versão impressa ISSN 1413-8123
Ciênc. saúde coletiva vol.19 no.8 Rio de Janeiro ago. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232014198.13952013
This article seeks to investigate associations between satisfaction with life and sociodemographic variables, health conditions, functionality, social involvement and social support among elderly caregivers and non-caregivers, as well as between satisfaction and the intensity of stress in the caregiver group. A sample of 338 caregivers was selected according to two items of the Brazilian version of the Elders Life Stress Inventory. A comparison-group of elderly non-caregivers was selected at random, with a similar gender, age and income profile. Data were derived from self-reported questionnaires and scales. Elderly caregivers with low levels of satisfaction and high levels of stress revealed more symptoms of insomnia, fatigue, diseases and worse IADL performance. Those with greater satisfaction and less stress revealed a good level of social support. Insomnia, depression and fatigue were associated with low satisfaction among caregivers, and with fatigue, depression and low social support among non-caregivers. It was considered relevant that instrumental, psychological and informative support can improve the quality of life and the quality of care provided by elderly caregivers, especially if they are affected by unfavorable health and psychosocial conditions and low satisfaction with life.
Key words: Caregivers; Stress; Subjective well-being; Health of the elderly
A literatura psicológica e sociológica sobre bem estar subjetivo estabelece que níveis mais elevados de satisfação com a vida favorecem boas condições de saúde física e mental e boas relações sociais e são um importante indicador de bem-estar e qualidade de vida em adultos e idosos1. Fujita e Diener2 relataram que a satisfação com a vida não sofre grandes flutuações ao longo do curso de vida, mas Mroczek e Spiro3, Gerstorf et al.4 e Hernandez et al.5 observaram crescimento dos níveis de satisfação com a vida entre os 40 e os 70 anos de idade, seguido por um período de estabilidade e por tendência ao declínio após os 80 anos6. Segundo estes autores, este decréscimo está correlacionado com maior número de sintomas clínicos, baixo senso de controle, presença de sintomas depressivos, estar ou morar sozinho, pior desempenho funcional e idade avançada. O nível de satisfação pode declinar na presença de eventos de vida que desafiam o equilíbrio dos idosos mas, graças aos recursos psicológicos presentes na velhice7,8, é comum os idosos se adaptarem e retornarem ao nível basal de satisfação com a vida, depois de algum tempo de exposição a tais eventos1.
Prestar cuidado é um evento de vida que pode produzir desfechos negativos tais como depressão, pior condição de saúde física e níveis mais baixos de bem estar9em adultos e idosos, mas não tem uma trajetória idêntica e nem linear para todos os envolvidos. Muitos cuidadores são capazes de lidar bem com as tarefas do cuidar, sem se sentirem onerados. Borg e Hallberg10observaram nível similar de satisfação com a vida entre cuidadores idosos pouco comprometidos com o cuidado e não cuidadores, mas encontraram diferenças significativas em satisfação com a vida entre cuidadores muito onerados por tarefas de cuidado e não cuidadores. Pinquart e Sörensen9 observaram que o grau de dependência física e cognitiva e a presença de distúrbios de comportamento dos idosos que recebem cuidados correlacionam-se com nível baixo de bem-estar subjetivo, principalmente quando o cuidar implica em grande ônus físico. No entanto, Borg e Hallberg10relataram que estes desfechos parecem depender das condições sociais e de saúde física e psicológica, pois verificaram níveis mais elevados de satisfação com a vida entre idosos cuidadores que detinham boas condições de saúde, recursos financeiros suficientes e uma rede de apoio social eficaz. Os mesmos autores observaram que os fatores associados à redução da satisfação com a vida entre idosos cuidadores são má qualidade do sono, saúde percebida como ruim, excesso de tarefas de cuidar e alto grau de dependência física do ente cuidado.
Há evidências robustas sobre o papel protetor do suporte social percebido e de bons níveis de envolvimento social, em relação à satisfação com a vida entre idosos cuidadores11, bem como entre idosos não cuidadores1. A continuidade das atividades sociais e a disponibilidade de apoio social contribuem para a manutenção do bem estar subjetivo entre cuidadores de idosos com demência, provavelmente porque as habilidades associadas à sociabilidade e o suporte social percebido geram mais emoções positivas, proporcionam melhor ajustamento emocional, melhoram a saúde e diminuem o nível de estresse11,12.
Em idosos mais jovens, a dependência em atividades instrumentais de vida diária (AIVD) é um marcador de declínio funcional e cognitivo. Pode aguçar a percepção de estresse a eventos de vida tais como o cuidado, devido à percepção de perda de autonomia. Nesses casos, pode ocorrer declínio na satisfação com a vida, mesmo na presença de apoio social. Entre idosos muito idosos, eventos como o falecimento do cônjuge ou de amigos próximos e o estresse associado à piora dos próprios sintomas clínicos afetam mais a diminuição do nível de satisfação com a vida do que a incapacidade funcional13. Gana et al.14 sugeriram que o nível de satisfação com a vida não é homogêneo, podendo sofrer alterações ao longo do curso da vida, em face da intensidade atribuída aos eventos estressantes, dos relacionamentos sociais e do senso de controle.
