versão impressa ISSN 0102-311Xversão On-line ISSN 1678-4464
Cad. Saúde Pública vol.34 no.5 Rio de Janeiro 2018 Epub 10-Maio-2018
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00048217
La tuberculosis farmacorresistente (TBFR) representa hoy una grave amenaza para los avances en el control de la tuberculosis (TB) en Brasil y en el mundo. En este estudio, se investigan factores asociados al abandono y al óbito de casos en tratamiento para TBDR, dentro de un centro de referencia de carácter terciario del municipio de Río de Janeiro, Brasil. Se trata de un estudio de cohorte retrospectiva, a partir de los casos notificados en el Sistema de Información de Tratamientos Especiales de Tuberculosis (SITETB), durante el período del 1 de enero de 2012 al 31 de diciembre de 2013. Un total de 257 pacientes fue notificado en el SITETB y comenzó el tratamiento para TBDR. De ese total, 139 (un 54,1%) tuvieron éxito terapéutico como desenlace, 54 (un 21%) abandonaron el tratamiento y un 21 (8,2%) evolucionaron hacia óbito. Tras el análisis de regresión logística multinomial múltiple, la franja de edad por encima de cincuenta años se observó como el único factor de protección al abandono, al mismo tiempo que tener menos de ocho años de escolaridad y reingresar en el sistema educativo tras el abandono fueron considerados como factores de riesgo. Reingreso tras abandono, recidiva e insolvencia indicaron factores de riesgo. Nuestros datos refuerzan la concepción de que el abandono del tratamiento de tuberculosis resistente es un serio problema de salud pública, siendo necesario un adecuado acompañamiento en el tratamiento de pacientes con este historial y con baja escolaridad. Además, una red de apoyo social entorno al paciente es imprescindible para que los desenlaces desfavorables sean evitados.
Palabras-clave: Tuberculosis; Tuberculosis Resistente a Múltiples Medicamentos; Pacientes Desistentes del Tratamiento
A tuberculose (TB) é uma doença conhecida há milhares de anos. No entanto, permanece ainda como um dos principais problemas de saúde pública em todo mundo. Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2015, um total de 10,4 milhões de pessoas ficaram doentes com tuberculose ativa e 1,4 milhão morreu da doença, tornando-se a maior causa de morte mundial por um único agente infeccioso. Somada a isso, a resistência às drogas tem emergido recentemente como mais uma grande preocupação no enfrentamento da TB 1.
A TB pode ser classificada como drogarresistente (TBDR), caso inclua um dos seguintes padrões de resistência a fármacos antituberculose: monorresistência (resistência a um desses medicamentos), polirresistência (resistência a dois ou mais desses medicamentos, exceto a associação de rifampicina e isoniazida), multirresistência (resistência a pelo menos rifampicina e isoniazida) e resistência extensiva (resistência a rifampicina e isoniazida, uma fluoroquinolona e a, pelo menos, um dos medicamentos injetáveis de segunda linha) 2.
A tuberculose multirresistente (TBMR) apresenta uma estimativa de 480 mil casos novos e 250 mil mortes no mundo, ao passo que a tuberculose extensivamente-resistente (TBXDR) foi referida em 117 países em 2015 1. O número de casos de TBDR vem aumentando no Brasil, e em 2015 foram relatados 1.027 casos no país 3.
Assim como na TB sensível, o abandono é um dos principais problemas no tratamento da TBDR. Vários fatores estão relacionados com o abandono, tais como a toxicidade dos medicamentos, longa duração do processo e outros aspectos socialmente determinantes 4. Por sua vez, em um estudo realizado na África do Sul, em 2006, sobre TBMR, Holtz et al. 5 destacaram o vínculo entre paciente e profissional de saúde, o uso de drogas e os fatores socioeconômicos como fatores mais significativos associados ao abandono.
