versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.21 no.4 Rio de Janeiro abr. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015214.15432015
As mudanças observadas nos padrões de estilo de vida da população contemporânea estão relacionadas aos processos de industrialização, urbanização e desenvolvimento econômico. Algumas destas mudanças refletem negativamente na saúde dos indivíduos, considerando sua relação com fatores de risco para doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como hábitos alimentares inadequados, tabagismo, sedentarismo e ingestão nociva de álcool1.
Em 2012, aproximadamente 68,0% das causas de morte no mundo foram atribuídas às DCNT, sendo 40,0% delas em indivíduos com idade inferior a 70 anos2. Dentre as DCNT, as doenças cardiovasculares (DCV) são a principal causa de mortalidade, responsáveis por cerca de 17,5 milhões das mortes em todo o mundo3. No Brasil, verifica-se uma tendência declinante na mortalidade ocasionada por DCV, porém estas continuam sendo a principal causa de morte e hospitalizações no país, atingindo a marca de 31,3% de óbitos na população adulta4.
As DCV são consideradas de natureza progressiva, pois a idade atua como fator de risco significativo para o seu desenvolvimento. No entanto, a presença de fatores de risco cardiovascular (FRCV) tem sido diagnosticada também em estágios de vida mais precoces5.
Assim como ocorre com a população civil, o aumento na prevalência de FRCV em jovens também pode acometer os militares6, caracterizados como uma população saudável, fisicamente ativa e com baixo risco de desenvolver DCNT. Investigações de FRCV em população militar têm sido relatadas na literatura5-12, entretanto, poucos estudos avaliaram o consumo alimentar desses indivíduos13-17. No Brasil, foram localizados poucos estudos nos últimos dez anos sobre risco cardiovascular em população militar18-24 e, foram localizados apenas dois que avaliaram consumo alimentar18,21. Diante da importância de se conhecer o perfil de FRCV entre militares para traçar as devidas medidas de prevenção, diagnóstico e tratamento precoce, delineou-se a presente pesquisa. Este estudo teve por objetivos investigar a prevalência de FRCV e inadequações de consumo alimentar em cadetes da Academia da Força Aérea Brasileira (AFA) e a associação destes fatores com sexo e ano de formação.
Foi realizado estudo transversal com cadetes matriculados na AFA, de ambos os sexos, com idade entre 20 e 30 anos, na cidade de Pirassununga, São Paulo, Brasil, com coleta de dados entre os meses de junho a dezembro de 2013. Os cadetes foram convidados a participar do estudo em palestras realizadas pelo pesquisador responsável, com explicações sobre todas as etapas que seriam realizadas. Foram recrutados 175 cadetes, dentre os cerca de 800 matriculados. Dos 175, dois foram desligados durante o curso, um desistiu de participar do estudo e seis cadetes não compareceram à consulta de avaliação nutricional. Assim, a amostra final foi composta por 166 indivíduos. Não foram incluídos no estudo: gestantes; aqueles em uso de fármacos com potencial de interferir no perfil bioquímico de lipídios séricos; e aqueles em estados espoliativos, como infecção, inflamação, febre, estresse metabólico e diarreia.
O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Goiás. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi apresentado aos indivíduos durante a consulta inicial e foi assinado em duas vias pelo pesquisador responsável e por todos os que aceitaram participar do estudo.
A coleta dos dados foi dividida em dois momentos: (1) coleta dos dados socioeconômicos, de estilo de vida e antropométricos, dados de pressão arterial, além de instruções para preenchimento dos registros alimentares; (2) coleta de material biológico para realização dos exames bioquímicos.
A coleta de dados socioeconômicos, de estilo de vida e antropométricos foi realizada na Sala de Nutrição da Subdivisão de Saúde da AFA, conduzida por único pesquisador. Com relação ao estilo de vida, foi dada ênfase para o nível de atividade física e o hábito de fumar. As medidas antropométricas incluíram peso, estatura, circunferência da cintura, dobras cutâneas. Nesta mesma consulta, os participantes receberam instruções de como preencher os registros alimentares e orientações para a coleta de sangue, realizada em dia previamente agendado com cada indivíduo. Nesse momento também eram aferidas as pressões arteriais sistólica (PAS) e diastólica (PAD).
