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Fatores associados à subestimação do status do peso da criança pelos pais

Fatores associados à subestimação do status do peso da criança pelos pais

Autores:

Sarah Warkentin,
Laís A. Mais,
Maria do Rosário D.O. Latorre,
Susan Carnell,
José Augusto A.C. Taddei

ARTIGO ORIGINAL

Jornal de Pediatria

versão impressa ISSN 0021-7557versão On-line ISSN 1678-4782

J. Pediatr. (Rio J.) vol.94 no.2 Porto Alegre mar./abr. 2018

http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2017.05.010

Introdução

O sobrepeso na infância é um problema de saúde pública reconhecido. De acordo com o último relatório sobre obesidade infantil da Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2014 cerca de 41 milhões de crianças com menos de cinco anos estavam acima do peso ou obesas. Essa pandemia também atingiu países em desenvolvimento, inclusive os na Ásia, África e América Latina. 1 No Brasil, pesquisas nacionais demonstraram um aumento na tendência da prevalência de sobrepeso e obesidade em crianças de cinco a nove anos. Em 1974-1975, a prevalência de sobrepeso em meninos foi 10,9% e em 1989 ela aumentou 15% e atingiu 34,8% na última pesquisa nacional em 2008-2009. Um padrão semelhante de aumento também foi observado em meninas, subiu de 8,6% para 11,9% e, então, para 32%. Esses aumentos na prevalência da obesidade nos dois gêneros seguem as tendências mundiais de sobrepeso 2 e a OMS descreve a obesidade como "um dos problemas de saúde pública atuais mais evidentemente visíveis - porém mais negligenciados". 3

O ganho de excesso de peso na infância resulta de muitos fatores, inclusive hábitos alimentares não saudáveis e comportamentos sedentários, que podem ser influenciados pela mídia, pelos pares e pais. 1 Os pais desempenham um papel único na primeira educação nutricional da criança, moldam os ambientes e comportamentos alimentares. Uma percepção precisa do status do peso da criança pelos pais pode ser um importante fator na motivação de sua promoção de um estilo de vida saudável, 4 pais formam possíveis "agentes de mudança" no reconhecimento e tratamento da obesidade infantil. 5 A intervenção precoce pelos pais pode ser essencial na prevenção e no tratamento do sobrepeso e obesidade, pois os padrões dietéticos e hábitos alimentares são comumente formados na infância e persistem durante a adolescência e toda a vida adulta.6

Contudo, os pais podem não reconhecer o excesso de peso em seu filho, somente o reconhecem em estágios graves ou quando a criança apresenta limitações na atividade física, como falta de ar ou redução da mobilidade física. 7 A subestimação parental em toda a população pode ser substancialmente motivada por taxas crescentes de obesidade infantil nas últimas décadas, as quais compreensivamente aumentaram o peso percebido como "normal". 8 Estudos demonstraram repetidamente a subestimação do peso da criança pelos pais, 9-11 uma metanálise relatou que a proporção da subestimação pelos pais entre crianças com sobrepeso/obesas foi 50,7% e 14,3% para crianças com peso normal. 12

As percepções são influenciadas pela relação entre a pessoa que percebe e a pessoa que é percebida, bem como pelas experiências, convicções e características do percebedor, que afetarão pensamentos, sentimentos e atitudes com relação à pessoa percebida, 13 e características da pessoa percebida. Compatível com este, vários estudos mostraram relações entre a percepção errônea dos pais sobre o status do peso da criança e as características dos pais e da criança. Por exemplo, um estudo relatou que a obesidade nos pais e na criança aumentou a chance de subestimação, a preocupação parental sobre o sobrepeso da criança aumentou, em vez de reduzir, o risco de percepção errônea. 6 Outro estudo no Chile constatou que as mães com um nível menor de escolaridade, mães de meninos e mães de crianças mais velhas foram mais propensas a subestimar o status do peso de seu filho. 14 Contudo, um estudo americano relatou uma associação entre a idade mais avançada da criança e menores taxas de percepção errônea dos pais sobre o status do peso autorrelatado da criança. 15