O processo de envelhecimento populacional em curso no Brasil tenderá a acionar, de forma cada vez mais intensa, os recursos da família e da sociedade para cuidar de idosos doentes e dependentes. Devido ao aumento da longevidade, entre os cuidadores tenderá a aumentar o número de idosos atendendo a outros idosos, que são seus cônjuges ou progenitores. Então, será de crescente importância que existam familiares em condições de proporcionar cuidados de boa qualidade a idosos física e cognitivamente dependentes. De acordo com dados de pesquisas internacionais, a satisfação com a vida favorece a saúde física, a cognição, a saúde psicológica e as relações sociais dos cuidadores. Como há poucos dados brasileiros sobre as relações entre essas variáveis em idosos e comparando idosos cuidadores e não cuidadores com relação a elas, é relevante realizar pesquisas a este respeito envolvendo idosos brasileiros. Os objetivos deste estudo foram: comparar idosos que prestam cuidado no contexto familiar com idosos não cuidadores, quanto ao nível de satisfação com a vida, condições de saúde, funcionalidade e recursos sociais e analisar os fatores associados a níveis mais baixos de satisfação com a vida em ambos os grupos.
Este estudo envolveu idosos com 65 anos e mais residentes em três cidades brasileiras, Parnaíba (PI), Campinas (SP) e Ivoti (RS), cujos dados compunham o banco eletrônico do Estudo FIBRA (acrônimo de Fragilidade em Idosos Brasileiros), polo Unicamp, e sobre relações entre fragilidade, condições sociodemográficas, psicossociais, de saúde, cognitivas e de funcionalidade. Em cada cidade, a seleção dos idosos foi feita a partir de amostragem aleatória simples dos setores censitários urbanos, em cujos domicílios foram recrutadas cotas de homens e mulheres que neles tinham residência permanente e que satisfaziam os critérios de elegibilidade (ausência de limitações graves de natureza física, sensorial, cognitiva, de mobilidade ou de comunicação e residência permanente no setor censitário e no domicílio). Foram recrutadas cotas de homens e de mulheres de quatro grupos de idade (65-69, 70-74, 75-79 e 80 anos e mais), cotas essas proporcionais às observadas nos mesmos grupos de idade e sexo da população urbana de cada cidade.
Na fase inicial da coleta de dados, após a coleta de dados sociodemográficos, clínicos, antropométricos, de fragilidade e de rastreio de demências, foram excluídos os idosos que pontuaram abaixo da nota de corte no Mini Exame do Estado Mental15. Os remanescentes participaram do protocolo completo de coleta de dados. O estudo foi conduzido segundo as normas da última Declaração de Helsinki para pesquisa com seres humanos, e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas (CEP/FCM). Todos os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido. Detalhes metodológicos e sobre as características sociodemográficas das amostras podem ser encontrados em Neri et al.16.
Entre os 1.581 idosos que integravam as amostras das três cidades, 1.139 pontuaram acima da nota de corte no Mini Exame do Estado Mental16, satisfazendo o critério de inclusão em medidas que incluíam as de interesse para o presente estudo. Dentre eles, 338 satisfaziam a exigência de terem sido cuidadores familiares de outros idosos, ao longo dos 5 anos anteriores à entrevista, evidenciada por resposta afirmativa a dois itens da versão brasileira do The Elders Life Stress Inventory - ELSI17,18. Esses itens investigavam se os respondentes haviam cuidado do/a cônjuge ou companheiro/a, de pais ou de sogros idosos nos últimos cinco anos. Dentre os que responderam negativamente, ou seja, não cumpriam essa condição (801), foram sorteados 338 para integrar um grupo-comparação de idosos não cuidadores, composto por subgrupos de tamanho similar aos do grupo de cuidadores, considerando-se as variáveis gênero, idade e nível de renda familiar.
As variáveis de interesse para este projeto foram investigadas mediante as condições que se seguem.
1) Satisfação com a vida. Foi avaliada mediante um questionário contendo um item sobre a satisfação global com a vida, um item sobre a satisfação em comparação com os outros da mesma idade seis itens sobre a satisfação referenciada aos domínios memória; capacidade funcional e de solução de problemas, amizades e relações familiares, ambiente, acesso a serviços de saúde e meios de transporte19. Eram itens escalares de 3 pontos e a pontuação total podia variar de 1 a 24. Foi calculada a mediana dos escores da amostra. Aqueles que pontuaram < 21 foram considerados com menor satisfação com a vida e os que pontuaram > 22 com maior satisfação com a vida. O alfa de Cronbach foi de 0.729.
2) Idade, gênero e renda familiar. Três questões de autorrelato, cujos resultados eram anotados pelos avaliadores no formulário de pesquisa (data de nascimento, gênero masculino x feminino e renda familiar em valores brutos). As idades foram agrupadas em 4 faixas: 65-69; 70-74; 75-79, e 80 e +. Os valores de renda foram agrupados em 5 faixas de salários mínimos (SM): < 1; 1,1 a 3; 3,1 a 5; 5,1 a 10, e > 10 SM.
3) Intensidade do estresse associado ao prestar cuidados. Foi avaliada por meio de item único de natureza escalar de 5 pontos, em que 1 correspondia a menor estresse)17,18, aplicada aos idosos cuidadores, a qual perguntava qual tinha sido a intensidade do estresse vivenciado na situação.
4) Número de doenças. Avaliado por meio de 9 itens dicotômicos que investigavam se algum médico havia dito que o participante tinha as seguintes doenças crônicas: doença do coração, hipertensão, AVC/isquemia/derrame; diabetes mellitus, câncer, artrite ou reumatismo, doenças dos pulmões; depressão e osteoporose. As respostas afirmativas foram contadas e foram criadas três categorias: zero, 1 ou 2 e 3 ou mais doenças.
