versão impressa ISSN 0102-311X
Cad. Saúde Pública vol.30 no.5 Rio de Janeiro maio 2014
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00172412
This cross-sectional study in a sample of 887 primigravidae in Rio Branco, Acre State, Brazil aimed to analyze factors associated with the use of medicines during the first pregnancy. Information was obtained from interviews and prenatal cards. Medicines were classified according to the Anatomical Therapeutic Chemical (ATC) Classification System of the World Health Organization and risk categories according to the U.S. Food and Drug Administration. Mean age was 21 years and mean number of medicines used was 2.42. The most frequently consumed medicines were antianemics (47.5%), supplements and vitamins (18.7%), analgesics (13.8%), and antibiotics (10.5%). In the risk categorization, 69.3% belonged to category A, 22.3% to B, 7.6% to C, and 0.8% to D. The odds of having used risky medicines were higher among primigravidae in unit B (OR = 2.10; 95%CI: 1.26-3.50), in the 19 to 24-year age bracket (OR = 2.79; 95%CI: 1.58-4.93), and in the presence of a medical prescription (OR = 1.86; 95%CI: 1.18-2.95). Essential drugs were less used by women with higher family income (OR = 0.63; 95%CI: 0.42-0.96) and those who had received private prenatal care (OR = 0.53; 95%CI: 0.38-0.74).
Estudio transversal con 887 primigestas para analizar los factores asociados al consumo de medicamentos durante el embarazo en Río Branco, Acre, Brasil. La información se basó en entrevistas y tarjeta prenatal. Los medicamentos se calificaron de acuerdo con el sistema anatómico terapéutico químico (ATC), de la Organización Mundial de la Salud y con la categoría de riesgo del Food and Drug Administration (Estados Unidos). La media de edad fue de 21 años; la media del uso de medicamentos fue de un 2,42; los medicamentos más consumidos fueron los antianémicos (47,5%), los suplementos y vitaminas (18,7%), analgésicos (13,8%) y antibióticos (10,5%). En la clasificación de riesgo, un 69,3% pertenecían a la categoría A; 22,3% a B; 7,6% a C y 0,8% a la D. La posibilidad de haber estado expuestas al riesgo en el consumo de medicamentos fue mayor en primigestas en la unidad B (OR = 2,10, IC95%: 1,26-3,50), con edades entre 19 y 24 años (OR = 2,79, IC95%: 1,58-4,93) y con prescripción (OR = 1,86, IC95%: 1,18-2,95). Los medicamentos esenciales fueron utilizados con menos frecuencia en las mujeres con mayores ingresos de los hogares (OR = 0,63, IC95%: 0,42-0,96) y que realizaron el cuidado prenatal en una red clínica privada (OR = 0,53, IC95%: 0,38- 0,74).
Palabras-clave: Utilización de Medicamentos; Embarazo; Farmacoepidemiología; Atención Prenatal
A utilização de medicamentos no período da gestação tem sido alvo de discussões no tocante à segurança, e empregada de maneira geral com restrições desde o acidente da talidomida 1. Por outro lado, a gestação é acompanhada muitas vezes de intercorrências, necessitando de intervenções medicamentosas 2.
A dificuldade ética de se realizar ensaios clínicos com gestantes, as dúvidas quanto aos riscos para o concepto e a escassa produção científica são aspectos que assumem grande relevância para o desenvolvimento de trabalhos farmacoepidemiológicos com abordagem específica no período gestacional 3,4.
Os estudos ressaltam a importância da análise individualizada dos medicamentos utilizados na gestação. As classificações de risco e o potencial teratogênico dos princípios ativos dependem de diversos fatores, destacando-se: características químicas do princípio ativo; elucidação da base molecular e celular para a maioria dos efeitos teratogênicos; dose administrada; período gestacional de utilização do medicamento; suscetibilidade genética individual da gestante; e modelo do ensaio clínico animal. Por não contemplar todos esses fatores, a classificação desenvolvida pelo Food and Drug Administration dos Estados Unidos (FDA) em 1979 oferece algumas limitações e vem sendo revisada 5,6,7.
No Brasil, os estudos de utilização de medicamentos revelam que a média de consumo é de dois medicamentos por gestante 4,8,9,10. Esse fato impulsiona iniciativas de pesquisas em nível local, na tentativa de descrever perfis de utilização e padrões de prescrição e de consumo 9.
Um trabalho multicêntrico envolvendo 22 países que foi realizado em 1992 com o intuito de descrever a utilização de medicamentos no período gestacional, revelou que os suplementos antianêmicos e as vitaminas foram os mais prescritos. Do total de gestantes estudadas, 14% não utilizaram nenhum medicamento. Esse trabalho partiu da hipótese de empirismo na prescrição de medicamentos durante a gestação, por vezes percebida como um estado de vulnerabilidade 11.
A análise dos efeitos do uso de medicamentos durante o período gestacional pode determinar tanto seus benefícios como sua teratogenicidade quando administrados em gestantes. O primeiro trimestre de gestação (período de diferenciação embriológica) é considerado o estágio principal para a utilização dos folatos e suplementos de ferro. Por outro lado, é também o período em que ocorrem principalmente as más-formações congênitas quando algum medicamento com potencial teratogênico é utilizado. Nos outros períodos podem ocorrer danos fetais decorrentes de alterações na fisiologia materna, efeitos farmacológicos sobre o feto e interferência no desenvolvimento fetal 1,3,4,8.
Os estudos epidemiológicos apontam a exposição materna a algumas substâncias químicas durante o período pré-natal como fator de risco para o desenvolvimento de doenças na infância 12,13,14,15,16, como ocorre com os medicamentos dipirona e diclofenaco, por exemplo. Em investigação sobre fatores de risco para tumor de Wilms segundo exposição materna a dipirona na gestação no Brasil, foi observada uma OR = 10,9 (IC95%: 2,4-50,0) associada a esta exposição 16. Em um estudo de leucemias em menores de dois anos também realizada no Brasil, foi observada uma OR = 1,45 (IC95%: 0,75-2,86) associada ao uso materno de dipirona na gestação 17.
