versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.20 no.8 Rio de Janeiro ago. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015208.18032014
The rising consumption of sweetened beverages such as soft drinks or artificial juices is associated with the prevalence of obesity in Brazil and around the world. This study seeks to verify the frequency of consumption of these beverages among Brazilian children aged 24-59 months and to investigate the association of soft drinks with demographic, socioeconomic and nutritional variables. Using data from the National Survey on Demography and Health of Women and Children − 2006, the eating habits were obtained using the food and drink frequency questionnaire for the seven days preceding the interview, and anthropometry recorded the weight and height of children. Among preschoolers, 37.3% consumed soft drinks and artificial juices 4 or more days per week. The factors significantly associated with frequent consumption of soft drinks were living in regions of higher economic development of the country, in urban areas, belonging to the higher income bracket, with mothers watching TV regularly and excess weight of the child, were associated with consumption of soft drinks and artificial juices 4 or more days per week. Further studies are needed to understand the effective contribution of soft drinks on the epidemic of childhood obesity.
Key words Soft drinks; Fruit juices; Carbonated soft drinks; Socioeconomic factors; Obesity; Preschool children; Epidemiological surveys
Mudanças dos padrões alimentares nas últimas décadas, com aumento marcante no consumo de industrializados, mais especificamente das bebidas açucaradas (BA), como os refrigerantes e sucos artificiais, vêm sendo apontadas como o principal contribuinte para o aumento da energia total das dietas. A ingestão excessiva de calorias, observadas em idades cada vez mais precoces, influencia o ganho de peso e o aparecimento de marcadores inflamatórios, podendo ser considerado um dos fatores ambientais determinantes para as proporções epidêmicas da obesidade no mundo1–6.
A prevalência de obesidade em crianças e adolescentes mais que duplicou nos Estados Unidos nas últimas três décadas7. Entre brasileiros de 2 a 5 anos a prevalência de excesso de peso passou de 3%, em 1989, para 7,7%, em 20068. Paralelamente, entre 1975 e 2003, o consumo per capita de refrigerantes no Brasil aumentou o equivalente a 490%, assemelhando-se ao mercado americano que apresentou crescimento de 500% nos últimos 50 anos9,10. Em 2006, 22,1% das crianças de 6 a 59 meses consumiam diariamente11, e 70%, ao menos uma vez por semana refrigerantes ou sucos artificiais no país12.
Em alguns países desenvolvidos, os consumidores frequentes de BA, entre 2 e 5 anos, são predominantemente de famílias com menores rendas e escolaridade13–16. No entanto, em países em desenvolvimento como o Brasil, ainda são escassos os estudos com representatividade nacional que busquem investigar as possíveis variáveis que se associam a este padrão de consumo apenas no público pré-escolar, faixa etária que teve crescimento expressivo de excesso de peso entre os inquéritos de 1996 e 20068.
A relevância do tema para a promoção da saúde na infância e suas consequências na idade adulta, justifica a realização deste estudo que objetiva conhecer as prevalências do consumo de BA entre pré-escolares e identificar as variáveis socioeconômicas, demográficas e nutricionais que se associam a esse consumo.
Utilizaram-se dados secundários da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS) realizada no ano 2006. Esta pesquisa caracteriza-se por ser um inquérito domiciliar, com amostragem probabilística complexa, de representatividade nacional. As unidades amostrais foram selecionadas em dois estágios sendo a primeira denominada unidades primárias, compostas por setores censitários, e a segunda as unidades secundárias formadas por domicílios randomicamente selecionados nos setores sorteados. Foram considerados para o universo do estudo, domicílios particulares, em setores comuns ou não especiais, incluindo favelas, selecionados em dez estratos amostrais, representativo das cinco macrorregiões brasileiras e dos contextos urbano e rural. Os dados completos do inquérito, bem como o detalhamento da sua metodologia estão disponíveis no site http://bvsms.saude.gov.br/bvs/pnds/index.php17.
