versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.2 Rio de Janeiro fev. 2019
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018242.30702016
The scope of this study is to assess the nutritional status of low birth weight (LBW) children and the possible associations with independent maternal variables, gender and neonatal history. It involved a cross-sectional study with 544 LBW schoolchildren (five to ten years of age) in the metropolitan area of São Paulo. Variables: the neonatal data of liveborn infant declarations and the current weight and height of the mothers were collected. The weight and stature used to calculate the height/age z (HAZ) score and the body mass index (BMI) of children were evaluated. Among the LBW children 6.2% were of short stature, 12.3% overweight and 8.6% obese. There was an association between short stature in LBW schoolchildren and short maternal stature < 150 cm (OR = 6.94; 95 % CI 2.34–20.6). Excess weight/obesity in LBW children was independently associated with overweight/obesity of the mother (OR = 2.40; 95% CI 1.44–4.01), and the male gender (OR = 1.77; 95% CI 1.06–2.95). A fifth of schoolchildren with low birth weight were overweight, which was associated with current maternal nutritional status and the male gender and stunting was associated with maternal stature.
Key words Low birth weight; Stunting; Children; Excess weight; Obesity
O baixo peso ao nascer (BPN) é definido como peso de nascimento inferior a 2500 gramas. Os fatores de risco para a sua ocorrência relacionam-se a condições adversas fetais (alterações genéticas, malformações) e maternas (diabetes, hipertensão, infecção, desnutrição, tabagismo). Pode haver associação com prematuridade e/ou crescimento intrauterino restrito (CIUR)1,2.
As taxas de BPN variam nas diferentes regiões no mundo, encontrando patamares próximos de 15% em países em desenvolvimento, o dobro do observado em países desenvolvidos (7%). No Brasil as taxas de BPN apresentam comportamento paradoxal, com diferenças entre as regiões e entre grupos populacionais procedentes de diferentes classes sociais3. Baseado em informações sobre nascidos vivos, a taxa de BPN no ano de 2011 foi de 8,5% no país, com valores semelhantes observados, em 2013, no Estado de São Paulo (9,1%), na Região Metropolitana (9,4%) e no município de São Paulo (9,6%)4.
A incidência de BPN, utilizada como um indicador de saúde pública, está relacionada de forma direta com a morbidade infantil, associa-se com inadequação do crescimento pôndero-estatural, prejuízo do desenvolvimento neuropsicomotor e com maior risco para doenças crônicas não transmissíveis como obesidade, hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus tipo 2 e doenças cardiovasculares no futuro5,6.
Há associação inversa entre o peso ao nascer e a frequência de déficit de estatura na infância e vida adulta, assim como maior chance de baixa estatura entre os nascidos pequenos para idade gestacional (PIG)7,8. O crescimento pós-natal é influenciado por fatores ambientais, práticas alimentares e pelo potencial genético refletido pela estatura parental9,10. Nesse contexto, espera-se que a criança com BPN faça recuperação nutricional precoce (catch-up growth) para entrar no canal de crescimento considerado adequado para a idade11,12. Sabe-se que a recuperação lenta se associa com comprometimento estatural e pior desenvolvimento cognitivo, e que, por sua vez, o ganho de peso excessivo, especialmente nos primeiros anos, associa-se com risco aumentado da obesidade na infância e adolescência; dislipidemias, diabetes mellitus, hipertensão arterial e doenças cardiovasculares na vida adulta13.
A trajetória de crescimento “ideal”, que levaria a recuperação nutricional sem aumentar o risco de doenças crônicas para crianças com BPN, ainda não é completamente conhecida13, especialmente em países como o Brasil, onde os determinantes do BPN associam-se, principalmente, a doenças nutricionais maternas ligadas tanto a excessos (obesidade materna, ganho excessivo de peso durante a gestação) quanto a carências (anemia ferropriva, desnutrição energético proteica)14.