Entre os anti-inflamatórios, destaca-se a relação entre utilização materna de diclofenaco na gestação e o desenvolvimento de hipertensão pulmonar severa, causando lesão isquêmica irreversível do músculo papilar de um recém-nascido 18, bem como a ocorrência de cardiomiopatia hipertrófica transitória do lado direito causada pelo fechamento prematuro do canal arterial após o uso materno de diclofenaco sódico 19. Um estudo sugere o aumento do risco de constrição do canal arterial em neonatos após a ingestão materna de doses orais de nimesulida 14.
Este estudo teve como objetivo analisar os fatores associados ao uso de medicamentos na gestação em primigestas no Município de Rio Branco, Acre, com o intuito de fornecer subsídios para promover melhoria na assistência materno-infantil e no uso racional de medicamentos nesse grupo populacional.
Este artigo é parte integrante do projeto matriz denominado Saúde Reprodutiva das Primigestas: Análise de Fatores Relacionados ao Tipo de Parto. Trata-se de estudo transversal, tendo como população a coorte de todas as primigestas que gestaram e pariram nas duas maternidades no Município de Rio Branco.
Os critérios de inclusão foram: nuliparidade e domicílio na zona urbana do Município de Rio Branco. A presença de distúrbio psiquiátrico que implicasse a impossibilidade de responder à entrevista foi adotada como critério de exclusão.
O projeto matriz estimou o tamanho da população de estudo em 804 primigestas. Esse tamanho amostral foi obtido utilizando-se os seguintes parâmetros: confiabilidade de 95%, poder de teste de 80% e razão de chances estimada de 2,0 para os fatores de exposição analisados. Considerando as estimativas de números de partos mensais e os critérios de inclusão adotados pelo projeto, previmos que a amostra seria alcançada ao longo de seis meses. No período de 1o de fevereiro a 31 de julho de 2010, o universo de mulheres que atenderam aos critérios de inclusão estabelecidos totalizou 887 primigestas que constituíram a população do estudo.
As variáveis de interesse deste trabalho foram: sociodemográficas (idade, cor da pele, renda familiar, escolaridade, situação conjugal); fatores relacionados à assistência pré-natal (unidade de saúde de realização do pré-natal, data da primeira consulta de pré-natal, número de consultas, forma de aquisição dos medicamentos); variáveis referentes à utilização de medicamentos durante a gestação (nome e classe do medicamento, indicação para o uso, tipo de prescrição /indicação, trimestre gestacional em que foram usados, fonte de financiamento para aquisição de medicamentos); características maternas (presença de morbidades ou intercorrências de saúde durante a gestação).
A classificação farmacológica dos medicamentos foi realizada utilizando-se como base o segundo nível do Sistema Anatômico Terapêutico Químico (ATC), da Organização Mundial da Saúde (OMS) 20,21, e a categorização de risco de uso de medicamentos na gestação estabelecida pela FDA, que adota cinco classificações: (i) Categoria A: medicamentos para os quais não foram constatados riscos para o feto em ensaios clínicos cientificamente desenhados e controlados; (ii) Categoria B: medicamentos para os quais os estudos com animais de laboratório não demonstraram risco fetal (mas não existem estudos adequados em seres humanos) e medicamentos cujos estudos com animais indicaram algum risco, mas que não foram comprovados em humanos em estudos devidamente controlados; (iii) Categoria C: medicamentos para os quais os estudos em animais de laboratório revelaram efeitos adversos ao feto, mas não existem estudos adequados em humanos, e medicamentos para os quais não existem estudos disponíveis; (iv) Categoria D: medicamentos para os quais a experiência de uso durante a gravidez mostrou associação com o aparecimento de más-formações, mas que a relação risco/benefício pode ser avaliada; (v) Categoria X: medicamentos associados com anormalidades fetais em estudos com animais e humanos e/ou cuja relação risco/benefício contraindica seu uso na gravidez 5,7,22.
Essa classificação está passando por processo de revisão devido às suas limitações. Todavia, para efeitos de comparabilidade optou-se por sua utilização devido à escassez de publicação com outras classificações mais recentes. Diante da impossibilidade de estabelecer a dose do medicamento, optou-se por classificá-lo segundo a dose usualmente comercializada.
Neste estudo, foram considerados medicamentos classificados como de risco aqueles categorizados como C, D e X pelo FDA. Esses, representam os medicamentos que apresentaram efeitos adversos ao feto em trabalhos experimentais em animais, independentemente de evidências em humanos 5,7. Os medicamentos antianêmicos, suplementos e vitaminas com uso preconizado pelo Ministério da Saúde na atenção pré-natal foram denominados essenciais 23,24.
A unidade de saúde de realização do parto foi assim denominada: maternidade “A”, que realiza exclusivamente partos pelos Sistema Único de Saúde (SUS) e maternidade “B”, que atende às modalidades SUS, convênios e particulares.
Para a coleta de dados foram selecionadas auxiliares de pesquisa previamente treinadas e contempladas com auxílio financeiro. O grupo foi composto por estudantes de graduação na área da saúde e profissionais de Ensino Superior, cujo treinamento foi consolidado e avaliado durante o estudo piloto em 50 mulheres. Durante o período da coleta dos dados, as auxiliares de pesquisa trabalharam em regime de escalas e rodízio de trabalho, com o objetivo de contemplar todos os dias da semana em tempo integral.
Os dados foram coletados utilizando-se um instrumento padronizado (questionário) com questões fechadas e semiabertas, constituído de diversos módulos. As entrevistas foram no alojamento conjunto, sendo as puérperas abordadas cerca de 12 horas após o parto com a devida atenção por parte das entrevistadoras, de forma a preservar a recuperação do pós-parto imediato.
