versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.23 no.2 Rio de Janeiro fev. 2018
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018232.11612016
A Organização Pan Americana da Saúde estabeleceu como meta para o ano de 2015 a redução da transmissão vertical do HIV para menos de 2%, mas esta meta ainda não foi atingida no Brasil1. Para a prevenção da transmissão vertical, a cobertura da testagem anti-HIV no pré-natal deveria atingir pelo menos 95% das gestantes1. No entanto, em nosso país, a cada cinco gestantes apenas quatro são testadas no pré-natal2. Este dado revela a importância da testagem rápida das mulheres na ocasião do parto.
O Ministério da Saúde recomendou o oferecimento do exame anti-HIV no primeiro trimestre de gestação, ou no início do pré-natal, com realização de novo exame no terceiro trimestre, sempre que possível3,4, e que na entrada da mulher na maternidade seja oferecido o teste rápido anti-HIV, mediante aconselhamento, para todas as gestantes não testadas para HIV no pré-natal ou sem resultado disponível4,5. Recomendou também que gestantes que se enquadrassem em algum critério de vulnerabilidade, como portadoras de DST e usuárias ou parceiras de usuários de drogas injetáveis em prática de sexo inseguro, fossem submetidas ao teste rápido, independentemente do tempo decorrido desde o último teste anti-HIV3. Os testes rápidos anti-HIV permitem a detecção de anticorpos contra o HIV em menos de 30 minutos, têm baixo custo, são altamente sensíveis e específicos e de simples aplicação e interpretação6.
A partir de 2010, o Ministério da Saúde passou a recomendar que gestantes sem resultado de teste HIV do último trimestre de gestação fossem submetidas ao teste rápido anti-HIV6. Foi preconizada ainda a ampliação do uso do teste rápido no pré-natal, em situações em que o diagnóstico da infecção pelo HIV não poderia ser realizado em tempo hábil para a adoção de medidas de redução da transmissão vertical do HIV6.
Estudos apontam um paradoxo em relação ao emprego do teste rápido anti-HIV nas maternidades: o uso excessivo convivendo ainda com oportunidades perdidas de diagnóstico e prevenção do HIV7,8, sinalizando que as práticas assistenciais nem sempre seguem as recomendações ministeriais. Em revisão de literatura realizada para identificar fatores associados à submissão ao teste rápido anti-HIV, foi encontrado apenas um artigo que investigou características da assistência hospitalar associadas à realização do teste, como a disponibilidade de carga horária de obstetras e neonatologistas por hora/nascimento e a disponibilidade de teste rápido anti-HIV no prazo de validade9. É fundamental investigar que aspectos contribuem para a submissão ao teste rápido, além das indicações preconizadas, para que os recursos públicos sejam otimizados para a instituição oportuna de medidas profiláticas de controle da transmissão vertical. O objetivo deste estudo foi analisar fatores socioeconômicos e assistenciais associados à submissão de parturientes ao teste rápido anti-HIV.
Estudo transversal oriundo da pesquisa “Avaliação da Implementação da Iniciativa Hospital Amigo da Criança no Município do Rio de Janeiro, a partir da percepção das mulheres quanto às questões de gênero, poder e cidadania envolvidas na assistência ao aleitamento materno”10. A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética e Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro e aprovada.
A população do estudo foi composta por parturientes internadas no segundo semestre de 2009, em hospitais com mais de 1000 partos/ano do Sistema Único de Saúde (SUS), no município do Rio de Janeiro. Estes hospitais concentravam 94% do total de partos realizados, em 2008, neste município, em unidades hospitalares do SUS. Destes quinze hospitais, sete eram Hospitais Amigos da Criança (HAC) e oito não eram credenciados na iniciativa (HNC)11. Onze hospitais, cinco HAC e seis HNC faziam parte do Sistema de Gestação de Alto Risco, de referência materna e/ou fetal.
O tamanho da amostra foi determinado de forma estratificada, sendo os estratos os hospitais. Como não foi encontrado estudo semelhante para ser baseado o cálculo, optou-se por considerar uma prevalência arbitrária de 50% dos desfechos investigados pela pesquisa para o cálculo do tamanho amostral. Prevalência de 50% foi utilizada também como fator de ponderação para cada estrato, pois garante o maior tamanho de amostra possível para nível de erro e confiança controlados12.
