versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.16 no.3 São Paulo 2018 Epub 21-Set-2018
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082018ao4283
A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é responsável, direta ou indiretamente, pela origem de doenças crônicas não transmissíveis e pela diminuição da expectativa e da qualidade de vida dos indivíduos. É causa direta da cardiopatia hipertensiva e da insuficiéncia cardíaca, além de constituir fator de risco para doenças decorrentes de aterosclerose e trombose, bem como para deficits cognitivos.(1)
A Atenção Primária à Saúde (APS) é o local preferencial de acesso aos serviços de saúde e responsável, por meio de suas ações, pelo tratamento da HAS. A ocorréncia de internações por HAS induziu a introdução deste agravo na lista brasileira das Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária (ICSAP). Esta inclusão impulsiona os trabalhadores da APS a desenvolver ações para diagnóstico, tratamento e controle da HAS, que, se realizadas efetivamente, diminuem o risco de internações.(2)
A ocorréncia de internações gera custos diretos à saúde, pela utilização dos recursos clínicos para a produção de atividade clínica, pelas despesas com doentes e familiares com deslocamentos para consolidar a assisténcia; e indiretos, relacionados à perda de função e da produtividade, decorrentes do problema de saúde.(3)
No período de 2008 a 2012, foram registrados, no Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), 5.685.827 internações por doenças do aparelho circulatório e, destas, 479.497 por hipertensão essencial (primária).(4) De 2008 a 2014, ocorreram 273.393 internações em homens adultos por HAS, respondendo por 6,7/1.000 internações.(5)
A HAS apresenta forte impacto econômico para o Sistema Único de Saúde (SUS), despontando como preditor clínico potencial para o agravamento de outras doenças crônicas, aumentando o tempo de internação e apresentando associação positiva com a elevação dos custos com o tratamento.(6)
Estudar a temporalidade das internações por hipertensão arterial e seus fatores associados.
Estudo ecológico, com dados secundários, referentes às internações hospitalares por hipertensão arterial essencial, segundo a décima edição da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID10- http://www.cid10.com.br/code), sob código I10 - hipertensão essencial (primária), que foi a variável dependente deste estudo.
Os dados foram obtidos no site do DATASUS/Informações de Saúde (TABNET), em outubro de 2016, contemplando o Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIHSUS) no período de 2010 a 2015, o Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) e os indicadores de desenvolvimento social do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Deste último, foram utilizados o Índice de Gini, medida de desigualdade social; o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), medida comparativa para classificar e comparar os municípios, a partir do desenvolvimento humano e do analfabetismo para sujeitos maiores de 18 anos, calculados por município e disponibilizados no banco de dados do programa.
As taxas de internações por 10 mil habitantes foram padronizadas por faixa etária e sexo, segundo a população do censo 2010. Para análise, utilizou-se o ano de 2012, último período com registro de dados populacionais no DATASUS. Adotaram-se duas unidades de análise: regiões (dados gerais) e municípios com mais de 100 mil habitantes para as variáveis da regressão linear. A amostra do estudo foi composta pelos 5.565 municípios, com ano base de 2012.
Os dados foram organizados em planilha Excel 2013 e transpostos para o Statistical Package of the Social Science (SPSS), versão 20.0. A faixa etária foi agrupada em menores e maiores de 60 anos; e a cor, em branca e não branca (pretos, pardos, indígenas e amarelos). A análise estatística descritiva deu-se com proporção (%), razão (R) e média, com respectivo desvio padrão (DP), como medida de tendéncia central. Os dados das internações por HAS foram apresentados por região. A existéncia de correlação entre as variáveis foi observada pela correlação de Pearson, seleção a partir de r ≥0,350 e p<0,2, para inclusão na regressão linear múltipla, tendo como base municípios com mais de 100 mil habitantes, para minimizar a flutuação dos dados e a presença de dados perdidos.
Este estudo é parte da tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, cujo projeto foi aprovado pelo Conselho de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Onofre Lopes, sob parecer número 1.144.406, CAAE: 45926715.8.0000.5292.
