versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.22 no.12 Rio de Janeiro dez. 2017
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320172212.20612015
A tuberculose representa um grave problema de saúde pública, sendo a segunda causa de morte por doenças infecciosas do mundo. Atualmente, um terço da população mundial está infectada pelo bacilo Mycobacterium tuberculosis, destes, 10% desenvolverão a doença, o que corresponde a aproximadamente 9 milhões de casos novos por ano1.
Um dos maiores desafios nos dias de hoje, para o controle da tuberculose no Brasil, são os casos de retratamento. Esse grupo, formado pelos casos de recidiva e reingressos, apresenta maior chance de desenvolver um desfecho desfavorável para a doença, como óbito, novo abandono e resistência às drogas de tratamento, representando uma ameaça adicional ao controle da tuberculose, implicando em tratamento mais oneroso e mais complicado2,3. No Brasil, 96% dos casos de resistência notificados são adquiridos, sendo que mais da metade tem um histórico de três ou mais tratamentos anteriores4.
De acordo com Hijar et al.5, no Brasil são notificados por ano cerca de 15 mil casos de retratamento por recidiva ou reingresso após abandono, o que somado aos casos novos corresponde a 9a causa de internações por doenças infecciosas, o 7° lugar em gastos com internação do Sistema Único de Saúde (SUS) por doenças infecciosas e a 4a causa de mortalidade por doenças infecciosas.
As recidivas são caracterizadas pela persistência de bacilos em pacientes considerados curados, podendo ocorrer por reinfecção (recidiva exógena) ou reativação (recidiva endógena). Em geral, as recidivas precoces estão associadas à reativação endógena, caracterizadas pela capacidade do bacilo de sobreviver mesmo na presença de concentrações bactericidas de quimioterápicos durante tratamentos conduzidos corretamente6,7. Os bacilos persistentes não são necessariamente resistentes às drogas, mas podem possuir metabolismo lento ou irregular. Ao encontrar condições favoráveis, que comprometem a destruição bacilar, como a baixa imunológica causada por situações como presença de aids, diabetes, alcoolismo, neoplasias, desnutrição e uso de corticóides, tornam-se metabolicamente ativos e voltam a se multiplicar, facilitando o desenvolvimento das recidivas6,8,9.
As recidivas mais tardias estão mais associadas à reinfecção exógena, principalmente em regiões onde a incidência é elevada e as condições sociais são precárias, o que expõe os indivíduos a novas infecções2,10,11. Ruffino-Netto7 sugere que testes diagnósticos atuais, como a reação em cadeia da polimerase (PCR) poderiam elucidar a natureza do processo (reinfecção ou reativação).
O reingresso após abandono é caracterizado pela volta do paciente ao tratamento após ter faltado por mais de trinta dias, a partir da data agendada para o seu retorno6. O abandono do tratamento tem sido apontado por diversos estudos como um grave problema que leva a manutenção da cadeia de transmissão do bacilo, uma vez que o paciente não tratado adequadamente continua como fonte de infecção, aumentando o risco de agravamento da doença, de mortalidade e favorecendo o desenvolvimento de bactérias resistentes aos fármacos, dificultando o controle da doença12.
De acordo com Ruffino-Neto7, poucos estudos investigam a questão do retratamento, o qual se apresenta como um indicador importante para monitoramento do Programa Nacional de Controle de Tuberculose (PNCT), pois permite identificar o desempenho do programa em relação ao resgate dos casos. Os retratamentos podem estar associados tanto a fatores organizacionais dos programas como a fatores individuais6. Conhecer os fatores associados ao retratamento constitui um subsídio ao aprimoramento das estratégias de controle, direcionando o tratamento e o acompanhamento, visando reduzir os desfechos desfavoráveis. Diante disto, este estudo tem o objetivo de investigar os fatores associados aos casos de retratamento por recidiva e por reingresso após abandono.
Trata-se de um estudo transversal tipo analítico dos casos de tuberculose notificados nos municípios prioritários para o controle da tuberculose no estado do Maranhão, no período de 2005 a 2010.