Notavelmente, a maior parte dos estudos existentes que avaliam as percepções pelos pais do peso da criança foi feita em países desenvolvidos, 6,15-18 e poucos foram feitos no Brasil, 10,11,19 nenhum deles fez uma avaliação abrangente da percepção errônea dos pais e os fatores associados. É essencial um melhor entendimento dos fatores determinantes das percepções do peso no Brasil para que a educação possa ser voltada para os pais em maior risco de percepção errônea. Assim, o objetivo deste estudo foi examinar a prevalência da percepção errônea pelos pais do status do peso da criança em uma amostra brasileira e identificar fatores socioeconômicos, antropométricos, comportamentais e dietéticos associados à subestimação do peso da criança pelos pais.

Método

Participantes

Os pais de crianças entre dois e oito anos foram elegíveis para participar deste estudo. Excluímos as crianças com doenças relacionadas à nutrição e/ou que puderam influenciar as práticas alimentares dos pais e irmãos para evitar duplicação das unidades na amostragem, mantivemos apenas crianças mais novas, casos com respostas ausentes sobre a percepção pelos pais do peso da criança e outliers de massa corporal (IMC para a idade, escore z entre ≥ 6,00 e ≤ -6,00). Para estimar o tamanho da amostra necessário, consideramos uma probabilidade de erro tipo I e tipo II de 0,05 e 0,20, respectivamente, com base na prevalência de sobrepeso da criança. Isso resultou em uma amostra de 320 entrevistados, incorporou recrutamento excessivo para comportar uma perda prevista de 10% da amostra original.

Procedimentos

Foram contatadas 48 escolas privadas nas cidades de São Paulo e Campinas, Brasil, e os contatos iniciais foram acompanhados em uma reunião com o diretor e/ou coordenador. Dessas 48, 14 aceitaram o convite para participar do estudo. Informações completas sobre os procedimentos do estudo estão descritas em outros lugares. 20,21 Esta pesquisa recebeu a aprovação do comitê de ética da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A mãe ou o pai de cada criança participante assinou o consentimento informado por escrito antes de concluir a pesquisa.

Medidas

Os pais responderam um questionário de autorrelato que avaliou informações sociodemográficas, antropométricas, comportamentais e dietéticas. A ingestão de alimentos pela criança foi medida com um Questionário de Frequência Alimentar especialmente desenvolvido para este estudo e testado em um estudo-piloto, pois não havia instrumento validado no Brasil que atendesse a nossos critérios breves e adequados para essa faixa etária. A ingestão de alimentos ultraprocessados durante sete dias antes da entrevista foi somada e sua média foi calculada (o risco foi designado caso a ingestão de alimentos ultraprocessados tivesse sido acima da média de ingestão, ou seja, ≥ 3 vezes por semana). A ausência dos pais durante as refeições foi avaliada pelo número de principais refeições (café da manhã, almoço e jantar) nas quais o pai ou a mãe estava ausente durante uma semana regular; designamos "ausência durante a refeição" caso ambos os pais estiveram ausentes pelo menos em uma principal refeição na semana. A percepção pelos pais do status do peso da criança foi avaliada ao preencher a declaração "Em sua opinião, seu filho..." com as seis seguintes respostas: "muito magro", "ligeiramente magro", "normal", "ligeiramente gordo" e "muito gordo". Os padrões de crescimento da OMS foram usados para calcular os escores z do IMC e as categorias de peso com base no peso e estatura relatados; 22 "Peso extremamente abaixo da média" foi definido como valores do escore de z < -3; "Peso abaixo da média" como escores z ≥ -3 e ≥ -2, "Peso normal" como escores z ≥ -2 e < +1, "Sobrepeso" como escores z ≥ +1 e < +2, "Obeso" como escores z ≥ +2 e < +3 e "Extremamente obeso" como escores z ≥ +3. Para criar categorias de peso a partir dos dados de peso e estatura relatados que possibilitaram uma margem de erro nas estimativas dos pais, arredondamos a variável contínua da categoria "escore z de IMC para crianças", de forma que os escores z -5,50 a -4,50 se tornassem -5,0 etc. Para as escalas "Responsabilidade percebida pela alimentação da criança" e "Preocupação com o sobrepeso da criança" do Questionário de Alimentação Infantil (QAI), 23 calculamos as médias e usamos a mediana para criar novas variáveis dicotômicas.