O nível de atividade física foi contabilizado em minutos/semana e mensurado de acordo com os relatos de atividades realizadas durante as aulas de Educação Física. A recomendação para prática de atividade física considera tempo maior ou igual a 150 minutos por semana de atividade moderada ou 75 minutos de atividade intensa por semana25. O somatório abaixo de 150 minutos de atividades moderadas foi o ponto de corte utilizado para classificar os cadetes como insuficientemente ativos ou sedentários25. Para quantificação da atividade física como moderada ou intensa utilizou-se a escala de Equivalentes Metabólicos (MET), na qual os valores de MET de 3,0 a 5,9 são considerados como atividades moderadas e o MET acima de 6 representa atividade intensa26.
Foram considerados tabagistas aqueles que relataram o hábito de fumar, independentemente do número de cigarros ao dia.
As medidas de peso (kg) e estatura (m) foram utilizadas para cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC), obtido por meio da divisão do valor do peso em quilogramas pela estatura em metros, elevada ao quadrado. Os pontos de corte para classificação do IMC foram baseados nas referências propostas pela World Health Organization27: IMC < 18,5 kg/m2 – baixo peso; IMC entre 18,5 kg/m2 a 24,9 kg/m2 – eutrofia; IMC ≥ 25,0 kg/m2 – excesso de peso, incluindo sobrepeso e obesidade.
Obesidade abdominal foi determinada a partir da circunferência da cintura (CC), cuja medida foi aferida com fita métrica inelástica, em centímetros, disposta no ponto médio entre a crista ilíaca e a última costela no momento da expiração27. Os pontos de corte para obesidade abdominal foram maior ou igual a 94,0 centímetros para homens e maior ou igual a 80,0 centímetros nas mulheres28.
As dobras cutâneas tricipital, subescapular, supra ilíaca, abdominal e coxa foram mensuradas para estimar o percentual de gordura corporal (%GC).A aferição das dobras foi realizada em triplicata por único antropometrista, a fim de conferir maior acurácia das medidas e evitar erros. Para medição das dobras utilizou-se adipômetro científico da marca Sanny® (São Paulo, Brasil) e protocolo padronizado29,30. Foi calculada a densidade corporal (Dc) e, posteriormente, o % GC31,32. Os pontos de corte utilizados para avaliação de adequação do %GC foram: igual ou inferior a 15,0%, para os homens, e igual ou inferior a 23,0%, para mulheres33.
PAS e PAD foram verificadas de acordo com as recomendações pertinentes28 e com a utilização de esfigmomanômetro analógico (Becton Dickinson do Brasil®, São Paulo, Brasil), calibrado pelo INMETRO. Neste estudo, optou-se por utilizar os valores limítrofes de PA para diagnóstico de hipertensão arterial sistêmica (HAS), cujos valores foram: maior ou igual a 130,0 mmHg, para PAS, e maior ou igual a 85,0 mmHg, para PAD28, pois a população avaliada foi composta por jovens adultos e fisicamente ativos, fatores que não são considerados de risco para DCV28.