Embora a TB tenha tratamento gratuito e uma alta eficácia de cura, ainda é elevado o número de casos que evoluem para óbito 1. No Brasil, considerando os casos novos de TBMR, 10,6% evoluíram para óbito em 2012 2. Em um estudo realizado na Bulgária, Milanov et al. 6 identificaram que a perda de peso ou nenhum ganho de peso, além da positividade do esfregaço de escarro no início do tratamento, foram fatores associados à morte de pacientes com TB resistente. Por sua vez, Chung-Delgado et al. 7 descreveram que a baixa escolaridade, episódios anteriores de TB, história de diabetes e infecção pelo HIV foram fatores associados à mortalidade entre os casos de TB resistente no Peru.
Considerando a escassez de trabalhos que analisam a TBDR no Brasil, este estudo tem como objetivo investigar os fatores associados ao abandono e a óbito de casos deste tipo de TB em um centro de referência terciária do Município do Rio de Janeiro, Brasil.
Este trabalho é um estudo de coorte retrospectiva de casos de TBDR atendidos no Centro de Referência Professor Hélio Fraga (CRPHF), Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz), Rio de Janeiro, notificados no Sistema de Informação de Tratamentos Especiais de Tuberculose (SITETB), no período de 1º de janeiro de 2012 a 31 de dezembro de 2013.
O CRPHF é composto por um ambulatório de referência terciária no SUS para o diagnóstico e atendimento de casos com tuberculose resistente e outras micobacterioses não causadoras de TB. A maioria de sua clientela é composta por indivíduos encaminhados de unidades básicas de saúde (UBS) de parte da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (Belford Roxo, Duque de Caxias, Itaguaí, Japeri, Mesquita, Nilópolis, Nova Iguaçu, Queimados, Seropédica e São João de Meriti), mas também inclui pacientes de outras cidades localizadas no Estado do Rio de Janeiro (Centro-Sul Fluminense, Médio Paraíba, Baía de Ilha Grande e parte da Região Serrana - Petrópolis, Teresópolis e Guapimirim).
O SITETB é um sistema online, complementar ao Sistema de Informações de Agravos de Notificação (SINAN), destinado aos casos de tuberculose resistente e/ou também a casos que exijam tratamentos especiais de TB (tais como intolerância medicamentosa, toxicidade, nefropatia, alergias) ou casos de micobacterioses não causadoras de TB 2. Esse sistema permite conhecer a frequência e a distribuição dos casos de tuberculose resistente no país, orientando a gestão, o fornecimento de medicamentos e a vigilância epidemiológica desses casos.
Este estudo explorou as seguintes covariáveis: sexo (masculino ou feminino); faixa etária (15-29 anos, 30-49 anos e 50 ou mais anos); escolaridade (menos de oito anos de estudo, mais de oito anos de estudo e ignorada); raça/cor (branca, preta, parda, amarela e ignorada); forma clínica (pulmonar, extrapulmonar e mista); ano (2012 e 2013); padrão de resistência (monorresistência, multirresistência, polirresistência e resistência extensiva); tipo de resistência (primária ou adquirida); tipo de entrada (caso novo, reingresso após abandono, falência, recidiva, mudança de resistência e outros); comorbidades (aids, diabetes, tabagismo, uso de drogas e alcoolismo). Para a análise dos fatores associados, a variável encerramento (sucesso terapêutico, falência, abandono, óbitos, outras e mudança de esquema) foi organizada em três novas categorias, a saber: na categoria “outras”, agruparam-se os encerramentos sucesso terapêutico, falência, mudança de esquema e outras. Os encerramentos restantes foram “abandono” e “óbito”.
De acordo com as recomendações da OMS 8, foram utilizados neste trabalho os seguintes termos, com suas respectivas definições.
A cura é um caso de TB pulmonar com resultado de cultura negativa no último mês de tratamento e em, pelo menos, uma ocasião anterior. O tratamento completo é todo caso de TB que foi finalizado sem evidência de falência, porém sem confirmação laboratorial. O abandono é considerado quando um paciente com TB não iniciou o tratamento ou quando o tratamento foi interrompido por dois meses consecutivos ou mais. A falência é um caso de TB com cultura positiva no quinto mês ou depois, durante o tratamento. O óbito é caracterizado quando um paciente com TB morre por qualquer motivo, antes de iniciar ou durante o tratamento. Por fim, considera-se como sucesso terapêutico o somatório dos casos de cura e de tratamento completo.
