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Fatores associados ao risco de isquemia subendocárdica em pacientes em hemodiálise

Fatores associados ao risco de isquemia subendocárdica em pacientes em hemodiálise

Autores:

Bruno Caldin da Silva,
Adriano Sanjuan,
Valéria Costa-Hong,
Luciene dos Reis,
Fabiana Graciolli,
Fernanda Consolim-Colombo,
Luiz Aparecido Bortolotto,
Rosa Maria Affonso Moyses,
Rosilene Motta Elias

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Nephrology

versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239

J. Bras. Nefrol. vol.38 no.3 São Paulo jul./set. 2016

http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20160049

Introdução

Óbito secundário a doença cardiovascular (CV) ocorre de forma proporcionalmente mais elevada na doença renal terminal (DRT).1 Além da doença subjacente, este excesso de mortalidade também pode ser atribuído a distúrbios do metabolismo ósseo e mineral (DMO),2 uma progressão mais rápida da aterosclerose,3 e a calcificação vascular é uma consequência do metabolismo ósseo alterado nessa população.4 A avaliação vascular estrutural e funcional não-invasiva tem sido utilizada como marcador substituto da doença CV, uma vez que pode detectar sinais precoces de aterosclerose. Uma ferramenta útil para avaliar tais alterações vasculares é a razão de viabilidade subendocárdica (SEVR), que já tem sido associada a eventos cardiovasculares e detecção precoce individual de risco CV.5

Mesmo que a SEVR tenha sido estudada na população em geral, muitos poucos estudos têm abordado a avaliação SEVR em pacientes com doença renal. No presente estudo, foi investigada a associação entre marcadores SEVR e DMO em uma coorte de pacientes em hemodiálise.

Métodos

População do estudo

Este foi um estudo observacional transversal que incluiu 27 pacientes prevalentes em hemodiálise de manutenção (HD) durante pelo menos 12 meses, idade > 18 e < 70 anos, que concordaram em submeterem-se a uma avaliação vascular não-invasiva. Os pacientes vieram da unidade de HD do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, Brasil. Os critérios de exclusão foram: presença de fístula arteriovenosa bilateral para hemodiálise, diabetes mellitus, hipertensão resistente, doenças vasculares periféricas e recusa em fornecer o seu consentimento por escrito. As variáveis demográficas, incluindo história de doença coronária, insuficiência cardíaca e acidente vascular cerebral foram registradas.

Análise laboratorial

Os parâmetros bioquímicos e hematológicos séricos foram medidos a partir do sangue venoso antes da sessão de HD do meio de semana. Os níveis séricos de colesterol, triglicérides, ureia, ácido úrico, fosfato sérico (P), cálcio sérico (Ca), fosfatase alcalina (AP) e β2-microglobulina foram determinados utilizando-se técnicas laboratoriais de rotina. O PTH sérico (RR: 10-65 pg/ml) foi medido utilizando-se um ensaio de quimioluminescência (DPC; Medlab, San Antonio, TX, EUA). A vitamina D - 25 (OH) (RR: 30-100 ng/dl) foi medida utilizando-se um radioimunoensaio (DiaSorin, Stillwater, MN, EUA). O fator sérico de crescimento terminal-C 23 de fibroblastos (FGF23) foi medido utilizando-se o método ELISA (cterm FGF23, RR = 55 ± 50 RU/ml; Immutopics, CA, USA).

O hiperparatiroidismo secundário grave (HPTS) foi definido como um PTH ≥ 500 pg/ml, confirmado por, pelo menos, duas medições com um intervalo de 3 meses ou história de paratiroidectomia anterior (PTX). A duração do HPTS grave foi calculada a partir do dia de PTH ≥ 500 pg/ml até o dia da PTX ou final do estudo.

Ecocardiografia

Como parte do atendimento clínico de rotina na unidade de HD, o ecocardiograma transtorácico é realizado anualmente em todos os pacientes. As variáveis obtidas a partir dessa avaliação anual de rotina foram: fração de ejeção do ventrículo (FE), índice de massa ventricular esquerda (IMVE), espessura da parede posterior e septo.

