeiro de 2011 a Dezembro de 2012.
Na etapa de diagnóstico do modelo final não foram observadas interações entre as covariáveis. Observou-se um ponto influente, com resíduos altos, que repercutia negativamente nas estimativas dos coeficientes, motivo pelo qual optamos pela sua exclusão de nossas análises. Após o ajuste final do modelo logístico (Gráfico 1), evidenciou-se que as chances de crianças de 0,1 a 5,9 meses serem hospitalizadas por pneumonia foram 2,7 vezes maiores que nas crianças de 24,0 a 59,9 meses. As crianças que tiveram a duração da hospitalização variando de 8 a 14 dias também apresentaram 1,9 vezes mais chances de serem internadas por pneumonia do que aquelas hospitalizadas por um período inferior. Já as crianças com o diagnóstico secundário de desnutrição apresentaram 3,0 vezes mais chances de serem hospitalizadas por pneumonia do que as que não apresentaram esse quadro (Tabela 3).
Gráfico 1 Modelo logístico ajustado, com o gráfico de envelope para o resíduo componente do desvio padronizado, em crianças Yanomami menores de 60 meses, Hospital da Criança Santo Antônio, Boa Vista, Roraima, Janeiro de 2011 a Dezembro de 2012.
Constatou-se que a quase totalidade das hospitalizações analisadas nesta investigação foram consideradas potencialmente evitáveis. As taxas de internação por Condições Sensíveis à Atenção Primária (ICSAP) foram significativamente maiores entre as crianças Yanomami, em comparação às registradas entre as crianças não indígenas do estado de Roraima e da região Norte do Brasil. Ademais, assim como relatado por outros autores, em diferentes contextos12-14,20,24, a pneumonia e a diarreia foram as principais causas de internação.
As ICSAP compõem um grupo de problemas e agravos relacionados à saúde passíveis de prevenção quando o diagnóstico e o tratamento ambulatorial são realizados de forma oportuna e efetiva, reduzindo a ocorrência de desfechos indesejáveis, dentre os quais destacamos as internações hospitalares25,26. Portanto, altos percentuais de ICSAP podem refletir não somente a baixa qualidade da atenção primária e distorções no acesso aos serviços de saúde2,27-29, como também o excesso de despesas imposto aos sistemas de saúde5.
Apesar do impacto da pneumonia no perfil de morbimortalidade infantil, só em 2009 foi elaborado um plano de ação global para sua prevenção e controle. Devido à relevância sanitária da pneumonia, esse plano foi considerado como um dos pontos críticos para o cumprimento de um dos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), especificamente o que diz respeito à redução mundial da mortalidade na infância em 2/3, nos menores de 5 anos, no ano de 2015 em comparação às taxas notificadas em 200030.
Embora o Brasil tenha alcançado a meta de redução da mortalidade na infância precocemente, estando atualmente em patamares inferiores a 18 óbitos por mil nascidos vivos, o comportamento desse indicador nos menores de 5 anos é geograficamente heterogêneo. Os índices registrados em neonatos e em crianças provenientes das regiões Norte e Nordeste, por exemplo, são francamente desfavoráveis, em comparação com outros grupos da população brasileira30.
Atualmente, a importância de medidas que visam a prevenção e o controle da pneumonia na infância – que incluem a introdução da vacina pneumocócica 10-valente, programas de transferência de renda, ampliação da cobertura dos programas de saúde da família, entre outros – são amplamente reconhecidas31,32. Em seu conjunto, essas medidas resultam em melhorias gerais na qualidade de vida da população, na redução das taxas de desnutrição infantil, de hospitalizações evitáveis e, no limite, impactam positivamente sobre as estatísticas de mortalidade28,33-35.
Em face às medidas acima adotadas36, ainda que as hospitalizações por pneumonia tenham experimentado gradativa redução na população geral de menores de cinco anos no Brasil, entre as crianças Yanomami a pneumonia não só despontou como a principal causa de hospitalização evitável, como também apresentou risco elevado em comparação à população geral brasileira37,38, da região Norte do país, do estado de Roraima e, sobretudo, em comparação aos países considerados desenvolvidos5,10,37.
De modo geral, os estudos sobre hospitalização pediátrica, reportam um excesso de internações por pneumonia nas crianças do sexo masculino4,34. Embora a variável sexo tenha sido previamente selecionada durante a regressão logística simples e posteriormente eliminada durante o ajuste do modelo, há de se destacar que entre as crianças Yanomami a preponderância de internações masculinas por pneumonia também foi observada.
Outro ponto que pode ser útil à compreensão do elevado percentual de hospitalizações evitáveis entre as crianças Yanomami, principalmente nas regiões de Parima, Auaris e no Alto Amazonas, é a ampla dispersão das dezenas de subgrupos em uma área que ocupa 192 mil Km2 de um território binacional (Brasil-Venezuela), composto por floresta tropical úmida e com topografia bastante acidentada, entrecortada por diversos rios, igarapés e riachos38.
