versão impressa ISSN 1414-462Xversão On-line ISSN 2358-291X
Cad. saúde colet. vol.25 no.2 Rio de Janeiro abr./jun. 2017
http://dx.doi.org/10.1590/1414-462x201700020136
The verification of immunization following Hepatitis B vaccination is a simple procedure that offers security to the worker and should be a routine action among Primary Health Care workers. However, there is still a lack of discussions on this subject of remarkable relevance. This study aimed to investigate the prevalence of verification of immunization after vaccination against hepatitis B among workers of Primary Health Care and their association with occupational factors, overall health and self-care measures.
a cross-sectional study evaluating a sample of 400 workers, with confidence and precision of 95%, between August and December 2011, in the northern city of Minas Gerais. Bivariate analysis and Poisson regression were performed using the Statistical Package for the Social Sciences version 17.0.
We observed immunity in 25.8% of the 400 workers vaccinated for hepatitis B. Factors associated with the verification were related to the team, working arrangements, contact with biological material and job satisfaction (p<0.05). We found lower prevalence among contract workers and lower education (p<0.05).
the verification of immunization is not set as routine, we observed a lower rate among contract workers with less training, showing neglect of occupational health.
Keywords: hepatitis B; vaccination; occupational health; Primary Health Care; immunization
A hepatite B é assintomática em muitos indivíduos, mas pode apresentar-se como uma doença fulminante, aguda ou crônica. Tal infecção continua sendo um problema de saúde pública global, atingindo mais de um terço da população do mundo1. Trata-se de uma doença que também atinge os trabalhadores da saúde, que são mais vulneráveis ao vírus da hepatite B (VHB), se comparados à população geral. A hepatite B é considerada uma doença ocupacional e está relacionada com o grau de exposição desses profissionais em seus ambientes laborais, por meio de sua relação direta com a manipulação de sangue e outros fluidos corporais de pacientes infectados pelo VHB, ou seja, há a possível transmissão do VHB para os seus pacientes. Dessa maneira, o trabalhador da área da saúde também integra a cadeia de transmissão do VHB de forma direta2-5.
Sendo assim, a vacinação contra hepatite B é considerada a forma mais eficaz de evitar a transmissão ocupacional do VHB. Após esquema completo de vacinação (três doses), 5 a 10% dos adultos não produzem anticorpos anti-HBs2,5,6. Entre os trabalhadores da saúde, no momento da admissão no trabalho, segundo a Norma Regulamentadora nº 32 de 2011 (NR-32) do Ministério do Trabalho brasileiro, a vacinação contra a hepatite B deve ser disponibilizada e administrada em três doses (0, 1 e 6 meses)7. A vacinação completa, aliada à comprovação sorológica dos profissionais da saúde, é uma condição essencial na prevenção da transmissão ocupacional da hepatite B. Para se garantir a proteção, é necessário que os profissionais, além de imunizados, executem o exame sorológico para a detecção de anticorpos circulantes que conferem proteção para hepatite B. Isso porque nem todos os indivíduos vacinados se soroconvertem5,7,8.
Há uma maior prevalência de marcadores sorológicos dessa infecção em profissionais de saúde do que na população em geral9, ratificando a necessidade de verificação da imunização pós-vacinação nesse público. Ainda, o risco de adquirir o VHB ocupacionalmente entre trabalhadores da saúde persiste, em grande parte, devido a exposições a pacientes com infecção crônica por esse vírus10. A importância da realização da dosagem de anti-HBs após a vacinação é reconhecida, visto que a resposta à vacina depende de cada organismo. Há o risco de não se atingir níveis protetores de anticorpos, por isso novas doses de reforço podem ser necessárias. Essa situação deve ser avaliada caso a caso entre trabalhadores de saúde. O teste sorológico determina as dosagens de anti-HBs após contato com o VHB ou vacinação e é o único meio para monitorar o êxito da vacinação contra a doença. Ressalta-se que esse teste também pode fornecer conhecimento necessário para definição da profilaxia pós-exposição11.