Dados extraídos da Pesquisa de Orçamentos Familiares (2008-2009)15 e da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSe)16 mostraram que 25 a 30% dos pré-escolares e escolares brasileiros estão com excesso de peso e que a frequência de baixa estatura, apesar de ter sofrido queda importante nas últimas décadas, ainda acomete por volta de 3,0 a 12,2% das crianças menores de 5 anos, com prevalências maiores nas regiões Norte e Nordeste. Somados, excesso de peso e baixa estatura, acometem mais de 30% das crianças brasileiras.
Tendo em vista que o baixo peso ao nascer e as inadequações nutricionais na infância (excesso de peso e baixa estatura) são condições frequentes no nosso meio, e hoje representam fatores para o desenvolvimento de doenças em curto e longo prazos, resolveu-se realizar este estudo que tem como objetivo descrever a condição nutricional de crianças de 5 a 10 anos de idade da região metropolitana de São Paulo, que nasceram com baixo peso, avaliar possíveis associações das alterações na condição nutricional (sobrepeso/obesidade) e baixa estatura com variáveis maternas, sexo e antecedentes neonatais.
Foi realizado estudo transversal, entre os anos de 2012 – 2013, com 544 escolares com idade entre 5 a 10 anos, que nasceram com baixo peso (< 2500 gramas) no município de Embu das Artes (região metropolitana de São Paulo - Brasil). O município de Embu das Artes possuía, na época da pesquisa, renda per capita de 1,7 salários mínimos, taxa de BPN de 9,8%, e 89,1% dos estudantes estavam matriculados em escolas públicas17.
Para composição da casuísta foi realizado um cruzamento entre os bancos de dados das secretarias de educação (municipal e estadual) do município de Embu das Artes, com os dados da declaração de nascidos vivos (DNV) da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE). Identificou-se 22.643 crianças matriculadas em escolas públicas do município e destas, 996, entre 5 a 10 anos de idade, que tiveram BPN.
As crianças com BPN identificadas foram contatadas nas escolas que estavam matriculadas e convidadas a comparecer, com os responsáveis, às unidades básicas de saúde (UBS) mais próximas ao seu domicílio para entrevista e avaliação antropométrica. Compareceram para essa avaliação 569/996 (57,1%) crianças com suas famílias.
Não foram incluídas no estudo os escolares com doenças crônicas (7 com encefalopatia crônica não evolutiva, 1 com Síndrome de Down), aqueles cujos responsáveis não concordaram com a avaliação antropométrica (16) e os com idade igual ou superior a 11 anos (1). Dessa forma, a casuística final foi composta por 544 crianças.
Foi realizada a análise das perdas, a partir dos dados das DNV e não houve diferença estatisticamente significante entre aqueles que compareceram e os escolares que não compareceram (n = 427) para avaliação e entrevista em relação ao gênero, idade, Apgar de 5º minuto, tipo de parto, idade gestacional e peso ao nascer.
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo, pelas Secretarias da Saúde e da Educação do município de Embu das Artes e foi parte do projeto Pesquisa para o SUS Gestão Compartilhada em Saúde (PPSUS - Morbidade, crescimento e desenvolvimento de escolares de 6 a 10 anos de idade nascidos com baixo peso ao nascer – integralidade e intersetorialidade na atenção à criança no sistema local de saúde Embu SP).
Declaração de nascidos vivos (DNV): informações sobre a mãe (idade da mãe, escolaridade e número de gestações), gestação (única ou múltipla e número de consultas no pré-natal), parto (idade gestacional: < 32 semanas, 32 a 36 semanas e ≥ 37 semanas; tipo de parto e local de nascimento – hospital ou domicílio) e recém-nascido (sexo, etnia, presença de malformação e peso ao nascer).
Condição nutricional materna: a informação sobre peso e estatura da mãe foi referida durante a entrevista e os dados foram utilizados para cálculo do índice de massa corporal (IMC), que foi classificado segundo recomendação da Organização Mundial de Saúde18.