Medidas hemodinâmicas da artéria braquial

Vasodilatação dependente e independente do endotélio

No braço oposto ao da fístula arteriovenosa para diálise, a dilatação fluxo-mediada (DFM) - que avalia a vasodilatação endotélio-dependente - e a resposta do músculo liso vascular a vasodilatadores à base de trinitrato, ou dilatação dependente de nitrato (DDN), foram avaliadas após um período de intervalo interdialítico de dois dias em todos os pacientes. A artéria braquial foi abordada acima da fossa antecubital. O diâmetro da artéria foi avaliado por meio de ultrassom (Sequoia Echocardiography System, versão 6.0, Acuson, Siemens, CA, EUA) equipado com um transdutor linear de multifrequência (7-12 MHz) e acoplado a um computador especificamente programado para registrar e analisar este tipo de informação.

Análise da onda de pulso (AOP)

A análise da onda de pulso foi realizada por meio do sistema Sphygmocor (AtCor Medical, New South Wales, Austrália). Este programa fornece os seguintes índices, como mostrado na Figura 1:

  1. índice de aumento, ajustado para uma frequência cardíaca de 75 batimentos por minuto (AIX @ 75): a onda de pressão de pulso (PP) é composta da onda contínua (da sístole ventricular esquerda), acrescida da onda refletida (do leito vascular periférico). Pressão de aumento (AP) é a quantidade de aumento na pressão aórtica, secundário a esta reflexão. AIX @ 75 é um índice do aumento na PP (AP/PP), a uma frequência cardíaca normal de 75 batimentos por minuto.

  2. índice de duração de ejecção - (EDI). Refere-se à percentagem de duração do tempo da sístole em relação à duração do ciclo cardíaco total (ED/CD).

  3. razão da viabilidade subendocárdica (Índice Buckberg ou SEVR). Como mostrado na Figura 1, a onda central de pulso aórtica permite estimar a área sob a curva de ambas as fases sistólica e diastólica do ciclo cardíaco, ou índice de tempo sistólico (SPTI) e diastólico (DPTI). Como suprimento de- e demanda por- oxigênio do miocárdio que ocorrem durante a diástole e a sístole, respectivamente, a relação DPTI/SPTI reflete a propensão à isquemia do tecido subendocárdico.

Figura 1 Índices cardiovasculares obtidos a partir da análise da onda de pulso. 

O estudo foi aprovado pelos Conselhos de Ética em Pesquisa da Universidade de São Paulo (# 235,350) e todos os indivíduos forneceram consentimento por escrito antes da participação.

Analise estatística

Os dados são apresentados como média DP ou mediana (percentis 25,75) de acordo com a distribuição normal ou anormal, respectivamente. Os dados categóricos são apresentados como N e porcentagem. A comparação entre pacientes com e sem HPTS grave foi realizada pelo teste t de amostras independentes, Kruskal-Wallis, Pearson Chi Square ou teste exato de Fisher quando apropriado. As relações multivariadas entre a SERV e as variáveis independentes por regressão linear incremental, apresentaram p < 0,05 para entrar e p > 0,1 para sair.

As variáveis colineares foram excluídas do modelo de regressão múltipla. Como estávamos limitados por causa do pequeno tamanho da amostra, um baixo número de eventos por variável pode deixar nosso estudo propenso a exageros. Por esta razão, nós identificamos fatores de risco altamente correlacionados e, posteriormente, modelamos o melhor subconjunto de variáveis em uma análise multivariada de forma incremental. As análises estatísticas foram realizadas com o sistema SPSS 21.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA) e com o GraphPad Prism 6 (CA, EUA). Um valor bilateral de p inferior a 0,05 foi considerado significativo.

Resultados

Nós avaliamos consecutivamente 27 pacientes entre fevereiro a agosto de 2014, cujas características estão apresentadas na Tabela 1. Em geral, os pacientes eram relativamente mais jovens do que a população global em DRT, descrita. Todos os pacientes estavam recebendo as doses recomendadas de diálise, como verificado por-pool único Kt/V. A maioria dos pacientes (78%) apresentou índice de massa ventricular esquerda (IMVE) acima da faixa da normalidade, considerando > 88 g/m2 para mulheres e > 102 g/m2 para homens.6 Devido a dificuldades técnicas na realização da avaliação da onda de pulso (AOP), apenas 21 pacientes foram submetidos a essa avaliação vascular específica.

