Compartilhar

Fatores de Risco Cardiovascular: Do Conhecimento Consolidado à Chamada para Ação

Fatores de Risco Cardiovascular: Do Conhecimento Consolidado à Chamada para Ação

Autores:

Guilherme Brasil Grezzana,
Lucia Campos Pellanda

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170

Arq. Bras. Cardiol. vol.105 no.4 São Paulo out. 2015

https://doi.org/10.5935/abc.20150128

A partir da década de 1950, o principal periódico da cardiologia brasileira, os Arquivos Brasileiros de Cardiologia (ABC), passou a estar indexado no Medline1. Desde então, um total de 7102 publicações foram vinculadas nas suas edições abordando diversos temas da cardiologia clínica, invasiva e cirúrgica, e métodos diagnósticos.

Realizamos uma revisão de artigos publicados nos ABC no período de janeiro de 2001 a junho de 2015 que abordaram temas norteando o termo MeSH “Fatores de risco cardiovascular”. Dos 3087 títulos de artigos publicados no período, 116 artigos com o termo foram identificados. Desses, foram avaliados os abstracts, restando 107 artigos cujo tema central era a avaliação de fatores de risco cardiovascular. A amostra era composta por 102 artigos originais, 3 cartas e dois editoriais. Quando avaliado por tema específico, 88 artigos abordaram de forma generalizada “fator ou risco cardiovascular” e suas diversas nuances, 6 artigos versaram sobre qualidade de vida e fator de risco (FR) cardiovascular, 4 citaram aspectos epidemiológicos e FR, 5 artigos abordaram especificamente hipertensão arterial sistêmica e FR, 3 constituíram diretrizes sobre FR e 1 relacionou FR com saúde pública. Contudo, se focarmos somente FRs isolados, há uma nítida prevalência de artigos envolvendo hipertensão arterial (18% entre 2010 e 2013) e uma tendência de aumento de artigos sobre diabetes (aproximadamente 10%) publicados nos ABC nos últimos anos.

Nos últimos 15 anos, as médias anuais de artigos abordando FRs cardiovasculares como tema central, publicados nos ABC, mantiveram-se homogêneas sem diferenças significativas (p = 0,195) entre os anos, sendo de 3,47% em relação ao total de artigos publicados (Tabela 1). Considerando a base de dados do SciELO e o número de acessos aos artigos selecionados entre janeiro de 2014 a junho de 2015, os dois artigos que obtiveram o maior número de buscas foram dois estudos transversais abordando os temas de síndrome metabólica e hipertensão arterial sistêmica (Tabela 2)2,3.

Tabela 1 Total de publicações sobre o tema fatores de risco cardiovascular entre 2001 e 2015 identificadas por busca de termo MeSH e revisão do título e resumo dos artigos 

Ano N N-Revisado % N-Revisado/N
2001 134 4 2,98%
2002 168 3 1,78%
2003 160 5 3,12%
2004 184 2 1,08%
2005 224 8 3,57%
2006 274 11 4,05%
2007 244 9 3,68%
2008 172 5 2,9%
2009 259 11 4,24%
2010 331 18 5,43%
2011 235 5 2,12%
2012 209 4 1,91%
2013 236 10 4,23%
2014 227 9 3,96%
2015 30 3 10%
Total 3087 107 3,47%

N: Número de artigos publicados; N-Revisado: Artigo selecionado a partir da revisão de seu abstract; % N-Revisado/N: % de artigos com temas relacionados a fatores de risco cardiovascular em relação ao número total de artigos publicados.

Tabela 2 Relação dos artigos selecionados nos anos de 2015 e 2014 e o número de acessos segundo a base de dados do SciELO (data de acesso: 23/06/15) 

N Acessos Ano Vol/N/Pags Título do artigo Desenho Cidade País do estudo
100 2014 V 102, n 4, p 345-354 Intervenções na dieta e pressão arterial na América Latina: revisão sistemática e metanálise RS Curitiba Brasil
280 2014 V 102,n 4, p 374-382 Hábitos alimentares, atividade física e escores de risco global de Framingham na síndrome metabólica ET Porto Alegre Brasil
119 2014 V 103,n 21; p 1-31 Diretriz sul americana de prevenção e reabilitação cardiovascular D Brasil
168 2014 V 103,n 6, p 493-501 Comparação entre fatores de risco cardiovascular em diferentes áreas da saúde num intervalo de 20 anos EC Goiânia Brasil
107 2014 V 102,n 5, p 473-480 Prevalência de fatores de risco cardiovascular em pacientes em hemodiálise – o estudo CORDIAL ET Porto Alegre Brasil
235 2014 V 102,n 6, p 571-578 Controle da pressão arterial em hipertensos do Programa Hiperdia: estudo de base territorial ET Porto Alegre Brasil
151 2014 V 102,n 5, p 420-431 l Diretriz de prevenção cardiovascular da SBC – Resumo executivo D Brasil

ET: Estudo transversal; EC: Estudo coorte; D: Diretriz; RS: Revisão Sistemática; SBC: Sociedade Brasileira de Cardiologia.