Condição nutricional das crianças: os escolares foram pesados em balança do tipo plataforma, digital, com capacidade de até 150 quilos. A medida de peso foi tomada com a criança vestindo roupas leves, descalça, permanecendo ereta no centro da balança, com os braços esticados ao longo do corpo. A estatura foi medida utilizando-se estadiômetro portátil (milimetrado). A aferição foi efetuada com as crianças em posição ereta, descalças, calcanhares unidos e braços ao longo do corpo. O IMC foi expresso em Kg/m² e os valores calculados pelo programa WHO Anthro Plus®, expressos em escore Z. Os pontos de corte utilizados foram definidos de acordo com os referenciais da OMS, 2006/200719.
Os dados foram digitados e consolidados em Planilha do Excel (Office Microsoft ®) e a análise estatística foi feita com o Pacote Estatístico IBM SPSS ® 20.0. As variáveis contínuas foram testadas quanto a sua normalidade. As variáveis com distribuição normal foram descritas na forma de média e desvio padrão e comparadas por meio do teste de t-Student. As variáveis com distribuição não normal foram apresentadas na forma de mediana (mínimo e máximo) e comparadas por meio do teste de Mann-Whitney. As variáveis categóricas foram mostradas na forma de tabelas (valor absoluto e percentual), comparadas por meio do teste do Qui-quadrado e calculado o odds ratio (OR) com intervalo de confiança de 95%. Para análise multivariada foi utilizada a regressão binária logística método forward LR e incluídas aquelas com p < 0,10. O nível de significância adotado foi 5%.
Na Tabela 1 estão descritas as características gerais da população estudada. Em relação às mães, a mediana de idade, na época do nascimento das crianças, foi de 25 anos; somente 202 (38,3%) realizaram mais do que seis consultas de pré-natal, a maioria tinha filhos anteriores 303 (71,8%), metade viviam com companheiro 279 (50,5%) e 267 (48,7%) tinham mais de 8 anos de escolaridade (Tabela 1). Quanto à condição nutricional materna atual, 26 (11,5%) e 164 (41,4%) das mães tinham estatura < 150 cm e excesso de peso (sobrepeso e obesidade), respectivamente (Tabela 1).
Tabela 1 Características gerais e condição nutricional da população estudada, Embu das Artes, 2012/2013.
Variáveis | n | % | |
---|---|---|---|
Condição marital | 552 | ||
Com companheiro | 279 | 50,5 | |
Idade | 569 | ||
< 20 anos | 117 | 20,6 | |
20 a 34 anos | 375 | 65,9 | |
> 34 anos | 77 | 13,5 | |
Escolaridade maternal (anos) | 550 | ||
0 a 3 | 59 | 10,7 | |
4 a 7 | 224 | 40,7 | |
8 ou mais | 267 | 48,6 | |
Filhos anteriores | 427 | ||
Sim | 303 | 71,0 | |
Tipo de gestação | 564 | ||
Única | 492 | 87,2 | |
Dupla | 71 | 12,6 | |