Tabela 1 Características dos pacientes de acordo com a presença de hiperparatiroidismo secundário (HPTS) grave 

Variável Todo o grupo n = 27 Sem HPTS grave n = 11 Com HPTS grave n = 16 p
Idade, anos 47 ± 13 45 ± 11 50 ± 16 0,354
Masculino n (%) 12 (44) 4 (36) 8 (50) 0,484
Diálise convencional, meses 95 (21.181) 21 (13. 85) 157 (73. 189) 0,009
História de DCV, % 14 18 6 0,332
% Fístula arteriovenosa 15 (55) 7 (73) 8 (50) 0,027
PA sistólica, mmHg 116 ± 20 123 ± 21 110 ± 17 0,096
PA diastólica, mmHg 74 ± 10 76 ± 8 72 ± 11 0,325
Uso de iECA/BRA, % 18,5 27,3 12,5 0,332
Uso Beta bloqueador, % 22,2 36,3 12,5 0,143
Fração de ejeção, % 65,1 ± 6,7 64,1 ± 7,9 65,9 ± 6,0 0,558
Espessura do septo, cm 1,1 ± 0,2 1,1 ± 0,2 1,2 ± 0,2 0,286
PP, espessura, cm 1,1 ± 0,2 1,0 ± 0,2 1,0 ± 0,2 0,435
IMVE, g/m2 120,4 ± 38,5 120,3 ± 31,6 120,5 ± 44,4 0,991
Hemoglobina, g/dl 11,8 ± 1,1 11,6 ± 1,0 11,9 ± 1,2 0,552
25 Vitamina D, ng/ml 28,3 ± 15,8 30,9 ± 15,6 25,8 ± 16,3 0,455
Uréia, mg/dl 152,3 ± 29,2 154,2 ± 25,7 150,9 ± 32,1 0,783
Ácido úrico, mg/dl 7,6 ± 1,3 7,1 ± 1,4 8,0 ± 1,2 0,111
ß2 microglobulina, µg/ml 29,7 ± 12,2 25,9 ± 13,6 33,4 ± 9,9 0,157
Colesterol, mg/dl 160 ± 43 149 ± 37 167 ± 46 0,276
Triglicérides, mg/dl 168 ± 102 138 ± 87 190 ± 110 0,202
Uso de estatina, % 44,4 54,5 37,5 0,381
Cálcio sérico, mg/dl 9,0 ± 0,8 8,8 ± 0,5 9,2 ± 1,0 0,296
Fosfato Sérico, mg/dl 5,4 ± 1,4 5,1 ± 1,6 5,6 ± 1,3 0,393
FA, U/l 82 (52.116) 97 (60. 126) 78 (52. 93) 0,121
PTH, pg/ml 190 (42. 449) 349 (190. 450) 85 (21. 402) 0,050
FGF23, pg/ml 3809 (1911. 14445) 1706 (499. 5327) 4932 (3150. 17519) 0,069
DMF 4,5 ± 5,0 6,1 ± 6,3 3,3 ± 3,6 0,169
DDN 14,1 ± 8,4 15,2 ± 8,4 13,4 ± 8,6 0,598
RVSE, % 145,9 ± 24,8 162,0 ± 21,6 131,3 ± 17,8 0,002
ALI@75 23,2 ± 13,2 25,7 ± 12,7 21,2 ± 13,9 0,466
IDE, segundos 38,0 ± 4,5 35,0 ± 3,5 40,7 ± 3,5 0,001
Kt/V padrão 2,4 ± 0,3 2,4 ± 0,2 2,5 ± 0,4 0,567

DCV: doença cardiovascular; PA: pressão arterial; iECA: inibidores da enzima conversora de angiotensina; BRA: bloqueadores de receptores de angiotensina; PP: parede posterior; IMVE: índice de massa ventricular esquerda; FA: fosfatase alcalina; PTH: paratormônio; FGF23: fator de crescimento de fibroblastos 23; DMF: Dilatação Mediada por Fluxo; DDN: Dilatação Dependente de Nitrato; RVSE: razão de viabilidade subendocárdica; ALI@75: índice de aumento ajustado para frequência cardíaca; IDE: índice de duração da ejeção. Valores expressos como média ± DP ou mediana (25, 75) como apropriado. Valores de P são para comparação entre com e sem hiperparatiroidismo secundário.