5) Fadiga. Avaliada por dois itens escalares de autorrelato extraídos da Center for Epidemiological Studies-Depression (CES-D)20. Foram considerados com fadiga os idosos que responderam sempre ou na maioria das vezes a qualquer um ou a ambos os itens.
6) Sintomas depressivos. Avaliados por meio da Escala de Depressão Geriátrica21 com 15 itens com nota de corte > 6. O coeficiente de confiabilidade interna (alfa de Cronbach) para esta escala foi de 0.734.
7) Insônia. Avaliada por quatro questões de autorrelato, que comportavam respostas sim ou não, extraídas do Perfil de Saúde de Nottingham (PSN)22. Foram considerados como portadores sintomas de insônia aqueles que responderam positivamente a qualquer um dos quatro itens.
8) Atividades instrumentais de vida diária (AIVD). Sete itens de autorrelato baseados na escala de Lawton e Brody23, que avaliaram o nível de independência para AIVDs. Havia três possibilidades de respostas: totalmente independente; necessitado de alguma ajuda; necessitado de ajuda total, para fazer as coisas do dia-a-dia. As respostas foram agrupadas em duas categorias: independência, quando os idosos responderam não precisar de nenhuma ajuda e dependência, quando relataram precisar de ajuda parcial ou total.
9) Envolvimento em atividades avançadas de vida diária (AAVD). Foram avaliadas mediante um questionário24,25 contendo 13 itens de autorrelato: fazer e receber visitas, ir à igreja, ir a festas e a eventos culturais, realizar dança de salão, fazer viagens curtas e longas, dirigir automóvel, desempenhar trabalho remunerado e voluntário, participar de universidade da terceira idade e de centro de convivência, e participar de diretorias ou conselhos de sociedades. Para cada um dos itens havia três alternativas de resposta: nunca fiz, ainda faço e parei de fazer. Foram desconsideradas as atividades que os idosos nunca haviam realizado e contada a frequência das que continuavam a desempenhar. Com base na mediana, foram criadas duas categorias: < 5 e > 6 AAVD mantidas.
10) Suporte social percebido. Foram aplicados cinco itens semanticamente adaptados para o português do inventário ISEL - Interpersonal Support Evaluation List26, cada um com quatro intensidades. A pontuação varia de 1 a 20. Com base na mediana foram criados dois grupos: < 18 para os com baixo suporte social percebido e > 19 para os com alto suporte social percebido. O coeficiente de confiabilidade interna dos itens foi de 0.756.
Foram adotados testes não paramétricos para as análises comparativas, uma vez que os dados não aderiram à distribuição normal avaliada pelo teste Kolmogorov-Smirnov (qui-quadrado ou exato de Fisher para a variáveis categóricas e Mann-Whitney e Kruskal-Wallis para as ordinais). Para estudar os fatores associados à satisfação com a vida entre os cuidadores e os não cuidadores foram feitas análises de regressão logística univariada e multivariada, estas com critério stepwise de seleção de variáveis. O nível de significância adotado para os testes estatísticos foi de p < 0.05.
Os grupos de cuidadores e não cuidadores eram estatisticamente equivalentes quanto a gênero, idade e renda familiar. Em cada grupo, 65,7% eram mulheres, 39,3% tinham idade de 65 a 69 anos, 37,6% de 70 a 74, 16,3% de 75 a 79 e 6,8% de 80 anos e mais; 7,5% relataram ter renda familiar < 1 SM, 45,7% entre 1,1 e 3 SM; 19,3% entre 3,1 e 5 SM, 12,1% de 5,1 a 10 SM e 10,2 %, mais do que 10 SM. Nos dois grupos, a idade variou entre 65 a 90 anos e a média foi de 71.50 (± 4.81) anos. A renda familiar média foi igual a 3.84 SM mensais (± 4.30).
Estiveram envolvidos em cuidados nos cinco anos anteriores à entrevista 338 idosos, correspondente a 29,67% do total de idosos entrevistados (1.139). Dentre eles, 76.3% prestavam cuidados ao cônjuge, 15.1% aos pais e 7.7% ao cônjuge e aos pais. A intensidade média do estresse gerado pela experiência do cuidado vivenciado por eles foi 3.84 (± 1.35); 64,8% pontuaram 4 ou 5 na escala de intensidade de estresse gerado pelo cuidado (alto estresse) e 35,2%, pontuaram de 1 a 3 (baixo estresse).
Foram observados mais idosos cuidadores com nível alto de estresse do que com baixo nível de estresse. Entre os cuidadores com maior estresse havia mais idosos com necessidade de ajuda para o desempenho de AIVD e com queixas de insônia do que no grupo de não cuidadores. Não foram observadas diferenças estatisticamente significativas entre as frequências de idosos dos três grupos nas demais variáveis (Tabela 1).
Tabela 1 Idosos cuidadores e não cuidadores conforme a satisfação com a vida, as condições de saúde, a funcionalidade em AIVD, o envolvimento em AAVD e o suporte social percebido. Estudo FIBRA em Campinas, Parnaíba e Ivoti, 2008-2009.
