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Fatores associados à reincidência de gravidez após gestação na adolescência no Piauí, Brasil

Fatores associados à reincidência de gravidez após gestação na adolescência no Piauí, Brasil

Autores:

Inez Sampaio Nery,
Keila Rejane Oliveira Gomes,
Idna de Carvalho Barros,
Ivanilda Sepúlveda Gomes,
Ana Catharina Nunes Fernandes,
Lívia Maria Mello Viana

ARTIGO ORIGINAL

Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.24 no.4 Brasília out./dez. 2015

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742015000400009

ABSTRACT

OBJECTIVE:

to analyze factors associated with pregnancy recurrence following teenage pregnancy.

METHODS:

this was a cross-sectional study in the capital and in five other cities of Piauí State, Brazil, 2008-2009; odds ratios (OR) and 95% confidence intervals (95%CI) were calculated.

RESULTS:

639 women aged 17-22 were interviewed; 87.9% had their first pregnancy aged 15-19; prevalence of recurrent pregnancy within two years after the end of a previous pregnancy was 25.9% in the capital and 35.4% in inner state cities; multivariate analysis showed associated factors to be: living in inner state cities (OR=1.8; 95%CI: 1.2;2.8), not studying (OR=2.8; 95%CI: 1.7;4.6), total financial dependence (OR=2.7; 95%CI: 1.4;5.3), previous abortion (OR=2.7; 95%CI: 1.7;4.3) and family income of one minimum wage or less.

CONCLUSION:

socioeconomic aspects and having abortions were associated with recurrence of pregnancy after two years.

Key words: Teenage Pregnancy; Sexual Behavior; Reproductive Health; Cross-Sectional Studies

RESUMEN

OBJETIVO:

analizar factores asociados a la reincidencia de embarazo después de una gestación durante la adolescencia.

MÉTODOS:

estudio transversal en la capital y en cinco ciudades del estado de Piauí, Brasil, entre 2008-2009; fueron calculados odds ratio (OR) e intervalos de confianza al 95% (IC95%).

RESULTADOS:

fueron entrevistadas 639 mujeres, entre 17-22 años; la mayoría tuvo el primer embarazo entre los 15 y 19 años (87,9%); la prevalencia de reincidencia de embarazo, dos años después del término de una gestación, fue de 25,9% en la capital y 35.4% en el interior. En el análisis multivariable, se mostraron asociados factores como, vivir en el interior (odds ratio [OR]=1,8; IC95% 1.2;2.8), no estudiar (OR=2,8; IC95% 1,7;4,6), dependencia financiera total (OR=2,7; IC95% 1.4;5.3), aborto (OR=2,7; IC95% 1,7;4,3) e ingreso familiar hasta un salario mínimo.

CONCLUSIÓN:

aspectos socio-económicos y la realización de abortos se asociaron con la recurrencia del embarazo después de un período de dos años.

Palabras-clave: Embarazo en Adolescencia; Conducta Sexual; Salud Reproductiva; Estudios Transversales

Introdução

A adolescência, entendida como o período entre a infância e a fase adulta, caracteriza-se por um complexo processo de crescimento e desenvolvimento de cunho biológico, psíquico e social, em que ocorrem mudanças de aspectos físicos, emocionais e sociais, relacionadas à consecução da capacidade reprodutiva e início da vida sexual.1-4

Em 2010, havia no mundo mais de um bilhão de pessoas entre 10 e 19 anos de idade, cerca de 20% da população mundial.5 No Brasil, observava-se redução na população adolescente de ambos os sexos, de 35.302.972 (2002) para cerca de 34.157.633 (2010), conforme o censo demográfico realizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O Censo 2010 ainda mostrou que nas áreas urbanas, 11,1% das jovens de 15 a 19 anos tinham ao menos um filho nascido vivo, enquanto nas áreas rurais, essa proporção era de 15,5%.6 Outrossim, estudo realizado em São Paulo revelou que apenas 15,4% das reincidências das gravidezes foram desejadas, e 76,9% decorrentes do uso equivocado do método contraceptivo.7 No estado do Ceará, já foi verificado que 30% das reincidências de gestações na adolescência ocorreram depois do primeiro ano pós-parto.8 A reincidência de gravidez precoce pode comprometer o futuro das jovens - e de sua prole -, ademais de levar à perda da força produtiva que viriam a representar para o país.