A aplicação desse instrumento possibilitou obter informações sobre o uso de medicamentos durante o período gestacional pela parturiente no momento da entrevista. Cumprindo com o procedimento padrão, após a entrevista com a parturiente no alojamento conjunto as auxiliares de pesquisa foram até o posto médico/enfermagem e coletaram os dados do cartão de pré-natal.
Esses dados foram digitados em duplicata e sua análise foi realizada utilizando-se o programa SPSS 13.0 (SPSS Inc., Chicago, Estados Unidos). Para caracterizar a população estudada foram determinadas as frequências absoluta (n) e relativa (%), e os resultados foram apresentados sob a forma de tabelas.
A prevalência do uso de medicamentos foi obtida como medida de frequência e a razão de chances (RC) como medida de associação. Para compor o modelo ajustado selecionaram-se as variáveis independentes que apresentaram associações com valor de p < 0,20 (teste de qui-quadrado para heterogeneidade) e manteve-se no modelo múltiplo final aquelas que apresentaram valor de p < 0,05 com o uso do modelo stepwise.
Foram observados os princípios éticos, de acordo com a Resolução no 196/96, do Conselho Nacional de Saúde. O projeto matriz foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Acre, sob o protocolo no 23107.005912/2009-21. A todas as entrevistadas foi garantido o direito de não participação no estudo, bem como lhes foi assegurado o sigilo das informações coletadas. Todas as participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
Participaram deste estudo 887 primigestas. A idade das gestantes variou de 13 a 43 anos, com média de 21 anos e moda de 19 anos, sendo que mais de 50% destas gestantes tinham idades inferiores a 20 anos. Do total de primigestas, 80,7% declararam a cor da pele não branca, 87,9% tinham renda familiar menor do que cinco salários mínimos; em relação à escolaridade mais de 70% das gestantes cursaram o ensino fundamental ou médio incompleto; e em relação ao estado civil, 76,3% relataram viver com o companheiro, sendo casada ou com união estável (Tabela 1).
Tabela 1 Perfil das primigestas segundo variáveis sociodemográficas, atendimento pré-natal, uso e aquisição de medicamentos e intercorrências na gestação. Município de Rio Branco, Acre, Brasil, 2010.
Total | ||
---|---|---|
n | % | |
Idade (anos) | ||
13-18 | 320 | 36,1 |
19-24 | 344 | 38,8 |
25-43 | 223 | 25,1 |
Cor da pele autodeclarada | ||
Não branca | 716 | 80,7 |
Branca | 171 | 19,3 |
Renda familiar (salários mínimos) * | ||
< 5 ** | 748 | 87,9 |
5 ou mais ** | 103 | 12,1 |
Escolaridade | ||
Fundamental incompleto | 147 | 16,5 |
Fundamental a Médio incompleto | 271 | 30,6 |
Médio completo | 279 | 31,5 |
Superior completo e incompleto | 190 | 21,4 |
Situação conjugal * | ||
Com companheiro | 667 | 76,3 |
Não tem companheiro | 210 | 23,7 |
Unidade de realização do pré-natal * | ||
Pública | 705 | 80,6 |
Privada | 170 | 19,4 |
Data da 1a consulta pré-natal | ||
Não fez consulta | 8 | 0,9 |
1o trimestre | 654 | 73,7 |
2o trimestre | 206 | 23,2 |
3o trimestre | 19 | 2,2 |
Número de consultas pré-natal | ||
0 | 7 | 0,8 |
1-5 | 275 | 31,0 |
6-8 | 447 | 50,4 |
> 8 | 158 | 17,8 |
Utilização de medicamentos na gestação | ||
Não | 23 | 2,6 |
Sim | 864 | 97,4 |
Tipo de indicação/prescrição do medicamento * | ||
Médico | 396 | 46,6 |
Enfermeiro | 444 | 52,3 |
Automedicação | 9 | 1,1 |
Tipo de aquisição do medicamento * | ||
Unidade de saúde (SUS) | 625 | 73,3 |
Desembolso direto | 227 | 26,7 |
Morbidades/Intercorrências na gestação *** | ||
Inchaço nas pernas | 605 | 36,8 |
Infecção urinária | 489 | 29,8 |
Hipertensão | 242 | 14,8 |
Perda involuntária de urina | 226 | 13,8 |
Hemorragia | 60 | 3,7 |
Sífilis | 10 | 0,6 |
Diabetes | 7 | 0,4 |
Malária | 1 | 0,1 |
Das gestantes, 99,2% tiveram acesso ao pré-natal, sendo que 80,6% dos atendimentos foram realizados pela rede pública de saúde. Entre as participantes do estudo, 73,7% iniciaram o pré-natal no decorrer do primeiro trimestre e 50,4% delas conseguiram realizar entre 6 e 8 consultas de pré-natal.
Em relação à assistência farmacêutica, entre as gestantes que utilizaram medicamentos, 73,3% aviaram suas prescrições por meio dos serviços públicos de saúde, enquanto que as prescrições dos medicamentos foram realizadas pelo enfermeiro ou médico, com relato de apenas 1,1% de automedicação.
As intercorrências de saúde relatadas pelas participantes durante o período gestacional foram: inchaço nas pernas, infecção urinária, perda involuntária de urina e episódios de hemorragias. Foram detectados 10 casos de sífilis (0,6%) e um de malária (0,1%). As morbidades autorreferidas durante o período gestacional foram: hipertensão arterial com 14,8% e diabetes com 0,4%. Das 887 mulheres entrevistadas, apenas 2,6% declararam não ter utilizado nenhum medicamento durante a gestação e 12,3% das gestantes utilizaram quatro ou mais medicamentos (Tabela 2). Quanto ao tipo de medicamentos usados, observou-se que 5,1% das primigestas relataram não terem consumido nenhum medicamento essencial e 31,3% somente um medicamento essencial durante a gestação (Tabela 2). Em relação ao grupo de medicamentos de risco, 89,2 % das primigestas referiram o não uso e 1,2% relatou ter usado dois ou mais. A análise efetuada adotando a categorização de risco para uso de medicamentos durante a gestação proposta pelo FDA revelou que 69,3% pertenciam à categoria de risco A, 22,3% à B, 7,6% à C e 0,8% à categoria de risco D, e nenhum à categoria X.