Foram coletados dados de aproximadamente 15 mil mulheres de 15 a 49 anos, e 5.000 crianças menores, de 59 meses de idade, filhos biológicos das entrevistadas e destas, 4.817 viviam com suas mães na ocasião do inquérito. Das 2.915 crianças de 24 a 59 meses de idade foram excluídas 34, devido à falta de informações no banco de dados em relação ao consumo de refrigerantes e sucos artificiais, totalizando 2.881 pré-escolares.
A frequência semanal do consumo de BA foi obtida por meio do questionário da frequência de alimentos (QFA). A PNDS investigou vinte alimentos e bebidas quanto a sua frequência de consumo nos 7 dias que antecederam a data da entrevista. Foram consideradas as seguintes possibilidades de respostas: não consumiu, consumiu 1 dia por semana, de 2 a 3 dias por semana, de 4 a 6 dias por semana e todos os dias da semana. Este estudo analisou o item denominado “refrigerante e sucos artificiais”. Para as análises a variável foi categorizada em três níveis de consumo: infrequente (1 ou menos dias por semana), regular (2 a 3 dias por semana) e frequente (4 dias ou mais por semana).
Idade (em meses): categorizada em 24 a 35, 36 a 47 e de 48 a 59 meses completos para análise descritiva e em 24 a 41 meses e 42 a 59 meses para análises inferenciais.
Sexo: feminino e masculino.
Macrorregião administrativa: categorizada em Norte (N), Nordeste (Ne), Centro-Oeste (CO), Sudeste (Su) e Sul (S) para a análise descritiva e regiões de maior desenvolvimento econômico (CO+Su+S) e menor desenvolvimento econômico do país (N+Ne) para análises inferenciais.
Situação de domicílio: urbano ou rural.
Classificação econômica: utilizou-se o sistema de pontuação padronizado do Critério de Classificação Econômica Brasil (CCEB), versão 2008, que quantifica oito bens duráveis do domicílio e o número de empregados mensalistas, além do grau de instrução do chefe da família, gerando pontos de corte para a determinação do poder aquisitivo da pessoa ou da família18. A partir disso, estima-se a condição econômica para o domicílio. Para a análise descritiva, agregou-se em cinco (A, B, C, D e E) dos oito estratos sugeridos na proposta original dos pontos de corte da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (2007/2008). Para as análises inferenciais esta variável foi dicotomizada em classes econômicas de maior poder aquisitivo (A+B+C) e menor poder aquisitivo (classe D+E).
Exposição da mãe à TV: A PNDS de 2006 questionou a mãe quanto ao “costume de assistir televisão” com as seguintes possibilidades de resposta: “todos os dias”, “quase todos os dias”, “pelo menos 1 x por semana”, “menos de 1 x por mês” e “não vê”. A fim de investigar se a exposição frequente à televisão se associa ao consumo de BA, optou-se por categorizar em maior frequência (mães que responderam assistir todos os dias e quase todos os dias) e menor frequência (mães que responderam assistir pelo menos 1x por semana, menos de 1 x por mês ou não assistiam).
Escolaridade Materna: categorizada em 0 a 4, 5 a 8 e 9 ou mais anos de estudo para a análise descritiva, e de 0 a 8 anos de estudo (≤ 8 anos) e mais de 8 anos de estudo (> 8 anos) para as análises inferenciais.
Os equipamentos antropométricos, treinamento e padronização dos entrevistadores e a supervisão e controle de qualidade das medidas aferidas foram de responsabilidade do Laboratório de Avaliação Nutricional de Populações do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. As técnicas utilizadas na obtenção de todas as medidas seguiram procedimentos padronizados segundo Lohman et al.19 e foram tomadas em duplicata, adotando-se como resultado final a média das duas medidas.