Apesar da disponibilidade da vacina contra a hepatite B nos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS), verifica-se que a situação vacinal dos profissionais nos diferentes níveis de atenção à saúde mostra a existência de problemas associados à adesão à vacinação e às precauções de saúde ocupacional. No caso dos trabalhadores da Atenção Primária à Saúde (APS), esta é detentora de um grande contingente de trabalhadores da saúde com as mais diversas formações e peculiaridades, sobretudo quando comparada aos demais níveis de assistência4,5,8,12-14.
A verificação da imunização pós-vacinação é um procedimento simples e que oferece segurança ao trabalhador. Porém, trata-se de um procedimento não rotineiro entre trabalhadores da APS e ainda há uma carência de discussões acerca desse tema, de notável relevância. Vale esclarecer que, no cenário da APS local, são escassas as investigações sobre a temática, sendo necessários estudos que permitam agregar conhecimento sobre a vigilância em saúde do trabalhador, subsidiando melhores condições de trabalho e saúde. Então, são feitos alguns questionamentos: Os trabalhadores da APS realizam a verificação da imunização pós-vacinação contra hepatite B? Quais aspectos podem influenciar em tal verificação? Este estudo teve como objetivo investigar a prevalência de verificação da imunização pós-vacinação contra hepatite B entre trabalhadores da APS e sua associação com fatores ocupacionais, condições gerais de saúde e medidas de autocuidado.
Trata-se de um estudo de corte transversal analítico, realizado no município de Montes Claros (398.288 habitantes), Estado de Minas Gerais, região Sudeste do Brasil.
À época da realização do estudo, havia um total de 797 trabalhadores na APS, distribuídos em 59 equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF). O número de trabalhadores foi determinado a partir de uma amostra não probabilística, com estimativa para proporções da ocorrência dos eventos em 50% da população, confiança de 95% e erro de 3,5%. Dessa forma, o tamanho da amostra determinado foi de 400 profissionais. Foram incluídos os trabalhadores que relataram ter tomado pelo menos uma dose da vacina – apenas estes foram considerados para se alcançar o número mínimo definido pelo cálculo amostral. A opção de investigar os trabalhadores que receberam pelo menos uma dose da vacina justifica-se pelo fato de a imunidade ser induzida já a partir da primeira dose da vacina, por isso alguns trabalhadores poderiam ter verificado a imunização mesmo tendo recebido apenas uma dose da vacina.
Participaram da pesquisa os trabalhadores que aceitaram responder aos questionários propostos e que estavam presentes no local de trabalho, sendo realizadas até três tentativas de aplicação do questionário em momentos diferentes. Os trabalhadores de férias, com atestados ou de licença médica foram excluídos.
Os dados foram coletados entre agosto e dezembro de 2011, por meio da aplicação de um formulário, previamente testado entre trabalhadores que não participaram das outras etapas da pesquisa. As entrevistas foram realizadas no local de trabalho dos participantes por entrevistadores treinados.
O relato de vacinação foi investigado pela questão: “Você já tomou a vacina contra a hepatite B? Se a resposta for SIM, quantas doses você tomou?”. Outra questão avaliou a verificação da imunização pós-vacinação: “Se foi vacinado, você fez exame de sangue para verificar se ficou imune à hepatite B? Se a resposta for SIM, qual foi o resultado?”.
A prevalência dos trabalhadores que verificaram a imunização pós-vacinação foi calculada segundo o esquema vacinal completo. A variável dependente foi verificação da imunização pós-vacinação, com resposta dicotômica (sim ou não) – os que relataram não saber/não lembrar se fizeram o exame foram incluídos na categoria “não”.
As variáveis independentes foram agrupadas em sociodemográficas, ocupacionais, referentes às condições gerais de saúde e medidas de autocuidado com a saúde, conforme o Quadro 1.