Tabela 2 Características gerais do uso de medicamentos autorreferidos durante a gestação por primigestas. Município de Rio Branco, Acre, Brasil, 2010.
Total | ||
---|---|---|
n | % | |
Medicamentos consumidos * | ||
Nenhum medicamento | 23 | 2,6 |
1 | 187 | 21,1 |
2 | 293 | 33,0 |
3 | 275 | 31,0 |
4 ou mais | 109 | 12,3 |
Medicamentos essenciais * | ||
Nenhum medicamento | 23 | 2,6 |
Nenhum medicamento essencial | 22 | 2,5 |
1 | 278 | 31,3 |
2 | 437 | 49,3 |
3 | 120 | 13,5 |
4 ou mais | 7 | 0,8 |
Medicamentos de risco * | ||
Nenhum medicamento | 23 | 2,6 |
Nenhum medicamento de risco | 768 | 86,6 |
1 | 85 | 9,6 |
2 ou mais | 11 | 1,2 |
Categoria de risco (FDA) ** | ||
Categoria A | 844 | 69,3 |
Categoria B | 271 | 22,3 |
Categoria C | 93 | 7,6 |
Categoria D | 9 | 0,8 |
Verificou-se o relato quanto ao uso 2.091 medicamentos, perfazendo uma média de 2,42 medicamentos por gestante. Entre os mais utilizados estão os antianêmicos (47,5%); suplementos e vitaminas (18,7%); analgésicos (13,8%) e antibióticos (10,5%). Os medicamentos menos utilizados foram: antiespasmódicos (1,9%); anti-histamínicos (1,8%); antiácidos (1,5%); antieméticos (1%) e anti-hipertensivos (0,9%). A prevalência de utilização de medicamentos no primeiro trimestre (40%) foi maior que nos demais períodos. Quanto ao tipo de medicamentos utilizados no primeiro trimestre destacam-se os antianêmicos, anti-histamínicos e antieméticos. Já os suplementos, vitaminas e antiespasmódicos foram mais utilizados no segundo trimestre, e os analgésicos, antibióticos, antiácidos e anti- hipertensivos foram mais relatados no terceiro trimestre gestacional (Tabela 3).
Tabela 3 Distribuição do uso de medicamentos nos períodos gestacionais segundo a classificação ATC. Município de Rio Branco, Acre, Brasil, 2010.
Classificação da ATC | Trimestre de uso do medicamento | Total | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
1o | 2o | 3o | Não lembra | n * | % | |
Antianêmicos | 520 | 344 | 100 | 29 | 993 | 47,5 |
Suplementos/Vitaminas | 133 | 165 | 77 | 15 | 390 | 18,7 |
Analgésicos | 74 | 74 | 98 | 43 | 289 | 13,8 |
Antibióticos | 36 | 75 | 91 | 19 | 221 | 10,5 |
Antiespasmódicos | 9 | 11 | 10 | 8 | 38 | 1,9 |
Anti-histamínicos | 22 | 7 | 2 | 6 | 37 | 1,8 |
Antiácidos | 9 | 9 | 11 | 3 | 32 | 1,5 |
Antieméticos | 15 | 3 | 3 | 1 | 22 | 1,0 |
Anti-hipertensivos | 1 | 4 | 13 | 2 | 20 | 0,9 |
Vasodilatador periférico | 5 | 2 | 5 | 2 | 14 | 0,7 |
Hormônios sexuais | 9 | 1 | 2 | 0 | 12 | 0,6 |
Anti-infeccioso vaginal | 1 | 1 | 6 | 0 | 8 | 0,4 |
Anti-inflamatórios | 0 | 1 | 7 | 0 | 8 | 0,4 |
Outros | 1 | 4 | 2 | 0 | 7 | 0,3 |
Total por trimestre | 835 | 701 | 427 | 128 | 2.091 | - |
Total (%) | 40,0 | 33,5 | 20,4 | 6,1 | - | 100,0 |
A Tabela 4 apresenta a associação entre as variáveis socioeconômicas e demográficas, características maternas, acesso às ações e serviços de saúde com a utilização de medicamentos de risco pelas primigestas. Sendo assim, a chance de utilização de medicamentos de risco aumentou com a unidade hospitalar de realização do parto apresentando RC = 2,06 (IC95%: 1,24-3,42) para a Unidade B. Pode-se observar que aumentou também para mulheres com idades de 19 a 24 anos (RC = 2,79; IC95%: 1,58-4,93) em relação àquelas de 13 a 18 anos. As mulheres com idades de 25 a 43 anos apresentaram RC ajustada = 2,07 (IC95%: 1,09-3,91).
Tabela 4 Razões de chance (RC) bruta e ajustada para uso de medicamentos de risco e variáveis sociodemográficas. Município de Rio Branco, Acre, Brasil, 2010.