Para a realização dos exames laboratoriais, os participantes do estudo foram orientados a comparecer ao Laboratório da Subdivisão de Saúde (SDS) da AFA, em jejum de 12 horas, para coleta de sangue, em dia previamente agendado. A coleta foi realizada por profissional habilitado, com utilização de seringas descartáveis e agulhas de aço inoxidável, também descartáveis. As amostras de sangue (15 mL) foram transferidas para tubos de polipropileno adequados à realização dos exames de perfil lipídico. A avaliação do perfil lipídico sérico foi realizada por métodos colorimétricos enzimáticos, com utilização de kits das marcas Biotécnica® (Minas Gerais, Brasil) e Biosystems® (Paraná, Brasil). As leituras dos exames foram realizadas no analisador bioquímico Labmax Plenno, Labtest® (Minas Gerais, Brasil). O colesterol contido na fração HDL foi determinado após precipitação da LDL e da VLDL. As frações LDL e VLDL foram calculadas a partir da equação de Friedewald et al.34, sendo LDL=colesterol total (CT)–(VLDL +HDL); VLDL=triacilglicerol (TG) / 5. Todas as análises foram conduzidas no Laboratório da Subdivisão de Saúde da AFA. Para interpretação dos resultados, adotaram-se os seguintes pontos de corte para risco cardiovascular: TG ≥ 150,0 mg/dL, LDL > 100,0 mg/dL, HDL < 40,0 mg/dL28 e colesterol total > 200,0 mg/dL35.
A glicemia de jejum foi avaliada por metodologia enzimática colorimétrica automatizada, com utilização de kit da marca Biotécnica® (Minas Gerais, Brasil) e analisador bioquímico Labmax Plenno, Labtest® (Minas Gerais, Brasil). O ponto de corte para glicemia de jejum foi 100,0 mg/dL28.
A avaliação do consumo alimentar constou de aplicação de registro alimentar de três dias não consecutivos, incluindo um dia de final de semana36 (dias alternados escolhidos pelos indivíduos). Os participantes recebiam os formulários para preenchimento durante a primeira consulta e os retornavam à pesquisadora no dia agendado para a coleta de sangue. Para cálculo e avaliação do consumo alimentar foi utilizado o software Avanutri® (Rio de Janeiro, Brasil). Os dados foram inseridos em forma de medidas caseiras. Para efeito de análise, a média de consumo alimentar de três dias foi utilizada.
A avaliação da adequação do consumo dos macronutrientes e de fibras alimentares foi realizada com base nos pontos de corte propostos pela World Health Organization e Food and Agriculture Organization37. A adequação do perfil de ácidos graxos foi baseada nas recomendações propostas pela IV Diretriz Brasileira sobre Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose38: ácidos graxos saturados ≤ 7,0% do valor energético total (VET); poli-insaturados ≤ 10,0% do VET; e monoinsaturados ≤ 20,0% do VET.
A análise estatística foi realizada nos softwares STATA/SE versão 8.0. Realizou-se análise descritiva das variáveis contínuas (média ± desvio padrão), cuja diferença entre os sexos foi analisada pelo teste t de Student. Os testes de Qui-Quadrado de Pearson ou Teste Exato de Fisher foram empregados para avaliar a associação entre FRCV, sexo e ano de formação dos cadetes na AFA. O nível de significância de 5,0% foi adotado como padrão.
Para análise de associação entre FRCV e ano de formação dos cadetes optou-se por separá-los em duas turmas principais: cadetes do 1º e 2º anos (mais jovens) e cadetes do 3º e 4º anos (mais velhos).
Com o objetivo de refinar os dados do consumo alimentar, os valores de ingestão dos macronutrientes, gorduras saturadas, poli-insaturadas e monoinsaturadas, colesterol e fibra alimentar foram ajustados ao valor energético quando pertinente. Este procedimento foi realizado de acordo com o método residual, que permite identificar a relação entre aspectos dietéticos e desenvolvimento de doenças crônicas sem a influência do consumo de energia39.
Para verificação da adequação do tamanho amostral, o erro máximo foi determinado a posteriori. O intervalo de confiança foi de 95,0% e o poder do estudo foi 80,0%. A amostra de 166 cadetes foi considerada representativa da AFA por ter sido selecionada de maneira aleatória entre os cadetes que frequentavam os diferentes anos de ensino, de um total de 800 cadetes. O erro máximo permitido foi de 6,7%, considerando a prevalência do desfecho hipercolesterolemia.