Para um nível de erro de 5% e de confiança de 99%, obteve-se um tamanho mínimo de 687 mães em alojamento conjunto, distribuídas entre os estratos segundo a quantidade de partos em 2008. O critério de inclusão na pesquisa foi a mulher ter tido filho nascido vivo há mais de 24 horas, e o critério de exclusão foi a mulher ter alguma contraindicação à amamentação, como sorologia reagente para o HIV, pois a amamentação ao nascimento foi um dos desfechos investigados na pesquisa10.
Foram utilizadas duas fontes de informação: as entrevistas das mães e a consulta aos prontuários maternos. Optou-se por não estabelecer um padrão ouro, pois foram encontrados prontuários com falhas de registro e mães com desconhecimento de informações. A comparação das duas fontes de informação apresentou uma acurácia de 61,9%: 406 mães haviam sido submetidas ao teste rápido segundo entrevistas e prontuários e 111 não foram testadas segundo as duas fontes de informação. Os dados divergentes apontaram 259 mães (31,0%) que afirmaram não terem sido submetidas ao teste rápido, ou que desconheciam a submissão, mas com registro em prontuário, e 59 (7,1%) com relato de submissão ao teste rápido, mas sem registro no prontuário.
As entrevistas foram conduzidas nas enfermarias de alojamento conjunto, entre agosto e dezembro de 2009. As entrevistadas foram selecionadas por sorteio sistemático, a partir da relação das mães internadas registradas no posto de enfermagem. Quando o sorteio selecionava uma mãe com bebê internado há mais de 48 horas em unidade neonatal, a mesma era também entrevistada, gerando uma amostra de 148 mães de bebês internados. Foram empregados questionários estruturados que continham perguntas sobre características da mãe, do domicílio, da assistência pré-natal e ao parto, e sobre o recém-nato. Para a coleta de informações dos prontuários maternos foi utilizado um formulário para registro de exames anti-HIV, realizados no pré-natal, e de teste rápido anti-HIV, realizado na maternidade. Todas as informações foram colhidas por entrevistadoras da área de saúde, capacitadas na Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC)11 e previamente treinadas para a aplicação dos instrumentos de coleta de dados.
Foi elaborado um modelo teórico hierarquizado13 de determinação do desfecho que compreendeu características distais (maternas, reprodutivas e domiciliares), intermediárias (da assistência pré-natal), e proximais (da assistência ao parto), sendo a submissão ao teste rápido anti -HIV considerada o desfecho (Figura 1).
Figura 1 Modelo teórico de determinação da submissão ao teste rápido anti-HIV em hospitais com mais de 1000 partos/ano, no município do Rio de Janeiro, 2009.
Foi realizada uma descrição das características sociodemográficas das mães (idade, cor da pele, escolaridade, trabalho remunerado, renda materna), reprodutivas e domiciliares (ter companheiro, paridade e número de moradores), da assistência pré-natal recebida (realização de prénatal, local de realização do pré-natal, trimestre de início do pré-natal, número de consultas pré- natais, realização de exames anti-HIV no prénatal, e dispor de sorologia negativa de algum exame anti-HIV do pré-natal) e da assistência ao parto (certificação como hospital amigo da criança e tipo de parto). Foi considerado que a mulher dispunha de sorologia negativa de prénatal, quando esta havia sido submetida a um ou mais exames anti-HIV, em qualquer momento do pré-natal, conforme preconização vigente em 20093,4. O desfecho foi dicotomizado em duas categorias: 1.Submissão ao teste rápido anti-HIV; 2.Não submissão/desconhecimento quanto à submissão ao teste rápido anti-HIV, segundo as duas fontes de informação.