Realizou-se análise das características clínicas e epidemiológicas dos casos TBDR notificados, a fim de caracterizar a população do estudo por meio de distribuições de frequências, medianas e intervalo interquartílico para as variáveis quantitativas foram calculados. As diferenças entre as proporções entre os grupos foram comparadas utilizando-se o teste do qui-quadrado (χ2) ou, quando a frequência esperada das tabelas de contingência era menor ou igual a 5, utilizou-se o teste exato de Fisher. Para as variáveis contínuas, foi utilizado o teste não paramétrico de Wilcoxon-Mann-Whitney. Um valor de p < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo. As medidas de associação foram calculadas utilizando-se odds ratio (OR), juntamente com seus intervalos de 95% de confiança (IC95%).
A análise dos fatores associados ao abandono e a óbito foi feita por meio de regressão logística multinomial. Para essa análise, a categoria de encerramento “outras” foi utilizada como referência para a variável resposta encerramento, sendo comparada com as demais categorias (outras vs. abandono; e outras vs. óbito). As covariáveis propostas nos modelos de regressão logística multinomial múltipla foram selecionadas a partir da regressão logística multinomial simples baseadas na análise de significância via teste de Wald, ou seja, as covariáveis significantes no teste de Wald (valor de p < 0,20) foram incorporadas nos modelos de regressão multinomial múltipla. Foram propostos modelos múltiplos para ajustar o potencial de confusão e interação, sendo escolhido o modelo mais adequado aquele que apresentou o menor valor de critério de informação de Akaike (AIC), uma vez que é uma medida da distância entre o modelo verdadeiro e os modelos candidatos (Tabela 1). O teste de Hosmer-Lemeshow foi usado para verificar a bondade de ajuste do modelo final de regressão múltipla (HL = 5,792; GL = 12; valor de p = 0,926). As medidas de associação foram calculadas utilizando-se OR bruta e ajustada, juntamente com seus IC95%. As análises foram realizadas com o software estatístico R e o pacote nnet, versão 3.2.1 (R Development Core Team, Viena, Áustria; http://www.r-project.org).
Tabela 1 Modelos preditivos propostos para abandono e óbito.
Modelos | Variáveis | AIC |
---|---|---|
Completo | Sexo, faixa etária, escolaridade, raça, forma clínica, ano, tipo de entrada, padrão de resistência, sorologia, baciloscopia, tipo de resistência, aids, diabetes, uso de drogas, tabagismo e alcoolismo | 377,22 |
1 | Sexo, faixa etária, escolaridade, padrão de resistência, alcoolismo, tipo de entrada, uso de drogas | 361,33 |
2 | Faixa etária, escolaridade, padrão de resistência, uso de drogas e tipo de entrada | 357,86 |
3 | Faixa etária, escolaridade e tipo de entrada | 349,04 |
AIC: critério de informação de Akaike.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da ENSP/Fiocruz, sob parecer CAAE: 55986316.7.0000.5240.
Entre janeiro de 2012 e dezembro de 2013, um total de 257 pacientes foram notificados no SITETB e iniciaram o tratamento para TBDR no CRPHF. Desse total, 139 (54,1%) tiveram como desfecho sucesso terapêutico, 54 (21%) abandonaram o tratamento, 35 (13,6%) apresentaram falência e 21 (8,2%) morreram ao longo do processo. A maioria dos casos era do sexo masculino 179 (69,6%). Os homens apresentaram os maiores percentuais para abandono (n = 41; 22,9%) e óbito (n = 16; 8,9%) quando comparados às mulheres. A faixa etária mais acometida foi de 30-49 anos (n = 135; 52,5%). A maioria dos casos tinha menos de oito anos de escolaridade (n = 149; 58%), e a raça parda foi a mais frequente entre os casos em tratamento (n = 90; 35%) (Tabela 2).
Tabela 2 Distribuição dos casos de tuberculose drogarresistente (TBDR) segundo encerramento e variáveis sociodemográficas. Centro de Referência Professor Hélio Fraga, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil, 2012 e 2013.