Utilizou-se o indicador de peso para estatura (P / E), expresso em escore Z, de acordo com os critérios estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS)20. Para caracterização da amostra as crianças foram categorizadas de acordo com as classificações: magreza e magreza acentuada, valores de P/E menores de −2 escore Z; eutrofia, valores entre −2 e +2 escore Z; sobrepeso, valores entre +2 escore Z; ≤ 3 escore Z; e obesidade, valores maiores de +3 escore Z. Para os modelos de regressão, optou-se por comparar eutróficos com sobrepeso e obesos, este último de forma agrupada. Para esta análise, não foram consideradas as crianças que apresentaram magreza e magreza extrema (n = 16).
As análises foram feitas com o pacote estatístico Stata / IC 12 (StataCorp LP, College Station, TX, USA). A fim de considerar os procedimentos amostrais, utilizou-se o efeito do plano amostral nas análises. Os pesos da amostra foram aplicados apenas nas estatísticas descritivas17.
Nas análises descritivas utilizou-se o teste qui-quadrado, considerando significantes valores de p < 0,05. Nas análises inferenciais optou-se por utilizar o modelo de regressão logística multinomial, que permite avaliar desfechos politômicos (três ou mais categorias). Este tipo de modelo possibilitou a comparação das categorias “consumo regular” (2 – 3 dias por semana) e “consumo frequente” (4 dias ou mais por semana) de maneira independente com a categoria de referência “consumo infrequente” (1 dia ou menos por semana). Nas regressões simples foram consideradas as variáveis com p < 0,20 da categoria de interesse “consumo frequente” (4 dias ou mais por semana), elegíveis para inclusão no modelo de regressão múltipla. A estratégia adotada para ordem de inclusão das variáveis no modelo foi o forward selection. Permaneceram no modelo final as variáveis com p < 0,05 da categoria de interesse “consumo frequente” (4 dias ou mais por semana)21.
Os dados da PNDS foram coletados segundo os critérios estabelecidos pela Declaração de Helsinki, tendo todos os procedimentos envolvendo seres humanos aprovados pelo Comitê de Ética do Centro de Referência e Treinamento em DST / AIDS, do Departamento de Saúde do Estado de São Paulo. Em adição, este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo / Hospital São Paulo.
Em 2006, mais que um terço dos pré-escolares brasileiros, representando quase três milhões de crianças, consumiram BA 4 dias ou mais dos 7 dias que antecederam a realização da pesquisa. As maiores prevalências de consumo frequente de BA foram observadas na faixa etária de 36 a 47 meses (37,2%), nas regiões Sudeste (41,4%) e Sul (51,0%), em regiões urbanas do país (39,4%), nos estratos de maior poder aquisitivo C (41,6%), B (41,1%) e A (39,3%), entre filhos de mães que assistiam televisão frequentemente (36,7%), e que tinham entre 5 e 8 anos de estudo (38,9%) e entre os desvios nutricionais magreza e magreza acentuada (50,0%), sobrepeso (43,0%) e obesidade (49,2%). Em adição, 8,2% das crianças apresentavam excesso de peso, sendo 5,9% com sobrepeso e 2,3% com obesidade (Tabela 1).
Tabela 1 Distribuição da frequência de consumo de bebidas açucaradas por crianças de 24 a 59 meses de idade segundo variáveis nutricionais, socioeconômicas e demográficas. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher, Brasil, 2006 (n = 2.881).