Quadro 1 Variáveis independentes investigadas
Variáveis independentes | Níveis das variáveis |
---|---|
Sociodemográficas | |
Sexo | Masculino e feminino |
Faixa etária | Variável quantitativa, dicotomizada pela mediana |
Escolaridade | Foram coletados os anos de estudo. Variável dicotomizada pelo ponto de corte de 12 anos de estudo (tempo mínimo exigido para ingresso no ensino superior) |
Situação conjugal | Com e sem companheiro |
Renda mensal | Variável quantitativa, dicotomizada pela média |
Ocupacionais | |
Função na ESF | Nível superior (médicos, enfermeiros e dentistas) Nível técnico (técnicos de enfermagem e saúde bucal) Nível fundamental e médio (agentes comunitários de saúde) |
Tempo na profissão | Variável quantitativa, categorizada usando como ponto de corte os tercis |
Tempo de trabalho na ESF | Variável quantitativa, categorizada usando como ponto de corte os tercis |
Regime de trabalho | Efetivo e contratado |
Presença de outro vínculo profissional | Sim e não |
Atualização em saúde do trabalhador nos últimos dois anos | Sim e não |
Contato com instrumento perfurocortante na prática atual | Sim e não |
Contato com material biológico na prática atual | Sim e não |
Histórico de acidente de trabalho com material biológico | Sim e não |
Estresse no trabalho (escala de esforço e recompensa no trabalho) | Razão entre o esforço e a recompensa no trabalho Comprometimento excessivo |
Satisfação com o trabalho | Satisfeito e insatisfeito |
Relato de vacinação contra hepatite B | Esquema completo (mínimo de 3 doses) Esquema incompleto (menos que 3 doses) |
Condições gerais de saúde e medidas de autocuidado com a saúde | |
Autoclassificação da saúde | Ótima, boa, regular, ruim ou péssima, dicotomizada pelo agrupamento dos níveis (ótima + boa + regular) e (ruim + péssima) |
Presença de transtorno mental leve (QSG-12) | Sim e não |
Qualidade de vida geral e nos domínios físico, psicológico, social e ambiente (Whoqol-bref) | Escore da qualidade de vida variando de 0 a 100 (quanto maior o escore, melhor a qualidade de vida) |
Presença de doença(s) sistêmica(s) diagnosticada(s) por um médico | Sim e não |
Uso de medicamentos prescritos por um médico | Sim e não |
Consumo de bebidas alcoólicas | Sim e não |
Consumo de tabaco | Fumante, ex-fumante e não fumante |
Realização de atividade física (IPAQ/OMS) | Muito ativo, ativo, sedentário e irregularmente ativo |
O estresse no trabalho foi avaliado pela escala de desequilíbrio entre esforço e recompensa no trabalho (Effort-reward imbalance), validada no Brasil. A razão esforço-recompensa foi obtida pela divisão entre a soma dos escores de esforço pela soma dos escores de recompensa, considerando o fator de correção (0,545455). Posteriormente, foi dicotomizada em escores <1,00 (esforço menor que a recompensa) ou >1,01 (esforço maior que a recompensa)15. O comprometimento excessivo foi analisado como uma variável quantitativa, com escores variando de 6 a 30. Quanto maior o escore, maior o comprometimento excessivo no trabalho.
Quanto à variável presença de transtornos mentais leves, adotaram-se o Questionário de Saúde Geral-12 (QSG-12), o sistema de escore 0011 e o ponto de corte ¾ para definir indivíduos com e sem transtornos mentais leves16.
O Instrumento Abreviado da Avaliação da Qualidade de Vida da Organização Mundial da Saúde (WHOQOL-bref), validado no Brasil, foi utilizado para a avaliação da qualidade de vida. Ele foi analisado seguindo as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e resultou em escores de 0 a 100 para a qualidade de vida geral e para os domínios físico, social, psicológico e ambiente (quanto maior o escore, melhor a qualidade de vida), sendo incluídos como variáveis quantitativas17.