No Brasil, a média dos indicadores da APS no ano de 2012 foi de 86,85% (DP de 21,38) para cobertura de equipes (populacional estimada atendida pelas equipes de APS), sendo que, deste percentual, 57,5% dos municípios apresentaram cobertura de 100% e apenas 16,9% valor inferior a 60%; 34,40% (DP de 12,72) para ICSAP; 20,37% (DP de 81,46) para internações por HAS. Consultas/ano no Hiperdia, (programa nacional para cadastramento e acompanhamento de hipertensos e diabéticos atendidos na rede ambulatorial do SUS), chegaram a 7.802,05 (DP de 25.288,27), correspondendo à razão de 3,7 consultas ano/hipertenso cadastrado. Quando os dados foram analisados por município individualmente, foram encontradas variações de valores, que dependiam da população do município, do percentual de cobertura de serviços da APS e do investimento que os gestores empregaram para o desenvolvimento das ações.
O número de internações clínicas e sua evolução ao longo do tempo (Tabela 1) constituíram parâmetros para avaliar a efetividade das ações da APS no tocante ao controle da HAS.
Região | 2010 | 2010-2012 (%) | 2012 | 2012-2015 (%) | 2015 |
---|---|---|---|---|---|
Norte | 9.959 | 10,06 | 10.961 | −32,64 | 7.383 |
Nordeste | 35.112 | -15,37 | 29.716 | -8,84 | 27.088 |
Sudeste | 33.127 | −11,52 | 29.310 | −29,94 | 20.535 |
Sul | 9.142 | -17,73 | 7.521 | -23,64 | 5.743 |
Centro-Oeste | 9.789 | −23,97 | 7.443 | −44,32 | 4.144 |
Brasil | 97.129 | -12,82 | 84.681 | -23,37 | 64.893 |
Fonte: DATASUS 2016 - http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sih/cnv/nrbr.def
No período de 2010 a 2015, a HAS respondeu por 493.299 internações, representando 0,73% das internações totais. Proporcionalmente à população, a região com menos registros foi a Sudeste, com 0,03% e 0,02% no período. Sua ocorrência apresentou comportamento linear descendente nas regiões brasileiras, salvo a Região Norte, cujo evento se deu a partir de 2013. A queda média de internações por HAS no Brasil foi de 7,76%.
O tempo de internação definiu a gravidade do caso, a adequação do serviço à assistência e os custos com procedimentos (Tabela 2). A média de permanência hospitalar (4,2 dias) dos portadores de HAS caiu nas Regiões Norte e Sul, quando comparado o ano 2010 ao de 2015, aumentando nas demais. O valor da permanência aumentou em todas as regiões, porém o total pago pelas internações diminui. O Brasil apresentou queda média nos custos de −24,21%. A Região Nordeste apresentou a menor queda, e a Centro-Oeste, a maior. A diminuição no custo médio das internações por HAS não foi proporcional à redução de sua frequência.
Região | Permanência | Custo/AIH | Valor total médio pago/ AIH (R$) | Diferença (%) | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|
2010 | 2015 | 2010 | 2015 | 2010 | 2015 | ||
Norte | 3,5 | 3,2 | 223,97 | 227,94 | 2.230.517,23 | 1.682.881,02 | −24,55 |
Nordeste | 3,8 | 4,3 | 247,88 | 303,44 | 8.703.562,56 | 8.219.582,72 | -5,56 |
Sudeste | 5,0 | 5,3 | 381,99 | 436,16 | 12.654.182,73 | 8.955.673,28 | −29,23 |
Sul | 3,3 | 3,2 | 260,90 | 270,88 | 2.385.147,80 | 1.555.663,84 | -34,78 |
Centro-Oeste | 3,2 | 3,3 | 251,91 | 256,22 | 2.465.946,99 | 1.061.775,68 | −56,94 |
Brasil | 4,0 | 4,3 | 292,98 | 332,37 | 28.456.854,42 | 21.568.486,41 | -24,21 |
Fonte: DATASUS 2016 - http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sih/cnv/nrbr.def
AIH: Autorização de Internação Hospitalar.
A distribuição das internações se deu pelas variáveis sexo, cor e faixa etária, sendo distribuídas por região brasileira (Tabela 3).