Características | Total | Abandono | Óbitos | Outras | Valor de p | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | n | % | n | % | ||
Sexo | 0,364 | ||||||||
Masculino | 179 | 69,6 | 41 | 22,9 | 16 | 8,9 | 122 | 68,1 | |
Feminino | 78 | 30,4 | 13 | 16,7 | 5 | 6,4 | 60 | 76,9 | |
Faixa etária (anos) | < 0,001 | ||||||||
15-29 | 59 | 23,0 | 19 | 32,2 | 5 | 8,5 | 35 | 59,3 | |
30-49 | 135 | 52,5 | 32 | 23,7 | 12 | 8,8 | 91 | 67,4 | |
50 ou mais | 63 | 24,5 | 3 | 4,8 | 4 | 6,3 | 56 | 88,3 | |
Escolaridade (anos de estudo) | 0,019 | ||||||||
Menos de 8 | 149 | 58,0 | 40 | 26,8 | 12 | 8,1 | 97 | 65,1 | |
Mais de 8 | 101 | 39,3 | 14 | 13,8 | 7 | 6,9 | 80 | 79,2 | |
Ignorada | 7 | 2,72 | 0 | 0,0 | 2 | 28,6 | 5 | 71,4 | |
Raça | 0,544 | ||||||||
Branca | 88 | 34,2 | 15 | 17,1 | 5 | 5,7 | 68 | 77,3 | |
Preta | 74 | 28,8 | 16 | 21,6 | 7 | 9,5 | 51 | 68,9 | |
Amarela | 1 | 0,4 | 0 | 0,0 | 0 | 0,0 | 1 | 100,0 | |
Parda | 90 | 35,0 | 23 | 25,5 | 8 | 8,9 | 59 | 65,5 | |
Ignorada | 4 | 1,6 | 0 | 0,0 | 1 | 25,0 | 3 | 75,0 | |
Ano | 0,599 | ||||||||
2012 | 142 | 55,3 | 27 | 19,1 | 13 | 9,1 | 102 | 71,8 | |
2013 | 115 | 44,7 | 27 | 23,5 | 8 | 6,9 | 80 | 69,5 | |
Total | 257 | 100,0 | 54 | 21,0 | 21 | 8,2 | 182 | 70,8 |
Os casos multirresistentes (TBMR) foram os mais frequentes (n = 178; 69,3%), e a grande maioria dos casos em tratamento apresentou resistência adquirida (n = 224; 87,2%). Os casos novos foram os mais frequentes na população de estudo (n = 180; 70%). O abandono foi maior entre os casos de reingresso após abandono (n = 16; 59,3%), assim como o óbito também foi mais frequente entre os casos de reingresso após abandono (n = 5; 18,5%). As comorbidades mais frequentes entre os pacientes em tratamento foram tabagismo (n = 40; 15,6%), diabetes (n = 27; 10,5%), alcoolismo (n = 25; 9,7%), uso de drogas (n = 21; 8,17%) e aids (n = 12; 4,7%) (Tabela 3).
Tabela 3 Distribuição dos casos de tuberculose drogarresistente (TBDR) segundo encerramento e variáveis clínicas. Centro de Referência Professor Hélio Fraga, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil, 2012 e 2013.