A análise dos dados foi conduzida por meio do programa Statistical Package for Social Sciences - SPSS17. Num primeiro momento, foi realizada uma análise univariada para conhecimento da distribuição das variáveis de exposição e do desfecho a ser estudado. Em seguida foi conduzida uma análise bivariada entre cada variável de exposição e o desfecho, segundo as duas fontes de informação. Foram realizados testes de hipóteses de qui-quadrado e obtidas razões de prevalência (RP) brutas. Fatores de exposição que, na análise bivariada, estiveram associados ao desfecho com nível de significância observado menor ou igual a 20% no teste de qui-quadrado (p-valor ≤ 0,20) foram selecionados para a análise multivariada. A hierarquização das variáveis permitiu avaliar o efeito dos grupos de variáveis de acordo com a proximidade com o desfecho. As razões de prevalência ajustadas foram obtidas por modelo de regressão de Poisson com variância robusta, devido à prevalência elevada do desfecho14. O modelo final, utilizado para estimar medidas de associação com seus respectivos intervalos com 95% de confiança, foi composto pelas variáveis de exposição que obtiveram nível de significância observado menor ou igual a 5% (p-valor ≤ 0,05).
Foi entrevistada uma amostra de 835 mães. Cerca de um quarto era adolescente, a mesma proporção declarou ter cor da pele branca, um terço apresentou ensino fundamental incompleto, e a metade exercia trabalho remunerado. A maioria das mães tinha companheiro e quase a metade era constituída de primíparas (Tabela 1).
Tabela 1 Prevalência e razao de prevalência (RP) bruta da submissão ao teste rápido anti-HIV segundo o perfil sociodemográfico das mães internadas nos hospitais com mais de 1000 partos/ano. Município do Rio de Janeiro, 2009.
Características distais | Informação das entrevistas | Informação do prontuário | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
N | % | Prevalência (%) | RP bruta | p-valor | Prevalência (%) | RP bruta | p-valor | ||
Idade | |||||||||
20 a 46 anos | 618 | 74% | 56,8 | 1 | 78,5 | 1 | |||
13 a 19 anos | 217 | 26% | 52,5 | 0,93 | 0,288 | 82,9 | 1,06 | 0,137 | |
Cor da pele autorreferida | |||||||||
Branca | 219 | 26,2 | 50,2 | 1 | 83,1 | 1 | |||
Não branca | 616 | 73,8 | 57,6 | 1,15 | 0,069 | 78,4 | 0,94 | 0,117 | |
Escolaridade | |||||||||
≥ Ensino fundamental completo | 555 | 66,5 | 57,5 | 1 | 79,3 | 1 | |||
Ensino fundamental incompleto | 280 | 33,5 | 52,1 | 0,91 | 0,151 | 80,4 | 1,01 | 0,713 | |
Trabalho remunerado | |||||||||
Sim | 422 | 50,5 | 56,6 | 1 | 78,7 | 1 | |||
Não | 413 | 49,5 | 54,7 | 0,97 | 0,578 | 80,6 | 1,03 | 0,483 | |
Renda materna | |||||||||
≥ 1 salário mínimo | 278 | 33,3 | 57,6 | 1 | 79,1 | 1 | |||
< 1 salário mínimo | 555 | 66,7 | 55,0 | 0,96 | 0,472 | 79,8 | 1,01 | 0,819 | |
Companheiro | |||||||||
Tem companheiro | 723 | 86,6 | 56,0 | 1 | 78,1 | 1 | |||
Não tem companheiro | 112 | 13,4 | 53,6 | 0,96 | 0,635 | 89,3 | 1,14 | <0,001 | |
Paridade | |||||||||
Primípara | 399 | 47,8 | 52,1 | 1 | 79,8 | 1 | |||
Não primípara | 436 | 52,2 | 58,9 | 1,13 | 0,049 | 79,4 | 0,99 | 0,895 | |
Número de moradores | |||||||||
Até 5 | 625 | 74,9 | 54,6 | 1 | 77,8 | 1 | |||
6 ou mais | 210 | 25,1 | 59,0 | 1,08 | 0,246 | 85,2 | 1,10 | 0,010 |
A grande maioria das mães (95,3%) fez prénatal, mas quase 30% foram acompanhadas por menos de 6 consultas, e menos de dois terços iniciaram o pré-natal no primeiro trimestre de gestação. Fizeram exame anti-HIV no pré-natal 91,5% das parturientes. Segundo as entrevistas, 86,7% das mães dispunham de sorologia negativa do pré-natal e, segundo os dados do prontuário, 68,0%. Cerca de metade dos partos ocorreram em hospitais certificados na Iniciativa Hospital Amigo da Criança (Tabela 2).