A população foi subdividida de acordo com a presença de HPTS grave. Como esperado, os pacientes com HPTS grave tinham mais tempo de diálise e tiveram menor percentual de fístula arteriovenosa. O SEVR foi menor e o EDI foi maior em pacientes com HPTS grave, indicando maior risco de isquemia e sístole mecânica prolongada, respectivamente. Nenhum outro parâmetro bioquímico, demográfico e o ecocardiograma foi diferente entre os dois grupos, exceto para os níveis de PTH. Nove (43%) pacientes foram submetidos a PTX devido à má resposta ao tratamento clínico disponível.

A FMD foi negativamente correlacionada com a Fração de Ejeção (r = -0,526, p = 0,017), espessura do septo (r = -0,770, p = 0,001), espessura de parede posterior (r = -0,720, p = 0,002), IMVE (r = -0,507, p = 0,045), e os níveis de cálcio sérico (r = -0,590, p = 0,027). Não houve correlação entre o NDD e qualquer das variáveis testadas.

A SEVR foi correlacionada à pressão sanguínea diastólica (r = 0,435, p = 0,049) e à vitamina D 25-OH sérica (r = 0,479, p = 0,028), e uma tendência marginal significativa com a idade (p = 0,090) e o colesterol sérico (p = 0,068). Pela análise incremental multivariada para avaliar fatores que contribuíram para diminuir os índices SEVR, gênero feminino, nível mais baixo de vitamina D-25, e maior tempo de duração da HPTS grave, foram independentemente associados a SEVR e, juntos, explicaram 54,5% de sua variabilidade (Tabela 2). A inclusão da presença de uma fístula arteriovenosa no modelo não alterou os resultados anteriores.

Tabela 2 Análise incremental de regressão múltipla entre a razão de viabilidade subendocárdica e variáveis independentes 

Variável Coeficiente Beta Coeficiente de correlação parcial p
Tempo de duração do HPTS grave -0,613 -0,688 0,001
Gênero 0,436 0,563 0,012
25 Vitamina-D 0,322 0,456 0,050

Modelo total: r: 0,783, r2 ajustado: 0,545, p: 0,001. Outras variáveis do modelo: idade, colesterol, pressão arterial sistólica e pressão arterial diastólica.

A fim de melhor avaliar fatores associados à pior SEVR, a população foi subdividida de acordo com a SEVR acima ou abaixo da mediana (141%), como mostrado na Tabela 3. No que diz respeito a marcadores do metabolismo mineral, (Ca, P, Vitamina D - 25 (OH), AP, PTH e FGF23), não foram encontradas diferenças entre os grupos. A proporção de pacientes que tomaram sevelamer foi de 50% em ambos os grupos. Nesta coorte, muitos pacientes apresentavam hiperparatireoidismo secundário grave (HPTS) sem resposta ao tratamento clínico disponível, e PTX foi necessária em 9 deles, o que correspondeu a 43% da coorte. Sete destes 9 pacientes estavam em SEVR ≤ 141% vs. 2 pacientes do outro grupo (p = 0,004).

Tabela 3 Características dos pacientes quando a razão de viabilidade subendocárdica está acima ou abaixo da mediana (141%) 