Ao se investigar os fatores associados da recorrência de gravidez na adolescência, pretende-se contribuir para a formulação de estratégias efetivas no sentido de reduzir a reincidência precoce de gestações na população adolescente.

Este estudo teve como objetivo analisar os fatores associados à reincidência de gravidez até dois anos após o término de uma gestação na adolescência.

Métodos

Trata-se de estudo transversal, realizado na capital do estado do Piauí, Teresina, e em municípios-sede das cinco maiores regionais de saúde entre as 10 existentes a abranger cidades do interior piauiense: Parnaíba; Picos; Floriano; Bom Jesus; e São Raimundo Nonato.

Em 2010, o Piauí contava com 182.662 adolescentes (15 a 19 anos) do sexo feminino, 73.340 delas residentes na capital,6 então com 814.230 habitantes. Dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) mostram que em Teresina nasceram 14.585 crianças de mães residentes na capital, 2.042 delas adolescentes de 15 a 19 anos.9

Em 2010, Parnaíba, um dos quatros municípios litorâneos do Piauí, era a segunda maior cidade do estado, com população aproximada de 150 mil habitantes. Picos, conhecida como Cidade Modelo e Capital do Mel, situada na região Centro-Sul do estado, apresentava o segundo maior produto interno bruto (PIB) do Piauí e população de 73.414 habitantes. Floriano, localizada a 240 km da capital e com população de 62.158 habitantes, é o principal centro educacional da região compreendida pelo sul do Piauí e do Maranhão. Bom Jesus, cidade rica em água subterrânea, contava 23.826 habitantes. São Raimundo Nonato, com 31.744 habitantes, constitui-se município-polo da microrregião, com economia baseada na agricultura, pecuária e serviços.6

A população inicial do estudo foi formada por todas as adolescentes de 15-19 anos que finalizaram gravidez nos primeiros quatro meses de 2006, em todas as seis maternidades de Teresina (uma maternidade pública estadual, quatro municipais e uma privada) e das cidades do interior (duas maternidades e cinco unidades obstétricas de hospitais de referência).

A escolha pela obtenção dos dados a partir das maternidades ocorreu após um estudo-piloto revelar a impossibilidade de localização dos casos quando o acesso se desse pelos serviços de Atenção Básica, devido à deficiência das fontes de informações. Constatou-se, ademais, a inviabilidade do uso dos dados do Sistema de Acompanhamento do Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento (SisPreNatal), dada sua cobertura insatisfatória no Piauí: no ano de 2008, em 89,6% dos nascimentos ocorridos no estado, as mães tiveram acesso a pelo menos 4 consultas no pré-natal; entretanto, apenas 46,74% tiveram 7 consultas ou mais, enquanto a média nacional foi de 57,78%.6

A amostragem do estudo foi de tipo acidental, formada a partir dos elementos que despontavam, possíveis de se obter.10 Por se tratar de uma amostra não probabilística e devido à imprecisão do tamanho da população, pois nem todas as formas de resolução de uma gravidez são conhecidas - caso do abortamento -, não foi realizado cálculo de tamanho da amostra.

A amostra foi obtida a partir da identificação de todas as mulheres de 15 a 19 anos de idade que tiveram resolução de uma gestação em uma das maternidades participantes, nos dois anos anteriores ao período de coleta dos dados. Estes dados foram obtidos a partir das informações contidas no livro de registro do centro obstétrico e da sala dos recém-nascidos. Diante de imprecisões, tal como ausência da idade da mãe ou dados de localização, o prontuário era resgatado no arquivo geral para confirmação dos dados.