Tabela 2 Prevalência e razao de prevalência (RP) bruta da submissão ao teste rápido anti-HIV segundo a assistência prénatal e ao parto das mães internadas nos hospitais com mais de 1000 partos/ano. Município do Rio de Janeiro, 2009.
Características intermediárias | Informação das entrevistas | Informação do prontuário | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
N | % | Prevalência (%) | RP bruta | p-valor | Prevalência (%) | RP bruta | p-valor | ||
Realização de pré-natal (PN) | |||||||||
Sim | 796 | 95,3 | 54,1 | 1 | 78,6 | 1 | |||
Não | 39 | 4,7 | 87,2 | 1,61 | <0,001 | 100 | 1,27 | <0,001 | |
Local de realização do PN | |||||||||
Em unidade básica | 523 | 65,7 | 53,7 | 1 | 84,9 | ||||
Em serviços hospitalares | 273 | 34,3 | 54,9 | 1,02 | 0,743 | 66,7 | 0,79 | <0,001 | |
Início do PN | |||||||||
1° trimestre | 531 | 63,6 | 52,2 | 1 | 77,2 | 1 | |||
2° ou 3° trimestre ou não fez pré-natal | 304 | 36,4 | 61,8 | 1,19 | 0,005 | 83,9 | 1,09 | 0,016 | |
Número de consultas de PN | |||||||||
6 ou mais consultas | 589 | 70,6 | 52,6 | 1 | 77,4 | 1 | |||
0 a 5 consultas | 245 | 29,4 | 62,9 | 1,19 | 0,005 | 84,9 | 1,10 | 0,008 | |
Realização de exame anti-HIV no PN | |||||||||
Sim | 764 | 91,5 | 53,9 | 1 | 78,4 | 1 | |||
Não ou não sabe ou não fez pré-natal | 71 | 8,5 | 74,6 | 1,38 | <0,001 | 93,0 | 1,19 | <0,001 | |
Sorologia anti-HIV do PN* | |||||||||
Sorologia negativa de 1 ou mais exames | 724 | 86,7 | 53,3 | 1 | - | - | - | ||
Não dispõe de sorologia negativa | 111 | 13,3 | 71,2 | 1,34 | <0,001 | ||||
Sorologia anti-HIV do PN** | |||||||||
Sorologia negativa de 1 ou mais exames | 568 | 68,0 | - | - | - | 71,1 | 1 | ||
Não dispõe de sorologia negativa | 267 | 32,0 | 97,8 | 1,37 | <0,001 | ||||
Características proximais | |||||||||
Tipo de parto | |||||||||
Normal | 530 | 63,5 | 57,5 | 1 | 82,2 | 1 | |||
Cesariana | 305 | 36,5 | 52,5 | 0,90 | 0,157 | 75,1 | 0,91 | 0,019 | |
Parto em hospital amigo da criança | |||||||||
Sim | 424 | 50,8 | 48,6 | 1 | 77,1 | 1 | |||
Não | 411 | 49,2 | 63,0 | 1,30 | <0,001 | 82,2 | 1,07 | 0,067 |
*Fonte de informação: entrevista.
**Fonte de informação: prontuários. de informação: prontuário.
Segundo informações das entrevistas, 55,7% das mães foram submetidas ao teste rápido anti -HIV nos hospitais, sendo que o resultado deste teste foi conhecido antes do parto por somente 37,4% das mulheres submetidas ao mesmo. Segundo dados colhidos dos prontuários maternos, 79,6% das mães foram submetidas ao teste rápido anti-HIV no hospital.