Uso de medicamentos de risco | RC bruta | IC95% | RC ajustada | IC95% | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Sim | Não | |||||||
n | % | n | % | |||||
Unidade hospitalar de realização do parto | ||||||||
A | 21 | 21,9 | 290 | 36,7 | 1,00 | 1,00 | ||
B | 75 | 78,1 | 501 | 63,3 | 2,06 | 1,24-3,42 | 2,10 | 1,26-3,50 |
Unidade de saúde de realização do pré-natal | ||||||||
Pública | 74 | 77,1 | 631 | 81,0 | 1,00 | |||
Privada | 22 | 22,9 | 148 | 19,0 | 1,26 | 0,76-2,10 | ||
Pestação de serviço no parto | ||||||||
SUS | 82 | 85,4 | 695 | 87,9 | 1,00 | |||
Convênio | 10 | 10,4 | 76 | 9,6 | 1,11 | 0,55-2,24 | ||
Particular | 4 | 4,2 | 20 | 2,5 | 1,69 | 0,56-5,08 | ||
Idade da mãe (anos) | ||||||||
13-18 | 18 | 18,8 | 302 | 38,2 | 1,00 | 1,00 | ||
19-24 | 49 | 51,0 | 295 | 37,3 | 2,78 | 1,58-4,89 | 2,79 | 1,58-4,93 |
25-43 | 29 | 30,2 | 194 | 24,5 | 2,50 | 1,35-4,64 | 2,07 | 1,09-3,91 |
Cor da pele autodeclarada | ||||||||
Não branca | 72 | 75,0 | 644 | 81,4 | 1,00 | |||
Branca | 24 | 25,0 | 147 | 18,6 | 1,46 | 0,89-2,39 | ||
Renda familiar (salários mínimos) * | ||||||||
< 5 ** | 78 | 83,0 | 670 | 88,5 | 1,00 | |||
5 ou mais ** | 16 | 17,0 | 87 | 11,5 | 1,58 | 0,88-2,82 | ||
Escolaridade da mãe | ||||||||
Fundamental incompleto | 8 | 8,3 | 139 | 17,6 | 1,00 | |||
Fundamental a Médio incompleto | 22 | 22,9 | 249 | 31,5 | 1,53 | 0,66-3,54 | ||
Médio completo | 42 | 43,8 | 237 | 30,0 | 3,07 | 1,40-6,74 | ||
Superior completo e incompleto | 24 | 25,0 | 166 | 21,0 | 2,51 | 1,09-5,76 | ||
Situação conjugal * | ||||||||
Não tem companheiro | 19 | 19,8 | 191 | 24,1 | 1,00 | |||
Com companheiro | 77 | 80,2 | 600 | 75,9 | 1,29 | 0,76-2,18 | ||
Tipo de prescrição * | ||||||||
Sem prescrição médica | 37 | 38,5 | 416 | 55,2 | 1,00 | 1,00 | ||
Com prescrição médica | 59 | 61,5 | 337 | 44,8 | 1,96 | 1,27-3,04 | 1,86 | 1,18-2,95 |
Tipo de acesso ao medicamento * | ||||||||
Desembolso direto | 26 | 27,1 | 201 | 26,6 | 1,00 | |||
Unidade de saúde (SUS) | 70 | 72,9 | 555 | 73,4 | 1,02 | 0,63-1,65 | ||
Morbidades/Intercorrências na gestação | ||||||||
Sim | 84 | 87,5 | 717 | 90,6 | 1,00 | |||
Não | 12 | 12,5 | 74 | 9,4 | 0,72 | 0,37-1,38 | ||
Número de consultas pré-natal | ||||||||
0-5 | 22 | 22,9 | 260 | 32,9 | 1,00 | |||
6 e mais | 74 | 77,1 | 531 | 67,1 | 1,64 | 1,00-2,71 |
A utilização de medicamentos classificados como de risco mostrou associação com o aumento da escolaridade (RC = 2,51; IC95%: 1,09-5,76) para o Ensino Superior; RC = 3,07 (IC95%: 1,40-6,74) para o Médio completo; e RC = 1,53 (IC95%: 0,66-3,54) para Ensino Fundamental a Médio incompleto. Na amostra estudada os estratos de escolaridade de nível Médio incompleto ou menores não apresentaram associação estatisticamente significante.
A chance da utilização de medicamentos de risco aumentou quando analisada a presença da prescrição médica com RC = 1,96 (IC95%: 1,27-3,04), bem como quando verificado o número de consultas pré-natal maior ou igual a seis, apresentando RC = 1,64 (IC95%: 1,00-2,71), com associação estatística limítrofe.
As seguintes variáveis: unidade de saúde de realização do pré-natal, tipo de prestação de serviços durante o parto, cor da pele autodeclarada, renda familiar, situação conjugal, tipo de acesso ao medicamento e morbidades/intercorrências na gestação mostraram associação com o uso de medicamentos de risco, porém esta associação não foi estatisticamente significante.
Na análise multivariada (Tabela 4), permaneceram significantes a unidade de saúde de realização do parto, a idade materna e o tipo de indicação/prescrição do medicamento. A chance do uso de medicamentos de risco aumentou para a Maternidade B com RC = 2,10 (IC95%: 1,26-3,50); manteve associação com a idade materna (RC = 2,79; IC95% 1,58-4,93) para 19 a 24 anos e RC = 2,07 (IC95%: 1,09-3,91) para 25 a 43 anos; observou-se o mesmo com a prescrição médica durante o período gestacional com RC = 1,86 (IC95%: 1,18-2,95).
Considerando que a utilização de apenas um medicamento essencial não cumpre com o protocolo de atendimento à gestante, proposto pelo Ministério da Saúde em relação ao cuidado pré-natal 23, foi possível verificar que 36,4% das primigestas não utilizaram estes medicamentos em quantidades ideais. Os resultados apontam que têm chances 38% menores (RC = 0,62; IC95%: 0,46-0,84) de terem sido expostas à utilização em quantidades ideais de medicamentos essenciais as mulheres que foram internadas na unidade de saúde B; 47% menores de terem realizado o pré-natal na rede privada (RC = 0,53; IC95%: 0,38-0,74); 33% menores (RC = 0,67; IC95%: 0,45-1,01) de terem utilizado o serviço privado para realização do parto; e 37% menores de possuírem renda familiar superior a cinco salários mínimos (RC = 0,63; IC95%: 0,42-0,96).