Tripla ou mais | 1 | 0,2 | |
Número de visitas pré-natal | 527 | ||
Nenhuma | 32 | 6,1 | |
1 a 3 | 54 | 10,2 | |
4 a 6 | 239 | 45,4 | |
7 ou mais | 202 | 38,3 | |
Idade gestacional (semanas) | 550 | ||
< 32 | 44 | 8,0 | |
32 a 36 | 217 | 39,5 | |
≥ 37 | 289 | 52,5 | |
Tipo de parto | 567 | ||
Vaginal | 314 | 55,4 | |
Gênero | 569 | ||
Feminino | 322 | 56,6 | |
Etnia | 441 | ||
Branca | 200 | 45,4 | |
Negra | 29 | 6,6 | |
Local de nascimento | 554 | ||
Hospital | 544 | 98,2 | |
Mal formações graves | 461 | ||
Não | 456 | 98,9 | |
Peso ao nascer | 569 | ||
< 1000 g | 12 | 2,1 | |
1000 a 1500 g | 38 | 6,7 | |
1500 a 2500 g | 519 | 91,2 | |
Estatura / idade (escore z) | 544 | ||
Baixa estatura | 34 | 6,2 | |
Índice de massa corporal (escore z) | 544 | ||
Magreza | 26 | 4,8 | |
Eutrófico | 404 | 74,3 | |
Sobrepeso | 67 | 12,3 | |
Obesidade | 47 | 8,6 | |
Estatura materna | 409 | ||
< 150 cm | 26 | 11,5 | |
Condição nutricional maternal atual | 396 | ||
Desnutrição | 26 | 6,6 | |
Eutrofia | 206 | 52,0 | |
Sobrepeso | 122 | 30,8 | |
Obesidade I | 29 | 7,3 | |
Obesidade II | 13 | 3,3 |
A maioria dos partos foi vaginal 314 (55,4%) e à termo (> 37 semanas). A mediana do peso ao nascer foi 2252 gramas (variação: 620,0 a 2495 gramas), sendo que 91,2% estavam entre 1500 e 2499g (Tabela 1).
Em relação aos escolares, a mediana de idade foi 8,2 anos (variação: 5,3 a 10,9 anos) e predominou o sexo feminino 322 (56,6%). A mediana do escore ZEI foi de −0,33 (-3,33 a +3,68) e do escore ZIMC foi de −0,23 (-3,85 a +3,42). Os distúrbios nutricionais mais frequentes foram sobrepeso/obesidade: 114 (20,9%) e baixa estatura: 34 (6,2%) (Tabela 1).
A estatura materna < 150 cm associou-se de forma independente com presença de baixa estatura (ZEI < −2) nos escolares (OR = 6,94; IC 95% 2,34 – 20,6) (Tabela 2). Sexo masculino (OR = 1,77; IC95%:1,06;2,95) e excesso de peso materno (OR = 2,40; IC95%:1,44-4,01) associaram-se com maior risco de sobrepeso/obesidade nas crianças (Tabela 3). Todas as demais variáveis estudadas não mostraram associação estatisticamente com a condição nutricional dos escolares.
Tabela 2 Fatores associados a baixa estatura em crianças com baixo peso ao nascer, Embu das Artes, 2012/2013.
Variáveis | Baixa estatura (n = 34) | Estatura normal(n = 510) | P | Odds ratio (95% IC) | Odds ratio ajustado (95% IC) | |
---|---|---|---|---|---|---|
Gênero (n = 544) | 0,34 | 1,37 (0,68;2,74) | ||||
Masculino | 17 (7,3%) | 215 (92,7%) | ||||
Idade materna (n = 544) | 0,22 | 1,42 (0,56;3,56) 1 | ||||
< 20 anos | 3 (2,7%) | 107 (97,3%) | ||||
20 a 35 anos | 25 (7,0%) | 334 (93,0%) | ||||
> 35 anos | 6 (8,0%) | 69 (92,0%) | ||||