Variável Todas n = 21 RVSE ≤ 141% n = 11 RVSE > 141% n = 10 p
Idade, anos 45,9 ± 14,3 42 ± 10 50 ± 17 0,261
% homens 44,4 36,4 50 0,670
Diálise convencional, meses 95 (21,181) 168 (51, 191) 41 (18, 156) 0,118
% fístula arteriovenosa 85.7 100 70 0,050
PA sistólica, mmHg 115 ± 21 110 ± 19 121 ± 23 0,256
PA diastólica, mmHg 73 ± 10 71 ± 9 76 ± 9 0,183
Fração de ejeção, % 65,2 ± 7,1 65,0 ± 4,6 65,3 ± 9,3 0,920
Espessura do septo, cm 1,1 ± 0,1 1,2 ± 0,2 1,1 ± 0,1 0,547
Espessura PP, cm 1,1 ± 0,1 1,1 ± 0,1 1,1 ± 0,2 0,879
IMVE, g/m2 114,8 ± 26,8 103,9 ± 23,7 129,3 ± 25,3 0,077
Hemoglobina, g/dl 12,0 ± 1,1 11,9 ± 1,3 12,0 ± 0,9 0,928
25 vitamina D, ng/ml 27,8 ± 16,5 23,9 ± 17,7 32,0 ± 14,7 0,272
Ureia, mg/dl 160,1 ± 26,2 165,4 ± 27,9 154,3 ± 24,2 0,346
Ácido úrico, mg/dl 7,6 ± 1,4 8,0 ± 1,1 7,1 ± 1,6 0,154
ß2 microglobulina, µg/ml 30,4 ± 11,8 32,2 ± 12,2 28,6 ± 11,8 0,511
Colesterol, mg/dl 157 ± 43 180 ± 43 132 ± 27 0,008
Triglicérides, mg/dl 156 ± 105 191 ± 113 118 ± 85 0,113
Cálcio sérico, mg/dl 9,1 ± 0,8 9,3 ± 1,0 8,9 ± 0,5 0,236
Fosfato sérico, mg/dl 5,7 ± 1,4 5,7 ± 1,2 5,6 ± 1,6 0,784
FA, U/l 88 (55.121) 83 (49. 122) 92 (59. 122) 0,456
PTH, pg/ml 262 (57. 449) 128 (18. 450) 341 (179. 443) 0,249
FGF23, pg/ml 4409 (1970. 17300) 4494 (2057. 17191) 3218 (1532. 18226) 0,632
DMF 4,6 ± 5,0 3,7 ± 2,8 5,4 ± 6,5 0,478
DDN 15,0 ± 9,0 15,4 ± 8,2 14,6 ± 10,3 0,853
RVSE, % 145,9 ± 24,8 126,4 ± 10,7 167,4 ± 16,2 0,0001
ALI@75 26 (18, 30) 26 (18, 29) 26 (17, 36) 0,896

PA: pressão arterial; PP: parede posterior; IMVE: índice de massa ventricular esquerda; FA: fosfatase alcalina; PTH: paratormônio; FGF23: fator de crescimento de fibroblastos 23; DMF: Dilatação Mediada por Fluxo; DDN: Dilatação Dependente de Nitrato; RVSE: razão de viabilidade subendocárdica; ALI@75: índice de aumento ajustado para frequência cardíaca.

Já que é pouco provável que a PTX em si possa explicar este achado, uma vez que não promove impacto negativo sobre a função cardíaca, investigamos se o tempo que qcada paciente passa com hiperparatiroidismo grave foi a causa subjacente para a pior perfusão miocárdica. Para esse fim, a posteriori, identificamos o primeiro dia no qual o paciente apresentou PTH sérico acima de 500 pg/mL, até ao dia da PTX ou o dia do final do estudo.

Este período foi maior nos pacientes com SEVR ≤ 141% do que naqueles com SEVR > 141% [24 (12, 52) vs. 0 (0,2.2) meses, respectivamente; p = 0,004]. A Figura 2 mostra uma relação inversa entre a SEVR e a duração do HPTS grave (r = -0,642, p = 0,002). O HPTS grave (PTH > 500 pg/ml) foi encontrado em todos, exceto um paciente com SEVR inferior à mediana, e em apenas 2 pacientes com SEVR acima da mediana. Em mais detalhes, em relação a estes dois pacientes, um já foi submetido a PTX e seus níveis de PTH estão em 304pg/ml, e o outro está atualmente em tratamento clínico para HPTS (calcitriol), com níveis de PTH de 890 pg/ml.

Figura 2 Correlação entre a razão de viabilidade subendocárdica (SEVR) e a duração do hiperparatiroidismo grave. 

Discussão

Este estudo sugere que a longa duração de níveis elevados de PTH está relacionada a alterações nos índices vasculares não-invasivos avaliados pela análise da onda de pulso, levando a um maior risco de isquemia subendocárdica, que não pode ser revertida por PTX. Além disso, nós demonstramos que o gênero feminino e pacientes com baixos níveis de vitamina D-25 também estão sujeitos a um maior risco cardiovascular, avaliado pela SEVR.