Na análise bivariada, segundo as informações das entrevistas, as variáveis sociodemográficas associadas à testagem rápida anti-HIV (p-valor ≤ 0,20) foram a cor da pele, a escolaridade e a paridade (Tabela 1). Entre os fatores intermediários, a realização de pré-natal, o trimestre de início do pré-natal, o número de consultas pré-natais, a realização de exame anti-HIV no pré-natal e dispor de sorologia negativa de exame anti-HIV do pré-natal foram variáveis associadas ao desfecho. Quanto à assistência ao parto, a sua ocorrência em hospital certificado como amigo da criança e o tipo de parto se associaram à submissão ao teste rápido anti-HIV (Tabela 2). Segundo os dados do prontuário, as variáveis distais: idade materna, cor da pele, presença de companheiro e número de moradores se associaram ao desfecho (Tabela 1). As variáveis intermediárias: realização de pré-natal, local de realização do pré-natal, trimestre de início do pré-natal, número de consultas pré-natais, realização de exame anti-HIV no pré-natal e sorologia negativa de exame anti-HIV do pré-natal, bem como as variáveis proximais: tipo de parto e ocorrência em hospital amigo da criança também se associaram à submissão ao teste rápido anti-HIV (p-valor ≤ 0,20) (Tabela 2).
No modelo multivariado, segundo as informações das entrevistas, a cor da pele não branca (RP = 1,155) se associou a uma maior prevalência de submissão ao teste rápido anti-HIV, enquanto a escolaridade materna até o ensino fundamental incompleto (RP = 0,856) esteve associada a uma menor prevalência do desfecho. Tanto a não realização de pré-natal (RP = 1,289), quanto não dispor de sorologia negativa de exame anti-HIV realizado no pré-natal (RP = 1,226) e a ocorrência de parto em hospital não certificado como amigo da criança (RP = 1,286), se associaram a uma maior prevalência de testagem rápida anti -HIV no hospital (Tabela 3).
Tabela 3 Razão de prevalência ajustada da submissão ao teste rápido anti-HIV, pela informação das entrevistas, segundo características sociodemográficas das mães, da assistência pré-natal e ao parto em hospitais com mais de 1000 partos/ano. Município do Rio de Janeiro, 2009.
Características distais | RP ajustada | IC 95% | p-valor | |
---|---|---|---|---|
Cor da pele autorreferida | ||||
Branca | 1 | |||
Não branca | 1,16 | 1,00-1,33 | 0,049 | |
Escolaridade | ||||
≥ Ensino fundamental completo | 1 | |||
Ensino fundamental incompleto | 0,86 | 0,75-0,98 | 0,022 | |
Características intermediárias | ||||
Realização de pré-natal (PN) | ||||
Sim | 1 | |||
Não | 1,29 | 1,05-1,59 | 0,018 | |
Dados da entrevista sobre sorologia anti-HIV do PN | ||||
Sorologia negativa de 1 ou mais exames | 1 | |||
Não dispõe de sorologia negativa | 1,23 | 1,02-1,47 | 0,031 | |
Características proximais | ||||
Parto em hospital amigo da criança | ||||
Sim | 1 | |||
Não | 1,29 | 1,14-1,45 | <0,001 |
Segundo os dados do prontuário, na análise múltipla os fatores distais associados à submissão ao teste rápido anti-HIV foram a ausência de companheiro (RP = 1,127) e ter seis ou mais moradores na residência (RP = 1,082). Os fatores intermediários associados ao desfecho foram a realização de pré-natal em serviço hospitalar (RP = 0,811) e a ausência de sorologia negativa de exame anti-HIV do pré-natal (RP = 1,335), enquanto o parto em hospital não credenciado como amigo da criança (RP = 1,286) foi a única variável proximal associada ao desfecho (Tabela 4).
Tabela 4 Razão de prevalência ajustada da submissão ao teste rápido anti-HIV, pela informação dos prontuários, segundo características sociodemográficas das mães, da assistência pré-natal e ao parto em hospitais com mais de 1000 partos/ano. Município do Rio de Janeiro, 2009.