Situação marital (n = 527) | 0,38 | 0,70 (0,35;1,43) | ||||
Sem companheiro | 14 (5,4%) | 245 (94,6%) | ||||
Escolaridade materna (n = 523) | 0,58 | 1,36 (0,50;3,66) | ||||
< 4 anos | 5 (8,3%) | 55 (91,7%) | ||||
Filhos anteriores (n= 416) | 0,28 | 0,51 (0,19;1,39) | ||||
Sim | 22 (7,5%) | 270 (92,5%) | ||||
Idade gestacional (n = 525) | 0,58 | 1,35 (0,65;2,77) 2 | ||||
≤ 31 semanas | 3 (7,7%) | 36 (92,3%) | ||||
32 a 36 semanas | 10 (4,9%) | 194 (95,1%) | ||||
> 37 semanas | 20 (7,1%) | 262 (92,9%) | ||||
Tipo de parto (n = 542) | 0,18 | 1,60 (0,79;3,23) | ||||
Cesariana | 19 (7,8%) | 224 (92,2%) | ||||
Peso ao nascer (n = 544) | 0,43 | 1,92 (0,70;5,22) 3 | ||||
< 1000 g | 1 (11,1%) | 8 (88,8%) | ||||
1000 – 1500 g | 4 (10,5%) | 34 (89,5) | ||||
1500 – 2500 g | 29 (5,8%) | 468 (94,2%) | ||||
ZIMC (n = 544) | 0,15 | |||||
Magreza | 4 (15,4%) | 22 (84,6%) | 2,64 (0,84;2,24) 4 | |||
Eutrofia | 26 (6,4%) | 378 (93,6%) | ||||
Sobrepeso | 2 (3,0%) | 65 (97,0%) | 0,52 (0,18;1,54) 5 | |||
Obesidade | 2 (4,3%) | 45 (95,7%) | ||||
Condição nutricional materna (n = 396) | 0,03 | |||||
Desnutrição | 0 (0%) | 26 (100%) | OR não calculado 6 | |||
Eutrofia | 20 (9,7%) | 186 (90,3%) | ||||
Sobrepeso | 3 (2,5%) | 119 (97,5%) | 0,29 (0,10;0,79) 7 | 0,258 (0,09;0,70) | ||
Obesidade | 2 (4,8%) | 40 (95,2%) | ||||
Estatura materna (n= 409) | 0,01 | 4,9 (1,79;13,50) | 6,948 (2,34;20,6) | |||
< 150 cm | 22 (5,7%) | 361 (94,3%) | ||||
≥ 150 cm | 6 (23,1%) | 20 (76,9%) |
Legenda: IMC – índice de massa corporal; OR – odds ratio; IC – intervalo de confiança;
1OR calculado: idade > 35 anos vs, 25 – 35 years + < 20 years;
2OR calculado: > 37 semanas vs, 32 – 36 semanas + ≤ 31 semanas;
3OR calculado: < 1000 g + 1000 – 1500 g vs, 1500 – 2500 g;
4OR calculado: magreza vs eutrofia;
5OR calculado: sobrepeso + obesidade vs eutrofia;
6OR calculado: desnutrição vs, eutrofia;
7OR calculado sobrepeso + obesidade vs eutrofia;
8OR da análise multivariada (ajustado para condição nutricional materna).
Tabela 3 Fatores associados ao sobrepeso/obesidade em crianças com baixo peso ao nascer Embu das Artes, 2012/2013.
Variáveis | Obesidade(n= 47) | Sobrepeso (n = 67) | Eutrofia (n = 404) | Desnutrição (n= 26) | P | Odds ratio (95% IC)* | Odds ratio (95% IC) ajustado | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Gênero (n = 544) | 0,03 | 1,79 (1,17;2,72) | 1,77 (1,06;2,95)3 | |||||
Masculino | 28 (12,1%) | 33 (14,2%) | 158 (68,1%) | 13 (5,6%) | ||||
Idade materna (n= 544) | 0,77 | 0,90 (0,49;1,66) | ||||||
> 35 anos | 7 (9,3%) | 8 (10,7%) | 58 (77,3%) | 2 (2,7%) | ||||
20 – 35 anos | 29 (8,1%) | 42 (11,7%) | 268 (74,7%) | 20 (5,6%) | ||||