Cuidadores | Não cuidadores | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Variáveis | Menor estresse | Maior estresse | p | ||||
(n = 109) | (n = 197) | (n = 338) | |||||
Satisfação com a vida | 0.367 | ||||||
Menor (< 21) | 59 (54.1%) | 111 | (56.4%) | 166 | (49.1%) | ||
Maior (> 22) | 49 (45.0%) | 83 | (42.1%) | 160 | (47.3%) | ||
Não responderam | 1 (0.9%) | 3 (1.5%) | 12 (3.6%) | ||||
Número de doenças | 0.526 | ||||||
Zero | 11 (10.1%) | 24 | (12.2%) | 36 | (10.7%) | ||
1 ou 2 | 54 (49.5%) | 82 | (41.6%) | 166 | (49.1%) | ||
3 ou mais | 44 (40.4%) | 91 | (46.2%) | 136 | (40.2%) | ||
Fadiga | 0.072 | ||||||
Não | 86 (78.9%) | 139 | (70.6%) | 264 | (78.1%) | ||
Sim | 21 (19.3%) | 56 | (28.4%) | 69 | (20.4%) | ||
Não responderam | 2 (1.8%) | 2 (1.0%) | 5 (1.5%) | ||||
Sintomas depressivos | 0.180 | ||||||
Não (< 5) | 94 (86.2%) | 152 | (77.6%) | 269 | (79.6%) | ||
Sim (> 6) | 15 (13.8%) | 44 | (22.4%) | 69 | (20.4%) | ||
Insônia | 0.021 | ||||||
Não | 50 (45.9%) | 73 | (37.1%) | 167 (49.4%)a | |||
Sim | 59 (54.1%) | 124 (62.9%)a | 171 | (50.6%) | |||
Desempenho de AIVD | 0.015 | ||||||
Dependência parcial | 40 (36.7%) | 93 (47.2%)b | 117 | (34.6%) | |||
Independência | 69 (63.3%)b | 104 | (52.8%) | 220 (65.1%)b | |||
Não responderam | 0 (0.0%) | 0 (0.0%) | 1 (0.3%) | ||||
AAVD interrompidas | 0.140 | ||||||
< 2 | 18 (16.5%) | 44 | (22.3%) | 95 | (28.1%) | ||
2 – 3 | 56 (51.4%) | 93 | (47.2%) | 143 | (42.3%) | ||
> 3 | 35 (32.1%) | 60 | (30.5%) | 100 | (29.6%) | ||
Suporte social | 0.699 | ||||||
Baixo (< 16) | 33 (30.3%) | 58 | (29.5%) | 115 | (34.0%) | ||
Médio (17-19) | 28 (25.7%) | 54 | (27.4%) | 94 | (27.8%) | ||
Alto (= 20) | 47 (43.1%) | 82 | (41.6%) | 125 | (37.0%) | ||
Não responderam | 1 (0.9%) | 3 (1.5%) | 4 (1.2%) |
Nota: AAVDs - Atividades avançadas de vida diária; AIVDs: Atividades instrumentais de vida diária. a Sign para p = 0.021 (?2 = 7.71;GL = 2); b Sign para p = 0.015 (?2 = 8.42; GL = 2)
A Tabela 2 oferece dados comparativos sobre o nível de satisfação com a vida (maior x menor) dos cuidadores com maior e com menor estresse associado ao prestar cuidados e dos não cuidadores. Entre os cuidadores com menor satisfação e com maior estresse houve uma frequência mais alta de relatos de 3 ou mais doenças, fadiga e de pendência parcial para em AIVD do que nos grupos com menor satisfação e menor estresse e não cuidadores. Independentemente do nível de estresse relatado, o grupo de cuidadores com menor satisfação superou os grupos de cuidadores e de não cuidadores quanto à frequência de sintomas de insônia.
Tabela 2 Idosos com menor e com maior satisfação, menos e mais estressados pelo cuidar e não-cuidadores, com maior e menor satisfação, conforme as condições de saúde, a funcionalidade em AIVD, o envolvimento em AAVD e o suporte social percebido. Estudo FIBRA em Campinas, Parnaíba e Ivoti, 2008-2009.
Menor satisfação com a vida | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Cuidadores | Não cuidadores | |||||||
Variáveis | Menor estresse | Maior estresse | ||||||
(n = 59) | (n = 68) | (n = 166) | ||||||
Número de Doenças | ||||||||
Zero | 2 (3.3%) | 14 (12.6%) | 10 | (06.0%) | ||||
1 ou 2 | 29 | (49.2%) | 39 (35.1%) | 43 | (48.2%) | |||
3 ou mais | 28 | (47.5%) | 58 (52.3%)a | 30 | (45.8%) | |||
Fadiga | ||||||||
Não | 44 | (74.6%) | 69 (62.2%) | 115 | (69.3%) | |||
Sim | 14 | (23.7%) | 41 (36.9%)b | 50 | (30.1%) | |||
Não responderam | 1 (1.7%) | 1 (0.9%) | 1 (0.6%) | |||||
Sintomas depressivos | ||||||||
Não ( ≤ 5) | 45 | (76.3%) | 80 (72.1%) | 114 | (68.7%) | |||
Sim(≥ 6) | 14 | (23.7%) | 31 (27.9%) | 52 (31.3%)d | ||||
Insônia | ||||||||
Não | 19 | (32.2%) | 31 (27.9%) | 68 | (41.0%) | |||
Sim | 40 (67.8%)c | 80 (72.1%)c | 98 | (59.0%) | ||||
AAVD Interrompidas | ||||||||