Características | Total | Abandono | Óbitos | Outras | Valor de p | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | n | % | n | % | ||
Tempo de tratamento em meses [mediana (IQ)] | 14,9 (9,0-20,0) | 6,0 (3,2-10,7) | 9,0 (3,0-15,0) | 18,0 (15,0-22,0) | < 0,001 | ||||
Forma clínica | 0,869 | ||||||||
Pulmonar | 254 | 98,8 | 54 | 21,3 | 21 | 8,3 | 179 | 70,5 | |
Extrapulmonar | 1 | 0,4 | 0 | 0,0 | 0 | 0,0 | 1 | 100,0 | |
Mista | 2 | 0,8 | 0 | 0,0 | 0 | 0,0 | 2 | 100,0 | |
Baciloscopia | 0,219 | ||||||||
Positivo | 200 | 77,8 | 46 | 23,0 | 18 | 9,0 | 136 | 68,0 | |
Negativo | 44 | 17,1 | 8 | 18,2 | 2 | 4,5 | 34 | 77,3 | |
Não realizado | 13 | 5,1 | 0 | 0,0 | 1 | 7,7 | 12 | 92,3 | |
Cultura de escarro | 0,819 | ||||||||
Positivo | 237 | 92,2 | 51 | 21,5 | 21 | 8,9 | 162 | 69,6 | |
Negativo | 10 | 3,9 | 2 | 20,0 | 0 | 0,0 | 8 | 80,0 | |
Não realizado | 10 | 3,9 | 1 | 10,0 | 0 | 0,0 | 9 | 90,0 | |
Sorologia HIV | 0,231 | ||||||||
Positivo | 14 | 5,4 | 0 | 0,0 | 2 | 14,3 | 12 | 85,7 | |
Negativo | 186 | 72,4 | 40 | 21,5 | 15 | 8,1 | 131 | 70,4 | |
Não realizado | 57 | 22,2 | 14 | 24,6 | 4 | 7,0 | 39 | 68,4 | |
Padrão de resistência | 0,060 | ||||||||
Monorresistência | 41 | 16,0 | 6 | 14,6 | 1 | 2,4 | 34 | 82,9 | |
Multirresistência | 178 | 69,3 | 41 | 23,0 | 12 | 6,7 | 125 | 70,2 | |
Polirresistência | 25 | 9,7 | 5 | 20,0 | 5 | 20,0 | 15 | 60,0 | |
Resistência extensiva | 13 | 5,1 | 2 | 15,4 | 3 | 23,1 | 8 | 61,5 | |
Tipo de resistência | 0,740 | ||||||||
Primária | 33 | 12,8 | 5 | 15,2 | 3 | 9,1 | 25 | 75,8 | |
Adquirida | 224 | 87,2 | 49 | 21,9 | 18 | 8,0 | 157 | 70,1 | |
Tipo de entrada | < 0,001 | ||||||||
Caso novo | 180 | 70,0 | 34 | 18,9 | 8 | 4,4 | 138 | 76,7 | |
Reingresso | 27 | 10,5 | 16 | 59,3 | 5 | 18,5 | 6 | 22,2 | |
Falência | 34 | 13,2 | 3 | 8,8 | 6 | 17,6 | 25 | 73,5 | |
Recidiva | 13 | 5,1 | 1 | 7,7 | 2 | 15,4 | 10 | 76,9 | |
Mudança de resistência | 2 | 0,8 | 0 | 0,0 | 0 | 0,0 | 2 | 100,0 | |
Outros | 1 | 0,4 | 0 | 0,0 | 0 | 0,0 | 1 | 100,0 | |
Aids | 0,142 | ||||||||
Sim | 12 | 4,7 | 0 | 0,0 | 1 | 8,3 | 11 | 91,7 | |
Não | 245 | 95,3 | 54 | 22,0 | 20 | 8,2 | 171 | 69,8 | |
Diabetes | 0,432 | ||||||||
Sim | 27 | 10,5 | 3 | 11,1 | 2 | 7,4 | 22 | 81,5 | |
Não | 230 | 89,5 | 51 | 22,2 | 19 | 8,3 | 160 | 69,6 | |
Usuário de drogas | 0,028 | ||||||||
Sim | 21 | 8,2 | 9 | 42,9 | 2 | 9,5 | 10 | 47,6 | |
Não | 236 | 91,8 | 45 | 19,1 | 19 | 8,1 | 172 | 72,9 | |
Tabagismo | 0,601 | ||||||||
Sim | 40 | 15,6 | 10 | 25,0 | 4 | 10,0 | 26 | 65,0 | |
Não | 217 | 84,4 | 44 | 20,3 | 17 | 7,8 | 156 | 71,9 | |
Alcoolismo | 0,060 | ||||||||
Sim | 25 | 9,7 | 8 | 32,0 | 4 | 16,0 | 13 | 52,0 | |
Não | 232 | 90,3 | 46 | 19,8 | 17 | 7,3 | 169 | 72,8 | |
Total | 257 | 100,0 | 54 | 21,0 | 21 | 8,2 | 182 | 70,8 |
IQ: intervalo interquartílico.