Variável | Total da amostra | Consumo Infrequente (≤ 1 dias/sem) | Consumo Intermediário (2-3 dias/sem) | Consumo Frequente (≥ 4 dias/sem) | p | ||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Na | % (%IC)b | % (%IC) | % (%IC) | % (%IC) | χ2 | ||
Total de crianças c | 2.881 | 100 (100) | 35,2(32,1-38,5) | 27,5(24,7-30,6) | 37,2(33,5-41,2) | ||
Expansão amostral | 8.032.400 | 2.830.900 | 2.209.868 | 2.991.632 | |||
Idade (em meses) | 0,0347 | ||||||
24-35 | 964 | 33,5 (31,9-35,1) | 42,0(38,8-45,3) | 26,8(24,1-29,6) | 31,2(28,3-34,3) | ||
36-47 | 975 | 33,8(32,2– 35,5) | 38,3(35,0-41,6) | 24,5(21,8-27,4) | 37,2(34,4-58,0) | ||
48-59 | 942 | 32,7(31,1- 34,3) | 40,9(37,5-44,3) | 23,2(20,6-26,2) | 35,9(32,6-39,3) | ||
Sexo | 0,4072 | ||||||
Feminino | 1.483 | 48,5(46,7- 50,3) | 41,3(38,5-44,3) | 25,0(22,8-27,4) | 33,6(31,0-36,4) | ||
Masculino | 1.398 | 51,5(49,7- 53,3) | 39,5(36,6-42,3) | 24,7(22,5-27,1) | 35,9(33,1-38,7) | ||
Macrorregiões | < 0,0001 | ||||||
Norte | 592 | 20,6(19,1- 22,1) | 49,3(43,6-55,0) | 24,7(20,9-28,9) | 26,0(21,5-31,1) | ||
Nordeste | 548 | 19,0(17,7- 20,4) | 44,3(39,5-49,3) | 34,3(30,2-38,7) | 21,4(17,6-25,7) | ||
Sudeste | 596 | 20,7(19,4- 22,0) | 33,6(28,9-38.6) | 25,0(21,1-29,3) | 41,4(36,5-46,5) | ||
Sul | 563 | 19,5(18,3- 20,9) | 32,5(28,3-37,0) | 16,5(13,7-19,81) | 51,0(46,2-55,7) | ||
Centro-Oeste | 582 | 20,2(18,9- 21,6) | 42,1(37,3-47,1) | 24,0(20,6-27,9) | 33,9(29,4-38,6) | ||
Situação de domicílio | < 0,0001 | ||||||
Urbano | 1.845 | 64,0(60,4- 67,5) | 35,2(32,7-37,9) | 25,4(23,3-27,6) | 39,4(36,8-42,1) | ||
Rural | 1.036 | 36,0(32,5- 39,6) | 49,5(45,4-53,6) | 23,9(21,1-27,0) | 26,6(23,1-30,3) | ||
ABEPd | < 0,0001 | ||||||
A | 107 | 3,7(3,0- 4,6) | 42,1(32,4-52,3) | 18,7(12,4-27,2) | 39,2(29,8-49,6) | ||
B | 521 | 18,1(16,5- 19,8) | 35,5(31,2-40,1) | 23,4(19,9-27,4) | 41,1(36,7-45,6) | ||
C | 1.104 | 38,3(36,1- 40,6) | 34,5(31,5-37,7) | 23,9(21,4-26,6) | 41,6(38,4-44,8) | ||
D | 759 | 26,4(24,5- 28,3) | 41,1(37,1-45,3) | 28,1(24,6-31,8) | 30,8(27,2-34.8) | ||
E | 390 | 13,5(11,8- 15,5) | 61,5(55,0-67,7) | 24,9(19,9-30,6) | 13,6(9,7-18,8) | ||
Exposição à televisão | < 0,0001 | ||||||
Frequentee | 2.528 | 87,8(85,8- 89,4) | 37,9(35,7-40,1) | 25,4(23,6-27,3) | 36,7(34,5-38,9) | ||
Infrequentef | 353 | 12,2(10,6- 14,2) | 58,3(51,5-64,9) | 20,7(16,4-25,8) | 21,0(16,2-26,7) | ||
Escolaridade Materna (anos) | < 0,0001 | ||||||
0 – 4 | 832 | 29,1(26,8- 31,5) | 50,7(46,4-55,0) | 22,7(19,6-26,2) | 26,6(22,9-30,6) | ||
5 – 8 | 1.012 | 35,4(33,4- 37,4) | 36,9(33,5-40,3) | 24,2(21,5-27,1) | 38,9(35,6-42,4) | ||
≥ 9 | 1.016 | 35,5(33,3- 37,8) | 35,4(32,3-38,7) | 27,3(24,53-30,2) | 37,3(34,2-40,6) | ||
Estado Nutricional (P/E) | 0,0363 | ||||||
Magreza e Magreza acentuada | 16 | 0,6(0,4-1,0) | 37,5(17,9-62,3) | 12,5(3,1-38,6) | 50,0(27,2-72,8) | ||
Eutrofia | 2.393 | 91,2(90,0- 92,2) | 40,8(38,3-43,3) | 25,3(23,4-27,2) | 33,9(31,7-36,3) | ||
Sobrepeso | 156 | 5,9(5,1-6,9) | 33,3(26,2-41,3) | 23,7(17,9-30,7) | 43,0(35,1-51,1) | ||
Obesidade | 61 | 2,3(1,8-3,0) | 29,5(19,5-42,0) | 21,3(12,9-33,2) | 49,2(37,3-61,2) |
aSe inferior a 2.881, a diferença deve-se à inexistência das informações no banco de dados;
bIC: Intervalo de confiança;
cValores utilizando os pesos amostrais;
dAssociação Brasileira das Empresas de Pesquisa;
eFrequente: Todos os dias ou quase todos os dia;
fInfrequente: pelo menos 1x por semana, menos de 1 x por mês ou não vê.