< 2 | 8 | (13.6%) | 22 (19.8%) | 43 | (25.9%) | |||
2 – 3 | 33 | (55.9%) | 57 (51.4%) | 68 | (41.0%) | |||
> 3 | 18 | (30.5%) | 32 (28.8%) | 55 | (33.1%) | |||
AIVD | ||||||||
Dep. Parcial | 25 | (42.4%) | 60 (54.1%)e | 63 | (38.0%) | |||
Independência | 34 | (57.6%) | 51 (45.9%) | 102 | (61.4%) | |||
Não responderam | 0 (0.0%) | 0 (0.0%) | 1 (0.6%) | |||||
Suporte Social | ||||||||
Baixo ( ≤ 16) | 21 | (35.6%) | 37 (33.3%) | 73 (44.5%)f | ||||
Moderado (17-19) | 16 | (27.1%) | 27 (24.3%) | 47 | (28.6%) | |||
Alto (= 20) | 21 | (35.6%) | 44 (39.7%) | 44 | (26.8%) | |||
Não responderam | 1 (1.7%) | 3 (2.7%) | 2 (1.2%) | |||||
Maior satisfação com a vida | ||||||||
Cuidadores | Não cuidadores | |||||||
Variáveis | Menor estresse | Maior estresse | p | |||||
(n = 49) | (n = 83) | (n = 160) | ||||||
Número de Doenças | 0.005 | |||||||
Zero | 8 (16.3%)a | 10 (12.1%) | 26 (16.3%)a | |||||
1 ou 2 | 25 (51.0%)a | 43 (51.8%)a | 81 (50.6%)a | |||||
3 ou mais | 16 | (32.7%) | 30 (36.1%) | 53 (33.1%) | ||||
Fadiga | <0.001 | |||||||
Não | 41 (83.7%)b | 67 (80.7%) | 140 (87.4%)b | |||||
Sim | 7 | (14.3%) | 15 (18.1%) | 17 (10.7%) | ||||
Não responderam | 1 (2.0%) | 1 (1.2%) | 3 (1.9%) | |||||
Sintomas depressivos | < 0.001 | |||||||
Não ( ≤ 5) | 48 (98.0%)d | 70 (84.3%) | 145 (90.6%)d | |||||
Sim(≥ 6) | 1 (2.0%) | 13 (15.6%) | 15 (9.4%) | |||||
Insônia | < 0.001 | |||||||
Não | 31 (63.3%)c | 41 (49.4%) | 91 (56.9%)c | |||||
Sim | 18 | (36.7%) | 42 (50.6%) | 69 (43.1%) | ||||
AAVD Interrompidas | 0.270 | |||||||
< 2 | 10 | (20.4%) | 20 (24.1%) | 48 (30.0%) | ||||
2 – 3 | 22 | (44.9%) | 36 (43.4%) | 73 (45.6%) | ||||
> 3 | 17 | (34.7%) | 27 (32.5%) | 39 (24.4%) | ||||
AIVD | 0.004 | |||||||
Dep. Parcial | 15 | (30.6%) | 32 (38.6%) | 49 (30.6%) | ||||
Independência | 34 (69.4%)e | 51 (61.4%) | 111 (69.4%)e | |||||
Não responderam | 0 (0.0%) | 0 (0.0%) | 0 (0.0%) | |||||
Suporte Social | 0.001 | |||||||
Baixo ( ≤ 16) | 12 | (24.5%) | 18 (21.7%) | 37 (23.2%) | ||||
Moderado (17-19) | 12 | (24.5%) | 27 (32.5%)f | 47 (29.5%) | ||||
Alto (= 20) | 25 (51.0%)f | 38 (45.8%) | 75 (47.1%) | |||||
Não responderam | 0 (0.0%) | 0 (0.0%) | 1 (0.6%) |
Nota: AAVDs - Atividades avançadas de vida diária; AIVDs: Atividades instrumentais de vida diária. a Sign para p = 0.005 (?2 = 25.22;GL = 10); b Sign para p<0.001 (?2 = 33.50;GL = 5); c Sign para p < 0.001 (?2 = 34.46;GL = 5); d Sign para p < 0.001 (?2 = 40.23;GL = 5); e Sign para p = 0.004 (?2 2 = 17.09;GL = 5); f Sign para p = 0.001 (?2 = 28.90;GL = 10)
Entre os cuidadores com menor estresse e os não cuidadores foram encontrados os maiores percentuais de idosos sem queixas de insônia. Entre os não cuidadores com menor satisfação foram registradas as frequências significantemente mais altas de idosos com 6 ou mais sintomas depressivos e com baixo nível de suporte social percebido.
Os idosos cuidadores e não cuidadores com maior satisfação na vida, cerca da metade, relataram ter 1 ou 2 doenças, ultrapassando significantemente os que relataram ter 3 ou mais. Da mesma forma, houve um percentual significativamente mais alto de não cuidadores e de cuidadores com maior satisfação e menor estresse que relataram não ter nenhuma doença em comparação com os que tinham maior estresse.
As menores frequências de idosos que pontuaram para fadiga, sintomas depressivos, insônia e dependência nas AIVD foram observadas nos grupos de cuidadores com maior satisfação combinada com menor estresse e no grupo de não cuidadores com maior satisfação. No grupo cuidadores com maior satisfação e menor estresse foi observada frequência superior de idosos com alto nível de suporte social percebido. Para o grupo com maior satisfação e maior estresse foi apontado qualidade intermediária do suporte social de que dispunham.