O nível de atividade física foi medido pelo Questionário Internacional de Atividades Físicas (IPAQ) e analisado segundo as orientações do Centro de Estudos do Laboratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul, classificando os trabalhadores em muito ativo, ativo, irregularmente ativo e sedentário. Em seguida, essa variável foi categorizada em ativo (muito ativo e ativo) e sedentário e irregularmente ativo18. A intensidade e a duração do hábito tabagista não foram consideradas, pois o número de trabalhadores fumantes foi baixo, impossibilitando a categorização.
As análises estatísticas foram realizadas utilizando o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS®), versão 17.0 for Windows. Após a análise descritiva, a associação entre o relato de verificação da imunização pós-vacinação e as variáveis independentes foi investigada por meio de análise bivariada e Regressão de Poisson múltipla, com variância robusta e estimativa de razões de prevalência bruta e ajustada. Foram incluídas na análise múltipla as variáveis associadas à verificação da imunização na análise bivariada com valor p<0,20. Adotou-se um nível de significância de 95%. O modelo final foi ajustado, mantendo-se as variáveis associadas com p<0,05.
Este trabalho seguiu todas as diretrizes da Resolução nº 196/96, que norteia a pesquisa envolvendo seres humanos. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa das Faculdades Unidas do Norte de Minas (FUNORTE), mediante o Parecer Consubstanciado nº 0208/08. Todos os participantes leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
No momento da coleta de dados, 797 trabalhadores atuavam nas equipes da ESF de Montes Claros. Destes, 400 foram elegíveis para este estudo, atendendo ao critério de tamanho da amostra. A minoria dos trabalhadores (27%) verificou a imunização pós-vacinação contra hepatite B. Dos que relataram ter tomado três doses da vacina e ter feito o exame para verificação da imunização, 86,1% relataram ter adquirido imunidade, enquanto 8,3% não se tornaram imunes e outros 5,6% ainda não haviam recebido o resultado do exame.
Na análise bivariada, as variáveis associadas à verificação da imunização pós-vacinação, com valor de p<0,05, foram: função na equipe da ESF, regime de trabalho, contato com material biológico na prática atual e satisfação com o trabalho (Tabela 1).
Tabela 1 Caracterização dos trabalhadores da Atenção Primária à Saúde e resultado da análise bivariada dos fatores sociodemográficos e ocupacionais, associados à verificação da imunização pós-vacinação contra hepatite B, em Montes Claros/MG, Brasil, em 2011 (n=400)
Variáveis | n (%) | Prevalência de verificação da imunização pós-vacinação (%) |
RP bruta*
(IC 95%**) |
Valor de p*** | ||
---|---|---|---|---|---|---|
Variáveis sociodemográficas | ||||||
Sexo | ||||||
Masculino | 74 (18,5) | 26,1 | 1 | |||
Feminino | 326 (81,5) | 25,7 | 0,99 (0,94-1,05) | 0,43 | ||
Faixa etária | ||||||
<30 anos | 222 (55,5) | 23,9 | 1 | |||
>30 anos | 178 (44,5) | 27,8 | 1,02 (0,98-1,06) | 0,37 | ||
Escolaridade em anos de estudo | ||||||
>12 anos | 248 (63,4) | 26,0 | 1 | |||
Até 11 anos | 143 (36,6) | 25,1 | 0,99 (0,95-1,04) | 0,08 | ||