Na Tabela 2, observa-se que as variáveis independentes apresentaram razões de chance diferentes, de acordo com a frequência do consumo de BA. Viver em regiões urbanas (OR 1,30; IC95% 1,02-1,64) e ser filho de mãe que assistia frequentemente televisão (OR 1,79 IC95% 1,27-2,52) se associou de maneira independente ao consumo de BA, de 2 a 3 dias por semana. As variáveis “Macrorregiões”, “Classes econômicas ABEP” e “Estado nutricional” não se associaram ao consumo regular de BA, mas se mostraram associadas à categoria “Consumo frequente” no modelo múltiplo.
Tabela 2 Associação entre categorias de consumo de bebidas açucaradas e variáveis nutricionais, socioeconômicas e demográficas. Crianças brasileiras de 24 a 59 meses de idade. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher, Brasil, 2006 (n = 2.610).
Referência: Consumo infrequente ≤ 1 dias/sem* | Consumo regular (2-3 dias por semana) | ||||
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Análise bruta | Análise ajustadaa | ||||
Variável | OR b(IC-95%)c | p | ORb(IC-95%)c | p | |
Idade da criança (meses) | |||||
24-41 meses | 1 | ||||
42-59 meses | 1,00(0,83-1,18) | 0,909 | – | ||
Sexo | |||||
Feminino | 1 | ||||
Masculino | 1,03(0,86-1,24) | 0,724 | – | ||
Macrorregiões | |||||
< Desenvolvimento Econômicod | 1 | 1 | |||
> Desenvolvimento Econômicoe | 0,97(0,78-1,21) | 0,814 | 0,96(0,76-1,22) | 0,768 | |
Situação de domicílio | |||||
Rural | 1 | 1 | |||
Urbano | 1,49(1,19-1,86) | 0,001 | 1,30(1,02-1,64) | 0,032 | |
ABEPf | |||||
Classe D+E | 1 | 1 | |||
Classe A+B+C | 1,18(0,95-1,47) | 0,125 | 1,01(0,79-1,29) | 0,911 | |
Exposição à televisão | |||||
Menor frequência | 1 | 1 | |||
Todos/quase todos os dias | 1,90(1,37-2,63) | < 0,001 | 1,79(1,27-2,52) | 0,001 | |
Escolaridade materna (anos) | |||||
≤ 8 anos | 1 | ||||
> 8anos | 1,41(1,14-1,74) | 0,002 | – | ||
Estado Nutricional (escore z P/E) | |||||
Eutrofia | 1 | 1 | |||
Sobrepeso e Obesidade | 1,15(0,79-1,69) | 0,466 | 1,10(0,75-1,61) | 0,617 | |
Idade da criança (meses) | |||||
24-41 meses | 1 | ||||
42-59 meses | 1,12(0,95-1,32) | 0,172 | – | ||
Sexo | |||||
Feminino | 1 | ||||
Masculino | 1,12(0,94-1,32) | 0,193 | – | ||
Macrorregiões | |||||
< Desenvolvimento Econômicod | 1 | 1 | |||
> Desenvolvimento Econômicoe | 2,30(1,81-2,91) | < 0,001 | 2,13(1,66-2,72) | < 0,001 | |
Situação de domicílio | |||||
Rural | 1 | 1 | |||
Urbano | 2,09(1,63-2,66) | < 0,001 | 1,81(1,39-2,34) | < 0,001 | |
ABEPf | |||||
Classe D+E | 1 | 1 | |||
Classe A+B+C | 2,25(1,82-2,78) | < 0,001 | 1,44(1,15-1,81) | 0,002 | |