Participaram da pesquisa 166 cadetes da AFA, sendo 147 homens (88,6%). Quanto as quatro turmas (anos) de formação da AFA foram: 39 (26,5%) homens no primeiro ano; 25 (17,0%) homens no segundo ano; 74 (50,4%) homens e 17 (89,5%) mulheres no terceiro ano; e nove (6,1%) homens e duas (10,5%) mulheres no quarto ano.A média de idade de foi de 21,5 ± 1,2 anos, para homens e de 21,6 ± 0,9 anos, para mulheres, com amplitude de 19 a 28 anos.
Verificou-se que a média de IMC para ambos os sexos se manteve abaixo de 25,0 kg/m2 e a média dos valores de circunferência da cintura, menor que 94,0 cm nos homens e menor que 80,0 cm nas mulheres. Em relação aos exames bioquímicos, os valores médios também se encontraram dentro dos padrões adequados. Os valores médios de LDL, VLDL, triacilgliceróis e glicemia não foram diferentes entre os sexos. As concentrações médias de colesterol total (151,4 ± 27,4 versus 173,4 ± 46,9, p =0,0040) e de HDL (51,8 ± 10,3 versus 71,4 ± 16,6, p = 0,0000) foram estatisticamente maiores nas mulheres, embora dentro da normalidade (Tabela 1).
Tabela 1 Variáveis relativas aos fatores de risco cardiovascular estratificado por sexo, cadetes da Academia da Força Aérea Brasileira, Pirassununga-SP, 2013 (n = 166)
DP = desvio padrão; IMC = Índice de Massa Corporal; HDL = lipoproteína de alta densidade; LDL = lipoproteína de baixa densidade; VLDL = lipoproteína de muito baixa densidade; PA = pressão arterial. * Teste t de Student.
Verificou-se que 29,7% (n = 41) dos homens e 16,7% (n = 3) das mulheres apresentavam excesso de peso. Destaca-se ainda a prevalência de HAS entre os cadetes homens de 15,2% (n = 22). Quanto ao perfil lipídico, 50,7% (n = 73) do total de cadetes apresentaram hipercolesterolemia e 24,3% (n = 35), valores elevados de LDL. Não foram observadas diferenças significativas entre os sexos para as variáveis bioquímicas, de estilo de vida e antropométricas, com exceção para obesidade abdominal, estatisticamente associada ao sexo feminino (p = 0,0040), com prevalência de 21,0% (n = 4). O sedentarismo, ou seja, a realização de menos que 150 minutos de atividades físicas moderadas na semana, teve baixa prevalência na amostra total (4,8%), assim como o hábito de fumar (4,2%) (Tabela 2).
Tabela 2 Prevalência de fatores de risco cardiovascular em cadetes da Academia da Força Aérea Brasileira e associação conforme sexo, Pirassununga-SP, 2013 (n = 166).
FRCV= Fatores de Risco Cardiovascular; HDL = lipoproteína de alta densidade; LDL = lipoproteína de baixa densidade. * Teste qui-quadrado de Pearson ou † Teste Exato de Fisher; Exames bioquímicos n = 144.
Houve associação estatisticamente significativa entre o tempo de permanência (ano de formação) na Academia e HDL baixa, sendo mais prevalente nos cadetes do primeiro e segundo anos. As demais variáveis analisadas não se diferenciaram estatisticamente conforme o ano de formação (Tabela 3).
Tabela 3 Prevalência de fatores de risco cardiovascular e associação conforme ano de formação dos cadetes (n = 166) da Academia da Força Aérea Brasileira, Pirassununga-SP, 2013.
FRCV= Fatores de Risco Cardiovascular; HDL = lipoproteína de alta densidade; LDL = lipoproteína de baixa densidade. * Teste qui-quadrado de Pearson ou † Teste Exato de Fisher; Exames bioquímicos n = 144.
Cinquenta e seis cadetes (55 homens e uma mulher) não preencheram os registros alimentares e, portanto, foram analisados dados de consumo alimentar de 110 indivíduos. Nesta avaliação 58,7% dos homens e 50,0% das mulheres apresentaram ingestão alimentar superior às necessidades diárias. Observou-se ainda consumo elevado de gordura saturada em ambos os sexos e de colesterol no sexo masculino, além de alta ingestão de gorduras do tipo mono e poli-insaturada. O consumo de gordura saturada foi estatisticamente maior entre as mulheres. A ingestão inadequada de fibras foi constatada em 92,3% dos homens e em 94,4% das mulheres. A ingestão de proteínas foi significantemente maior entre os homens (Tabela 4).
