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Fatores associados à realização de mamografia em usuárias da atenção primária à saúde em Vitória, Espírito Santo

Fatores associados à realização de mamografia em usuárias da atenção primária à saúde em Vitória, Espírito Santo

Autores:

Ranielle de Paula Silva,
Denise Petrucci Gigante,
Maria Helena Costa Amorim,
Franciele Marabotti Costa Leite

ARTIGO ORIGINAL

Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.28 no.1 Brasília 2019 Epub 21-Mar-2019

http://dx.doi.org/10.5123/s1679-49742019000100010

Resumen

Objetivo:

estimar la prevalencia y los factores asociados a la realización de mamografía en mujeres adultas, entre 40 y 59 años, usuarias de la atención primaria de salud.

Métodos:

estudio transversal, en 26 unidades de salud de Vitória, Espírito Santo, Brasil; los datos fueron recolectados de marzo a septiembre de 2014; las variables independientes describieron características sociodemográficas, comportamentales y reproductivas, con desenlace de realización de mamografía a cada dos años.

Resultados:

participaron 400 usuarias, de las cuales 57,8% realizaron mamografía a cada dos años; el examen fue más prevalente entre mujeres de 50 a 59 años (RP=1,48 - IC95%1,25;1,75), de classe económica A/B (RP=1,81 - IC95%1,22;2,68) y que ya no menstrúan (RP=1,31 - IC95%1,08;1,60).

Conclusión:

a pesar de la proporción de realización de la mamografía estar dentro de lo recomendado, en el grupo de 50 a 59 años, se observa mayor frecuencia en la clase A/B, lo que sugiere desigualdad de acceso al examen.

Palabras clave: Mamografía; Neoplasias de la Mama; Atención Primaria de Salud; Tamizaje Masivo; Accesibilidad a los Servicios de Salud

Introdução

O câncer de mama é um problema de Saúde Pública não apenas pelo aumento progressivo de sua incidência, mas também pelo alto custo de seu tratamento.1 As estatísticas mostram que, no mundo, essa classe de neoplasia consiste na segunda mais incidente e a de maior causa de mortalidade entre as mulheres.2 No Brasil, a neoplasia de mama também apresenta elevada incidência e mortalidade: para os anos de 2018 e 2019, estima-se a ocorrência de cerca de 59.700 novos casos, com risco de 56,33 casos a cada 100 mil mulheres. No estado do Espírito Santo, nesse mesmo período, a estimativa é de 1.130 novos casos, e na capital, Vitória, 140 novos casos por 100 mil mulheres.3

A elevada incidência da neoplasia mamária, de acordo com a literatura, tem relação com o maior número de diagnósticos, disponibilização de tecnologias, hábitos de vida e envelhecimento da população. Ademais, vale considerar o número elevado de pessoas diagnosticadas em estágios mais avançados da doença, demonstrando a necessidade de melhora na detecção do câncer em seu início,4 visto que o diagnóstico tardio dessa neoplasia, bem como o acesso limitado ao tratamento, constituem importantes fatores associados a menor sobrevida das pacientes.5

Nesse sentido, é essencial a implementação de ações de detecção oportuna como estratégia fundamental no controle do câncer de mama. Em documento sobre as diretrizes para a detecção precoce do câncer de mama no Brasil, publicado em 2015, o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA) preconiza que o rastreamento da neoplasia mamária deve ser feito por meio de mamografia, a cada dois anos, em mulheres na faixa etária de 50 a 69 anos,6 enquanto a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) indica que os exames sejam realizados pela mulher a partir dos 40 anos.7 Esse exame deve ser feito de forma sistemática, em pessoas assintomáticas, com o objetivo de descobrir a doença em sua fase pré-clinica, ou seja, diagnosticar o tumor de mama em estágio inicial, contribuindo para que o tratamento seja mais eficaz, e a chance de cura, maior.6

Diante da magnitude do câncer de mama e da importância da detecção precoce, cabe aos profissionais de saúde inserir nos programas de ações preventivas, de forma sistematizada, o rastreamento da neoplasia mamária com foco na busca ativa entre a população-alvo.8 Para tanto, é fundamental que a rede de cuidados à saúde esteja estruturada de maneira a permitir a oferta de mamografias com qualidade e o tratamento adequado às mulheres que dele necessitem.9