Exposição à televisão | |||||
Menor frequência | 1 | 1 | |||
Todos/quase todos os dias | 2,70(1,91-3,82) | < 0,001 | 1,90(1,35-2,68) | < 0,001 | |
Escolaridade materna (anos) | |||||
≤ 8 anos | 1 | ||||
> 8anos | 1,36(1,11-1,67) | 0,003 | – | ||
Estado Nutricional (escore z P/E) | |||||
Eutrofia | 1 | 1 | |||
Sobrepeso e Obesidade | 1,66(1,19-2,32) | 0,003 | 1,41(1,02-1,99) | 0,048 |
*Grupo cujo consumo infrequente (≤ 1 dia por semana) foi considerado como referência (categoria de comparação).
aControlado por idade e sexo;
bOR= Razão de chance (odds ratio);
cIC-95%: intervalo de confiança de 95%;
dNorte e Nordeste;
eSul, Sudeste e Centro-oeste;
fABEP: Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa.
As crianças que residiam nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste (OR 2,13; IC95% 1,66-2,72), em regiões urbanas (OR 1,81; IC95% 1,39-2,34), que pertenciam às classes A+B+C (OR 1,44; IC95% 1,15-1,81), filhos de mães que assistiam frequentemente televisão (OR 1,90; IC95% 1,35-2,68) e que apresentavam excesso de peso (OR 1,41; IC95% 1,02-1,99), tinham mais risco de serem consumidores frequentes de BA.
Por este estudo, utilizar amostra de representatividade nacional e ter o rigor da padronização da coleta bem como a credibilidade das instituições responsáveis pela execução do projeto pode-se inferir confiabilidade dos dados.
Por outro lado, inquéritos transversais possuem limitações ao inferir causalidade ou relação temporal. Outra limitação deste estudo refere-se ao instrumento utilizado para coletar informações de consumo alimentar, o QFA, o qual coleta apenas o número de dias em que foram ingeridos os alimentos e bebidas sem quantificá-los. Em geral, instrumentos que registram o consumo de alimentos estão sujeitos a erros aleatórios devido, por exemplo, à dificuldade dos indivíduos em lembrar dos alimentos consumidos, interferindo na precisão dos dados coletados22. Vale ressaltar ainda que o item “refrigerantes e sucos artificiais” não representa a totalidade de bebidas açucaradas disponíveis no mercado, que são habitualmente consumidas pelas crianças como, por exemplo, as bebidas esportivas, aquelas à base de soja e as lácteas com adição de açúcar. Quanto aos fatores associados, foi possível analisar as variáveis disponíveis no banco de dados. Entretanto, há outros determinantes de consumo de BA referidos pela literatura que não foram investigados no inquérito que serviu de base para este estudo, como, por exemplo, acesso e disponibilidade destes produtos para esta população.