O Estado do Maranhão localiza-se na região Nordeste do Brasil, apresenta uma área de 333.935, 507 Km2 e população de 6.574.789 habitantes13. Possui 217 municípios, sendo oito considerados prioritários para o controle de tuberculose (Açailândia, Caxias, Codó, Imperatriz, Paço do Lumiar, São José de Ribamar, São Luís e Timon), por apresentarem mais de cem mil habitantes e incidência elevada de tuberculose (média de 36,4/100.000 habitantes em 2011).
A população foi constituída por todos os casos de tuberculose notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) nos municípios prioritários do Estado do Maranhão, no período de primeiro de janeiro de 2005 a 31 de dezembro de 2010.
Foram considerados critérios de inclusão: casos novos e casos de retratamento (recidiva e reingresso) de tuberculose pulmonar e extrapulmonar; e como critério de não inclusão: tipo de entrada por transferência e mudança de diagnóstico.
Considerou-se caso novo aquele com tuberculose que nunca se submeteu à quimioterapia antituberculosa ou fez uso de tuberculostáticos por menos de 30 dias; e de retratamento os casos de recidiva (doença ativa após ter feito tratamento anterior e tiver tido alta por cura) e os casos de reingresso (retorno ao tratamento após abandono por mais de sessenta dias, a partir da última consulta).
As informações foram coletadas no banco de dados do Sistema de Informações sobre Agravos de Notificação (SINAN) da Secretaria de Estado de Saúde do Maranhão, salvas no aplicativo Tabwin versão 3.5 e exportadas para o Excel (Microsoft Corp., Estados Unidos). Em seguida, foram excluídas todas as variáveis que pudessem identificar os indivíduos, resguardando-se a confidencialidade dos dados de identificação de cada caso, bem como retiradas as inconsistências (informações imprecisas), incompletudes (informações incompletas) e duplicidades (dois ou mais registros para o mesmo caso).
Considerou-se como variável dependente ou resposta o retratamento (recidiva e reingresso).
As variáveis independentes selecionadas foram: sexo (masculino e feminino), idade (≤ 19, 20 a 39, 40 a 59, ≥ 60 anos), raça/cor (branca e não branca), escolaridade em anos de estudo (8 e ≥ 8), zona de moradia (rural e urbana), forma clínica (pulmonar e extrapulmonar), ter aids (sim e não), alcoolismo (sim e não), diabetes (sim e não), doença mental (sim e não) e tipo de encerramento (cura, abandono, óbito e tuberculose drogarresistente-TBDR).
As análises estatísticas foram realizadas no programa STATA, na versão 11.0 (Stata Corp., College Station, USA). Para identificar os fatores associados ao retratamento (recidiva e reingresso) foi utilizado o modelo de regressão logística simples. As variáveis cujo valor de p ≤ 0,20 foram incluídas no modelo de regressão logística múltipla, para ajustar possíveis vieses. A seleção das variáveis foi realizada pelo método passo a passo (stepwise) com eliminação retrógrada de variáveis. As variáveis com valor de p ≤ 0,05 permaneceram no modelo final. Foram estimados os odds ratios (OR) e seus respectivos intervalos de 95% de confiança (IC 95%). As categorias de referência atribuíram-se OR de 1.
O estudo foi apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (HUUFMA), atendendo aos requisitos exigidos pela Resolução 196/96 e 466/12, do Conselho Nacional de Saúde.
Entre janeiro de 2005 a dezembro de 2010, o total de casos de tuberculose no Estado do Maranhão foi 2.277, destes, 1991 (87,4%) eram casos novos, 138 (6,1%) eram recidivas e 148 (6,5%) reingresso após abandono.
Na análise não ajustada, observou-se que as faixa etárias entre 40 e 59 anos (p = 0,007) e ≥60 anos (p = 0,058), ter tuberculose pulmonar (p = 0,012) e ter aids (p = 0,035) apresentaram-se associadas significativamente a recidiva da doença (Tabela 1).