< 20 anos | 11 (10,0%) | 17 (15,5%) | 78 (70,9%) | 4 (3,6%) | ||||
Situação marital (n = 527) | 0,50 | 0,81 (0,53;1,25) | ||||||
Sem companheiro | 22 (8,2%) | 36 (13,4%) | 194 (72,4%) | 16 (6,0%) | ||||
Escolaridade mãe (n = 523) | 0,77 | 1,40 (0,74;2,65) | ||||||
< 4 anos | 6 (10,0%) | 9 (15,0%) | 42 (70,0%) | 3 (5,0%) | ||||
Filho anterior (n = 416) | 0,41 | 1,39 (0,83;2,33) | ||||||
Sim | 10 (8,5%) | 19 (16,2%) | 84 (71,8%) | 4 (3,4%) | ||||
Idade gestacional (n = 525) | 0,86 | 1,09 (0,69;1,73) | ||||||
> 37 semanas | 21 (7,5%) | 37 (13,2%) | 207 (73,7%) | 16 (5,7%) | ||||
32 – 36 semanas | 19 (9,3%) | 21 (10,3%) | 157 (77,0%) | 7 (3,4%) | ||||
≤ 31 semanas | 3 (7,7%) | 5 (12,8%) | 29 (75,4%) | 2 (5,1%) | ||||
Tipo de parto (n = 542) | 0,79 | 0,87 (0,57;1,33) | ||||||
Normal | 25 (8,4%) | 40 (13,4%) | 219 (73,2%) | 15 (5,0%) | ||||
Peso ao nascer (n = 544) | 0,66 | 0,80 (0,39;1,65) | ||||||
1500 a 2500 g | 44 (8,9%) | 59 (11,9%) | 372 (74,8%) | 22 (4,4%) | ||||
1000 a 1500 g | 3 (7,9%) | 7 (18,4%) | 25 (65,8%) | 3 (7,9%) | ||||
< 1000 g | 0 (0%) | 1 (11,1%) | 7 (77,8%) | 1 (11,1%) | ||||
ZEI (n = 544) | 0,15 | 0,52 (0,18;1,54) | ||||||
< −2 | 2 (5,9%) | 2 (5,9%) | 26 (76,5%) | 4 (11,7%) | ||||
Condição nutricional mãe (n = 396) | < 0,001 | |||||||
Desnutrição | 0 (0,0%) | 3 (11,5%) | 16 (61%) | 7 (27,0%) | 0,99 (0,27;3,61)1 | |||
Eutrofia | 16 (7,8%) | 16 (7,8%) | 170 (82,5%) | 4 (1,9%) | ||||
Sobrepeso | 16 (13,1%) | 22 (18,0%) | 80 (65,6%) | 4 (3,3%) | 2,31 (1,39;3,85)2 | 2,40 (1,44-4,01)3 | ||
Obesidade | 3 (7,1%) | 7 (16,7%) | 30 (71,4%) | 2 (4,8%) | ||||
Estatura materna (n = 409) | 0,13 | 0,32 (0,07;1,42) | ||||||
< 150 cm | 1 (3,8%) | 1 (3,8%) | 21 (80,8%) | 3 (11,5%) |
Legenda: IMC – índice de massa corporal; OR – odds ratio; IC – intervalo de confiança;
*OR calculado: sobrepeso + obesidade vs eutrofia;
1OR calculado para desnutrição materna;
2OR calculado sobrepeso e obesidade materna;
3OR da análise multivariada (ajustado para gênero e condição nutricional materna).
O presente estudo demonstrou elevado percentual de alterações da condição nutricional em idade precoce em escolares com BPN. Um quinto das crianças já apresenta excesso de peso e a frequência de baixa estatura foi quase o dobro da observada na mesma região16.
Existem poucos estudos avaliando a condição nutricional em longo prazo de crianças que nasceram com peso entre 1500g e 2500g. Esse é um grupo que merece atenção pela frequência, no Brasil são cerca de 150.000 recém-nascidos/ano nessa condição, e pelo recente conhecimento de que eles também têm maior risco de evoluir com alterações do crescimento, desenvolvimento e doenças crônicas não transmissíveis no futuro20.