As escolhas alimentares são determinadas por variáveis biológicas, socioeconômicas, demográficas e culturais em um processo dinâmico, que varia de acordo com o contexto e o estágio da vida do indivíduo1,23. Conforme os resultados encontrados neste artigo, pré-escolares que viviam em regiões de maior desenvolvimento econômico apresentavam duas vezes mais chance de consumirem frequentemente BA. Aqueles que pertenciam a famílias de maior poder aquisitivo tinham 44% mais chance de serem consumidores frequentes de tais bebidas. Outro estudo brasileiro identificou maior participação percentual dos refrigerantes no valor energético total em domicílios da região Sul do país, com rendimento mensal acima de 30 salários mínimos, quando comparada à região Norte1. Ambos os achados indicam que a renda é um dos fatores determinantes para o consumo de BA e a sua distribuição desigual é representada também por limites geográficos desenhados pela história econômica do país.
Em alguns estudos realizados em países desenvolvidos, o consumo frequente de BA está associado a menor renda, menor educação dos pais e menor status econômico das famílias13–16. Tais diferenças sugerem que os determinantes socioeconômicos das escolhas alimentares assumem características diferentes entre países de maior ou menor desenvolvimento.
O processo de transição nutricional é consequência do desenvolvimento econômico, das mudanças tecnológicas e culturais que ocorreram nos últimos anos. As principais alterações na estrutura da dieta foram influenciadas pelo processo de urbanização e do aumento da renda. Em países em desenvolvimento, os padrões alimentares das regiões urbana e rural são expressivamente diferentes, principalmente devido à maior disponibilidade de alimentos processados em regiões urbanas24. Isto pôde ser observado nesta pesquisa, já que residir em regiões urbanas aumentou em 81% o risco de os consumidores infantis ingerirem frequentemente BA.
Outro fator relevante neste processo é a expansão da mídia, especialmente no meio de comunicação televisiva, que se tornou veículo promotor de hábitos alimentares pouco saudáveis e do sedentarismo24. Este estudo evidencia que, em 2006, no Brasil, as mães que referiram assistir frequentemente televisão tinham 90% mais chance de terem filhos consumidores frequentes de BA e 79% mais chance de ter filhos consumidores regulares de BA.
Um amplo estudo realizado pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) mostrou que a maioria das propagandas de alimentos divulga aqueles ricos em gordura, açúcar e sal e muitas são direcionadas às crianças, público especialmente vulnerável à influência da publicidade25. O marketing utilizado visa formar vínculos emocionais oferecendo, por exemplo, diversão por meio do uso de desenhos animados ou sites na internet e brindes. Sendo assim, a falta de uma regulamentação mais efetiva expõe as crianças à publicidade invasiva, que enfraquece a eficácia de qualquer aconselhamento sobre bons hábitos alimentares25. No Reino Unido, por exemplo, existem regulamentações mais rigorosas da publicidade direcionada às crianças. No Brasil, esta é uma discussão que vem ganhando força nos últimos anos e faz parte de um conjunto de medidas que visa controlar a obesidade infantil. Infelizmente, muitos projetos de lei desta natureza, ainda estão em tramitação nos órgãos competentes26.
As bebidas açucaradas são consideradas as maiores contribuintes para o aumento de açúcar de adição e seu consumo regular é apontado com um dos fatores determinantes para o aumento de energia na dieta e ganho de peso4,6. No Brasil de 2006, 6,6% das crianças de 0 a 5 anos encontravam-se com excesso de peso27. Analisando apenas os pré-escolares, dos aproximadamente 8 milhões, 668 mil crianças (8,2%) estavam com excesso de peso e estes consumiam BA com maior frequência (1,41; IC95% 1,02-1,97), quando comparados aos eutróficos. Não houve associação estatisticamente significante entre estado nutricional e consumo regular destas bebidas. Embora estes resultados não permitam inferir causalidade devido às limitações do desenho do estudo e da natureza dos dados, é plausível sugerir que crianças com excesso de peso apresentavam um padrão de consumo diferente em relação a estas bebidas, quando comparadas às crianças com peso adequado, representando um possível erro alimentar desta faixa etária de maior risco nutricional.