Variáveis | Caso novo (N = 1991) n (%) |
Recidiva (N = 138) n (%) |
OR (IC 95%) | p | |
---|---|---|---|---|---|
Sexo | |||||
Feminino | 704 (92,9) | 54 (7,1) | 1 | ||
Masculino | 1287 (93,9) | 84 (6,1) | 0,85 (0,60 – 1,21) | 0.371 | |
Idade | |||||
< 19 anos | 212 (97,3) | 6 (2,7) | 1 | ||
20 a 39 anos | 792 (93,9) | 51 (6,1) | 2,27 (0,96 – 5,37) | 0,061 | |
40 a 59 anos | 588 (91,6) | 54 (8,4) | 3,24 (1,37 – 7,65) | 0,007 | |
≥ 60 anos | 399 (93,7) | 27 (6,3) | 2,39 (0,97 – 5,88) | 0,058 | |
Raça | |||||
Branco | 321 (94,7) | 18 (5,3) | 1 | ||
Não branco | 1670 (93,3) | 120 (6,7) | 1,28 (0,77 – 2,13) | 0,340 | |
Escolaridade | |||||
> 8 anos | 296 (92,5) | 24 (7,5) | 1 | ||
≤ 8 anos | 1695 (93,7) | 114 (6,3) | 0,83 (0,52 – 1,31) | 0,423 | |
Zona | |||||
Rural | 428 (94,1) | 27 (5,9) | 1 | ||
Urbana | 1563 (93,4) | 111 (6,6) | 1,12 (0,73 – 1,73) | 0,593 | |
Forma clínica | |||||
Extrapulmonar | 232 (97,5) | 6 (2,5) | 1 | ||
Pulmonar | 1759 (93,0) | 132 (7,0) | 2,9 (1,26 – 6,65) | 0,012 | |
Aids | |||||
Não | 1834 (93,9) | 120 (6,1) | 1 | ||
Sim | 157 (89,7) | 18 (10,3) | 1,75 (1,04 – 2,95) | 0,035 | |
Alcoolismo | |||||
Não | 1828 (93,7) | 123 (6,3) | 1 | ||
Sim | 163 (91,6) | 15 (8,4) | 1,37 (0,78 – 2,39) | 0,273 | |
Diabetes | |||||
Não | 1842 (93,5) | 128 (6,5) | 1 | ||
Sim | 149 (93,7) | 10 (6,3) | 0,96 (0,49 – 1,88) | 0,918 | |
Doença mental | |||||
Não | 1921 (93,6) | 132 (6,4) | 1 | ||
Sim | 70 (92,1) | 6 (7,9) | 1,25 (0,53 – 2,92) | 0,611 | |
Encerramento | |||||
Cura | 1451 (93,5) | 100 (6,4) | 1 | ||
Abandono | 234 (93,6) | 16 (6,4) | 0,99 (0,57 – 1,71) | 0,977 | |
Óbito | 293 (93,3) | 21 (6,7) | 1,04 (0,63 – 1,67) | 0,875 | |
TBDR | 13 (92,9) | 1 (7,1) | 1,11 (0,14 – 8,61) | 0,916 |
Os fatores associados foram identificados pelo modelo de regressão logística. Razão de Chances (OR). Intervalo de Confiança (IC). Tuberculose Drogarresistente (TBDR).
As variáveis que apresentaram associação significante ao reingresso foram: o sexo masculino (p < 0,001), ter entre 20 e 39 anos (p = 0,07), ter menos de oito anos de estudo (p = 0,015), ter tuberculose pulmonar (p = 0,013), ser dependente de álcool (p < 0,001), não ter realizado o tratamento supervisionado (p < 0,001) e ter encerramento por abandono (p < 0,001 (Tabela 2).