Análise estatística

Para medir a concordância entre as percepções pelos pais do status do peso da criança e o status do peso da criança conforme relatado pelos pais, estimamos o coeficiente Kappa para toda a amostra. Os valores Kappa de < 0,00 indicam baixa concordância e os valores de > 0,80 indicam concordância quase perfeita. 24 Para explorar a distribuição das variáveis na base de dados e escolher o corte adequado para dicotomização, fizemos análises descritivas. Como o objetivo do estudo foi avaliar a subestimação pelos pais do peso da criança, dicotomizamos a variável dependente para formar as categorias "subestimação" e "ausência de subestimação". A dicotomização das variáveis independentes teve como base a distribuição de cada variável e foi guiada por uma revisão da literatura que explorou valores associados a risco de percepção errônea. Os testes de qui-quadrado foram usados para identificar fatores associados à percepção pelos pais do status do peso. Então, transferimos todas as variáveis com p ≤ 0,20 no teste qui-quadrado para um modelo de regressão múltipla. As variáveis com p ≤ 0,05 foram consideradas significativas nesse modelo. Foi verificada a consistência da base de dados ao acrescentar os dados duas vezes com a ajuda de dois pesquisadores assistentes treinados. As análises foram feitas com o Stata (Stata software de estatística, versão 14. College Station, TX, EUA). 25

Resultados

A tabela 1 mostra a análise descritiva das características antropométricas, sociodemográficas, dietéticas e comportamentais da amostra. A maior parte dos entrevistados foi mães (91,39%), quase 30% foram classificadas como com sobrepeso/obesas e a maioria tinha estudo universitário (87,91%). Aproximadamente 72% dos pais se perceberam sempre responsáveis pela alimentação da criança nas dimensões avaliadas.

Tabela 1 Características antropométricas, sociodemográficas, dietéticas e comportamentais da amostra (n = 976) 

Características da amostra Categoria n (%)
Escore de z de IMC/idade 0,37 (1,37)a
Sexo Masculino 502 (51,43)
Feminino 474 (48,57)
Faixa etária Crianças em idade escolar 590 (60,45)
Crianças em idade escolar 386 (39,55)
Ingestão de alimentos ultraprocessados Consumido mais de duas vezes por semana 356 (36,48)
Consumido duas ou menos vezes por semana 620 (63,52)
Entrevistado Mãe 892 (91,39)
Pai 84 (8,61)
IMC da mãe Peso abaixo da média/peso normal 681 (70,64)
Acima do peso/obeso 283 (29,36)
Idade da mãe > 38 anos (percentil de 50) 436 (44,90)
≤ 38 anos (percentil de 50) 535 (55,10)
Escolaridade da mãe < faculdade completa 118 (12,09)
≥ faculdade completa 858 (87,91)
Ausência durante a refeição da criança Uma ou mais das principais refeições da semana 95 (9,73)
Nenhuma das principais refeições da semana 881 (90,27)
Responsabilidade percebida pela alimentação da criança Sempre 699 (71,77)
Nunca/raramente/metade do tempo/maior parte do tempo 275 (28,23)
Preocupação sobre o sobrepeso da criança Preocupado/razoavelmente preocupado/muito preocupado 460 (47,13)
Não tem preocupação/um pouco preocupado 516 (52,87)

IMC, índice de massa corporal.

amédia (desvio padrão).