A determinação causal entre o consumo frequente de BA e o excesso de peso em crianças e adolescentes é evidenciada em diferentes estudos nos últimos anos. Um estudo transversal, que avaliou 4.283 australianos de 2 a 16 anos, encontrou 26% mais chances de serem sobrepeso/obesos (IC 95% 1,03-1,53), entre aqueles que relataram consumo diário ≥ 250g de BA15. Um estudo de coorte, que avaliou 9.600 americanos, encontrou 43% mais chances de serem obesos em relação aos consumidores infrequentes ou não consumidores (OR 1,43 IC 95% 1,10-1,85) entre consumidores frequentes aos 5 anos13. Um estudo longitudinal australiano, que avaliou 1.499 pré-escolares, encontrou crianças consumidoras regulares de BA entre as refeições aos 30 meses, tinham duas vezes mais chances de estarem com excesso de peso aos 54 meses (OR 2,4 IC 95% 1,03-5,39), quando comparadas às não consumidoras14. Um ensaio clínico randomizado duplo-cego acompanhou durante 18 meses crianças holandesas de 4 a 11 anos, divididas em dois grupos de observação, as que consumiam bebidas sem adição de açúcar e as que consumiam BA (104 kcal em 250 ml/dia). Os achados mostraram evolução ponderal (z escore de IMC e gordura corporal) menor no grupo que consumiu bebidas sem açúcar28. Soma-se a essas evidências, uma revisão sistemática que identificou associação do consumo de BA com excesso de peso em crianças em 6 estudos transversais e 4 estudos prospectivos3. Apesar da relevância dos achados destas pesquisas, muitos não podem ser diretamente comparados a este estudo devido a diferenças no delineamento e no tratamento dos dados. No entanto, todos apontam para a associação estatisticamente significante entre frequência de consumo de BA e excesso de peso.
Não é apenas a relação de BA com excesso de peso que preocupa as organizações de saúde. Outras pesquisas apontam evidências significativas da associação com o desenvolvimento de diabetes mellitus tipo 2 e doenças cardiovasculares. Entre crianças com consumo frequente de SSB foram identificados aparecimento precoce de hiperinsulinemia, dislipidemias, hipertensão, alteração dos marcadores inflamatórios e aumento da circunferência de cintura4–6,29. Tais evidências reforçam os achados de pesquisas conduzidas no Brasil que têm ressaltado a origem fetal ou mesmo na infância de muitas doenças e agravos não transmissíveis do adulto30.
O conjunto de evidências existentes somado à plausibilidade biológica reforça as hipóteses explicativas para a relação entre consumo frequente de SSB, excesso de peso e alterações metabólicas. A energia proveniente de líquidos está associada à menor saciedade, pois os líquidos não ativam os mecanismos regulatórios de ingestão nas refeições subsequentes4. Além disso, o aumento do tamanho das porções oferecidas4 somado à presença de altas concentrações de carboidratos de rápida absorção, como a sacarose ou o xarope de milho rico em frutose5,31,32, podem justificar consequências tão deletérias à saúde.
Fundamental para o estabelecimento das condições de saúde do indivíduo, o hábito alimentar é estabelecido na infância11 e os alimentos industrializados como o BA vêm fazendo parte da dieta habitual infantil33. Este novo padrão de consumo pode contribuir para o aumento do risco de uma população, que está formando hábitos determinantes para sua saúde ao longo da vida.
A elevada prevalência do consumo frequente de BA entre os pré-escolares está fortemente associada a questões socioeconômicas. Diferentemente de países de maior desenvolvimento, aqueles residentes em zonas urbanas, nas regiões de maior desenvolvimento econômico, de estratos de maior poder aquisitivo e filhos de mães que assistiam frequentemente televisão estavam expostos a condições ambientais que favorecem o consumo frequente destas bebidas açucaradas. Finalmente, crianças com excesso de peso consomem com maior frequência BA, indicando um alerta sobre um padrão alimentar seguido por esta população de risco. Novos estudos com delineamentos que possam contribuir para o conhecimento sobre a força e a direção dessa associação são necessários para compreensão da real contribuição das bebidas açucaradas na epidemia de obesidade infantil.