Características distais | RP ajustada | IC 95% | p-valor | |
---|---|---|---|---|
Companheiro | ||||
Tem companheiro | 1 | |||
Não tem companheiro | 1,13 | 1,04-1,22 | 0,002 | |
Número de moradores | ||||
Até 5 | 1 | |||
6 ou mais | 1,08 | 1,01-1,16 | 0,031 | |
Características intermediárias | ||||
Local de realização do pré-natal (PN) | ||||
Em unidade básica | 1 | |||
Em serviços hospitalares | 0,81 | 0,74-0,88 | <0,001 | |
Dados do prontuário sobre sorologia anti-HIV do PN | ||||
Sorologia negativa de 1 ou mais exames | 1 | |||
Não dispõe de sorologia negativa | 1,34 | 1,26-1,41 | <0,001 | |
Características proximais | ||||
Parto em hospital amigo da criança | ||||
Sim | 1 | |||
Não | 1,08 | 1,00-1,16 | 0,040 |
Chama a atenção o fato de mais da metade das mulheres terem sido submetidas ao teste rápido anti-HIV na admissão para o parto, segundo as duas fontes de informação. No entanto, este teste deveria ser utilizado pontualmente, apenas em mulheres com status sorológico desconhecido. Os testes rápidos anti-HIV implicam em gastos com material e consumo de tempo dos profissionais de saúde envolvidos na assistência ao parto, em geral sobrecarregados. Este uso em demasia gera atrasos na devolução de seus resultados, prejudicando as ações de prevenção da transmissão vertical e postergando o aleitamento materno para além da primeira hora de vida7,15. Estudos conduzidos em 2006, de caráter nacional e no mesmo município da presente investigação, encontraram, respectivamente, proporções de 18,9%16 e 28,5%7 de parturientes submetidas ao teste rápido anti-HIV na internação para o parto, sugerindo que a submissão de mulheres a este teste em hospitais, muitas vezes de forma não criteriosa, vem crescendo no nosso país.
No presente estudo, na análise múltipla, foram identificados como associados à submissão ao teste rápido anti-HIV tanto fatores sociodemográficos, quanto relativos à assistência pré-natal e ao parto.
Segundo as entrevistas, mulheres de cor de pele não branca foram mais submetidas ao teste rápido. Em Estudo Sentinela, realizado no Brasil em 2006, verificou-se que mulheres de raça preta e parda estavam sendo menos testadas na gravidez16, podendo assim sofrer discriminação positiva por ocasião da testagem hospitalar. Segundo a mesma fonte de informação, as mulheres de baixa escolaridade apresentaram uma menor prevalência de submissão ao teste rápido anti-HIV. A baixa escolaridade das mulheres pode acarretar um menor conhecimento da submissão ao teste rápido anti-HIV, e a associação inversa encontrada, não confirmada pelas informações do prontuário, poderia estar sinalizando um possível viés de informação. Estudos nacionais17,18 e regionais19-21 identificaram uma menor testagem anti-HIV durante o pré-natal entre mulheres de baixa escolaridade.
Segundo dados do prontuário, mulheres sem companheiro e mães que residiam em domicílios com seis ou mais moradores foram mais submetidas ao teste rápido anti-HIV. Em estudo nacional, realizado entre 1999 e 2000, as mulheres solteiras apresentaram uma chance 60% maior de não realização do exame anti-HIV na gestação17. A menor testagem pré-natal entre mulheres sem companheiro pode ter influenciado a indicação do teste rápido no hospital. A variável número de moradores do domicílio necessita ser melhor explorada, pois não foram encontrados estudos que investigaram a sua associação com a testagem para o HIV.
Apesar da análise da submissão ao teste rápido anti-HIV segundo as duas fontes de informação ter apontado diferentes variáveis distais associadas ao desfecho, a cor não branca, a ausência de companheiro e o elevado número de moradores na residência sinalizam uma situação de vulnerabilidade da população mais submetida ao teste rápido anti-HIV, mesmo após ajuste para o status sorológico do pré-natal.
Como condições socialmente desfavoráveis também estão associadas a menor testagem pré- natal16,17,19,22,23, poderia ser levantada a hipótese de que os profissionais de saúde, independentemente do conhecimento do resultado da sorologia pré-natal, submetem com maior frequência este grupo ao teste rápido no momento do parto.