Alguns autores argumentam que a localização geográfica desses territórios, especialmente aqueles situados em áreas indígenas remotas e/ou de difícil acesso, impõe numerosos desafios logísticos e operacionais que dificultam o acesso e o oportuno contato dos indígenas com profissionais e serviços de saúde1,10,39,40, favorecendo a ocorrência de hospitalizações evitáveis.
Outra característica que se mostrou inicialmente associada às internações por pneumonia, mas que não permaneceu no modelo final foi a ocorrência de óbitos. Esse desfecho desfavorável a qualquer internação atingiu aproximadamente 5% das crianças Yanomami internadas com pneumonia. Recentes estudos6,7 indicam que a pneumonia continua sendo a principal causa de mortalidade na infância, ratificando sua importância e seu impacto nas estatísticas vitais, tanto para populações indígenas, como para não indígenas, uma vez que diversos estudos, no âmbito nacional e internacional13,14,41, apontam a pneumonia como uma das principais causa de morte nesse grupo etário.
Este é um achado particularmente importante, já que oferece mais uma pista para a compreensão das elevadas taxas de mortalidade entre essas crianças, principalmente entre os menores de um ano que apresentam coeficientes altos o suficiente para posicioná-los como um dos grupos em que se verificam as maiores taxas de mortalidade infantil no Brasil e no mundo40,42,43. Neste sentido, parece razoável assumirmos que o elevado percentual de óbitos por doenças passíveis de prevenção na atenção primária é mais uma evidência da fragilidade do subsistema de saúde indígena.
Já entre os fatores associados à internação por pneumonia, as crianças com idade entre 0,1-5,9 meses apresentaram as maiores chances de hospitalização. De maneira análoga, em estudo realizado com crianças Filipinas hospitalizadas, os menores de seis meses apresentaram maior risco de morte por pneumonia44. A imaturidade do sistema imunológico dessas crianças, principalmente das que não são exclusivamente amamentadas ou que apresentam precário estado de saúde, associada às limitadas coberturas vacinais, coloca este grupo em condição de vulnerabilidade frente às infecções que podem resultar em pneumonia10. Estudos conduzidos entre os Suruí de Rondônia e os Guarani do Sul e Sudeste do Brasil, também informam que as crianças menores de um ano são mais vulneráveis a internações por doenças do aparelho respiratório, especialmente pneumonia12,13.
Nas últimas três décadas acumularam-se evidências de que episódios de desnutrição aguda podem afetar o sistema imunológico das crianças, sobretudo daquelas menores de 5 anos. Sob essa ótica, estudo recente de Pantoja et al.40 revelou altas taxas de desnutrição aguda entre crianças Yanomami, especialmente nas menores de seis meses. Logo, é admissível supor que o excesso de chances de hospitalização por pneumonia verificado nos menores de seis meses nesta investigação possa, ao menos em parte, ser consequência do precário estado nutricional das crianças estudadas.
A desnutrição costuma estar presente em boa parte das internações por pneumonia11,34,45. Mas, nem sempre é valorizada ou adequadamente manejada pelas equipes, principalmente em menores de dois anos, repercutindo negativamente em períodos de internação mais longos ou no prognóstico, muitas vezes tendo como desfecho o óbito46,47.
De modo semelhante ao observado em outros grupos indígenas no Brasil12,14, o tempo médio de internação superior a 7 dias, das crianças Yanomami com pneumonia, pode ser considerado longo. O tempo de internação estendido pode indicar que o estado de saúde dessas crianças era deficiente antes do episódio que culminou com a internação ou que a doença apresentou manifestação clínica grave, ou ainda que não haviam condições para as equipes de saúde realizarem o tratamento adequado e acompanharem a evolução dessas crianças até a resolução do quadro nas aldeias.
Assim como mencionado em estudos anteriores, as dificuldades de acesso às aldeias da Terra Indígena Yanomami; somada à escassez de profissionais de saúde de nível superior nas equipes, sobretudo médicos; e a falta de infraestrutura adequada para assistência à saúde em áreas indígenas38,40 são desafios permanentes que muitas vezes são difíceis de serem superados.
Embora as AIH forneçam um conjunto restrito de informações acerca das condições socioeconômicas das famílias e das características clínicas e demográficas das crianças e de suas mães; com a estratégia empregada de busca complementar de dados dentro e fora do hospital neste estudo foi possível recuperar um conjunto complementar de dados que auxiliou na identificação de fatores associados à internação por pneumonia.
Além disso, destacamos que não foi efetuado qualquer procedimento de reclassificação dos diagnósticos, o que pode traduzir-se em estimativas super ou subvalorizadas de agravos ou doenças que levaram à internação das crianças Yanomami. No caso da pneumonia alguns autores alertam que não é raro casos de doenças ofegantes como a asma serem confundidas com pneumonia ou outras doenças respiratórias14,48.
Apesar de suas limitações, este estudo foi capaz de evidenciar não só a relevância das hospitalizações por causas evitáveis e a identificação de fatores associados às internações por pneumonia, mas também os desafios do modelo assistencial proposto pelo subsistema de saúde indígena no Brasil que, em tese, deveria privilegiar tecnologias assistências ancoradas na atenção primária, capazes de prevenir ou atenuar problemas de saúde que resultassem em internações ou mortes evitáveis.