Percepção pelos pais do status do peso

A tabela 2 mostra a concordância entre as percepções pelos pais do status do peso da criança e o status do peso da criança relatado pelos pais. Os pais das crianças com peso abaixo da média e peso normal tenderam a perceber de forma precisa o status do peso de sua criança, em comparação com as crianças com sobrepeso e obesas. Nossa amostra é composta de 31,45% crianças com sobrepeso e obesas. Entre elas, quanto mais acima do peso a criança estava, maior foi a percepção pelo pai do status real do peso da criança. Por exemplo, quando a criança foi classificada como extremamente obesa, a maioria dos pais as percebeu como ligeiramente gordas (36,0%) ou até mesmo com peso normal (60,0%) e quando a criança foi classificada como com sobrepeso, os pais as perceberam como com peso normal (84,9%). Em geral, 48,05% dos pais classificaram incorretamente o peso de sua criança. Mais especificamente, 2,97% dos pais superestimaram e 45,08% subestimaram o status do peso da sua criança. A baixa concordância da percepção pelos pais e do status do peso da criança foi confirmada pelo coeficiente Kappa (0,038).

Tabela 2 Concordância entre as percepções do status do peso da criança pelos pais e do status do peso da criança em uma amostra de crianças em idade pré-escolar e escolar de São Paulo e Campinas, SP, Brasil (n = 976) 

Percepção do status do peso da criança pelos pais Status do peso da criança Total da percepção do status do peso da criança pelos pais
Peso extremamente abaixo da média Peso abaixo da média Peso normal Sobrepeso Obesidade Extremamente obesa
n % n % n % n % n % n % n
Muito magra 3 20,0 1 5,0 23 3,6 2 1,0 0 0,0 0 0,0 29
Ligeiramente magra 3 20,0 11 55,0 132 20,8 7 3,5 2 2,4 1 4,0 156
Normal 9 60,0 8 40,0 471 74,3 169 84,9 55 66,3 15 60,0 727
Ligeiramente gorda 0 0,0 0 0,0 6 0,9 20 10,0 24 28,9 9 36,0 59
Gorda 0 0,0 0 0,0 2 0,3 1 0,5 2 2,4 0 0,0 5
Muito gorda 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0
Status total do peso da criança 15 100,00 20 100,00 634 100,00 199 100,00 83 100,00 25 100,00 976

Os valores em negrito representam a percepção do status do peso da criança pelos pais. Coeficiente Kappa: 0,038; concordância: 51,95%; valor de p: p = 0,013.

Fatores independentemente associados à subestimação do status do peso da criança pelos pais

As análises univariadas demonstraram que meninos, crianças com maiores IMCs e crianças em idade escolar foram mais propensas a ter seu status do peso subestimado por seus pais. As mães com sobrepeso/obesas e mães mais velhas também foram mais propensas a subestimar o status do peso da criança. Os fatores independentemente associados que surgem da regressão múltipla incluíram maior IMC da criança (RC = 2,03), ser menino (RC = 1,70), independentemente da idade da criança, e idade, escolaridade e IMC da mãe (tabela 3).

Tabela 3 Modelos de regressão logística univariada e múltipla preditivos da subestimação do status do peso da criança pelos pais em uma amostra de crianças em idade pré-escolar e escolar de São Paulo e Campinas, SP, Brasil 