Os dados foram coletados na capital, de maio a dezembro de 2008, e nas cidades do interior, de janeiro a maio de 2009, pelo menos dois anos após a resolução de uma gravidez em 2006, considerando-se, dessa forma, o intervalo interpartal recomendado pela Organização Mundial da Saúde.11

A equipe encarregada da coleta de dados foi composta por oito supervisoras (enfermeiras), cada uma delas responsável por monitorar uma dupla de entrevistadoras-alunas do Curso de Enfermagem - Bacharelado da Universidade Federal do Piauí em Teresina-PI. As entrevistadoras foram treinadas para a aplicação do instrumento de coleta dos dados na residência da entrevistada, após contato prévio por telefone e agendamento do dia e horário da visita, sob a supervisão geral das pesquisadoras responsáveis.

Utilizou-se como instrumento de coleta dos dados um formulário semiestruturado, aplicado na entrevista, composto por três módulos temáticos, dos quais apenas os dois primeiros módulos são analisados neste artigo.

O primeiro módulo do formulário incluía variáveis sociodemográficas:

  • - faixa etária, em anos (17 a 19; 20 a 22);

  • - situação conjugal (solteira; casada; divorciada; viúva; união estável);

  • - se mora com o companheiro (sim; não e não mantém os laços conjugais; não, mas mantém laços conjugais);

  • - religião (católica; evangélica; outra; sem religião);

  • - escolaridade, em anos de estudo (Analfabeta funcional [<4 anos]; Ensino Fundamental incompleto [≥4 a ≤7 anos]; Ensino Fundamental; Ensino Médio incompleto; Ensino Médio; Ensino Superior incompleto/completo);

  • - renda familiar, em salários mínimos (SM) (até 1/2 SM [até R$206,00]; mais de 1/2 a 1 SM [R$206,01 a R$412,00]; mais de 1 até 2 SM [R$412,01 a R$824,00]; mais de 2 até 3 SM [R$824,01 a R$1.236,00]; mais de 3 SM [R$1.236,01 ou mais];

  • - estuda (sim; não);

  • - trabalha remunerado (sim; não);

  • - religião (católica; evangélica; outra; sem religião);

  • - dependência financeira (sim; parcialmente; totalmente; não);

  • - local da residência (interior; capital).

O segundo módulo contemplava os antecedentes ginecológicos e reprodutivos:

  • - idade da primeira gestação, em anos (11 a 14; 15 a 19);

  • - idade da primeira relação sexual com penetração, em anos (9-14; 15; 16-17; 18-19);

  • - número de gravidezes anteriores (uma; duas; três; mais de três);

  • - idade na primeira gravidez, em anos (12 a 14; 15 a 19);

  • - aborto prévio (não; sim);

  • - idade do pai do bebê na primeira gravidez, em anos (13 a 19; 20 a 29; 30 a 39; 40 e mais);

O terceiro módulo abordava a gravidez não intencional: desejo de ter filhos por parte da jovem e do parceiro, tanto na primeira gravidez como nas demais.

Para a análise de dados, a variável 'situação conjugal/estado civil', que, no formulário, se encontrava dividida em cinco categorias (solteira; casada; divorciada; viúva; união estável), foi recategorizada como casada (incluindo as categorias: casada; união estável) ou solteira (incluindo as categorias: solteira; divorciada; viúva). A variável 'adequação idade-série' (sim; não) foi avaliada pelos parâmetros curriculares nacionais do Ministério da Educação vigentes à época da coleta de dados.12

Foram elaborados dois bancos de dados para detecção e eliminação de inconsistências, com base no aplicativo Epi Info, versão 6.04d (U.S. Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta-GA). A análise estatística foi realizada pelo aplicativo Statistical Package for Social Sciences (SPSS Inc., Chicago, Estados Unidos da América) para Windows, versão 17.0. Na análise bivariável, foi utilizada regressão logística simples para estimar as potenciais associações entre a variável dependente - reincidência de gravidez - e cada variável independente, individualmente, e quando essa associação se revelava significativa (p<0,05), selecionava-se a variável para inclusão nos modelos multivariáveis.13