Considerando-se a realidade apresentada e a escassez de estudos acerca da realização da mamografia por mulheres que utilizam unidades de saúde, o fato de alguns estudos apontarem determinadas características sociodemográficas,7-10 e o acesso aos serviços de saúde7 como fatores contributivos para a realização do exame, justifica-se o presente estudo, cujo objetivo é analisar a prevalência e os fatores associados à realização da mamografia em mulheres adultas, de 40 a 59 anos, usuárias da atenção primária prestada pela rede pública de saúde.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal, realizado em todas as 26 unidades de saúde do município de Vitória, capital do Espírito Santo, atendidas pela Estratégia Saúde da Família (ESF) e/ou o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). De acordo com o Censo Demográfico de 2010, o município de Vitória contava 327.801 habitantes11 e apresentava um índice de desenvolvimento humano (IDH) de 0,845 naquele ano.12

No cálculo de prevalência, utilizou-se a população feminina de 40 a 59 anos residente no município de Vitória: 46.149 mulheres, segundo o Censo de 2010.11 Para tanto, considerou-se o intervalo de confiança de 95% e erro de 5 pontos percentuais. No estudo da associação entre a realização da mamografia e as características da mulher, considerou-se um nível de 95% de confiança, poder de 80% e razão de exposta/não exposta de 1:1. Este cálculo foi feito pelo programa OpenEpi, versão 3, sobre a amostra mínima de 381 mulheres. O número de participantes em cada uma das 26 unidades de saúde foi definido por amostragem proporcional ao número de mulheres cadastradas em cada uma delas. As entrevistas foram realizadas de forma aleatória, mediante sorteio, sendo partícipes da pesquisa usuárias do SUS de 40 a 59 anos de idade que aguardavam algum tipo de atendimento em unidade de saúde.

A coleta dos dados dessas mulheres aconteceu no período de março a setembro de 2014, individualmente, por entrevistadoras treinadas. Foi utilizado um questionário próprio, estruturado por questões sobre características sociodemográficas, comportamentais e reprodutivas da mulher:

Variáveis sociodemográficas

  • - idade (em anos completos: 40 a 49; 50 a 59);

  • - raça/cor da pele (branca; preta; parda) - mulheres que se declararam indígenas (n=5) ou amarelas (n=8) foram excluídas das análises, em função do pequeno número de participantes em ambas as categorias;

  • - situação conjugal (com companheiro; sem companheiro);

  • - escolaridade (em anos de estudo: 0 a 8; 9 a 11; 12 ou mais);

  • - trabalho remunerado (não; sim);

Variáveis comportamentais

  • - fumante (não; sim);

  • - ingestão de bebida alcoólica (não; sim);

  • - realização mensal do autoexame das mamas (não; sim).

Variáveis reprodutivas

  • - idade da menarca (antes dos 12 anos; aos 12 anos ou mais);

  • - atualmente menstrua (não; sim);

  • - número de gestações (nenhuma; 1 a 2; 3 ou mais).

Para identificar a classe econômica das mulheres, foi aplicado o instrumento intitulado ‘Critério de Classificação Econômica Brasil’, da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa (ABEP), cuja função é categorizar a classe econômica de um indivíduo de acordo com seu poder de compra (classes econômicas: A/B; C; D/E).13

Como desfecho do estudo, adotou-se a realização de mamografia a cada dois anos (sim; não). Considerando-se o estudo em unidades de saúde pertencentes ao Sistema Único de Saúde (SUS), optou-se por esse período de tempo para realização do exame, com o objetivo de atender à periodicidade recomendada pelo Ministério da Saúde para o rastreamento do câncer de mama em mulheres na faixa etária de 50 a 69 anos.6

Os dados foram digitados em uma planilha do aplicativo Excel, e as análises, pelo pacote estatístico STATA 13.0. Realizou-se análise univariada e bivariada. Para a análise bivariada, foi aplicado o teste de qui-quadrado de Pearson. Os dados foram apresentados em frequência bruta e relativa, com os respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). Para a análise multivariável, foi feita regressão de Poisson com variância robusta, sendo inseridas somente as variáveis que na análise bivariada obtiveram um valor de p<0,20. Foram mantidas no modelo as variáveis com p<0,05. A seleção das variáveis aplicou a técnica de seleção “para trás”.

O modelo hierárquico de análise utilizado na análise ajustada considerou os possíveis fatores associados ao desfecho. No primeiro nível, foram avaliadas as variáveis sociodemográficas e econômicas; no segundo nível, as variáveis comportamentais; e em nível mais proximal, as variáveis reprodutivas.