Situação conjugal | ||||||
Com companheiro | 196 (49,0) | 26,3 | 1 | |||
Sem companheiro | 204 (51,0) | 22,1 | 0,99 (0,95-1,03) | 0,36 | ||
Renda mensal | ||||||
≥1,17 salário mínimo | 214 (56,2) | 22,5 | 1 | |||
Até 1,16 salário mínimo | 167 (43,8) | 29,2 | 1,03 (0,99-1,08) | 0,08 | ||
Variáveis ocupacionais | ||||||
Função na Estratégia Saúde da Família | ||||||
Médicos, enfermeiros e dentistas | 133 (33,3) | 21,4 | 1 | |||
Técnicos de enfermagem e saúde bucal | 70 (17,4) | 28,4 | 1,05 (1,00-1,10) | 0,03 | ||
Agentes comunitários de saúde | 197 (49,3) | 30,2 | 1,06 (1,01-1,12) | 0,00 | ||
Tempo de profissão | ||||||
<40 meses | 231 (57,8) | 27,2 | ||||
≥40 meses | 169 (42,3) | 23,9 | 0,98 (0,94-1,02) | 0,31 | ||
Regime de trabalho | ||||||
Efetivo | 166 (41,6) | 32,8 | 1 | |||
Contratado | 234 (58,4) | 20,4 | 0,93 (0,89-0,97) | 0,00 | ||
Outro vínculo profissional | ||||||
Não | 324 (81,0) | 25,9 | 1 | |||
Sim | 76 (19,0) | 25,7 | 0,99 (0,94-1,05) | 0,19 | ||
Atualização na área da saúde do trabalhador | ||||||
Sim | 181 (44,5) | 26,0 | 1 | |||
Não | 218 (54,6) | 25,7 | 0,93 (0,70-1,22) | 0,45 | ||
Contato com instrumento perfurocortante na prática atual | ||||||
Não | 119 (29,7) | 29,6 | 1 | |||
Sim | 281 (70,3) | 23,6 | 0,96 (0,92-1,00) | 0,11 | ||
Contato com material biológico na prática atual | ||||||
Não | 216(29,1) | 31,0 | 1 | |||
Sim | 282 (70,9) | 23,3 | 0,95 (0,91-1,00) | 0,04 | ||
Histórico de acidente de trabalho com material biológico | ||||||
Não | 355 (83,8) | 25,9 | 1 | |||
Sim | 65 (16,2) | 25,0 | 0,99 (0,94-1,05) | 0,50 | ||
Estresse (razão esforço e recompensa no trabalho) | ||||||
Esforço < Recompensa | 128 (34,0) | 24,3 | 1 | |||
Esforço > Recompensa | 249 (66,0) | 26,3 | 1,01 (0,97-1,05) | 0,15 | ||
Comprometimento excessivo no trabalho | - | - | 1,00 (0,98-1,00) | 0,21 | ||
Satisfação com o trabalho | ||||||
Satisfeito | 321 (80,5) | 24,4 | 1 | |||
Insatisfeito | 78 (19,5) | 31,9 | 1,04 (0,98-1,10) | 0,02 |
*RP bruta: Razão de prevalência bruta;
**IC95%: Intervalo de confiança de 95%;
***p: Nível de significância
Na Tabela 2, não se verificaram variáveis associadas à verificação da imunização pós-vacinação.
Tabela 2 Caracterização dos trabalhadores da Atenção Primária à Saúde e resultado da análise bivariada dos fatores de condições gerais de saúde e autocuidado à saúde, associados à verificação da imunização pós-vacinação contra hepatite B, em Montes Claros/MG, Brasil, em 2011 (n=400)
Variáveis | n (%) | Prevalência de verificação da imunização pós-vacinação (%) |
RP bruta (IC 95%) |
Valor de p | |
---|---|---|---|---|---|
Variáveis de condições gerais de saúde e autocuidado à saúde | |||||
Autoclassificação da saúde | |||||
Ótima, boa e regular | 374 (94,0) | 25,9 | 1 | ||
Ruim e péssima | 24 (6,0) | 25,5 | 1,00 (0,93-1,07) | 0,51 | |
Presença de transtorno mental | |||||
Não | 305(78,8) | 22,7 | 1 | ||
Sim | 82(21,2) | 25,8 | 1,00 (0,95-1,05) | 0,24 | |
Consumo de bebidas alcoólicas | |||||
Não | 234 (58,5) | 24,4 | 1 | ||
Sim | 166 (41,5) | 27,6 | 1,01 (0,98-1,06) | 0,37 | |
Tabagismo | |||||
Não fumante | 382 (95,5) | 26,5 | 1 | ||