A análise multivariável foi realizada mediante regressão logística binomial, para explicar o efeito combinado das variáveis independentes sobre a variável dependente. A força desse efeito combinado foi determinada pela razão de chance ou odds ratio ajustada (ORaj). O modelo foi ajustado pelo método Enter, que determina a entrada de todas as variáveis no modelo.14 A multicolinearidade de variáveis independentes foi testada com base no variance-inflation factor (VIF), calculado por regressão linear múltipla, cujo ponto de corte adotado foi o de FIV ≥4; não foi observada multicolinearidade.

O projeto da pesquisa, autorizado pelos gestores públicos estaduais e municipais, e das instituições de saúde do setor privado participantes, foi cadastrado junto à Coordenação de Pesquisa da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e aprovado pelos comitês de ética nacional - Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) - e local - UFPI -, recebendo o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) no 0056.0.045.000-08. Ressalta-se que todas as jovens ou pessoas responsáveis (pelas menores de idade) assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, com base na Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) no 196, de 10 de outubro de 1996.

Resultados

De todas as jovens sobre quem se conseguiu localizar informações nos registros hospitalares - 632 da capital Teresina e 332 de municípios do interior do estado -, foram excluídos os seguintes casos: óbitos maternos (1 na capital e 5 nos municípios do interior); e jovens não localizadas (164 na capital e 144 nos municípios do interior). Além disso, houve 11 recusas em participar do estudo (3 na capital e 8 nos municípios do interior). O grupo participante totalizou 639 jovens, das quais 464 eram da capital e 175 do interior.

As 639 jovens participantes tinham de 17 a 22 anos, com médias de idade de 20,0 anos (capital) e 20,2 anos (municípios do interior), desvio-padrão de 1,4 e mediana de 20,0 anos para ambas as regiões.

Na Tabela 1, observa-se que cerca de 70% das jovens da capital e municípios do interior não eram mais adolescentes (20 a 22 anos). A maioria - 65,5% da capital e 65,7% de municípios do interior - vivia em união conjugal estável/casada. De todo o grupo, 63,6% (capital) e 64,6% (municípios do interior) relataram morar com o companheiro, e cerca de 23,3% (municípios do interior) e 24,0% (capital) não mantinham laços conjugais com o ex-companheiro. A religião católica mostrou-se predominante, referida por 81,2% (capital) e 77,7% (municípios do interior) das jovens entrevistadas. A maioria não possuía adequação entre idade e tempo de estudo (86,9% na capital e 91,4% nos municípios do interior), com predomínio de baixa escolaridade (Ensino Fundamental incompleto: 34,7% na capital; e 50,0% nos municípios do interior).

Tabela 1 Distribuição de adolescentes e jovens com antecedentes gestacionais (n=639) segundo características demográficas e obstétricas e local de residência no estado do Piauí. Brasil, 2008 a 2009 

Quanto às características obstétricas, 49,1% das jovens da capital informaram haver engravidado uma única vez na vida, enquanto nos municípios do interior, 46,3% informaram haver engravidado duas vezes. A primeira gestação ocorreu predominantemente na faixa etária de 15 a 19 anos. Na capital (76,7%) e nos municípios do interior (82,5%), a maioria das entrevistadas informou não ter abortado. A idade do pai do bebê da primeira gravidez esteve majoritariamente compreendida entre os 13 e os 29 anos, tanto na capital como nos municípios do interior (Tabela1).

A prevalência de reincidência de gravidez no período de dois anos foi de 25,9% (n=120) na capital e de 35,4% (n=62) nos municípios do interior (Tabela 1). Na análise bivariável, foram significativamente associados (p<0,05) à reincidência de gravidez: morar nos municípios do interior; não estar estudando; ter sete anos ou menos de estudo; ausência de adequação idade-série; renda familiar de até um salário mínimo; e ser dependente financeiramente (Tabela 2).