A Tabela 3 apresenta os dados das análises da regressão logística univariada que estimaram as probabilidades de associação independente entre baixa satisfação com a vida e gênero, idade, renda familiar, condições de saúde, intensidade do estresse vivenciado pelos cuidadores, funcionalidade, envolvimento em AAVD e suporte social percebido entre os cuidadores e os não cuidadores. Em nenhum dos grupos, foram observadas associações estatisticamente significantes entre baixa satisfação insônia, sintomas depressivos, 3 ou mais doenças crônicas, fadiga e baixo suporte social percebido. No grupo de não cuidadores, ter 1 ou 2 doenças crônicas também se associou com baixa satisfação. No entanto, as associações entre baixa satisfação e insônia, 3 ou mais doenças e sintomas depressivos foram mais robustas no grupo de não cuidadores. Alta intensidade do estresse associado ao cuidado não se associou com baixa satisfação entre os cuidadores, assim como as variáveis sociodemográficas em ambos os grupos.
Tabela 3 Associações independentes entre baixa satisfação com a vida e as variáveis sociodemográficas, de saúde e funcionalidade, envolvimento social e suporte social para cuidadores e não cuidadores e entre baixa satisfação com a vida e intensidade do estresse associado ao cuidado para cuidadores. Estudo FIBRA em Campinas, Parnaíba e Ivoti, idosos, 2008-2009.
Cuidadores | Não cuidadores | ||||
---|---|---|---|---|---|
Categorias | p | OR* (IC 95%) | p | OR* (IC 95%) | |
Gênero | |||||
Feminino | 0.943 | 1.02 (0.64 – 1.61) | 0.918 | 0.98 (0.62 – 1.54) | |
Faixa Etária | |||||
65-69 anos (ref.) | --- | 1.00 | --- | 1.00 | |
70-74 anos | 0.275 | 0.76 (0.46 – 1.25) | 0.405 | 1.23 (0.75 – 2.03) | |
75-79 anos | 0.556 | 0.83 (0.44 – 1.56) | 0.742 | 1.11 (0.59 – 2.12) | |
≥ 80 anos | 0.883 | 1.07 (0.43 – 2.65) | 0.375 | 0.66 (0.27 – 1.64) | |
Renda Familiar | |||||
> 5.0 S.M. (ref.) | --- | 1.00 | --- | 1.00 | |
.1-5.0 S.M. | 0.964 | 1.02 (0.51 – 2.04) | 0.741 | 1.59 (0.67 – 3.79) | |
.1-3.0 S.M. | 0.793 | 1.08 (0.59 – 1.98) | 0.145 | 2.23 (0.86 – 5.77) | |
1.0 S.M. | 0.146 | 2.12 (0.77 – 5.87) | 0.061 | 2.52 (0.96 – 6.62) | |
Número de doenças | |||||
0 (ref.) | --- | 1.00 | --- | 1.00 | |
1-2 | 0.329 | 1.43 (0.70 – 2.94) | 0.020 | 2.57 (1.16 – 5.67) | |
≥ 3 | 0.012 | 2.56 (1.23 – 5.31) | 0.001 | 3.73 (1.66 – 8.38) | |
Presença de Fadiga | 0.004 | 2.21 (1.30 – 3.76) | <0.001 | 3.58 (1.96 – 6.54) | |
Presença de Sintomas depressivos | <0.001 | 2.99 (1.62 – 5.51) | <0.001 | 4.41 (2.36 – 8.24) | |
Presença Insônia | <0.001 | 3.21 (2.03 – 5.07) | 0.004 | 1.90 (1.22 – 2.95) | |
AAVD Interrompidas | |||||
< 2 (ref.) | --- | 1.00 | --- | 1.00 | |
2-3 | 0.185 | 1.47 (0.83 – 2.60) | 0.885 | 1.04 (0.61 – 1.76) | |
> 3 | 0.570 | 1.20 (0.65 – 2.21) | 0.126 | 1.57 (0.88 – 2.82) | |
Dependência em AIVD | 0.014 | 1.75 (1.12 – 2.73) | 0.152 | 1.40 (0.88 – 2.22) | |
Suporte social percebido | |||||
≥ 20 (ref.) | --- | 1.00 | --- | 1.00 | |
≤ 17-19 | 0.540 | 1.18 (0.69 – 2.03) | 0.057 | 1.71 (0.98 – 2.95) | |
≤ 16 | 0.015 | 1.92 (1.13 – 3.24) | <0.001 | 3.36 (1.95 – 5.79) | |
Intensidade do estresse do cuidar | 0.426 | 1.071 (0.91 – 1.27) | - |
Nota: AAVDs - Atividades avançadas de vida diária; AIVDs: Atividades instrumentais de vida diária, SM - Salário Mínimo. * OR (Odds Ratio) = Razão de risco para satisfação com a vida; (cuidadores: n = 186 com menor satisfação e n = 146 com maior satisfação); (não cuidadores : n = 166 com menor satisfação e n = 160 com maior satisfação). IC 95% OR = Intervalo de 95% de confiança para a razão de risco. Ref.: nível de referência
A análise multivariada de regressão logística revelou associações entre baixa satisfação e insônia (OR = 2,56), 6 ou mais sintomas depressivos (OR = 2,18) e fadiga (OR = 2,00) entre os cuidadores. Entre os não cuidadores foram observadas associações entre baixa satisfação e fadiga (OR = 3,12), 6 ou mais sintomas depressivos (OR = 2,85) e baixo suporte social percebido (OR = 1,78), todas mais fortes do que entre os cuidadores (Tabela 4).