O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) em 27 de novembro de 2013, mediante Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) no 21221513.4.0000.5060, em conformidade com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 466, de 12 de dezembro de 2012.

Resultados

Participaram do estudo 400 mulheres; não houve recusas. A Tabela 1 mostra as características sociodemográficas, comportamentais e reprodutivas das participantes: mais da metade delas (53,8%) se encontravam com 50 a 59 anos; 51,7% se autorreferiram pardas; 76,0% relataram não ter companheiro; 42,7% apresentaram até oito anos de estudo; 61,0% possuíam trabalho remunerado; e sua classe econômica predominante foi a C (49,0%). A maior parte dessas mulheres não fumava (88,5%) e não ingeria bebida alcoólica (65,0%). Em relação à idade da primeira menstruação, para 82,2% delas a menarca aconteceu aos 12 anos ou mais, metade das entrevistadas não menstruava (50,8%) e 52,7% haviam tido três ou mais gestações (Tabela 1).

Tabela 1 - Caracterização sociodemográfica, comportamental e reprodutiva das mulheres usuárias da atenção primária à saúde (N=400) em Vitória, Espírito Santo, 2014 

Variáveis n (%) IC95% a
Sociodemográficas
Idade (em anos)
40-49 225 (46,2) 51,3;61,1
50-59 175 (53,8) 38,9;48,7
Raça/cor da peleb
Branca 103 (26,6) 22,4;31,3
Preta 84 (21,7) 17,9;26,1
Parda 200 (51,7) 46,7;56,6
Situação conjugal
Sem companheiro 304 (76,0) 71,5;79,9
Com companheiro 96 (24,0) 20,1;28,4
Escolaridade (em anos de estudo)
0-8 171 (42,7) 38,0;47,7
9-11 165 (41,3) 36,5;46,2
≥12 64 (16,0) 12,7;19,9
Trabalho remunerado
Não 156 (39,0) 34,3;43,9
Sim 244 (61,0) 56,1;65,7
Classe econômicac
A/B 161 (40,3) 35,5;45,2
C 196 (49,0) 44,1;53,9
D/E 43 (10,8) 8,1;14,2
Comportamentais
Fuma
Não 354 (88,5) 85,0;91,3
Sim 46 (11,5) 8,7;15,0
Ingestão de bebida alcoólica
Não 260 (65,0) 60,2;69,5
Sim 140 (35,0) 30,5;39,8
Autoexame das mamas mensal
Não 301 (75,3) 70,8;79,2
Sim 99 (24,7) 20,8;29,2
Reprodutivas
Menarca (em anos)
<12 71 (17,8) 14,3;21,8
≥12 329 (82,2) 78,2;85,7
Atualmente menstrua
Não 203 (50,8) 45,8;55,6
Sim 197 (49,2) 44,4;54,2
Número de gestações
Nenhuma 30 (7,5) 5,3;10,5
1-2 159 (39,8) 35,0;44,7
≥3 211 (52,7) 47,8;57,6
Mamografia a cada dois anos
Não 169 (42,2) 37,5;47,2
Sim 231 (57,8) 52,3;62,5

a) IC95%: intervalo de confiança de 95%.

b) N=387.

c) De acordo com o ‘Critério de Classificação Econômica Brasil’, da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa (ABEP).

A maioria significativa das mulheres (75,3%) não praticava o autoexame das mamas (AEM) mensalmente. Quanto à prevalência de realização da mamografia, aproximadamente seis de cada dez mulheres realizavam o exame a cada dois anos (57,8%).

A realização da mamografia a cada dois anos foi mais prevalente entre mulheres de 50 a 59 anos, com 12 anos ou mais de escolaridade, pertencentes às classes econômicas A/B e que não menstruavam (p<0,05) (Tabela 2).

Tabela 2 - Distribuição da realização da mamografia a cada dois anos segundo características sociodemográficas, comportamentais e reprodutivas das mulheres usuárias da atenção primária à saúde em Vitória, Espírito Santo, 2014 