Tabela 2 Análise bivariada entre características sociodemográficas e reincidência de gravidez em adolescentes e jovens (n=639) do estado do Piauí, 2008 a 2009 

a) χ2: teste do qui-quadrado de Pearson

Na análise bivariável, as características reprodutivas significativamente associadas (p<0,05) a reincidência de gravidez foram: menor de idade (35,8% na faixa etária de 11 a 14 anos e 32,4% na faixa de 15 a 19 anos); e aborto prévio (45,0%) (Tabela 3).

Tabela 3 Análise bruta entre características reprodutivas e reincidência de gravidez em adolescentes e jovens (n=639) do estado do Piauí, 2008 a 2009 

a) χ2: teste do qui-quadrado de Pearson

Após análise multivariável, permaneceram associados à reincidência de gravidez: morar nos municípios do interior (OR=1,8; IC95% 1,2;2,8); não estudar (OR=2,8; IC95% 1,7;4,6); encontrar-se sob total dependência financeira (OR=2,7; IC95% 1,4;5,3); e aborto prévio (OR=2,7; IC95% 1,7;4,3). (Tabela 4).

Tabela 4 Análise multivariável dos fatores potencialmente associados à reincidência de gravidez em adolescentes e jovens (n=639) do estado do Piauí, 2008 a 2009 

a) OR: odds ratio, ou razão de chance.

b) IC95%: intervalo de confiança de 95%

c) Teste de Wald

Discussão

Observou-se maior reincidência de gravidez até dois anos após o término de uma gestação na adolescência, entre residentes no interior do estado do Piauí que não estudavam, apresentavam total dependência financeira, renda familiar até um salário mínimo, e que referiam aborto prévio.

A maioria das participantes era dotada de escolaridade até o Ensino Fundamental e apresentava inadequação idade/série, seja por repetência, seja por abandono dos estudos. Tal fato tem-se mostrado como a principal variável relacionada à questão social da gravidez na adolescência, segundo a literatura especializada.15 Esses achados sugerem que quanto maior for o grau de instrução da jovem, maior será sua possibilidade de negociação do método contraceptivo e seu uso correto, tanto na primeira relação sexual como nas seguintes.16

Estudos demonstraram que durante a gravidez na adolescência e mesmo após o nascimento de um filho, elevada proporção dessas jovens abandona os estudos.16-18 O fato de assumir novas responsabilidades, como cuidar de uma família, reduz as chances de continuidade dos estudos e por conseguinte, as oportunidades de obter um trabalho melhor qualificado e remunerado, mais exigente com a escolaridade, capacitação e habilidades profissionais e, portanto, mais distante do alcance de populações econômica e intelectualmente menos favorecidas.15,19,20

A associação da reincidência de gravidez entre adolescentes residentes em municípios do interior é consistente com achados de outros estudos, ao demonstrar a influência da região de moradia na renda per capita de cada localidade, na possibilidade de acesso a uma educação de qualidade e emprego com melhores condições salariais, capazes de permitir uma ascensão social e melhores perspectivas de futuro.17

Há ampla discussão na literatura relacionando a gravidez na adolescência à perpetuação da pobreza - decorrente do abandono dos estudos - e sua repetição nas gerações seguintes.4,20,21 É frequente a associação de gravidez na adolescência entre filhos cuja mãe não só engravidou na adolescência como também apresentava baixa escolaridade. Associada a baixa renda, a gravidez na adolescência é um indício de que a história obstétrica se repete por gerações, contribuindo para a perpetuação da pobreza.