A utilização de medicamentos essenciais de forma ideal durante o pré-natal esteve associada positivamente com a idade (RC = 1,50; IC95%: 1,08-2,07) para primigestas entre 19 e 24 anos, com a forma de aquisição destes medicamentos (RC = 2,03; IC95%: 1,48-2,77) para mulheres que os obtiveram em unidade de saúde pública, e com o número de consultas pré-natal (RC = 1,78; IC95%: 1,33-2,38) para gestantes que realizaram seis consultas ou mais (Tabela 5).
Tabela 5 Razões de chance (RC) para uso de medicamentos essenciais e variáveis sociodemográficas (análise bivariada). Município de Rio Branco, Acre, Brasil, 2010.
Uso de medicamentos essenciais | RC bruta | IC95% | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Sim | Não | |||||
n | % | n | % | |||
Unidade hospitalar de realização do parto | ||||||
A | 219 | 38,8 | 92 | 28,5 | 1,00 | |
B | 345 | 61,2 | 231 | 71,5 | 0,62 | 0,46-0,84 |
Unidade de saúde de realização do pré-natal * | ||||||
Pública | 471 | 84,3 | 234 | 74,1 | 1,00 | |
Privada | 88 | 15,7 | 82 | 25,9 | 0,53 | 0,38-0,74 |
Tipo de prestação de serviço no parto | ||||||
Público | 503 | 89,2 | 274 | 84,8 | 1,00 | |
Privado | 61 | 10,8 | 49 | 15,2 | 0,67 | 0,45-1,00 |
Idade da mãe (anos) | ||||||
13-18 | 195 | 34,6 | 125 | 38,7 | 1,00 | |
19-24 | 241 | 42,7 | 103 | 31,9 | 1,50 | 1,08-2,07 |
25-43 | 128 | 22,7 | 95 | 29,4 | 0,86 | 0,61-1,22 |
Cor da pele autodeclarada | ||||||
Branca | 103 | 18,3 | 68 | 21,1 | 1,00 | |
Não branca | 461 | 81,7 | 255 | 78,9 | 1,194 | 0,84-1,68 |
Renda familiar (salários mínimos) * | ||||||
< 5 ** | 494 | 89,7 | 254 | 84,7 | 1,00 | |
5 ou mais ** | 57 | 10,3 | 46 | 15,3 | 0,63 | 0,42-0,96 |
Escolaridade da mãe | ||||||
Fundamental incompleto | 89 | 15,8 | 58 | 18,0 | 1,00 | |
Fundamental a Médio incompleto | 170 | 30,1 | 101 | 31,3 | 1,09 | 0,72-1,65 |
Médio completo | 190 | 33,7 | 89 | 27,6 | 1,39 | 0,91-2,10 |
Superior completo e incompleto | 115 | 20,4 | 75 | 23,2 | 0,99 | 0,64-1,55 |
Situação conjugal * | ||||||
Não tem companheiro | 132 | 23,4 | 78 | 24,1 | 1,00 | |
Com companheiro | 432 | 76,6 | 245 | 75,9 | 1,04 | 0,75-1,43 |
Tipo de prescrição do medicamento * | ||||||
Sem prescrição médica | 228 | 41,5 | 132 | 44,0 | 1,00 | |
Com prescrição médica | 321 | 58,5 | 168 | 56,0 | 0,55 | 0,42-0,74 |
Tipo de acesso ao medicamento * | ||||||
Desembolso direto | 432 | 78,4 | 108 | 35,9 | 1,00 | |
Unidade de saúde (SUS) | 119 | 21,6 | 193 | 64,1 | 2,03 | 1,48-2,77 |
Morbidades/Intercorrências na gestação | ||||||
Não | 52 | 9,2 | 34 | 10,5 | 1,00 | |
Sim | 512 | 90,8 | 289 | 89,5 | 1,15 | 0,73-1,82 |
Número de consultas pré-natal | ||||||
0-5 | 153 | 27,1 | 129 | 39,9 | 1,00 | |
6 e mais | 411 | 72,9 | 194 | 60,1 | 1,78 | 1,33-2,38 |
Em 2010, os partos domiciliares representaram apenas 0,09% do total de partos realizados em Rio Branco (Departamento de Informática do SUS. Indicadores de Saúde. http://www2.data sus.gov.br/DATASUS/index.php, acessado em 19/Mai/2013). Isso permite que o presente estudo seja considerado de base populacional e foi realizado nas duas maternidades responsáveis por captar e realizar os partos institucionalizados no município.
A média de utilização de medicamentos por primigesta neste trabalho foi de 2,42, 19% maior que os resultados de Osorio-de-Castro et al. 25, em estudo realizado no Rio de Janeiro (2,03). Nos estudos de Guerra et al. 9, em Natal (Rio Grande do Norte) e Furini et al. 8 em Mirassol (São Paulo) foram observadas médias similares (2,4 e 2,6, respectivamente). Maeda & Secoli 10, em São Paulo, obtiveram uma média de 3,63 medicamentos por gestantes. É importante destacar que esses resultados foram observados em trabalhos incluindo gestantes (primíparas e multíparas).
A análise categorizada do número de medicamentos evidenciou a utilização de pelo menos um medicamento por 97,4% das gestantes. Em estudo de Osorio-de-Castro et al. 25, verificou-se que 91,3% das mulheres no Rio de Janeiro usaram pelo menos um medicamento durante o período gestacional; Mengue et al. 26 apresentaram a prevalência do uso de pelo menos um medicamento por 83,8% das gestantes, quando da análise de seis capitais brasileiras em 2004. Padrão semelhante foi encontrado em Natal (86,6%) 9, entretanto, em Piracicaba (São Paulo) foi observada uma prevalência de 44,7% 1.