Variáveis Mamografia a cada dois anos
Sociodemográficas n (%) Valor de pa
Idade (em anos) <0,001
40-49 106 (47,1)
50-59 125 (71,4)
Raça/cor da pele 0,322
Branca 64 (62,1)
Preta 43 (51,2)
Parda 115 (57,5)
Situação conjugal 0,078
Sem companheiro 183 (60,2)
Com companheiro 48 (50,0)
Escolaridade (em anos de estudo) 0,003
0-8 85 (49,7)
9-11 99 (60,0)
≥12 47 (73,4)
Trabalho remunerado 0,546
Não 93 (59,6)
Sim 138 (56,6)
Classe econômicab <0,001
A/B 111 (68,9)
C 104 (53,1)
D/E 16 (37,2)
Comportamentais
Fuma 0,147
Não 209 (59,0)
Sim 22 (47,8)
Ingestão de bebida alcoólica 0,414
Não 154 (59,2)
Sim 77 (55,0)
Autoexame das mamas mensal 0,507
Não 171 (56,8)
Sim 60 (60,6)
Reprodutivas
Menarca (em anos) 0,289
<12 37 (52,1)
≥12 194 (59,0)
Atualmente menstrua <0,001
Não 141 (69,5)
Sim 90 (45,7)
Número de gestações 0,158
0 14 (46,7)
1-2 100 (62,9)
≥3 117 (55,5)

a) Teste do qui-quadrado de Pearson.

b) De acordo com o ‘Critério de Classificação Econômica Brasil’, da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa (ABEP).

Após o ajuste nas variáveis de confusão, a escolaridade deixou de estar associada à mamografia. Entretanto, mulheres na faixa etária de 50 a 59 anos apresentaram maior frequência de realização de mamografia a cada dois anos (RP=1,48; IC95%1,25;1,75), quando comparadas ao grupo de 40 a 49 anos. Mulheres pertencentes às classes econômicas A/B realizavam o exame 1,81 vez mais frequentemente (IC95%1,22;268) do que aquelas das classes D/E. Outro achado relevante foi observado no grupo de mulheres que não menstruavam: uma prevalência 1,31 vez maior (IC95%1,08-1,60) de realização de mamografia nesse grupo, quando comparado ao grupo que menstruava (Tabela 3).

Tabela 3 - Análise bruta e ajustada dos efeitos das variáveis sociodemográficas, comportamentais e reprodutivas sobre a realização da mamografia a cada dois anos em mulheres usuárias da atenção primária à saúde (N=400) em Vitória, Espírito Santo, 2014 

Variáveis Análise brutaa Análise ajustadaa
RPb IC95% c Valor de p RPb IC95% c Valor de p
Sociodemográficas
Idade (em anos)
40-49 1,00 <0,001 1,00 0,001
50-59 1,52 1,28;1,79 1,48 1,25;1,75
Situação conjugal
Sem companheiro 1,00 0,099 1,00 0,221
Com companheiro 0,83 0,67;1,04 0,92 0,84;1,06
Escolaridade (em anos de estudo)
0-8 1,00 0,001 1,00 0,239
9-11 1,21 0,99;1,47 1,12 0,91;1,37
≥12 1,48 1,20;1,82 1,23 0,97;1,58
Classe econômicad
A/B 1,85 1,24;2,77 <0,001 1,81 1,22;2,68 0,001
C 1,42 0,94;2,15 1,46 0,97;2,16
D/E 1,00 1,00
Comportamentais
Fuma
Não 1,00 0,189 1,00 0,664
Sim 0,81 0,59;1,11 0,98 0,89;1,08
Reprodutivas
Atualmente menstrua
Não 1,52 1,27;1,82 <0,001 1,31 1,08;1,60 0,007
Sim 1,00 1,00
Número de gestações
0 1,00 0,174 1,00 0,494
1-2 1,35 0,90;2,01 1,27 0,84;1,89
≥3 1,19 0,79;1,78 1,21 0,80;1,82

a) Regressão de Poisson com ajuste robusto.

b) RP: razão de prevalência.

c) IC95%: intervalo de confiança de 95%.

d) De acordo com o ‘Critério de Classificação Econômica Brasil’, da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa (ABEP).

Discussão

O presente estudo revelou que mais da metade das participantes na faixa etária de 40 a 59 anos realizam a mamografia a cada dois anos. Mulheres com idade entre 50 e 59 anos, pertencentes às classes econômicas A/B e que não menstruavam, apresentaram maiores prevalências de realização do exame.