A família exerce relevante influência sobre a saúde reprodutiva da adolescente. Com efeito, um episódio de gravidez na adolescência de pais e/ou irmãs(ãos) é fator predisponente à reincidência de gravidez dos respectivos filhos e/ou irmãs(ãos), nessa fase da vida. A vivência da gravidez precoce no ambiente familiar induz uma crença de naturalidade diante de sua ocorrência - ou recorrência - entre outros integrantes da família.22

No presente estudo, evidenciou-se a dependência financeira de terceiros, principalmente do companheiro, associada à precocidade da jovem em assumir o papel de mãe. Essa dependência financeira, também relacionada ao potencial abandono dos estudos, pode contribuir para a vitimização das jovens mães, na forma de violência física e de outras naturezas, praticada tanto pelo parceiro quanto por familiares.23

A dependência financeira torna a adolescente desprovida da necessária autonomia para fazer escolhas que envolvam decisões sobre seu futuro e o de seu filho. Vulnerável, a jovem mãe predispõe-se a outros comportamentos de risco, submetendo-se à decisão do parceiro sobre a adoção, ou não, de um ou outro método contraceptivo; e da mesma forma, quanto ao uso e abuso de substâncias ilícitas, principalmente quando inseridas em um contexto de violência física ou emocional.23 Além do que, a mesma vulnerabilidade financeira e emocional pode induzir pensamentos ou ações voltadas ao abortamento, ou mesmo suicídio, em situações de nova gestação.17,24,25

Também no que diz respeito à ocorrência de abortamento na adolescência, os achados deste trabalho são coerentes com a literatura. No Brasil, cerca de 30% das gestações terminam em abortamento, de modo que, anualmente, ocorrem no país aproximadamente 1,4 milhões de abortos, de origem espontânea e induzida, sem razões médicas legais. Cerca de 8% desses abortamentos acontecem na adolescência.26

Nesse sentido, a reincidência da gravidez mostra-se significativamente ligada à prática abortiva. Observa-se também o inverso, ou seja, a ocorrência do aborto associada à recorrência da gravidez. Desde que a fertilidade feminina é retomada - por volta de três semanas após o abortamento -, os mesmos fatores que proporcionaram a primeira gravidez poderão induzir uma nova gestação não planejada,27-28 como por exemplo, a gravidez reincidente em decorrência do não conhecimento dos métodos contraceptivos ou, quando conhecidos, utilizados incorretamente.

No que diz respeito à coleta de dados, o estudo encontrou dificuldades no acesso às participantes, seja pela (i) localização do endereço em área de risco, seja por (ii) muitas adolescentes e jovens não mais residirem no endereço cadastrado pela instituição de saúde. Essas dificuldades podem ter conduzido a pesquisa a um viés de seleção, dada a maior probabilidade de inclusão daquelas providas de melhores condições socioeconômicas em detrimento das jovens não encontradas, resultando na possível subestimação das associações identificadas. Outra limitação encontrar-se-ia no viés de sobrevivência: somente foram incluídas no estudo as adolescentes e jovens que sobreviveram após gestações e abortos prévios, o que também subestimaria as associações encontradas. Cabe registrar como mais uma limitação para a presente investigação o fato de haver-se utilizado amostragem acidental não probabilística, impedindo a generalização dos resultados.

O perfil revelado pelas adolescentes foi o mesmo detectado em vários estudos da literatura mundial,7,8,15-20 o que aponta para a falta de políticas públicas destinadas a não só a atender as demandas sexuais e reprodutivas da população jovem exposta aos riscos advindos da prática sexual desprotegida, como também extensivas a sua família, escola e comunidade. A elaboração e implementação de tais políticas poderia reduzir os indicadores de gravidez e de doenças sexualmente transmissíveis entre os jovens.

A gravidez é apenas um fato, em uma sucessão de situações adversas para a adolescente. Embora esse fenômeno faça-se presente em todas as classes socioeconômicas, verifica-se nas jovens de classes mais desfavorecidas - majoritárias no país -, um prosseguimento de vida pós-gravidez determinante para o resto de sua juventude e seu futuro de adulta, possivelmente pautado pelo alheamento, conformismo e falta de perspectiva de ascensão profissional, com propensão a se perpetuar por sua descendência.

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