No consumo geral de medicamentos, os antianêmicos representados pelos suplementos com sais de ferro e ácido fólico obtiveram a maior prevalência (47,5%). Outros estudos também apontaram essa classe como a mais consumida 1,9,10,25,26. Isso pode ser parcialmente justificado pela inclusão desses medicamentos no protocolo de atendimento à gestante, por meio da política de pré-natal e puerpério do Ministério da Saúde, com o intuito de reduzir a anemia gestacional 23.
Todavia, essa conduta vem sendo questionada, pois os benefícios da suplementação de ferro ainda não estão claramente definidos 27,28, e os protocolos deveriam ser destinados somente às mulheres que demonstrassem a carência de ferro por diagnóstico laboratorial 26.
Os benefícios da utilização de folatos para a gestante e formação do concepto estão estabelecidos, sendo preconizada antes mesmo da concepção 29. No presente estudo, existe a limitação em afirmar o uso adequado, pois não foi possível avaliar a utilização dos folatos antes da gestação. Entretanto, é possível afirmar que o uso na gestação esteve aquém do necessário.
Outros trabalhos já referiram a associação positiva entre a assistência no pré-natal e a utilização de medicamentos essenciais. Lunet et al. 30 relataram que a chance de consumir suplemento de folato foi duas vezes maior entre as gestantes portuguesas que realizaram um pré-natal adequado, quando comparadas àquelas que não realizaram o número de consultas recomendado ao longo da gestação. Mezzomo et al. 31 em um estudo com gestantes de Pelotas (Rio Grande do Sul) relataram maior prevalência de suplementação com folato entre as que realizaram sete ou mais consultas durante o pré-natal, relação similar à encontrada por este estudo.
O consumo insuficiente de medicamentos essenciais segundo este estudo pode estar relacionado ao tipo de acompanhamento pré-natal, em que a chance de consumir medicamentos essenciais foi menor entre primigestas que realizaram o pré-natal e o parto na rede privada, quando comparada àquelas que fizeram acompanhamento do pré-natal na rede pública. Em Pelotas, Mezzomo et al. 31 relataram que a suplementação com folato durante a gestação foi duas vezes maior entre mães que foram atendidas na rede privada de saúde durante o pré-natal.
Quando adotada a categorização de risco para uso dos medicamentos durante a gestação proposta pelo FDA, a análise apontou para um padrão de utilização semelhante ao observado em outros estudos nacionais 1,9,10 em que aparece a categoria de risco A (menor risco), seguida da B, C e D. Em contrapartida, este estudo não encontrou evidências de utilização de medicamento classificado na categoria X (totalmente contraindicado), resultado observado por Hardy et al. 32 nos Estados Unidos (7%) e por Sharma et al. 2 no Norte da Índia (5,71%).
Embora observado que 1,2% das mulheres utilizou dois ou mais medicamentos de risco de forma concomitante ou associada, a prevalência de medicamentos categorizados como de risco C e D (8,4%) é menor que a observada em outras investigações 1,9,10,25,33,34. Essa assertiva em Rio Branco pode ser parcialmente explicada pela baixa prevalência de automedicação e pela associação entre utilização de medicamentos de risco com a prescrição médica.
A prevalência de utilização de antibióticos, analgésicos e antifúngicos durante a gestação encontrada no presente estudo (10,5%, 13,8% e 0,4%, respectivamente) difere de outros trabalhos nacionais 9,10,26,33,34. Leite et al. 13 descreveram essa utilização como fator de risco para o desenvolvimento de fendas orofaciais em neonatos. Entre os analgésicos, o presente estudo não foi capaz de analisar de forma individualizada os princípios ativos dos medicamentos. Todavia, estudos sugerem associação entre a utilização de dipirona e o aumento do risco de desenvolvimento de leucemia infantil 12,16.
Os hormônios sexuais também são medicamentos que merecem especial atenção em sua utilização por gestantes, uma vez que são descritos por vários estudos como fator de risco para leucemia infantil, fendas orofaciais e câncer de vagina, em crianças nos primeiros anos de vida 12,13,35.
A idade das primigestas apresentou uma amplitude de 13 a 43 anos, e quando analisado o número médio de medicamentos de risco por idade categorizada apontou para uma tendência de aumento do número de medicamentos com o aumento da idade. Neste estudo a utilização de medicamentos de risco esteve associada ao aumento da idade, e mesmo após a análise multivariada esta associação foi mantida. O perfil de utilização de medicamentos de risco por primigestas de Rio Branco acompanha o de vários outros estudos em outras cidades 1,8,9,26,36, que apontam associação positiva para maior idade, maior escolaridade, maior renda familiar, casadas e de cor de pele branca.
A análise da utilização de medicamentos de risco segundo unidade de saúde onde foi realizado o parto apontou associação positiva (RC = 2,06) entre a maternidade de atendimento misto (particular, convênio e SUS comparada com a maternidade exclusiva do SUS). Esse achado remete às características dos serviços de atenção à saúde, apontando para um diferencial entre os serviços público e privado 37. Nesse caso, a unidade de saúde B é a que recebe todos os partos oriundos de convênios e particulares, e que concentra também as primigestas que tiveram o acompanhamento do pré-natal em clínicas particulares. A análise multivariada manteve esta associação após o ajustamento.
Quanto à associação das variáveis sociodemográficas com o uso de medicamentos, revelou uma associação positiva com maior idade, maior renda familiar, maior escolaridade, casadas e com acesso ao pré-natal e parto na rede privada. Esses resultados respaldam a hipótese de que a educação permite o acesso à determinada formação profissional e, portanto, a um nível de renda elevado, o que por sua vez facilita o acesso a diferentes condutas relacionadas à saúde.