Os resultados encontrados neste estudo evidenciaram prevalência importante de FRCV entre jovens militares: HAS, excesso de peso, adiposidade elevada, hipercolesterolemia, LDL elevada; alta ingestão de gordura saturada, mono e poli-insaturada; além do baixo consumo de fibras alimentares. São resultados preocupantes, uma vez que se esperava um perfil mais saudável e com menores prevalências de FRCV entre jovens fisicamente ativos, o que revela riscos futuros para DCV nesse grupo. Esses são importantes resultados da presente pesquisa, que suscitam a necessidade de implementação de ações de combate aos FRCV entre militares jovens.
A prevalência de HAS nos cadetes do sexo masculino é preocupante, considerando que estão fora da faixa etária de risco para esta condição, e ainda por ser superior ao observado em pesquisa brasileira (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico – VIGITEL) que encontrou prevalência de 7,5% entre jovens de 18 aos 24 anos de idade40. Todavia, prevalências elevadas de hipertensão e pré-hipertensão já foram observadas em populações militares, como em policiais militares brasileiros, entre 20 a 54 anos de idade (40,0% em homens)18. Em homens da Força Aérea de São Paulo, com idades entre 19 e 35 anos, a prevalência de HAS foi de 22,0%24. Entre membros das forças de defesa de Camarões, com idade média de 37,3 ± 9,6 anos, a prevalência de HAS foi de 39,1%16, enquanto que em militares da Índia na faixa etária de 18 a 50 anos, a pré-hipertensão atingiu 80,0% deles11.
Neste estudo verificou-se prevalência elevada de hipercolesterolemia e de LDL aumentada entre os cadetes, fato preocupante dada a relação entre as dislipidemias e a gênese da aterosclerose38. Resultado semelhante foi verificado em estudo com militares belgas com idade entre 20 e 56 anos, no qual a prevalência de hipercolesterolemia atingiu 56,0% dos homens9. No Rio Grande do Sul, Brasil, pesquisa com policiais militares, na faixa etária de 20-54 anos, revelou prevalência de dislipidemia de 54,0%18.
As baixas concentrações de HDL foram associadas ao ano de ingresso na AFA, com maior prevalência entre os cadetes dos primeiro e segundo anos. Este resultado pode ser explicado pelo maior tempo dedicado à atividade física entre os cadetes dos terceiro e quarto anos, pois estes são praticantes de atividade física diária há mais tempo que os cadetes mais jovens. Existem evidências de que adultos fisicamente ativos apresentam maiores concentrações séricas de HDL, menores concentrações de LDL e de TG quando comparados aos indivíduos sedentários41.
No presente estudo observou-se prevalência importante de excesso de peso. Embora o IMC seja bastante utilizado como método de avaliação do estado nutricional, este índice pode fornecer estimativa imprecisa quando os indivíduos avaliados apresentam percentual elevado de massa magra e baixo de massa gorda, ocasionando resultados falso-positivos42. Entretanto, esse tipo de viés não é o que se observou nessa pesquisa uma vez que os resultados da análise do IMC foram corroborados pela prevalência de adiposidade elevada, que atingiu 17,5% dos cadetes, conforme percentual de gordura corporal na análise de dobras cutâneas. É ainda importante destacar que a determinação dos percentuais de massa magra por meio do método de dobras cutâneas subestima os resultados em comparação à Absorciometria Radiológica de Dupla Energia (DEXA), que é o método padrão ouro para esta avaliação. Certamente a prevalência de excesso de gordura corporal seria significativamente maior se avaliada por DEXA43.