Variáveis | Caso novo (N = 1991) n (%) |
Reingresso (N = 148) n (%) |
OR (IC 95%) | p | |
---|---|---|---|---|---|
Sexo | |||||
Feminino | 704 (95,5) | 33 (4,5) | 1 | ||
Masculino | 1287 (91,8) | 115 (8,2) | 1,90 (1,28–2,40) | < 0,001 | |
Idade | |||||
< 19 anos | 212 (95,9) | 9 (4,1) | 1 | ||
20 a 39 anos | 792 (90,0) | 88 (10,0) | 2,62 (1,30 – 5,28) | 0,007 | |
40 a 59 anos | 588 (94,7) | 33 (5,3) | 1,32 (0,62 – 2,80) | 0,468 | |
≥ 60 anos | 399 (95,7) | 18 (4,3) | 1,06 (0,47 – 2,40) | 0,884 | |
Raça | |||||
Branco | 321 (95,3) | 16 (4,7) | 1 | ||
Não branco | 1670 (92,7) | 132 (7,3) | 1,58 (0,93 – 2,70) | 0,090 | |
Escolaridade | |||||
> 8 anos | 296 (96,4) | 11 (3,6) | 1 | ||
≤ 8 anos | 1695 (92,5) | 137 (7,5) | 2,17 (1,16 – 4,06) | 0,015 | |
Zona | |||||
Rural | 428 (92,8) | 33 (7,2) | 1 | ||
Urbana | 1563 (93,2) | 115 (6,8) | 0,95 (0,64 – 1,42) | 0,819 | |
Forma clínica | |||||
Extrapulmonar | 232 (97,1) | 7 (2,9) | 1 | ||
Pulmonar | 1759 (92,6) | 141 (7,4) | 2,65 (1,22 – 5,74) | 0,013 | |
Aids | |||||
Não | 1834 (92,9) | 140 (7,1) | 1 | ||
Sim | 157 (95,1) | 8 (4,9) | 0,67 (0,32 – 1,40) | 0,278 | |
Alcoolismo | |||||
Não | 1828 (93,9) | 118 (6,1) | 1 | ||
Sim | 163 (84,5) | 30 (15,5) | 2,85 (1,85 – 4,40) | < 0,001 | |
Diabetes | |||||
Não | 1842 (92,8) | 142 (7,2) | 1 | ||
Sim | 149 (96,1) | 6 (3,9) | 0,52 (0,23 – 1,20) | 0,127 | |
Doença mental | |||||
Não | 1921 (93,2) | 141 (6,8) | 1 | ||
Sim | 70 (90,9) | 7 (9,1) | 1,36 (0,61 – 3,02) | 0,446 | |
Encerramento | |||||
Cura | 1451 (95,9) | 62 (4,1) | 1 | ||
Abandono | 234 (76,5) | 72 (23,5) | 7,20 (5,00 – 10,39) | < 0,001 | |
Óbito | 293 (95,7) | 13 (4,3) | 1,04 (0,56 – 1,91) | 0,904 | |
TBDR | 13 (92,9) | 1 (7,1) | 1,80 (0,23 – 14,00) | 0,754 |
Os fatores associados foram identificados pelo modelo de regressão logística. Razão de Chances (OR). Intervalo de Confiança (IC). Tuberculose Drogarresistente (TBDR).
Após o ajuste do modelo permaneceram como fatores associados para recidiva ter idade entre 40 e 59 anos (OR = 1,49, IC95% = 1,04-2,13; p = 0,029) e ter tuberculose pulmonar (OR = 2,79, IC95% = 1,21-6,43; p = 0,016). Para o reingresso permaneceu como fator associado o sexo masculino (OR = 1,53, IC95% = 1,01-2,33; p = 0,046), ter idade entre 20 e 39 anos (OR = 1,65, IC95% = 1,47-2,38; p = 0,007), ter menos de oito anos de estudo (OR = 2,01, IC95% = 1,04-3,89; p = 0,037), ser dependente de álcool (OR = 1,66, IC95% = 1,03-2,67; p = 0,037) e ter encerramento por abandono (OR = 5,96, IC 95% = 4,13-8,60; p < 0,001) (Tabela 3).