Variáveis Categorias Subestimação do status do peso das crianças pelos pais n (%) RC (bruto) RC (ajustadod)
Escore z de IMC 2,1c 2,0c
Sexo Masculino 257 (58,4) 1,7c 1,7c
Feminino 183 (41,6) 1,0 1,0
Faixa etária Crianças em idade escolar 290 (65,9) 1,5a
Crianças em idade pré-escolar 150 (34,1) 1,0
Ingestão de alimentos ultraprocessados Consumido mais de duas vezes por semana 162 (36,8) 1,0 ns
Consumido duas ou menos vezes por semana 278 (63,2) 1,0
IMC da mãe Acima do peso/obeso 153 (35,1) 1,7b
Peso abaixo da média/peso normal 283 (64,9) 1,0
Idade da mãe > 38 anos (percentil de 50) 212 (48,5) 1,3a
≤ 38 anos (percentil de 50) 225 (51,5) 1,0
Escolaridade da mãe < faculdade completa 60 (13,6) 1,3a
≥ faculdade completa 380 (86,36) 1,0
Ausência durante a refeição da criança Uma ou mais das principais refeições da semana 47 (10,68) 1,2ns
Nenhuma das principais refeições da semana 393 (89,32) 1,0
Responsabilidade percebida pelo alimentação da criança Nunca/raramente/metade do tempo/maior parte do tempo 124 (28,25) 1,0ns
Sempre 315 (71,75) 1,0
Preocupação sobre o sobrepeso da criança Preocupado/razoavelmente preocupado/muito preocupado 213 (48,41) 1,1ns
Não tem preocupação/um pouco preocupado 227 (51,59) 1,0

ns, não significativo; RC, razão de chance.

ap < 0,05.

bp < 0,01.

cp < 0,001.

dAjustado para a idade da criança, idade da mãe, escolaridade e IMC (n = 957).

Discussão

O objetivo principal deste estudo foi examinar a percepção errônea do status do peso da criança pelos pais. De acordo com nossas previsões, observamos baixa concordância entre a percepção do status do peso pelos pais e os escores z do IMC reais da criança com base nos dados relatados. Especificamente, descobrimos que 48,05% dos pais classificaram erroneamente o peso de sua criança e os pais são vastamente mais propensos a subestimar (45,08%) do que superestimar (3%). Outros estudos com amostras da América do Sul constataram uma prevalência semelhante de percepção errônea dos pais. Um estudo chileno relatou subestimação em quase 54% dos pais. 9 Contudo, dois estudos brasileiros, em Salvador e Goiás, relataram menores prevalências de subestimação pelos pais (18% e 29%, respectivamente); 10,11isso pode ser devido aos formatos restritos de resposta para percepção do peso pelos pais usados nesses estudos (apenas três categorias) ou as menores taxas de crianças com sobrepeso e obesas nessas regiões.2

A subestimação do status do peso da criança pelos pais em nossa amostra ocorreu mais comumente entre crianças acima do peso, obesas e extremamente obesas (92,51%), e apenas um quarto dos pais subestimou o status do peso de suas crianças com peso normal. Uma alta prevalência de subestimação entre crianças com sobrepeso/obesas também foi relatada em um estudo mexicano. 8 Em uma metanálise recente, que calculou os tamanhos de efeito ajustados, 51% dos pais subestimaram o peso de suas crianças com sobrepeso/obesas, ao passo que o peso de crianças com peso normal foi subestimado em 14% dos casos. 12 Contudo, a maior parte dos estudos encontrou menores taxas de subestimação pelos pais de crianças com sobrepeso/obesas. 16,26

Notavelmente, o estudo mexicano avaliou as percepções maternas do status do peso das crianças com uma pergunta e uma escala de silhuetas e constatou que as mães subestimam mais ao responder uma pergunta. 8 A maior prevalência de subestimação materna em nossa amostra pode, portanto, surgir do fato de que usamos uma pergunta em vez de uma escala de silhuetas. Outros motivos podem incluir variação entre estudos nas ferramentas usadas para avaliar as percepções do status do peso das crianças pelos pais e, em faixas etárias das crianças e pais, as origens culturais e sociais. É importante observar que a percepção do que é um peso saudável parece estar mudando na sociedade moderna, de forma que as crianças que foram anteriormente classificadas como com sobrepeso podem agora ser vistas por sua família e a sociedade como com "peso normal". 8,27 Isso provavelmente está relacionado com o aumento na prevalência de sobrepeso na infância em todos os países, principalmente no Brasil, 2 e é compatível com um caso de teoria de comparação social, de forma que os pais avaliam o peso de sua criança em comparação com seus pares, e não de acordo com uma escala absoluta. 17