Variável | Região | 2010 | % | Razão* | 2015 | % | Razão* | Diferença % |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Mulher/ Homem | Norte | 5.553 | 55,8 | 1,3:1 | 4.210 | 57,0 | 1,3:1 | −24,2 |
4.406 | 44,2 | 3.173 | 43,0 | −28,0 | ||||
Nordeste | 21.839 | 62,2 | 1,6:1 | 16.937 | 62,5 | 1,7:1 | -22,4 | |
13.273 | 37,8 | 10.151 | 37,5 | -23,5 | ||||
Sudeste | 18.679 | 56,4 | 1,3:1 | 11.524 | 56,1 | 1,3:1 | −38,3 | |
14.448 | 43,6 | 9.009 | 43,9 | −37,6 | ||||
Sul | 5.649 | 61,8 | 1,6:1 | 3.526 | 61,4 | 1,6:1 | -37,6 | |
3.493 | 38,2 | 2.217 | 38,6 | -36,5 | ||||
Centro-Oeste | 5.850 | 59,8 | 1,5:1 | 2.439 | 58,9 | 1,4:1 | −58,3 | |
3.939 | 40,2 | 1.705 | 41,1 | −56,7 | ||||
Brasil | 57.570 | 59,3 | 1,5:1 | 38.636 | 59,5 | 1,5:1 | -32,9 | |
39.559 | 40,7 | 26.255 | 40,5 | -33,6 | ||||
Cor Branca/Não Branca | Norte | 425 | 6,8 | 1:13,6 | 214 | 5,0 | 1:18,8 | −49,6 |
5.806 | 93,2 | 4.025 | 95,0 | −30,8 | ||||
Nordeste | 2.566 | 12,6 | 1:6,9 | 1.377 | 7,8 | 1:11,9 | -46,3 | |
17.745 | 87,4 | 16.368 | 92,2 | -7,8 | ||||
Sudeste | 14.646 | 61,1 | 1,6:1 | 8.679 | 55,2 | 1,2:1 | −40,7 | |
9.332 | 38,9 | 7.034 | 44,8 | −24,6 | ||||
Sul | 6.532 | 87,0 | 6,7:1 | 4.193 | 88,0 | 7,3:1 | -36,0 | |
977 | 13,0 | 571 | 12,0 | -41,6 | ||||
Centro-Oeste | 1.740 | 31,3 | 1:2,2 | 746 | 31,6 | 1:2,2 | −57,1 | |
3.826 | 68,7 | 1.616 | 68,4 | −57,8 | ||||
Brasil | 25.909 | 40,7 | 1:1,5 | 15.209 | 33,9 | 1:1,9 | -41,3 | |
37.686 | 59,3 | 29.614 | 66,1 | -21,4 | ||||
<60 anos ≥ 60 anos | Norte | 4.402 | 45,1 | 1,3:1 | 3.176 | 43,9 | 1,3:1 | −27,9 |
5.364 | 54,9 | 4.060 | 56,1 | −24,3 | ||||
Nordeste | 14.756 | 42,7 | 1,3:1 | 11.181 | 42,0 | 1,4:1 | -24,2 | |
19.801 | 57,3 | 15.424 | 58,0 | -22,1 | ||||
Sudeste | 14.699 | 45,0 | 1,2:1 | 8.545 | 42,2 | 1,4:1 | −41,9 | |
17.978 | 55,0 | 11.718 | 57,8 | −34,8 | ||||
Sul | 4.098 | 45,6 | 1,2:1 | 2.430 | 43,0 | 1,3:1 | -40,7 | |
4.893 | 54,4 | 3.216 | 57,0 | -34,3 | ||||
Centro-Oeste | 4.651 | 48,0 | 1,1:1 | 1.863 | 45,7 | 1,2:1 | −59,9 | |
5.037 | 52,0 | 2.210 | 54,3 | −56,1 | ||||
Brasil | 42.606 | 44,5 | 1:1,2 | 27.195 | 42,6 | 1:1,3 | -36,2 | |
53.073 | 55,5 | 36.628 | 57,4 | -31,0 |
Fonte: DATASUS 2016 - http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sih/cnv/nrbr.def
*Razão entre mulheres e homens; Razão entre as cor/raça e faixa etária.
Em 2010, no Brasil, ocorreram 97.129 internações por HAS e, em 2015, 64.893, sendo as mulheres mais prevalentes, com uma razão média de 1,5 mulher para cada homem. A cor não branca foi a mais prevalente nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste (R média de 7,6:1, em 2010, e 11,0:1, em 2015) e a branca nas Sudeste e Sul (R média de 1,6:1, em 2010, e 4,3:1, em 2015). A faixa etária com mais registro foi maiores de 60 anos (R média de 1,2:1 entre 2010 e 2015).