A análise de regressão logística estimando os fatores de risco ao abandono e óbito dos casos de TBDR com os respectivos valores da OR bruta e OR ajustada é apresentada na Tabela 4. Dentre os modelos propostos, o modelo com menor AIC para abandono e óbito foi o modelo 3 (AIC = 349,04; Tabela 1). Dentre os fatores associados ao abandono na regressão simples, ter 50 ou mais anos foi um fator de proteção. Já ter menos de oito anos de escolaridade, reingressar após abandono ou ser usuário de drogas são fatores que aumentam a chance de abandono ao tratamento. Os fatores de risco para o óbito estatisticamente significativos na regressão simples foram: reingresso após abandono, falência, polirresistência e resistência extensiva. Ter 50 ou mais anos foi fator de proteção para o óbito (Tabela 4).
Tabela 4 Resultados da regressão logística multinomial dos preditores de abandono e óbito durante a vigência do tratamento segundo faixa etária, escolaridade, padrão de resistência, tipo de entrada e uso de drogas. Centro de Referência Professor Hélio Fraga, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil, 2012 e 2013.
Variáveis | OR bruta | IC95% | Valor de p * | OR ajustada | IC95% | Valor de p ** |
---|---|---|---|---|---|---|
Abandono na vigência do tratamento | ||||||
Faixa etária (anos) | ||||||
15-29 | Ref. | |||||
30-49 | 0,69 | 0,34-1,37 | 0,283 | 0,54 | 0,24-1,18 | 0,123 |
50 ou mais | 0,10 | 0,10-0,37 | < 0,001 | 0,11 | 0,03-0,41 | < 0,001 |
Escolaridade (anos de estudo) | ||||||
Menos de 8 | 2,42 | 1,23-4,78 | 0,009 | 2,71 | 1,25-5,82 | 0,010 |
Mais de 8 | Ref. | |||||
Padrão de resistência | ||||||
Monorresistência | Ref. | |||||
Multirresistência | 1,88 | 0,73-4,81 | 0,188 | |||
Polirresistência | 1,83 | 0,48-6,96 | 0,373 | |||
Resistência extensiva | 1,57 | 0,26-9,47 | 0,621 | |||
Tipo de entrada | ||||||
Caso novo | Ref. | Ref. | ||||
Reingresso | 10,59 | 3,85-29,1 | < 0,001 | 6,50 | 2,29-18,46 | < 0,001 |
Falência | 0,50 | 0,14-1,75 | 0,275 | 0,48 | 0,13-1,78 | 0,273 |
Recidiva | 0,40 | 0,05-3,21 | 0,386 | 0,35 | 0,04-2,94 | 0,330 |
Uso de drogas | ||||||
Sim | 3,69 | 1,38-9,84 | 0,009 | |||
Não | Ref. | |||||
Óbito na vigência do tratamento | ||||||
Faixa etária (anos) | ||||||
15-29 | Ref. | |||||
30-49 | 0,98 | 0,46-1,58 | 0,967 | 1,04 | 0,31-3,49 | 0,947 |
50 ou mais | 0,52 | 0,13-2,06 | 0,351 | 0,33 | 0,06-1,94 | 0,220 |
Escolaridade (anos de estudo) | ||||||
Menos de 8 | 1,46 | 0,55-3,88 | 0,452 | 1,35 | 0,46-3,94 | 0,580 |
Mais de 8 | Ref. | Ref. | ||||
Padrão de resistência | ||||||
Monorresistência | Ref. | Ref. | ||||
Multirresistência | 3,30 | 0,30-19,96 | 0,259 | |||
Polirresistência | 11,00 | 1,14-100,53 | 0,035 | |||
Resistência extensiva | 14,14 | 1,28-156,78 | 0,031 | |||
Tipo de entrada | ||||||
Caso novo | Ref. | Ref. | ||||
Reingresso | 14,06 | 3,52-56,15 | < 0,001 | 9,36 | 2,08-42,07 | < 0,001 |
Falência | 4,22 | 1,34-13,25 | 0,013 | 5,01 | 1,51-16,63 | 0,008 |
Recidiva | 3,37 | 0,63-18,06 | 0,155 | 3,61 | 0,64-20,44 | 0,147 |
Uso de drogas | ||||||
Sim | 1,94 | 0,39-9,66 | 0,424 | |||
Não | Ref. |
IC95%: intervalo de 95% de confiança; OR: odds ratio; Ref.: categoria de referência.