A comprovação sugere que os pais podem subestimar o peso de sua criança devido à crença de que uma criança mais pesada é mais saudável,27 apesar de o sobrepeso, bem como peso abaixo da média, estar associado a consequências à saúde. 10 Além disso, as mães poderão considerar as limitações físicas, os hábitos alimentares e as consequências sociais ao avaliar o sobrepeso na infância, ou seja, contanto que sua criança seja ativa, tenha bom apetite e coma alimentos saudáveis, e não seja provocada devido a seu tamanho, elas as consideram saudáveis e não se preocupam com seu peso. 7 Todos esses fatores são considerados sintomas, que incentivam os pais a buscar ajuda profissional, ao passo que o excesso peso é um sinal, na maior parte do tempo, detectado por profissionais de saúde. Em resumo, parece que os pais talvez não vejam o que os profissionais da saúde veem e apenas buscam ajuda profissional quando a obesidade na infância encontra-se em estado grave. 28

Após fazer as análises univariadas, incluímos variáveis elegíveis em um modelo de regressão logística múltipla ajustado para a idade da criança e a idade, a escolaridade e o IMC da mãe. Os fatores determinantes independentes restantes da subestimação do status do peso da criança pelos pais foram IMC da criança e sexo masculino. Para peso da criança, observamos que a chance de subestimação dobrou para cada ponto do escore z de IMC. Um resultado semelhante foi relatado em outro estudo, que mostrou um aumento de 1,49 na probabilidade de subestimação para cada ponto do escore z de IMC. 14 Um estudo recente no Brasil também constatou maior risco de subestimação do peso infantil para crianças com sobrepeso (Índice de Prevalência = 2,52). 10 Um estudo americano também constatou que a capacidade de identificar corretamente o status do peso de sua criança foi menor entre pais de crianças com sobrepeso ou risco de sobrepeso, em comparação com as crianças com peso normal. 29

Nosso achado de que as crianças do sexo masculino são mais propensas a subestimação (RC = 1,67) é compatível com os resultados de um estudo brasileiro 19 e um estudo grego, 14 apesar de outro estudo brasileiro ter encontrado uma associação nula entre essas variáveis. 10 A tendência de os pais subestimarem os pesos dos filhos mais do que das filhas pode estar relacionada às diferenças de sexo na composição corporal, porém também pode refletir as normas sociais de que as meninas são pressionadas a ter um tamanho de corpo menor, ao passo que os corpos maiores em meninos são vistos de forma mais aceitável, conferem ainda uma vantagem física. 10,14