Variáveis | Retratamento | ||||
---|---|---|---|---|---|
Recidiva OR (IC 95%) |
p | Reingresso OR (IC 95%) |
p | ||
Sexo | |||||
Feminino | 1 | 1 | |||
Masculino | 0,74 (0,52 – 1,08) | 1,22 | 1,53 (1,01 – 2,33) | 0,046 | |
Idade | |||||
< 19 anos | 1 | 1 | |||
20 a 39 anos | 1,70 (0,71 – 4,07) | 0,228 | 1,65 (1,47 – 2,38) | 0,007 | |
40 a 59 anos | 1,49 (1,04 – 2,13) | 0,029 | 0,94 (0,42 – 2,10) | 0,887 | |
≥ 60 anos | 1,99 (0,80 – 5,00) | 0,139 | 1,08 (0,46 – 2,55) | 0,855 | |
Escolaridade | |||||
> 8 anos | 1 | 1 | |||
≤ 8 anos | 0,82 (0,52 – 1,31) | 0,423 | 2,01 (1,04 – 3,89) | 0.037 | |
Forma clínica | |||||
Extrapulmonar | 1 | 1 | |||
Pulmonar | 2,79 (1,21 – 6,43) | 0,016 | 2,05 (0,92 – 4,60) | 0,079 | |
Alcoolismo | |||||
Não | 1 | 1 | |||
Sim | 1,25 (0,70 – 2,23) | 0,449 | 1,66 (1,03 – 2,67) | 0,037 | |
Encerramento | |||||
Cura | 1 | 1 | |||
Abandono | 0,92 (0,52 – 1,61) | 0,779 | 5,96 (4,13 – 8,60) | < 0,001 | |
Óbito | 1,03 (0,63 – 1,69) | 0,906 | 1,15 (0,62 – 2,15) | 0,645 | |
TBDR | 1,33(0,17 – 10,67) | 0,787 | 2,54 (0,31 – 20,61) | 0,384 |
Os fatores associados foram identificados pelo modelo de regressão logística. Razão de Chances (OR). Intervalo de Confiança (IC). Tuberculose Drogarresistente (TBDR).
Os resultados do presente estudo apresentaram uma prevalência de recidiva a doença de 6,1% e de reingresso ao tratamento de 6,5%, considerada relativamente baixa quando estudada separadamente. Por outro lado, o retratamento (recidiva e reingresso) perfaz um percentual de 12,6%, superior aos 10,0% estimado pelo Ministério da Saúde7,14, porém próximo aos 13,9% registrados por Diniz et al.15, em oito municípios de capitais brasileiras, e inferior aos 17,8% do estudo de Vieira e Leitão16, realizado em Fortaleza.
Convém ressaltar que por se tratar de um estudo transversal, optou-se pelo uso da razão de chances (OR), devido à prevalência dos casos de recidiva à doença e reingresso ao tratamento serem inferior a 10%, uma vez que a OR tende a superestimar as associações e a produzir falsos positivos quando a prevalência do evento for alta (usualmente acima de 10%).
As prevalências de recidivas e dos reingressos ao tratamento encontradas no presente estudo apresentaram divergências aos achados na literatura. As recidivas foram superiores aos 4,3% encontrados por Picon et al.17 no Rio Grande do Sul, e inferiores aos 7,8% registrados por Yamagishi e Toyota18, no Japão. Da mesma forma, os reingressos foram inferiores aos 9,9% registrados por Barbosa e Costa19, na cidade de Natal, mas superior aos 3,6% descritos por Furlan et al.20, no estado do Paraná. Alguns estudos têm apresentado as frequências de reingresso inferiores as de abandono21,22. Esta diferença, talvez possa ser explicada pelo fato de alguns casos de abandono, quando retornam ao serviço, sejam notificados como caso novo e não como reingresso.
As recidivas apresentaram-se associadas em adultos maiores de 40 anos, semelhantes aos achados de Oliveira e Moreira Filho6, porém diferentes dos achados de Picon et al.17, que não encontraram associação com a idade. Essa associação da recidiva com idade pode ser explicada como decorrente da diminuição da imunidade, doenças concomitantes e desnutrição.