* Nível de significância < 0,20;
** Nível de significância < 0,05.
Na análise múltipla, a covariável faixa etária, cuja categoria é ter 50 ou mais anos (OR = 0,11; IC95%: 0,03-0,41), permaneceu como fator de proteção ao abandono, assim como na análise simples. As covariáveis menos de oito anos de escolaridade (OR = 2,71; IC95%: 1,25-5,82) e reingresso após abandono (OR = 6,50; IC95%: 2,29-18,46) estão associadas ao aumento da chance de abandono, da mesma forma que na análise de regressão simples. Por outro lado, ser usuário de drogas não foi mais um preditor significativo de abandono após o ajuste do modelo de regressão múltipla (Tabela 4).
Na análise dos fatores de risco para o óbito, ser reingresso após abandono (OR = 9,36; IC95%: 2,08-42,07) e falência (OR = 5,01 IC95%: 1,51-16,63) permaneceram como fatores associados ao desfecho. Entretanto, a variável padrão de resistência não foi mais um preditor significativo de óbito após o ajuste (Tabela 4).
As principais observações desta investigação foram: (a) a faixa etária de 50 anos ou mais está associada a um menor risco de abandono e óbito ao tratamento quando comparada com os casos da faixa etária de 15-29 anos, (b) ser reingresso após abandono de tratamento anterior e ter menos de 8 anos de escolaridade foram fatores associados ao aumento do risco de abandono do tratamento, e (c) ser reingresso após abandono de tratamento anterior e caso de falência foram fatores independentemente associados a uma maior mortalidade durante o tratamento entre os casos de TBDR.
Durante o período de estudo, 21% dos casos abandonaram o tratamento para TBDR. Esse percentual é semelhante aos encontrados em outros países como Taiwan (29%) 9, Uzbequistão (20%) 10 e Argentina (20%) 11. Por outro lado, essas proporções são elevadas quando comparadas a países com menores percentuais de abandono, como observado na Lituânia (13%) 12, Rússia (12%) 13 e Peru (10%) 14. Nossos achados não são atípicos, uma vez que um estudo de meta-análise com mais de 9 mil pacientes identificou uma taxa global de abandono de 23% 15. Essas taxas elevadas mostram a necessidade urgente de melhor compreender os fatores associados ao abandono do tratamento da TBDR.
Neste estudo, nós observamos que os pacientes com 50 ou mais anos apresentaram menor risco de abandono e morte durante o tratamento para TBDR. Garrido et al. 16, ao analisarem os fatores associados ao abandono de casos TB sensíveis no Estado do Amazonas, Brasil, também identificaram menor risco de abandono em pacientes mais idosos. Entretanto, esses resultados divergem de outro estudo, no qual foi identificado que os pacientes mais idosos tinham um risco 1,7 vez maior de abandonar o tratamento para TBDR 10.
De acordo com nossos resultados, os pacientes com TBDR com menos de oito anos de escolaridade apresentaram um risco maior de abandono durante o tratamento. Em diversos estudos 17,18,19,20, a educação tem sido associada a uma melhor adesão ao tratamento da TB sensível, uma vez que aumenta a consciência sobre a doença. De grande importância, a educação também é reconhecida como um importante proxy de status econômico no Brasil 21. Dessa forma, o baixo nível de escolaridade geralmente está associado a um conjunto de condições socioeconômicas precárias, tais como a falta de recursos, condições insalubres e grande aglomeração nos domicílios. Mesmo com apoio de suporte social e financeiro, essas condições contribuem para o aumento da vulnerabilidade à tuberculose e estão diretamente associadas a pouca adesão ao tratamento 16.