Fumante e ex-fumante | 18 (4,5) | 13,3 | 0,93 (0,87-1,00) | 0,23 | |
Atividade física | |||||
Ativo | 299 (74,8) | 26,9 | 1 | ||
Sedentário e irregularmente ativo | 101 (25,2) | 22,3 | 0,97 (0,93-1,02) | 0,24 | |
Presença de doença(s) sistêmica(s) | |||||
Não | 270 (68,8) | 68,5 | 1 | ||
Sim | 124 (31,2) | 31,5 | 0,97 (0,93-1,01) | 0,19 | |
Uso de medicamentos | |||||
Não | 295 (75,1) | 25,1 | 1 | ||
Sim | 98 (24,9) | 27,3 | 1,01 (0,96-1,06) | 0,29 | |
Qualidade de vida geral | - | - | 1,00 (0,99-1,00) | 0,47 | |
Domínio físico | - | - | 1,00 (0,99-1,01) | 0,75 | |
Domínio psicológico | - | - | 1,00 (0,99-1,00) | 0,24 | |
Domínio social | - | - | 1,00 (0,99-1,01) | 0,37 | |
Domínio ambiente | - | - | 1,00 (0,99-1,01) | 0,53 |
Para o ajuste do modelo final, foram consideradas todas as variáveis associadas a um valor de p<0,20, permanecendo no modelo ajustado aquelas associadas ao um valor de p<0,05. Dessa forma, na análise múltipla, constatou-se que ser efetivo ou possuir 12 anos de estudo ou mais foram fatores de proteção para a verificação da imunização pós-vacinação contra hepatite B, uma vez que houve maior prevalência dessa verificação entre profissionais com essas características (Tabela 3).
Tabela 3 Modelo ajustado dos fatores associados à verificação da imunização pós-vacinação contra hepatite B entre trabalhadores da Atenção Primária à Saúde, em Montes Claros/MG, Brasil, em 2011 (n=400)
Variáveis Independentes | RP ajustada* | IC 95% | Valor p |
---|---|---|---|
Regime de trabalho | |||
Efetivo | 1 | ||
Contratado | 0,85 | 0,79-0,91 | 0,00 |
Escolaridade | |||
12 anos de estudo ou mais | 1 | ||
Até 11 anos de estudo | 0,93 | 0,86-0,99 | 0,04 |
*RP ajustada: Razão de prevalência ajustada
Somente a minoria dos trabalhadores da APS (27%) conseguiu cumprir a recomendação de verificar a imunização pós-vacinação contra hepatite B. Esse resultado pode ser explicado pelo fato de os trabalhadores, em sua maioria, julgarem-se imunes ao VHB após a vacinação. Porém, a soroconversão não ocorre em, aproximadamente, 10% dos adultos vacinados com as três doses5. A condição de se considerar imune, mesmo sem ser, coloca os trabalhadores em uma situação de maior risco. Isso porque eles continuam suscetíveis à infecção pelo VHB e podem negligenciar outras medidas de proteção individual e/ou não adotar as medidas imediatas pós-exposição, em caso de acidente de trabalho5,6.
Outro fator que pode justificar a baixa verificação da imunização pelos trabalhadores pode ser a falta de informações por parte do empregador. Essa situação está em desacordo com o preconizado pela NR-32, a qual prevê que o empregador, além de fazer o controle da eficácia da vacinação, deve providenciar, se necessário, o reforço da vacina para os não imunes. Ao empregador cabe, ainda, assegurar que os trabalhadores sejam informados dos riscos a que estarão expostos por falta ou recusa da vacinação7. A verificação da imunização deve ser uma conduta rotineira e disponibilizada com a vacinação contra a hepatite B para todos os trabalhadores de saúde no momento da admissão e de maneira frequente no trabalho, tendo em vista que os títulos sorológicos podem cair ao longo do tempo19,20.