A relação entre o reingresso após abandono e o adulto jovem é reflexo da menor adesão ao tratamento e maior percentual de abandono nessa faixa etária23,24. Esse comportamento é explicado pela melhor percepção da gravidade da doença pelos pacientes mais idosos, enquanto os mais jovens não apresentam o mesmo estímulo, além de apresentarem hábitos de vida que dificultam cumprir o tratamento especialmente após a melhora clínica6,25.
A forma clínica pulmonar apresentou associação com os casos de recidiva, concordando com o estudo de Oliveira e Moreira Filho6 e de El Sahly et al.2. Esse achado pode ser justificado pelo fato da tuberculose ser a forma mais frequente, de fácil diagnóstico e a principal fonte de transmissão.
Quanto ao sexo masculino, observou-se associação com o reingresso após abandono, provavelmente porque a frequência de abandono é significativamente maior no sexo masculino26,27, o que pode estar relacionado aos hábitos de vida e a possibilidade das mulheres serem mais resistentes e por terem maior cuidado com a saúde do que os homens28.
Outra variável que apresentou associação com os casos de reingresso após abandono foi a baixa escolaridade, sendo esta considerada um reflexo de todo um conjunto de condições socioeconômicas precárias, que aumentam a vulnerabilidade à tuberculose e são responsáveis pela maior incidência da enfermidade e pela menor adesão ao tratamento29,30.
O alcoolismo apresentou-se associado ao reingresso ao tratamento, o que além de afetar o sistema imunológico contribui de forma significativa para o abandono de tratamento e tem se mostrado como fator preditor para a irregularidade da quimioterapia17, o que explica o maior percentual de alcoolismo entre os reingressantes25,26,31–33.
Embora a aids não tenha apresentado a associação, após o ajuste, com os casos de retratamento por recidiva deste estudo, é importante destacar que a literatura tem evidenciado fortemente essa relação9,17,34, o que pode ser explicado pela imunodeficiência, a qual facilita a reinfecção exógena e a ativação endógena2,9,35,36, além dos esquemas de tratamento tanto da aids quanto da tuberculose apresentarem efeitos colaterais adversos, o que contribui para o abandono e consequentemente com os reingressos37.
Os casos de reingresso apresentaram quase seis vezes mais chance de abandonar, novamente, o tratamento. Concordando com os achados de Dooley et al.38, Ferreira et al.26 e Silva et al.39. Várias razões têm sido atribuídas a essa situação de não adesão ao tratamento, as quais envolvem barreiras sociais, culturais, demográficas e estruturais dos programas de saúde25,40,41. Esses casos devem ser tratados como grupo prioritário, na tentativa de evitar o agravamento e o desenvolvimento de bactérias resistentes, necessitando, portanto, de monitoramento sistemático ao longo do tratamento.
Uma das grandes dificuldades encontradas neste estudo foi o uso de fontes secundárias, os quais apresentaram um grande número de variáveis sem informação ou com preenchimento incompleto, o que pode ter prejudicado algumas análises. Porém o estudo apresenta relevância, pois permite conhecer fatores associados a um dos problemas apontados pela literatura como dificuldades para o controle da tuberculose. Contribuindo, assim, com informações que podem ser usadas para o planejamento de estratégias de controle da tuberculose no Estado do Maranhão.
Conclui-se que as chances de recidiva foram maiores em adultos com tuberculose pulmonar e os reingressos em adultos jovens, do sexo masculino, baixa escolaridade, dependentes de álcool e com maior chance de abandonar, novamente, o tratamento. Dessa forma, um acompanhamento sistemático dos casos de tuberculose pós-alta além de investimentos em educação e saúde, podem contribuir para prevenção e controle dos casos. Vale ressaltar que, neste contexto, a estruturação dos programas para atender essa demanda e a capacitação dos agentes comunitários, que servem de ponte entre os serviços de saúde e a comunidade, são pontos importantes com capacidade de contribuir para um melhor controle da tuberculose.