Quanto às características intermediárias, a ausência de sorologia negativa para o HIV do pré-natal foi um fator associado ao desfecho segundo as duas fontes de informação, enquanto a ausência de pré-natal se associou a maior prevalência do desfecho, de acordo com as entrevistas. Estas são indicações do Ministério da Saúde1 para a submissão ao teste rápido anti-HIV. No entanto, a magnitude de associação encontrada entre essas variáveis e o desfecho não foi alta, mostrando-se semelhante à magnitude da associação de outras variáveis estudadas.
Outra característica da assistência pré-natal associada ao desfecho foi o acompanhamento hospitalar, possivelmente pela maior disponibilidade do registro de exames pré-natais dessas mães, não implicando em nova testagem, o que poderia explicar a associação inversa encontrada pelos dados do prontuário.
A única variável proximal associada ao desfecho, segundo ambas as fontes de informação, foi o parto em Hospital Amigo da Criança. Estes hospitais passam por capacitação dos funcionários e por mudanças nas práticas hospitalares que contribuem para a qualificação da assistência prestada, possivelmente contribuindo também para a observância às normas instituídas11, implicando numa menor testagem hospitalar.
Devemos considerar algumas limitações do presente estudo. Trata-se de estudo transversal, onde as informações foram colhidas no período da internação para o parto, e nem sempre a relação temporal entre exposição e desfecho fica bem estabelecida. Uma indicação adequada do teste rápido anti-HIV ainda não referida é a parturiente se enquadrar em critério de vulnerabilidade (como ser portadora de doenças sexualmente transmissíveis, ser usuária ou parceira de usuário de drogas injetáveis em prática de sexo inseguro), mesmo quando testada na gestação3. Esta variável não foi uma incluída na análise, pela dificuldade de acesso à informação sobre que mulheres se enquadrariam neste perfil. No entanto, estas condições de vulnerabilidade são incomuns, portanto não explicariam os elevados percentuais encontrados de submissão ao teste rápido anti-HIV.
Outra questão a ser apontada é que não houve concordância em mais de um terço das informações referentes à submissão ao teste rápido anti-HIV, confrontando os dados das entrevistas e dos prontuários maternos. Esta inconsistência sugere ocorrência de registros incompletos24 e possíveis falhas no aconselhamento das mães realizado pela equipe de saúde25. O Ministério da Saúde preconiza que as mulheres sejam consultadas se querem ser submetidas ao teste rápido anti-HIV, mediante aconselhamento4. Pela maior proporção de mulheres testadas identificada nos prontuários em relação às entrevistas, provavelmente muitas parturientes sequer foram comunicadas da submissão ao teste, o que prejudica a autonomia da mulher e a orientação sobre as ações de prevenção do HIV e da transmissão vertical25.
Conclui-se que os protocolos ministeriais de testagem anti-HIV durante a gestação e a internação hospitalar vigentes à época do estu- do3,4 não estavam sendo seguidos a contento. A contribuição principal do presente estudo foi a identificação de uma gama de fatores associados à submissão ao teste rápido anti-HIV na internação para o parto, que compreendeu a não certificação do hospital como amigo da criança, o local de realização do pré-natal e características sociodemográficas, como a cor de pele, a presença de companheiro e o número de moradores do domicílio. Estas características não deveriam ser objeto de discriminação para testagem, que deveria ser pautada pelas indicações preconizadas, como a não realização de pré-natal e a ausência de sorologia negativa de exame anti-HIV do prénatal.
Recomenda-se a sensibilização e a qualificação da equipe de saúde envolvida na assistência ao parto, para que a sorologia anti-HIV seja solicitada quando procedente, e seja ágil o processo de entrega dos resultados, sendo garantida uma assistência adequada a todas as parturientes. A assistência primária também deve ser qualificada, com ênfase na captação precoce das gestantes para o pré-natal e na ampliação do uso do teste rápido anti-HIV. Assim, a instituição oportuna das medidas de prevenção da transmissão vertical do HIV seria aprimorada, e tantas mulheres não necessitariam ser testadas na maternidade, resguardando-as de uma situação de estresse desnecessária ao aguardar o resultado do teste rápido anti-HIV, e propiciando a amamentação ao nascimento, que vem sendo postergada quando o resultado do teste rápido não sai antes do parto7,15.