Não há consenso sobre a trajetória e o momento ideal de aceleração para o crescimento dessas crianças, especialmente em países como o Brasil com elevado percentual de PIG. Em uma coorte prospectiva norte americana, com recém-nascidos a termo PIG acompanhados até os sete anos de idade, os autores observaram que aqueles sem catch-up apresentaram maior risco de infecções, restrição de crescimento e baixo coeficiente intelectual (QI). Por outro lado, crianças com catch-up excessivo, tiveram maior risco de sobrepeso/obesidade e pressão arterial elevada. Os piores achados para QI e estatura foram encontrados nas crianças que apresentaram crescimento lento ou regressão por volta de quatro meses de idade13.
Em uma coorte brasileira realizada com recém-nascidos com baixo peso e prematuros21, os autores observaram que aos 24 meses de idade corrigida, esses lactentes tiveram risco aumentado de evoluir com sobrepeso, principalmente quando as mães eram hipertensas e os recém-nascidos pequenos para idade gestacional. O estudo conclui que, em nosso meio, ser pequeno para idade gestacional e ter inadequado crescimento no primeiro ano de vida são fatores de risco para distúrbios no crescimento aos dois anos de idade corrigida. Em nossa pesquisa, embora não seja possível precisar a faixa etária do catch-up, observou-se uma aceleração no crescimento e no ganho ponderal precocemente, pois já aos cinco anos de idade, muitos escolares com BPN já apresentavam excesso de peso.
Dentre os fatores de risco para desenvolvimento de adiposidade futura destacam-se: o ambiente intrauterino, a velocidade de ganho de peso nos primeiros meses/anos de vida e a presença de sobrepeso/obesidade na infância22. Estudo de coorte americana com pré-escolares mostrou que o excesso de peso aos cinco anos aumentou em sete vezes a chance de sobrepeso/obesidade aos 14 anos de idade23.
Além disso, a obesidade nos pais se relaciona com maior risco de obesidade nos filhos e esse fato se dá por fatores genéticos, estilo de vida (alimentação inadequada e sedentarismo) e fatores intrauterinos, como por exemplo, o excesso de ganho de peso durante a gestação5. Com base nos achados deste estudo, aproximadamente 40% das mulheres apresentavam sobrepeso/obesidade no momento da avaliação e o sobrepeso/obesidade nas crianças com BPN associou-se de forma independente com o excesso de peso das mães. Dessa forma identificamos que crianças que tiveram BPN e têm mães obesas possuem uma somatória de fatores de risco para excesso de adiposidade e, possivelmente, para as morbidades a ela associadas. A vigilância cuidadosa da condição nutricional da mulher é uma estratégia central para o adequado crescimento da criança em curto e longo prazos14.
De forma consonante com o que tem sido descrito nos países em desenvolvimento7,8, este estudo demonstrou que a maioria das crianças com BPN nasceu a termo. Os principais fatores de risco para BPN em nosso meio são o baixo nível socioeconômico, baixa escolaridade, falta de acesso aos serviços de saúde, tabagismo e doenças maternas como a desnutrição, baixa estatura materna, anemia, hipertensão arterial sistêmica (HAS) e diabetes mellitus18. Com relação às variáveis maternas encontradas, como escolaridade, percentual de gestações na adolescência e média de filhos e condição nutricional, nossos resultados foram semelhantes aos observados em inquéritos populacionais brasileiros24,25.
Em recente publicação sobre evolução e prevalência do BPN na população brasileira entre 1996 e 2011, foram analisados mais de 11 milhões de nascimentos nas cinco regiões do país. Os autores observaram que as taxas de BPN mantiveram-se estáveis em torno de 8%. A melhoria na escolaridade materna e na qualidade do pré-natal (número de visitas) reduziu o risco de BPN, especialmente nas regiões Sul e Sudeste. Entretanto, esses fatores não foram suficientes para melhorar esse indicador em grupos mais vulneráveis25.