Entre os problemas de saúde pública está o uso irracional de medicamentos 37. A racionalidade do uso é considerada pela OMS como sendo a adequação do medicamento às necessidades clínicas individuais, em doses ideais, oferecendo menor risco e menor custo ao paciente e à sociedade 21,36. Embora o avanço da tecnologia na área farmacêutica tenha aumentado o consumo de medicamentos, colocando as indústrias farmacêuticas em destaque no mercado capitalista contemporâneo 38,39,40, principalmente em decorrência da automedicação, este estudo aponta o contrário. Assim como em Lorena 39 e em Campinas 37, no Estado de São Paulo, foi observada na investigação que apenas 1,1% do consumo de medicamentos foi mencionado pelas entrevistadas como resultante de automedicação. Esse resultado é provavelmente consequência de sub-relato materno considerando que tal conduta está associada a julgamentos prévios, havendo importantes diferenças entre o discurso e a prática dos entrevistados 41.
A utilização dos medicamentos de risco (aqueles categorizados como C, D e X pelo FDA) mostrou-se associada ao acompanhamento médico, e nos casos em que não houve a prescrição médica a atenção foi dispensada pela equipe de enfermagem. Torna-se importante ressaltar que mesmo na análise multivariada a utilização de medicamentos de risco manteve a associação positiva em relação à prescrição médica e o maior número de consultas no pré-natal. A ausência de morbidades ou intercorrências de saúde durante o período gestacional da primigesta foi considerada como fator de proteção na associação com o uso de medicamentos de risco. Esses achados diferem do observado por Bertoldi et al. 42, que ao estudarem gestantes com diabetes verificaram que nenhuma havia usado medicamento da categoria C, e entre as gestantes com hipertensão somente 9,6% mencionaram o uso de algum medicamento C.
Esta investigação, assim como todos os estudos que utilizam a entrevista como instrumento de coleta de dados, está sujeita a algumas limitações. A primeira diz respeito ao viés de memória, pois remete ao recordatório de um período relativamente longo, a gestação, e que quando conturbado ou com intercorrências pode deixar marcas e lembranças mais precisas, porém quando não há problemas, a utilização de medicamentos de forma esporádica pode não ter sido alvo de lembrança. Com o intuito de contornar essa limitação, a entrevista foi realizada com perguntas abertas e fechadas e foram coletados também os dados do cartão de pré-natal da gestante.
Outra limitação a ser considerada é a abordagem, uma vez que ao serem entrevistadas as mulheres ocultassem alguma informação, pois o conhecimento de que a utilização de determinados medicamentos (como abortivos, por exemplo), bem como a automedicação durante o período gestacional são condutas perigosas e que a sociedade reprova. Com o intuito de minimizar a introdução desse viés, foi realizado o treinamento das auxiliares de pesquisa e a padronização dos procedimentos, de forma a transmitir segurança à entrevistada durante a abordagem no alojamento conjunto e preservar a integridade das mesmas.
De acordo com os resultados obtidos, foi verificada uma limitação do estudo no que diz respeito ao conceito de medicamentos na perspectiva das gestantes. Foi constatado um número expressivo de mulheres que não relataram a utilização de nenhum medicamento essencial durante o período gestacional. Esse achado não condizia com os padrões preconizados pelo Ministério da Saúde 23. Dessa forma, foi necessária nova entrevista não prevista na metodologia inicial, com o intuito de confirmar os dados relativos à utilização de medicamentos. Nessa oportunidade, foram contactadas todas as mulheres que não referiram a utilização de medicamentos essenciais. Sendo assim, foi constatada interpretação incorreta no conceito de medicamentos por parte das primigestas. Essas relataram a exclusão de suplementos, vitaminas e minerais por entenderem que medicamentos seriam apenas para tratamento farmacológico de doenças.
Além das limitações mencionadas, destacamos aquelas diretamente relacionadas com a tomada de decisão pelo profissional de saúde em prescrever ou não determinado medicamento durante a gestação. A classificação desenvolvida pelo FDA em 1979 denota equivocada ideia de aumento gradual de risco de A para X, e que medicamentos de mesma categoria apresentam o mesmo potencial de risco.
A gestação não constitui um estado de enfermidade, porém as gestantes constituem um grupo de risco quando se trata de inserção de tratamento farmacológico. Exceto em casos extremos, é possível compatibilizar as prescrições com as características do estágio gestacional. Ao profissional de saúde, responsável pelo acompanhamento da gestante, cabe o conhecimento necessário e a opção por medicamentos cujos benefícios superem os riscos e os mecanismos de ação estejam claramente definidos na literatura, embora haja a constatação da escassa produção científica, bem como as limitações na avaliação da segurança dos medicamentos pelos órgãos competentes.
O Município de Rio Branco apresentou um perfil de utilização de medicamentos, em alguns aspectos, semelhante aos demais estudos realizados no Brasil. O uso de medicamentos essenciais, ainda que em quantidades insuficientes, aparece relacionado às condições socioeconômicas, em que mulheres com menor idade, menor renda familiar e usuárias dos serviços públicos de saúde utilizaram maior quantidade de medicamentos essenciais. Isso remete às políticas públicas de saúde, que apontam para o cuidado pré-natal e a responsabilidade dos serviços em oferecer uma assistência integral à gestante.
A presença de intercorrências de saúde ou morbidades foram fatores de exposição ao uso de medicamentos de risco, apontando para a necessidade de intervenções para promoção e prevenção dos agravos durante o período gestacional.
Deve-se destacar que os medicamentos de risco foram estritamente utilizados mediante prescrição médica com o acompanhamento pré-natal e que os achados relativos à automedicação foram insignificantes, apontando para atitudes corretas das mulheres que mesmo sendo inexperientes por serem primigestas, não se submeteram aos riscos da automedicação.
Considerando as limitações apontadas por este estudo, sugere-se que novas iniciativas sejam desenvolvidas com o intuito de produzir evidências científicas capazes de serem inseridas no contexto das políticas públicas de saúde que visem à melhoria contínua da qualidade da assistência materno-infantil, além de investimentos para divulgação e educação profissional continuada.