O resultado observado nesta investigação foi semelhante aos já observados em outras regiões do Brasil entre trabalhadores da APS: 32,8% em Florianópolis8 e 5,7% em Mato Grosso do Sul4 verificaram a imunização após a vacinação. Entretanto, diferiram dos estudos internacionais, nos quais 19,6% dos trabalhadores da APS – nesse caso, cirurgiões-dentistas – da província de Palencia, na Espanha, não seguiram tal conduta12. Em outro trabalho, também com cirurgiões-dentistas no Brasil, 14,8% verificaram a imunização pós-vacinação13.
Diante desse resultado, pode-se sugerir a esses profissionais a participação em capacitação na área de saúde do trabalhador, uma vez que, em outro estudo, os cirurgiões-dentistas que participaram de capacitação apresentaram maior prevalência de relato de vacinação19. Tal achado demonstra que, mesmo entre os profissionais de nível superior, o maior conhecimento sobre saúde ocupacional é um fator que favorece a vacinação para hepatite B. Ressalta-se que esses profissionais apresentam alta exposição ao risco de adquirir a doença, uma vez que estão em permanente contato com materiais perfurocortantes19.
O desconhecimento da necessidade e da importância do teste para a verificação da imunização pós-vacinação contra hepatite B poderia explicar o resultado observado. Outra possível explicação seria a de que esses trabalhadores não são assistidos por planos de saúde do trabalhador que ofertem ou incentivem a conduta. Nesse caso, o serviço provavelmente não segue a recomendação da NR-32, disponibilizando o exame para verificar a imunização7.
Esses trabalhadores necessitam ser orientados acerca da necessidade desse exame; assim, o serviço de saúde do trabalhador deve viabilizar a sua realização. Esse processo é necessário, pois aqueles que não desenvolvem níveis adequados de anticorpos (anti-HBs>10mUI/mL) devem receber outras três doses da vacina. Ademais, em caso de acidente com material biológico, podem ainda necessitar de imunoglobulina anti-hepatite B (HBGI), a depender da sorologia do paciente-fonte5,8,12. Cabe realçar que, quando não ocorre a soroconversão após o primeiro esquema vacinal, ela ocorre em 81% dos indivíduos após a repetição do esquema, ou seja, a vacina por si só não é garantia de proteção contra hepatite B2,3.
A verificação da imunização deve ser feita de um a dois meses pós-vacinação para se evitar a revacinação desnecessária, caso ocorra contato com o VHB ao longo da vida. Isso deve ser feito porque os níveis de anti-HBs diminuem a partir do segundo mês, caindo rapidamente no primeiro ano e mais lentamente em seguida. Entre os adultos que responderam a uma série vacinal primária, atingindo concentrações de anticorpos >10mIU/ml, 17 a 50% apresentaram concentrações baixas ou indetectáveis de anti-HBs 10 a 15 anos após a vacinação8,13.
Nesta pesquisa, entre os que realizaram o teste, não se investigou há quanto tempo depois da vacinação ele foi feito. Porém, a redução nos níveis de anticorpos no sangue não significa perda da imunidade, podendo indicar estado de latência, ou seja, a titulação de anti-HBs pode elevar rapidamente ao administrar uma única dose da vacina ou no contato com o VHB, não sendo necessário repetir o esquema20.
Dos que relataram ter tomado três doses da vacina e ter realizado o exame para verificar a soroconversão, 86,1% disseram ter adquirido a imunidade, valores abaixo aos demonstrados nos estudos de efetividade da vacina20,21. Porém, o tempo decorrido entre a vacinação e a realização do exame não foi considerado nesta análise. Uma hipótese seria a de que a verificação da imunização foi feita depois dos primeiros anos da vacinação, período a partir do qual os níveis de anticorpos diminuem. Essa situação também evidencia a necessidade de seguir essas orientações previstas em protocolos de saúde do trabalhador, que indiquem o momento adequado para a realização do teste pós-vacinação, evitando-se equívocos de interpretação, o que poderia conduzir à revacinação desnecessária7.