Sendo assim, acreditamos que qualquer associação subjacente entre pobreza e abandono nessa coorte seja atenuada por esforços programáticos para aliviar as barreiras socioeconômicas referentes a atenção ao cuidado à saúde. Diversos estudos descritivos e observacionais têm demonstrado que a eliminação de barreiras ao acesso ao tratamento ou a provisão de incentivos financeiros melhoram a adesão a terapias de longo prazo 22,23,24,25. Elucidar as formas como a pobreza prejudica a capacidade de completar o tratamento da TB a longo prazo, apesar do apoio socioeconômico, permitirá o refinamento das intervenções para facilitar a conclusão do tratamento e eventualmente a cura de pacientes mais pobres.
A associação entre abandono do tratamento entre os casos de reingresso após abandono já foi observada em outros estudos e demonstra a importância do sucesso do primeiro regime de tratamento de TBDR oferecido a um paciente 10,14. Em um estudo conduzido por Lalor et al. 10 no Uzbequistão, o fator de risco individual mais forte para abandonar o tratamento de TBDR foi ter interrompido um tratamento anteriormente.
Em um estudo conduzido no Peru, os autores identificaram que os pacientes que tinham interrompido anteriormente o tratamento possuíam um risco aumentado não só de abandonar o tratamento atual, mas também de evoluir para óbito 14. Os pacientes previamente tratados devem ter suporte adicional no início de um novo tratamento para enfatizar a importância da adesão e conclusão do processo. Antes de iniciar um novo tratamento, os casos de reingresso após abandono precisam de uma atenção especial para que se verifiquem e abordem as questões que contribuíram para o abandono e, dessa forma, evitar desfechos graves como a morte.
A associação entre falência e óbito encontrada em nosso estudo aponta para dificuldades no manejo clínico desses pacientes, uma vez que a falência do tratamento anterior sugere que esses pacientes apresentaram um aumento no número de medicamentos resistentes a drogas no esquema de tratamento. Dessa forma, devem ser considerados esquemas alternativos e individualizados de tratamento com base nos resultados de testes de sensibilidade às drogas no regime de tratamento para diminuir as chances de esses pacientes evoluírem para óbito.
É importante destacar que este estudo apresenta múltiplas limitações. A principal delas é a utilização de dados de secundários do serviço de saúde, extraídos de um sistema de informação voltado para o manejo e gerenciamento clínico dos casos de TBDR no Brasil, sendo as informações disponíveis não padronizadas ou não destinadas à pesquisa. Por exemplo, não conseguimos acessar as causas de óbito dos pacientes em tratamento para melhor elucidar os fatores que levaram à morte desses pacientes. Outra limitação importante é que, por se tratar de estudo retrospectivo, não tem sido possível avaliar e identificar nas informações coletadas do SITETB os motivos que levaram os pacientes a interromperem ou a abandonarem o tratamento.
As razões para o abandono do tratamento de pacientes com TBDR devem ser mais bem conhecidas, para uma melhor compreensão dos desafios relacionados à adesão ao processo, especialmente nas situações concernentes a TBDR. Dessa forma, recomendamos a realização de pesquisas qualitativas que possam investigar outros fatores que levem ao aumento do risco de abandono do tratamento e como eles podem ser abordados diretamente com os pacientes para que novos abandonos ou até mesmo a morte sejam evitados. Apesar dessas limitações, este estudo fornece valiosas informações a respeito dos fatores associados ao abandono e a óbito durante o tratamento da TBDR, que ficam disponíveis para serem usadas, principalmente, por gestores de programas de controle da TB para planejamento do melhor uso dos recursos do Sistema Único de Saúde (SUS).
A partir dos nossos resultados, evidenciamos alguns fatores de risco relacionados ao abandono e ao óbito, que são problemas de saúde pública que contribuem para o agravamento da TBDR. É importante que os programas de controle da TB e os profissionais nas unidades de saúde identifiquem os fatores de risco para os pacientes com maior risco de abandono e que se adotem estratégias específicas para o enfretamento desse problema e a prevenção do óbito. Diversas ações podem ser consideradas, tais como implementação e manutenção de benefícios financeiros, a construção e o fortalecimento do vínculo entre os profissionais, o paciente e seus familiares e o fortalecimento de redes sociais de apoio, que ajudem a reduzir a estigmatização que os pacientes de TB enfrentam em suas vidas diárias.