A ausência de dados influenciou na análise da realidade. A variável cor teve 34,9% de ausência de registro em 2010 e 30,9% em 2015, e a faixa etária, 1,5%, em 2010, e 1,6%, em 2015.
A correlação de Pearson foi realizada com variáveis dos indicadores da APS, hospitalares e de desenvolvimento. Apenas as variáveis que apresentaram correlação de moderada a forte fizeram parte da regressão linear (Tabela 4). As variáveis selecionadas foram percentual de ICSAP (r=-0,433; p<0,001), cardiologistas (r=0,471; p=<0,001), analfabetismo (r=-0,778; p<0,001), Índice de Gini (r=0,461; p<0,001), renda per capita (r=0,881; p<0,001) e IDHM (r=0,881; p<0,001).
Variáveis do modelo | Beta padronizado | Valor de t | Valor de p | IC95% | |
---|---|---|---|---|---|
Constante | −4,594 | <0,001 | −0,039 | −0,016 | |
ICSAP(%) | 0,386 | 24,491 | <0,001 | 0,000 | 0,000 |
Taxa de cardiologistas | 0,000 | −0,008 | 0,994 | −0,001 | 6,157 |
Analfabetismo >18 anos | 0,033 | 1,062 | 0,288 | 0,000 | 0,000 |
Renda per capita | −0,116 | −3,105 | 0,002 | 0,000 | 0,000 |
Indice de Gini | -0,008 | 0,480 | 0,631 | -0,005 | 0,008 |
IDHM | 0,198 | 4,225 | <0,001 | 0,019 | 0,051 |
IC95%: intervalo de confiança de 95%; ICSAP: Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária; IDHM: Índice de Desenvolvimento Humano Municipal. Variável dependente: taxa de internação hospitalar por HAS/10 mil habitantes.
Foram excluídas da regressão linear as variáveis taxa de cardiologistas, analfabetismo e Índice de Gini por perderem a significância estatística (p>0,05). Permanecerem na regressão as variáveis: percentual de ICSAP e IDHM com associação positiva e a renda per capita negativa.
Estudo com base de dados públicos gera vantagens e limitações. As vantagens residem no acesso aos dados e na diversidade de indicadores disponíveis. Uma limitação é a incompletude dos dados, o que não impossibilita sua utilização para uma análise mais profunda a longo prazo. No tocante a variável internações, a limitação é semelhante a do estudo de Godoy et al.,(7) cuja confiabilidade das informações tem como restrição o nível de acurácia e a completitude dos dados. Outras limitações são o não registro de reinternação e a permanência superior a 30 dias ou transferências, fazendo com que um mesmo usuário possa gerar mais de uma guia de internação. Isto decorre da estrutura remunerativa do sistema, que privilegia a lógica financeira em detrimento da epidemiológica.(8)
A ausência de dados no sistema de informação corrobora um quadro epidemiológico aquém da realidade. Esta fragilidade pode ser resolvida a partir de um sistema de informação que promova a comunicação entre todos os sistemas e visibilize o usuário como ser, e não como agravo. Iniciativas como prontuário eletrônico e a Classificação Internacional de Atenção Primária devem ser fortalecidas.
Apesar das limitações próprias de estudos com dados secundários, as informações geradas são válidas e importantes, pois sua divulgação incide na produção do conhecimento e de um referencial para a tomada de decisão. Estudar a temporalidade das internações por HAS, como integrante da lista de ICSAP, conduz a uma reflexão sobre a efetividade da APS no controle da pressão arterial, bem como da articulação entre as linhas de cuidado e os cenários de atenção.
Há uma variabilidade alta nos indicadores da APS. Isto decorre da realidade distinta dos municípios brasileiros, cuja população apresenta valores muito distantes da média. Em 2015, a cobertura de equipes da APS no Brasil apresentava um índice de 92%, como resultado dos esforços de apoio e incentivo do Ministério da Saúde na valorização do cuidar voltado para promoção e a prevenção em saúde. Apesar das altas coberturas, os mecanismos de gestão e as desigualdades sociais do país fazem com que o acesso à oferta de cuidados e aos serviços ainda apresente fragilidades, pois sua garantia depende da reorganização dos serviços de saúde em rede, com suporte dos serviços de apoio diagnóstico, assistência especializada e hospitalar.(9,10)
O impacto das ações desenvolvida na APS é visível na redução permanente das ICSAP, com índice de 31,7% em 2015. O resultado dos investimentos na APS é evidenciado na redução na taxa de mortalidade infantil e na ocorrência de internações hospitalares por causa evitáveis.(9) O investimento é fato indiscutível, mas a forma como é empregado é que gera bons resultados.