Das variáveis independentes consideradas, foram significativamente associadas à prevalência da verificação da imunização pós-vacinação as variáveis vínculo empregatício e escolaridade. Os trabalhadores contratados apresentaram menor prevalência de verificação da imunização que os efetivos. Isso porque a instabilidade no trabalho pode levar à negligência com a própria saúde, favorecendo a não vacinação e a não verificação da imunização. Essa situação pode estar associada a uma deterioração da saúde do trabalhador em termos de acidentes, risco de doença, exposições perigosas, inclusive ao VHB, além de desconhecimento sobre segurança e saúde ocupacional.
Os trabalhadores com menor escolaridade, inferior a 11 anos de estudo, apresentaram menor prevalência de verificação da imunização. Eles possuem até nível médio: técnicos e auxiliares de enfermagem, técnicos de saúde bucal e agentes comunitários de saúde. Vale lembrar que muitos agentes comunitários foram admitidos quando a escolaridade mínima de ensino médio ainda não era uma exigência para o cargo. Esses resultados revelam a importância da formação profissional e do conhecimento na determinação em verificar a imunização pós-vacinação contra hepatite B. Essa associação pode refletir diferenças no conhecimento desses profissionais quanto às medidas de proteção do trabalhador, incluindo a vacinação e a verificação da imunização.
Os trabalhadores com maior escolaridade, possivelmente, tiveram maior acesso à informação sobre controle de infecção durante a sua formação profissional. E, possivelmente, podem possuir melhor percepção dos riscos ocupacionais e maior conhecimento sobre saúde ocupacional4,5,19,21. Em Montes Claros, verificou-se em uma investigação que o estado imunológico adequado contra a hepatite B esteve associado ao fato de o profissional possuir maior tempo de escolaridade. Isso pode, possivelmente, ser justificado pelo acesso a informações desde a vida acadêmica sobre a doença e as suas formas de prevenção21.
Diante dessa realidade, faz-se necessário o investimento dos gestores em recursos humanos, com vistas ao seu estímulo e desenvolvimento profissional, sendo necessária a reorganização das normas organizacionais e a mobilização dos trabalhadores. Assim, estes podem alcançar melhorias de suas práticas em saúde à luz do autocuidado19,21-23.
Esta investigação possui limitações, como a alta taxa de resposta, porém seus resultados podem ser superestimados, pois leva em conta o relato dos trabalhadores, que podem optar por respostas consideradas corretas, mesmo que elas não representem a realidade de sua prática. Para minimizar esse viés, os entrevistadores foram treinados, esclarecendo aos participantes sobre a confidencialidade das informações. Outras limitações decorrem do critério de seleção da amostra, da não avaliação do tempo na realização do teste de imunização e da não investigação do porquê da não verificação da imunização entre os trabalhadores da APS. Esse questionamento poderia elucidar de forma mais fidedigna os motivos para não se cumprir essa recomendação. Possivelmente, os serviços de saúde não disponibilizam o exame para os seus trabalhadores, e estes, por sua vez, parecem desconhecer a importância dessa medida.
Houve uma baixa verificação da imunização pós-vacinação contra hepatite B, pois não é uma prática entre os trabalhadores da APS. Essa prevalência foi influenciada pela função na equipe, pelo regime de trabalho, pelo contato com material biológico na prática atual e pela satisfação com o trabalho. Os trabalhadores contratados apresentaram menor prevalência de verificar a imunização em relação aos efetivos. Aqueles com menor escolaridade, abaixo de 11 anos de estudo, também apresentaram menor prevalência de verificação da imunização. Essa situação sinaliza que medidas de proteção à saúde do trabalhador devem ser incorporadas aos serviços e que determinações de protocolos em saúde devem ser seguidas.
Sugere-se que novos estudos que investiguem o porquê da não verificação da imunização sejam realizados, pois poderão esclarecer sobre outros eventuais fatores associados à não verificação da imunização após a vacina contra a hepatite B. Acredita-se que tais estudos, assim como a presente pesquisa, podem contribuir para o programa de imunizações, para a vigilância epidemiológica da hepatite B e para a vigilância em saúde do trabalhador. Ademais, colaboram com informações para a formulação de políticas públicas para esse público.