Os pacientes com DRC-DMO, especialmente aqueles com HPTS, têm um risco relativo anormalmente elevado de morte por doenças cardiovasculares, devido a uma variedade de razões: calcificação valvular e das paredes arteriais,7,8 promoção da progressão da aterosclerose mais rapidamente, incluindo doença9 coronariana e indução da hipertrofia do miocárdio.10 A DRC-DMO pode piorar a anemia, ao prejudicar a resposta da medula óssea à agentes estimulantes da eritropoietina.11 Em conjunto, esses achados, associados a uma doença de base urêmica, aumentam a propensão para eventos isquêmicos cerebrais e cardíacos. Ganesh e colaboradores descobriram que os níveis de PTH > 495 pg/ml estão associados a um aumento de 25% na taxa de eventos CV fatais.12

Poucos estudos têm abordado a avaliação do índice SEVR em pacientes com insuficiência renal terminal. Di Micco e colaboradores mostraram que a redução deste índice poderia prever mortalidade nessa população;13 também, a criação de uma fístula arteriovenosa reduz agudamente o SEVR.14,15 Na presente coorte, o baixo SEVR foi associado a menores níveis de vitamina D - 25 (OH), e níveis mais elevados de colesterol - fatores estes já associados a um maior risco CV.

Tal achado ressalta a importância de hipovitaminose D em pacientes em HD, uma vez que tal deficiência já foi descrita como um preditor de desfechos CV piores em pacientes com doença da artéria coronária16 na população em geral e também entre os pacientes em HD.17 Outro fator interessante consiste no maior risco de isquemia subendocárdica em pacientes do gênero feminino: que poderia refletir a maior susceptibilidade à HPTS, em comparação com a suas contrapartidas masculinas,18 ou a perda da proteção hormonal devido à menopausa prematura, comumente observada em pacientes hemodialíticos.19 Em nossos dados, houve uma menor percentagem de fístulas arteriovenosas entre os pacientes com HPTS grave. No entanto, o impacto de uma fístula arteriovenosa em nossas constatações é diferente daquela do estudo anterior, uma vez que é um marcador de tempo mais prolongado em hemodiálise, em vez de impacto agudo sobre a SEVR.

Pacientes com HPTS grave apresentaram um índice de duração de ejeção maior do que aqueles sem HPTS grave. Tal resultado indica um intervalo sistólico mais prolongado ao longo do tempo diastólico durante o ciclo cardíaco, e isto está relacionado a um fornecimento reduzido de sangue ao tecido subendocárdico. Esta alteração adversa na duração dos componentes do ciclo cardíaco e presumida redução na perfusão coronariana causa um desequilíbrio na relação entre oferta/demanda cardíaca, o que foi verificado pela redução da SEVR nestes pacientes, refletindo maior risco CV.

Nossos dados mostraram que a menor SEVR foi muito provavelmente associada à maior duração do HPTS grave, refletindo o maior risco CV resultante desta condição clínica. Mesmo que o PTX traga os níveis de PTH para mais próximo da faixa normal e reduza a mortalidade nesses pacientes,(20,21 )isso possivelmente aumentaria a sobrevida se realizado mais precocemente no curso do HPTS.9

Portanto, a questão que permanece é por que os pacientes já submetidos a PTX persistiriam sob alto risco de isquemia subendocárdica. Existem algumas possibilidades que podem explicar tal achado: em primeiro lugar, nossos pacientes costumam esperar mais tempo entre a indicação de PTX até a cirurgia ser feita, resultando em danos permanentes ao sistema cardiovascular; em segundo lugar, o PTH já foi identificado como um mediador central da remodelação cardíaca patológica, promovendo a sobrecarga de cálcio intracelular e, por fim, levando as células do miocárdio à apoptose. A inflamação, que sucede tal processo, poderia induzir fibrose miocárdica.10

Conclusões

Embora limitado pelo desenho do estudo observacional e pequeno tamanho da amostra, demonstramos, pela primeira vez, que uma maior duração de HPTS grave em pacientes em hemodiálise, está associada a uma prejudicada perfusão subendocárdica. Se esta desvantagem é causada pelo aumento de diálise ou relacionado ao HPTS em si, ainda permanece incerto.

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