A redução do número de internações por HAS mantém relação com o número de consultas ofertadas e o controle dos níveis pressóricos. Neste estudo, a razão de consulta por hipertenso cadastrado no SIAB foi 3,7:1/ano. É um dado que atende às diretrizes do Ministério da Saúde, que recomenda, para acompanhamento, no mínimo, três consultas médicas ao hipertenso por ano.(11) Com três consultas ao ano, o profissional perde o acompanhamento do tratamento não medicamentoso, ocorrendo a supervalorização do tratamento medicamentoso - atitude mais fácil de ser adotada. Estudos(12,13) evidenciaram que os usuários, apesar de assumirem uma atitude positiva com relação ao tratamento medicamentoso, facilmente o abandonam, seja por dose inadequado ou cuidados incipientes.
Esta realidade denota a necessidade do acompanhamento mensal por parte da equipe multiprofissional. Porém, a incorporação de profissionais, além dos componentes da equipe básica, é muito baixa na APS. Este estudo revelou que, para cada 10 mil habitantes, a média de nutricionistas é de 2,4, 1,98 de cardiologistas e 0,21 de preparadores físicos por município. Buscar a autonomia e a individualidade do cliente, e associar estratégias de mobilização social em uma ação intersetorial são condições para melhorar as questões relacionadas ao cuidado com a saúde e a qualidade de vida.(12)
A redução na ocorrência de internação por HAS nas regiões brasileiras apresenta diferenças distintas. Na Região Norte, ela só ocorreu a partir de 2013. A prevalência dos fatores de risco, as desigualdades na implantação e expansão da APS e a forma de organizar e operacionalizar a assistência são fatores determinantes das diferenças regionais.(4) A conscientização, o maior conhecimento dos brasileiros sobre os fatores de risco para o agravamento do estado de saúde, a maior cobertura da APS e as políticas de promoção à saúde da população hipertensa são fatores determinantes para a redução do número de internações.(14–16)
Destaca-se também o incentivo ao tratamento medicamentoso, que, apesar de seu efeito benéfico, favorece os interesses da indústria farmacêutica. O uso racional de medicamentos ganha espaço com as Políticas Nacionais de Medicamentos e de Assistência Farmacêutica, estabelecidas a partir do final dos anos 1990, para salvaguardar as falhas na provisão pública de medicamentos,(16) ficando mais consistente com a Portaria 111, de janeiro de 2016, que valida a receita médica por 6 meses, fortalecendo o programa Saúde Não Tem Preço.(17) Isto facilita o acesso ao medicamento, mas diminui o acesso às orientações e ao acompanhamento mensal, e aumenta a automedicação. Para Silva et al.,(16) a expansão da assistência farmacêutica para o setor privado garante o acesso ao medicamento, mas não o atendimento e a orientação, pois, o estímulo para o usuário ir ao serviço é a necessidade de pegar a receita médica para aquisição de medicamento.(18) Outros fatores para a redução nas internações por HAS são a variedade de drogas anti-hipertensivas, a diminuição dos efeitos adversos, os preparados genéricos e a associação de medicamentos que podem induzir ao controle da pressão arterial a nível ambulatorial.(4)
A permanência hospitalar sofreu discreta alteração em quase todas as regiões, representando também aumento no valor médio das internações. Estudo(19) aponta uma “normalidade” no aumento deste indicador quando trata das internações por hipertensão, em oposição a outros, que relatam tendência decrescente do indicador para a mesma patologia.(20,21) A redução na frequência das internações aponta para a eficiência da APS e das políticas de promoção da saúde, a ampliação do acesso dos usuários aos serviços e a maior cobertura das estratégias de APS.(22,23) Por outro lado, a redução dos custos pode ser um resultado mascarado de usuários que entram no serviço com complicações da HAS, tendo os custos direcionados/codificados para procedimentos mais caros, como é o caso do infarto agudo do miocárdio e o acidente vascular encefálico.(4) Uma tendência dos serviços hospitalares que trabalham na lógica de produção de procedimentos, em função do SIS/AIH funcionar na forma de reembolso dos serviços prestados.(14)
Este estudo revelou que as mulheres se internam mais que os homens, corroborando outras pesquisas.(21,24) Este resultado não era esperado, pelo fato de elas cuidarem da saúde e manterem os níveis pressóricos mais controlados que os homens. Outros estudos(13,14) revelam resultados contrários, nos quais há diminuição de internações em mulheres de forma linear. Isto ocorrendo por elas serem mais perceptíveis à sua condição de saúde, fazerem-se mais presentes nos serviços e aderirem mais ao tratamento que os homens.(25) Por uma questão cultural, os homens não têm o hábito de cuidar de sua saúde e nem de buscar assistência na Estratégia Saúde da Família.