No ano de 2005, um editorial publicado nos ABC abordou a temática dos FRs cardiovasculares no Brasil e a perspectiva da epidemiologia cardiovascular nos vindouros 50 anos4. Dados nacionais publicados na época (estudo conduzido na região metropolitana de São Paulo e o estudo AFIRMAR)5,6, e um estudo com população escolar sobre estilo de vida e doença cardiovascular7 permitiram observar que os fatores preditores para a doença aterosclerótica no Brasil não diferiam dos encontrados na Europa e América do Norte8. Adicionalmente, há uma estabelecida relação entre mortalidade precoce por causas cardiovasculares e desigualdade social9. Contudo, após uma década da publicação desse editorial com esclarecimento quanto à definição dos FRs cardiovasculares no Brasil, a maioria das publicações nos ABC que abordaram o tema manteve desenhos observacionais. Essa tendência pode ser observada em uma revisão de publicações nos ABC nos últimos 60 anos10. Desta forma, o cenário atual é de consolidação e confirmação do conhecimento dos FRs tradicionais para eventos cardiovasculares, associado a resultados de coeficientes de mortalidade por doença isquêmica e cerebrovascular em diferentes regiões do país.

Assim, o desafio para a epidemiologia cardiovascular e a publicação acadêmica nos próximos anos é fomentar estudos de intervenção. Essa abordagem, em consonância com medidas de prevenção primária e secundária, poderá contribuir para a modificação dos dados epidemiológicos do risco cardiovascular no Brasil nos próximos anos. O papel da principal revista de cardiologia no país é, assim, o de contribuir com a publicação de evidências sólidas que possam embasar práticas de mudanças em nosso meio.

REFERÊNCIAS

Stein R, Araújo CG. Heart, exercise and the Brazilian Archives of Cardiology. Arq Bras Cardiol. 2011;97(6):446-8.
Soares TS, Piovesan CH, Gustavo Ada S, Macagnan FE, Bodanese LC, Feoli AM. Alimentary habits, physical activity, and Framingham global risk score in metabolic syndrome. Arq Bras Cardiol. 2014;102(4):374-82.
Souza CS, Stein AT, Bastos GA, Pellanda LC. Blood pressure control in hypertensive patients in the "Hiperdia Program": a territory-based study. Arq Bras Cardiol. 2014;102(6):571-8.
Polanczyk CA. [Cardiovascular risk factors in Brazil: the next 50 years!]. Arq Bras Cardiol. 2005;84(3):199-201.
Avezum A, Piegas LS, Pereira JC. [Risk factors associated with acute myocardial infarction in the São Paulo metropolitan region: a developed region in a developing country]. Arq Bras Cardiol. 2005;84(3):206-13.
Piegas LS, Avezum A, Pereira JC, Neto JM, Hoepfner C, Farran JA, et al; AFIRMAR Study Investigators. Risk factors for myocardial infarction in Brazil. Am Heart J. 2003;146(2):331-8.
Lancarotte I, Nobre MR, Zanetta R, Polydoro M. Lifestyle and cardiovascular health in school adolescents from São Paulo. Arq Bras Cardiol. 2010;95(1):61-9.
Yusuf S, Hawken S, Ounpuu S, Dans T, Avezum A, Lanas F, et al; INTERHEART Study Investigators. Effect of potentially modifiable risk factors associated with myocardial infarction in 52 countries (the INTERHEART study): case-control study. Lancet. 2004;364(9438):937-52.
Bassanesi SL, Azambuja MI, Achutti A. Premature mortality due to cardiovascular disease and social inequalities in Porto Alegre: from evidence to action. Arq Bras Cardiol. 2008;90(6):370-9.
Evora PR, Nather JC, Rodrigues AJ. Prevalence of heart disease demonstrated in 60 years of the Arquivos Brasileiros de Cardiologia. Arq Bras Cardiol. 2014;102(1):3-9.