A frequência de baixa estatura em escolares com BPN (6,2%) foi mais elevada em comparação a um grupo de crianças com peso ao nascer adequado de mesma idade, município e condições socioeconômicas (3,2%)17. Essa diferença aponta para a influência do crescimento intrauterino no crescimento pós-natal. Stein et al.10, descreveu que adultos que foram prematuros e PIG apresentam, respectivamente 1,11 cm e 2,35 cm de altura a menos em comparação àqueles que nasceram a termo e com peso adequado; os autores também observaram associação positiva entre o peso e estatura aos 12 meses, 24 meses e na idade pré-escolar com a estatura na vida adulta.
Entre os fatores avaliados em nossa pesquisa, a baixa estatura nas crianças com BPN associou-se com a baixa estatura materna. Esse achado é semelhante a um estudo nacional que identificou a estatura materna como variável associada à estatura de crianças com oito anos de idade14.
Em uma coorte envolvendo cinco países, inclusive o Brasil, Addo et al (2013), analisaram a estatura materna e o crescimento da criança em quatro períodos da vida. Houve associação entre mulheres baixas (< 150.1cm) e maior chance dos filhos apresentarem baixa estatura aos dois anos de idade e na vida adulta25. A altura da mãe pode ser considerada como um indicador de fatores genéticos (determinando peso e estatura), assim como de fatores ambientais (tamanho do útero, nutrição pré-natal e dieta da criança) e é reconhecida como uma influência importante na estatura das crianças26,27.
Em nosso estudo não foram observadas diferenças quanto à frequência de baixa estatura e sobrepeso/obesidade nas diferentes faixas de peso de nascimento, de idade gestacional e entre PIG e AIG; esses resultados nos fazem considerar que mesmo as crianças menores ao nascer e/ou com menor idade gestacional, provavelmente apresentaram um catch-up mais acelerado de peso nos primeiros anos de vida e, portanto, podem estar mais susceptíveis às complicações metabólicas posteriores como relatado na literatura28.
Neste trabalho, os meninos com BPN tiveram duas vezes mais chance de apresentar sobrepeso/obesidade em comparação com as meninas. Nos últimos anos diversos estudos têm destacado as diferenças quanto ao sexo no crescimento intrauterino e, consequentemente, no risco de BPN e desfechos futuros a ele relacionados29,30. É descrito que o dismorfismo sexual influencia no metabolismo energético, na transferência de nutrientes pela placenta, bem como nas concentrações de leptina30,31.
Eriksson et al.32,33 demonstraram que meninos com BPN e obesidade na infância têm maior risco de desenvolver doenças cardiovasculares (DCV) na vida adulta, o que comprova um comportamento distinto entre os sexos durante a programação metabólica. Coorte conduzida por Huang et al.34 estudaram a interação entre o sexo, peso ao nascer, desenvolvimento de adiposidade e fatores de risco para DCV na adolescência. Os autores observaram que os meninos com BPN e ganho de peso acelerado a partir dos três anos de vida apresentavam mais fatores para DCV na adolescência. Da mesma forma, o presente estudo demonstrou maior chance para as crianças do sexo masculino com BPN apresentar sobrepeso/obesidade na infância e, consequentemente, as possíveis morbidades associadas e risco para DCV na vida adulta.
Algumas limitações devem ser consideradas neste estudo como o preenchimento incompleto das DNV; o número de crianças com BPN não localizadas; a não obtenção de dados sobre alimentação e atividade física atual e avaliação da evolução pondero-estatural.
Concluindo, o presente estudo identificou que, na idade pré-escolar e escolar, a maioria das crianças com BPN já fez recuperação da estatura e parcela significativa já apresenta sobrepeso/obesidade, que foi mais frequente no sexo masculino. Houve associação entre a condição nutricional das crianças e a materna atual. O acompanhamento de forma integral da criança com BPN possibilita identificar precocemente outros fatores de risco para alterações no crescimento, na condição nutricional e provável desenvolvimento de doenças crônicas na vida adulta e reforça um papel relevante no cuidado e atenção à saúde da criança.