Desde o final do século XX, discute-se a utilização da mamografia como método de rastreamento do câncer de mama. Segundo diretrizes do INCA para a detecção precoce do câncer de mama, esse exame deve ser feito a cada dois anos em mulheres de 50 a 69 anos.6 Pesquisa de revisão recomenda a inclusão do rastreamento mamográfico na faixa etária de 40 a 49 anos.14 No entanto, estudo recente15 reforça o rastreamento mamográfico conforme recomendação do INCA, uma vez que, em mulheres de 40 a 49 anos, foi observada uma reduzida frequência de diagnóstico de câncer de mama, levando à realização de intervenções desnecessárias e aumento dos custos da Saúde, sem comprovada redução da mortalidade. Todavia, é importante considerar que o menor tempo entre o diagnóstico e o tratamento é fundamental para reduzir o risco de recidiva e metástase.16

Os achados da presente pesquisa mostram que aproximadamente 58% das usuárias realizam o exame a cada dois anos. No ano de 2010, de acordo com dados do Sistema de Informação do Câncer de Mama (SISMAMA), cerca de 71% das brasileiras entre 40 e 59 anos realizaram o exame de mamografia.17 Em relação à prevalência do exame segundo a faixa etária, nota-se no presente estudo, entre as participantes de 50 a 59 anos, maior prevalência de realização de mamografia, quando comparadas ao grupo de 40 a 49 anos. Este achado se assemelha ao encontrado em estudo realizado no município de Pelotas, Rio Grande do Sul, onde a realização de mamografia foi mais prevalente na faixa etária de 50 a 59 anos, na comparação com mulheres até 50 anos.18

Vale refletir que, apesar de as prevalências de rastreamento estarem de acordo com o recomendado, 28,6% das mulheres não realizam a mamografia bienal. O rastreamento é uma ação integrante da Atenção Básica, e os profissionais que trabalham nesse nível da Saúde Pública devem conhecer os métodos, a periodicidade e a população-alvo de sua atenção.6 O conhecimento deficiente desse processo pode contribuir para a falha no rastreamento do câncer de mama.19,20 Somado a isso o fato de o rastreamento mamográfico no Brasil ser predominantemente oportunístico, realizado por ocasião de uma consulta, a falta desse conhecimento pelo profissional responsável dificulta a adesão das mulheres à mamografia.21

Outra importante questão a se destacar é a necessidade de os programas de controle do câncer de mama atingirem maior cobertura na realização de mamografia, de acordo com a população-alvo e o período preconizado. Nesse sentido, uma estratégia fundamental reside na realização da busca ativa pelos profissionais das unidades, visando resgatar mulheres que faltam às consultas ou alcançar aquelas que não procuram pelo serviço.19

Quanto à classe econômica, verificou-se, após a análise ajustada, que a variável se manteve associada à realização de mamografia a cada dois anos. Nota-se aumento progressivo em direção às classes econômicas mais altas, ou seja: mulheres pertencentes aos estratos socioeconômicos A/B realizavam o exame 1,8 vez mais, quando comparadas àquelas das classes econômicas D/E. Achado semelhante foi apresentado em outros estudos.10,22,23 Mulheres espanholas da classe econômica mais alta, por exemplo, apresentaram 1,4 maior chance de realização do exame do que aquelas da classe econômica mais baixa.24

Vale refletir acerca do quanto a condição socioeconômica tem sido um fator importante para a adesão das mulheres às práticas preventivas.10,22,23 Observa-se que, quanto maior o nível socioeconômico da mulher, maior a prevalência de consultas e, portanto, maior a oportunidade de solicitação do exame pelo profissional.23 Para promover a equidade na utilização dos exames preventivos, a informação sobre a realização de mamografia deve ser disseminada entre todas as mulheres, independentemente de sua condição social e econômica.22

Este resultado suscita reflexão sobre o impacto da desigualdade econômica na realização da mamografia. As usuárias de classe econômica mais baixa aparecem com menos oportunidades de acesso ao exame, o que reforça a centralidade da defesa dos princípios da equidade e universalidade no acesso aos serviços, além da necessidade de um olhar equitativo do profissional de saúde sobre esse grupo de mulheres em situação de vulnerabilidade.10,18 A mamografia é o principal método de rastreamento e detecção precoce de neoplasias mamárias e seu acesso deve ser assegurado pelos serviços de saúde.10

Outro achado importante do presente estudo: mulheres que não menstruavam apresentaram cerca de 1,31 vez mais prevalência de realização de mamografia a cada dois anos, comparativamente àquelas que ainda menstruavam. Vale ponderar que a menopausa pode contribuir com o aumento da densidade celular da mama, importante fator de risco para o câncer. Estudo de base populacional acompanhou 61.844 mulheres por uma média de 3,1 anos, para estimar o risco de câncer de mama segundo as categorias mamográficas de densidade mamária. Seus resultados mostraram que mulheres com mamas extremamente densas apresentam um risco quatro vezes maior de desenvolver câncer de mama, comparado ao mesmo risco entre aquelas cujas mamas não eram densas, pelo que a mamografia se revela um exame útil na avaliação do risco dessa neoplasia.25