Tabela 4 Associações múltiplas entre baixa satisfação, insônia, sintomas depressivo, fadiga e suporte social percebido para idosos cuidadores e não cuidadores. Estudo Fibra em Campinas, Parnaíba e Ivoti, 2008-2009.
Cuidadores | Não cuidadores | ||||
---|---|---|---|---|---|
Variáveis selecionadas | p | OR* (IC 95%) | p | OR* (IC 95%) | |
Insônia | |||||
Não (ref) | --- | 1,00 | --- | --- | |
Sim | <0.001 | 2.56 (1.51 – 4.32) | |||
Sintomas depressivos | |||||
Não (ref) | --- | 1,00 | --- | 1,00 | |
Sim | 0.032 | 2,18 (1,07 – 4,43) | 0.002 | 2.85 (1.46 – 5.57) | |
Fadiga | |||||
Não (ref) | --- | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |
Sim | 0.036 | 2.00 (1.05 – 3.82) | <0.001 | 3.12 (1.62 – 6.02) | |
Suporte social percebido | |||||
≥ 20 (ref.) | --- | --- | --- | 1.00 | |
17-19 | 0.340 | 1.35 (0.73 – 2.50) | |||
≤ 16 | 0.004 | 2.43 (1.32 – 4.47) |
* OR (Odds Ratio) = Razão de risco para satisfação com a vida; (cuidadores: n = 149 com menor satisfação e n = 118 com maior satisfação); (não cuidadores: n = 147 com menor satisfação e n = 140 com maior satisfação). IC 95% OR = Intervalo de 95% de confiança para a razão de risco. Critério stepwise de seleção de variáveis
Confirmando os resultados de outros estudos sobre bem-estar subjetivo na velhice, a maioria dos idosos mostrou-se satisfeito com a vida27, independentemente de serem cuidadores10, assim como confirmaram-se os resultados de pesquisas sobre os mecanismos de adaptação psicológica presentes na velhice1. De acordo com a microteoria de seletividade socioemocional7,8, em função da redução da perspectiva de tempo futuro que ocorre na velhice, entre os idosos diminui o interesse por experiências emocionais negativas, aumenta o investimento em metas de maior significado afetivo e ocorre seleção de parceiros sociais que oferecem mais conforto emocional. Tais processos reguladores da emoção favorecem o equilíbrio entre afetos positivos e negativos, a estabilidade emocional e a manutenção de níveis elevados de bem-estar subjetivo, que os protegem da ação deletéria dos eventos estressores28.
À semelhança da maioria dos estudos sobre o cuidado, observou-se que entre os cuidadores predominavam mulheres, que dispensavam apoio principalmente aos maridos29, de idosos de 65 e 79 anos, e de idosos de baixa renda30. O prestar cuidados é regido por normas culturais que atribuem às mulheres as tarefas e os papeis de proteção. Em muitos contextos, as mulheres são mais jovens e mais pobres do que os maridos, o que fortalece a probabilidade de que venham a cuidar deles. Os idosos jovens têm maior probabilidade de terem pais vivos e com possibilidade de precisarem de cuidados do que os idosos mais velhos. Da mesma forma, os mais pobres estão mais expostos à prestação de cuidado familiar, porque têm menos acesso a ajudas formais para cuidar.
A literatura não é consensual quanto às diferenças em condições de saúde, bem-estar subjetivo e recursos sociais entre cuidadores e não cuidadores. Algumas pesquisas não encontraram diferenças significativas entre os grupos, com relação a sintomas depressivos e à participação social (por exemplo, Robison et al.31) e observaram nível similar de satisfação com a vida entre cuidadores menos comprometidos com o cuidado e não cuidadores (por exemplo, Borg e Hallberg10), contrariando outras que apresentam diferenças em indicadores de saúde e bem estar subjetivo, como número de doenças32, sintomas depressivos, satisfação com a vida32,33e suporte social10, com prejuízo para os cuidadores. Há dados indicativos de que altos escores de suporte social percebido e de satisfação com a vida tendem a funcionar como variáveis protetoras em relação ao bem estar dos cuidadores1,5,10,34.
A exploração das relações entre satisfação com a vida, prestação de cuidado e nível de estresse em idosos foi pouco estudada na literatura nacional. Nesta pesquisa, escores mais baixos de satisfação combinados com alto nível de estresse relativo ao cuidado relacionaram-se com ter 3 ou mais doenças, fadiga, insônia e dependência parcial para mais AIVD. Além disso, insônia esteve relacionada com o prestar cuidados, independentemente do nível de estresse, replicando dados de Borg e Hallberg10. A ligação entre estresse e nível mais baixo de satisfação com a vida tem sido constantemente encontrada em vários estudos35-37. É provável que a concomitância de menor satisfação com a vida e maior estresse contribuam para pior condição de saúde, mais incapacidades em AIVD e maior fadiga entre cuidadores.
Não foram observadas diferenças estatisticamente significantes entre a frequência de idosos de nenhum dos grupos, quanto ao nível de estresse e nem conforme a satisfação com a vida, levando-se em conta o número de AAVD descontinuadas. Havia mais idosos não cuidadores com menor satisfação e baixo suporte social e mais cuidadores com menos estresse com alto suporte social, assim como havia maior número de cuidadores com maior satisfação e maior estresse entre os que pontuaram para suporte social percebido de qualidade intermediária. Talvez esses dados se devam à influência da idade e não da privação de contatos sociais por causa do prestar cuidados. Geralmente os indivíduos mais velhos participam menos de eventos sociais do que os mais jovens, por encontrarem mais barreiras ambientais ou por se sentirem menos ativos e habilitados para a realização de atividades sociais38. Idosos tendem a afastar-se de atividades menos significativas, a favor de outras que lhes tragam conforto emocional39.