O grupo etário mais prevalente foi o maior de 60 anos, resultado esperado em função do efeito deletério da HAS no organismo, decorrente do processo de envelhecimento. Padrão semelhante foi diagnosticado por meio do VIGITEL(15) e observado nos Estados Unidos.(24) Os idosos, em função da maior carga de doenças e incapacidades, utilizam grande parcela dos serviços de saúde, refletindo a ineficiência dos modelos de atenção vigentes para eles.(26)
A raça não branca foi mais prevalente nas internações. Will et al.,(24) que destacaram maior prevalência na cor negra, na razão mínima de 3:1, decorrente das barreiras socioeconômicas e geográficas, de cuidado inadequado, da presença de comorbidades. Destaca-se a ausência da informação raça/cor em 33% das internações, o que compromete o planejamento e a alocação de recursos para ações voltadas para a real necessidade. Will et al.,(24) depararam-se com até 22% de dados ausentes.
A regressão linear destacou como fatores relacionados à manutenção do quadro de internações por HAS o percentual de ICSAP, a renda per capita e o IDHM.
O coeficiente padronizado destaca o percentual de ICSAP como a variável que mais impacta na redução das internações por HAS, já que ações efetivas da equipe da Estratégia Saúde da Família influenciam no controle da pressão arterial e na diminuição da ocorrência de complicações. A ocorrência de ICSAP aponta para uma desorganização da oferta, da resolubilidade e do acesso na APS.(27) As ações desenvolvidas na Estratégia Saúde da Família têm provocado uma diminuição em sua ocorrência.
A renda é fator influente na saúde do indivíduo. Sua distribuição impacta diretamente nos recursos disponíveis, e nos investimentos em infraestrutura individual e comunitária. A baixa renda favorece um baixo nível de escolaridade, que influencia na qualidade do autocuidado e na identificação dos fatores de risco, interferindo negativamente nos comportamentos de proteção para a saúde.(28) Por isso, é importante investir em educação, que, além de seus inúmeros benefícios, tem a potencialidade de reduzir a mortalidade cardiovascular, aumentar a expectativa de vida e diminuir os gastos no atendimento à saúde.(29)
Um IDHM elevado aumenta o número de internações por HAS, decorrente das condições às quais estão expostos os sujeitos que vivem nas cidades mais desenvolvidas; por outro lado, apresentam rede de assistência mais organizada com maior oferta de leitos hospitalares, garantindo a internação daqueles que necessitam. Para Magnabosco et al.,(30) a evolução tecnológica e o trabalho assalariado contribuem para o aumento do sedentarismo, o consumo de alimentos industrializados, a maior quantidade de sal, o sobrepeso e obesidade, que se destacam como fatores comprovadamente associados às doenças cardiovasculares e, em especial, à hipertensão arterial e seu controle.
Importante destacar que, mesmo não tendo apresentado associação significativa com as internações por HAS, a cobertura da APS e sua ampliação na oferta de serviços constituem alguns dos pilares para ampliar e fortalecer a gestão de um cuidado integral. Investir na equipe multiprofissional para a Estratégia Saúde da Família, como forma de diluir e partilhar responsabilidades, e intensificar as ações de promoção à saúde e prevenção à doença são os caminhos para se alcançarem resultados mais robustos e, com isto, diminuir a ocorrência de internações por HAS ou suas complicações.
O comportamento decrescente das internações reforça o resultado positivo da Atenção Primária à Saúde, bem como a necessidade de se ampliar o acesso aos serviços e o cuidado integral, e de implementar o acompanhamento e monitoramento da hipertensão arterial sistêmica por equipe interprofissional, pois sua ocorrência ainda gera custos para os cofres públicos e a sociedade.