Outro achado da pesquisa foi o de que grande parte das participantes (75,0%) não realizavam o autoexame das mamas (AEM) mensalmente. Essa prevalência é superior à encontrada em um estudo de base populacional realizado no estado do Maranhão, entre os meses de julho de 2007 e janeiro de 2008, quando 66,2% das mulheres estudadas não fizeram o AEM.26 Estudo realizado em Aracaju, capital do estado de Sergipe, com mulheres portadoras do câncer de mama, aponta que apenas 35,3% delas faziam o AEM.27 Pesquisa publicada em 2016 mostrou que em Juiz de Fora, Minas gerais, 62,4% das entrevistadas atendidas no Hospital Universitário relataram realizar o AEM mensalmente.28

Vale refletir acerca da diferença encontrada na literatura sobre o percentual de AEM. É importante destacar que o exame não é recomendado pelo INCA e o Ministério da Saúde, como estratégia no rastreamento do câncer de mama. Entretanto, o AEM é um método específico, sistemático e com periodicidade definida quando a mulher faz a avaliação mensal, observando e apalpando as próprias mamas no sentido de identificar alterações ou anormalidades sugestivas da presença de um câncer; sua sensibilidade varia de 26,3 a 28,2%; e sua especificidade, de 92,2 a 96,2%.6,29 A autoapalpação também é importante para o conhecimento do próprio corpo, e portanto, contribui na identificação de alterações mamárias precocemente. Essa prática pode tornar a mulher consciente sobre o aspecto e a estrutura normal de suas mamas, ampliando sua capacidade de observar o aparecimento de sinais e sintomas sugestivos de câncer de mama.6 Ao encontrar alguma alteração nas mamas, a mulher pode procurar o serviço de atenção primária e, dessa forma, evitar maiores danos à saúde.8,30

Vale ressaltar, mais uma vez, a importância dos profissionais de saúde, principalmente daqueles que atuam na Atenção Básica, na realização de ações educativas para informar e estimular a autopalpação. O profissional deve ajudar a usuária a compreender a importância do autocuidado e do conhecimento do próprio corpo, e estimular na paciente a necessidade da procura ao serviço de saúde quando identificar alterações nas mamas. Sendo assim, torna-se necessário capacitar os profissionais do sistema de saúde para atender, orientar e realizar o manejo das condutas necessárias, em resposta a essa procura estimulada.30

Quanto às limitações do presente estudo, é mister considerar, em primeiro lugar, a fidedignidade da informação autorreferida quanto à realização da mamografia a cada dois anos, sujeita a viés de memória e de informação: a participante pode ter se equivocado quanto ao tempo decorrido da realização do exame, e induzir uma superestimativa de sua regularidade. Não obstante, a técnica de entrevista é normalmente adotada por outros estudos que abordaram o tema.10,17 Em segundo lugar, o delineamento transversal, que limita a definição da temporalidade entre o desfecho e a exposição, não permite estabelecer relações de causalidade, como se pode observar na relação entre a classe econômica e a realização de mamografia. Outra limitação da pesquisa se encontra no fato de o estudo ter-se realizado somente com usuárias do serviço de saúde, de modo a não ser possível generalizar seus achados para a população de mulheres que não utiliza unidades de Saúde Pública. A despeito dessas limitações, os dados apresentados servem de base para uma melhor compreensão do acesso das usuárias ao exame de mamografia.

O desenvolvimento do trabalho destes pesquisadores possibilitou identificar que a prevalência de realização da mamografia no grupo de mulheres de 50 a 59 anos está de acordo com o recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), e que determinados fatores sociodemográficos e reprodutivos podem estar associados ao rastreamento do câncer de mama. Mulheres entre 50 a 59 anos, pertencentes às classes econômicas A/B e na menopausa apresentaram maiores prevalências de realização do exame mamográfico a cada dois anos.

Finalmente, cabe lembrar que o método de rastreamento todavia não atinge todas as mulheres da população-alvo, sendo necessário o investimento na capacitação dos profissionais de saúde para o desenvolvimento de ações educativas sobre a importância da mamografia como prática de detecção precoce do câncer de mama. O serviço de saúde deve oportunizar a oferta do exame, com foco na equidade e acesso, ampliando sua cobertura entre as usuárias do SUS.

REFERÊNCIAS

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