A análise multivariada de regressão mostrou que as variáveis mais fortemente associadas com menor satisfação com a vida entre os cuidadores foram sintomas de insônia, sintomas depressivos, ter 3 ou mais doenças crônicas e fadiga, concordando com outros estudos10,40,41. Provavelmente, essas relações possam ser explicadas pelas pressões associadas ao cuidado42. Entretanto, as alterações do sono, os sintomas depressivos e a fadiga são inter-relacionados, sendo difícil identificar os determinantes e os efeitos separados de cada uma delas41. Sintomas depressivos, fadiga e 3 ou mais doenças não só se associaram à baixa satisfação entre os não cuidadores, como as associações foram mais fortes neste grupo do que dos cuidadores. Ao mesmo tempo, contrariando as expectativas, baixo suporte social percebido associou-se à baixa satisfação no grupo de não cuidadores, e não no grupo de cuidadores.
As análises logísticas univariada e multivariada não apontaram a intensidade do estresse relacionado ao cuidado como condição associada à menor satisfação com a vida entre os cuidadores, replicando dados de Lee et al.36, mas diferindo do estudo realizado por Andrén e Elmståhl12. Talvez essa relação sofra diversas influências, entre elas a capacidade de enfrentamento e a idade, que pode se sobrepor aos efeitos do prestar cuidados. Segundo Ng et al.37 quando a intensidade dos estressores é compatível com as reservas afetivas e cognitivas dos envolvidos, o sucesso no enfrentamento de tarefas desafiadoras e, em consequência, a estabilidade da satisfação, tornam-se mais prováveis, o que explicaria a frequência alta de idosos que pontuou para alta satisfação no grupo de cuidadores, igualando a dos não cuidadores. Mecanismos de seletividade sócio-emocional que contribuem para a estabilidade emocional, permitem que os idosos poupem suas reservas para investimento em alvos sociais, emocionais e cognitivos relevantes à sua adaptação à vida prática7,8.
As associações entre baixa satisfação e as variáveis idade, gênero e renda familiar não foram suficientemente robustas para suplantar ou igualar o peso das variáveis de saúde em nenhum dos grupos. Enkvist et al.6 observaram que a idade avançada é um fator de risco para baixa satisfação com a vida, enquanto que Gana et al.14 e Sposito et al.43não observaram tal associação. Os dados desta pesquisa foram similares aos de Enkvist et al.6 e Gana et al.14, no que diz respeito ao gênero. É provável que o envolvimento social sofra influência da idade, uma vez que, geralmente os indivíduos mais velhos participam menos de eventos sociais do que os mais jovens por encontrarem mais barreiras ambientais e por se sentirem menos ativos e habilitados para a realização de atividades sociais36.
Entre os cuidadores, sintomas de insônia, sintomas depressivos, 3 ou mais doenças e fadiga associaram-se simultaneamente à baixa satisfação com a vida, suplantando a influência isolada das variáveis baixo suporte social percebido e dependência parcial em AIVD, provavelmente pelo fato de os cuidadores serem majoritariamente mulheres, mais doentes e com mais limitações funcionais por causa de sua condição feminina. As associações múltiplas mais robustas observadas entre não cuidadores do que entre cuidadores, envolvendo baixa satisfação, fadiga e sintomas depressivos e baixa satisfação e o fato de o suporte social ter se associado com baixa satisfação apenas entre os cuidadores, sugerem que essas variáveis são mais relevantes ao bem-estar subjetivo deste grupo do que daquele. Esta interpretação exige cautela expressa em mais estudos, pois outras variáveis podem estar mediando essas relações.
Os dados e as interpretações derivadas da presente investigação são limitadas pelo desconhecimento das circunstâncias do cuidado, incluindo a duração do cuidado, suas demandas especificas e o grau de envolvimento dos idosos com as tarefas de cuidar. Estas são influenciadas pelo status de saúde; pelo estágio e o prognóstico da doença do ente cuidado; pela qualidade das relações familiares; pelas estratégias de enfrentamento de eventos estressores adotadas pelos cuidadores; pelo nível de ajustamento do self e pelos traços de personalidade dessas pessoas, e pela quantidade e a qualidade do apoio formal recebido, entre outros fatores. Além disso, o estudo envolveu apenas variáveis de autorrelato, exposto à influência de vieses de memória e de avaliação e não contou com o acompanhamento dos participantes ao longo do tempo.
A despeito das limitações, cabe ressaltar sua importância como um dos poucos estudos brasileiros relativos à descrição de relações entre saúde, funcionalidade, envolvimento social, suporte social e bem-estar de cuidadores familiares, principalmente considerando que seus participantes são idosos cuidando de outros idosos, uma condição em crescimento na população brasileira, com todas as implicações financeiras, sociais e éticas implicadas nessa relação. Novas pesquisas poderão ser realizadas com controles das condições apontadas e com acompanhamento longitudinal. Profissionais brasileiros que planejam e implementam programas de intervenção psicológica, educacional, social e de saúde, dirigidos a idosos cuidadores e à sua rede de suporte, poderão beneficiar-se dos dados aqui apresentados, que são sugestivos de novas e produtivas formas de observar e analisar os fenômenos envolvidos.