Várias limitações devem ser levadas em consideração ao interpretar os achados atuais. Primeiro, o modelo transversal não possibilita inferência causal, assim a interpretação das associações deve ser feita com cautela. Segundo, usamos uma pergunta sobre o peso percebido da criança, em vez de uma escala de silhueta, que pode aumentar a percepção errônea. 8 Contudo, nossa pergunta tinha seis possíveis respostas e possibilitou que os pais classificassem as crianças apenas como levemente diferentes do peso normal, o que aumentou a probabilidade de classificação correta. Terceiro, a estatura e o peso das crianças foram relatados pelos pais, possivelmente com imprecisão e viés, o que pode resultar em informações não precisas; ainda assim, os dados autorrelatados são comumente necessários em amostras grandes, por motivos econômicos e lógicos. Contudo, a maioria (cerca de 70%) das informações antropométricas fornecidas pelos pais foi obtida de relatos de pediatras/médicos ou medida em casa (dados não mostrados) e os pais das crianças dessa faixa etária são propensos a ser mais conscientes sobre os dados antropométricos da criança devido ao contato com profissionais da saúde para verificações do desenvolvimento. 30 Além disso, o fato de que observamos essas altas taxas de percepção errônea, apesar da possível subestimação dos pesos relatados devido ao viés de relato, confirma a força do efeito da percepção errônea. O IMC infantil não é a medida mais precisa de adiposidade; contudo, ela está altamente correlacionada a medidas mais diretas de adiposidade. Os termos "peso normal" ou "sobre o peso certo" podem não capturar completamente as avaliações dos pais sobre o peso de seus filhos em termos de saúde etc., pois seu próprio status do peso, pares e exposição à mídia podem influenciar o que eles consideram o que de fato importa; contudo, a maioria dos estudos sobre percepção do peso das crianças pelos pais usou essa terminologia. 9,14,17 Apesar de a validade externa ter sido comprometida pela homogeneidade da amostra, que, em geral, foi alta com relação à renda e escolaridade dos pais, nossos resultados foram impressionantemente semelhantes aos em populações com menores níveis dessas características. Por fim, o uso das palavras "muito", "excessivo" ou "extremamente" pode ter desincentivado os pais a escolher essas opções.

Nosso estudo também teve pontos fortes significativos. O grande tamanho da amostra possibilitou a detecção estatística de baixa concordância entre a percepção do status do peso das crianças pelos pais e o status do peso das crianças e grandes estimativas de associações. Nossa investigação acrescenta um conjunto de estudos muito pequeno com relação à população brasileira sobre a percepção do status do peso das crianças pelos pais. A Região Sudeste do Brasil, onde este estudo foi feito, é a mais desenvolvida do país e cada vez mais ocidentalizada e o cenário alimentar obesogênico justifica a necessidade de pesquisa nessa área específica. Ao contrário de outros estudos, o nosso abrange crianças em idade pré-escolar e escolar e usa os padrões de crescimento mais recentes e adequados para crianças.22

Os pais são possíveis "agentes de mudança" para obesidade infantil e sua conscientização da saúde e dos problemas de peso das crianças pode formar uma primeira etapa para melhorar o estilo de vida. Contudo, um estudo recente constatou que as crianças percebidas de forma precisa com sobrepeso aos quatro anos não estavam protegidas contra ganho de peso aos 13 anos. 18 Isso sugere que a percepção precisa de peso sozinha não é suficiente para evitar sobrepeso e obesidade. A Estrutura Transestrutural, que é recomendada como uma forma de educar os pais por meio de médicos, 15 sugere que o processo de mudança do comportamento de saúde ocorre em cinco estágios, começa com conscientização dos pais e informações antes de passar pelos estágios para incentivar resultados duradouros. Contudo, as informações sobre saúde e nutrição precisam ser simplificadas para atingir os pais de forma ideal. As possíveis forma de fazê-lo são por meio da família, com base em intervenções que iniciam na primeira infância 31 ou, como isso normalmente não está disponível, durante as consultas pediátricas nos dois primeiros anos de vida. 29 Como os ambulatórios são visitados com menor frequência por crianças mais velhas, a continuidade das consultas médicas que incorporam exposição a educação nutricional e de saúde pode ser uma intervenção útil.

Nosso estudo revelou que quase metade dos pais em nossa amostra brasileira de pais subestimou o status do peso de suas crianças em idade pré-escolar e escolar e que o risco de subestimação foi maior para crianças mais velhas e crianças do sexo masculino. Portanto, os médicos clínicos devem focar em intervenções para auxiliar os pais a avaliar corretamente o status do peso de sua criança do sexo masculino com IMCs mais elevados. A conscientização dos pais sobre as questões de peso nas crianças deve constituir uma primeira etapa vital com relação à promoção de ambientes e estilos de vida saudáveis e à prevenção e ao tratamento da obesidade na infância.

REFERÊNCIAS

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