Os dados acerca da prevalência do excesso de peso são similares a outros estudos com militares que mostraram prevalências elevadas de excesso de peso44,45. Nos Estados Unidos, a prevalência de sobrepeso e obesidade em militares atingiu 60,0% da população estudada46. Em estudo com militares belgas (homens com idade entre 20 e 56 anos), 15,3% foram diagnosticados com obesidade e 43,1% com sobrepeso9. No Brasil, pesquisa com militares do sexo masculino identificou prevalência de sobrepeso de 51,6% e 12,9% de obesidade23. Altas prevalências de sobrepeso e obesidade entre militares merecem atenção e suscitam a necessidade de implementação de programas de intervenção para melhorar o estado nutricional e, consequentemente, a saúde geral, prevenindo futuros eventos cardiovasculares.
A prevalência de obesidade abdominal foi elevada e associada ao sexo feminino. O tecido adiposo visceral está associado a distúrbios metabólicos como alterações desfavoráveis no perfil das lipoproteínas plasmáticas, bem como à gênese dos eventos coronarianos47. A maior prevalência de obesidade abdominal entre as mulheres pode ser explicada em razão da maior quantidade de tecido adiposo acumulada na região glúteo-femural, além da influência dos hormônios esteroides sexuais femininos, que tem papel no acúmulo de tecido adiposo48.
Houve presença de tabagismo apenas entre os homens, a qual pode ser considerada baixa. Em pesquisa envolvendo 10.500 militares na Arábia Saudita verificou-se prevalência de tabagismo em 35,0% dos avaliados6. Entre militares homens da Marinha dos EUA a prevalência de tabagismo foi de 20,0%49. O combate ao tabagismo é medida importante no controle das DCV, pois os componentes do cigarro atuam diretamente sobre as células endoteliais, diminuindo a vasodilatação e, além disso, aumentam as concentrações de monóxido de carbono sanguíneo e a pressão arterial50.
No presente estudo, o tempo dedicado à prática de exercícios físicos entre os cadetes foi satisfatório, o que demonstra prática comum nas escolas militares brasileiras, nas quais a Educação Física é disciplina obrigatória da grade curricular. A prática de atividade física é considerada pilar essencial na redução do risco das DCNT51, incluindo as DCV52.
O consumo alimentar dos cadetes chamou a atenção pela ingestão elevada de lipídios, principalmente pelo alto consumo de gorduras totais, em especial de ácidos graxos saturados, o que é um dos fatores estreitamente relacionados à alta prevalência de hipercolesterolemia observada entre os cadetes. Estes resultados foram semelhantes aos dados de pesquisa brasileira na população geral, na qual a prevalência de inadequação de ingestão de gorduras saturadas atingiu 82,0% dos homens e 87,0% nas mulheres, na faixa etária entre 19 e 59 anos53.
Além do consumo elevado de lipídios, os resultados deste estudo demonstraram o baixo consumo de fibras alimentares, o que está de acordo com as mudanças observadas no padrão alimentar da população brasileira nas últimas duas décadas, caracterizado pelo elevado consumo de gorduras saturadas e de açúcares, além de ingestão de alimentos com baixo teor de fibras alimentares53. Caso a perda amostral nessa avaliação tivesse sido menor ou mesmo ausente, acredita-se que o padrão alimentar teria sido bastante semelhante ao observado, considerando a homogeneidade dos hábitos alimentares na Academia.
O consumo alimentar de jovens militares revela que esta população vem adotando hábitos pouco saudáveis quando se trata das escolhas alimentares, com ingestão elevada de alimentos ricos em gorduras saturadas e açúcares, bem como baixa ingestão de frutas, hortaliças, leguminosas e, consequentemente, de fibras alimentares5. Em pesquisa sobre hábitos alimentares de militares americanos, foi constatado que os 209 jovens avaliados não atingiram as recomendações quanto ao consumo ideal de gordura total e saturada, fibras, frutas e vegetais5. Baixo consumo de fibras alimentares também foi encontrado em militares homens da Força Aérea Brasileira (FAB) em São Paulo, sendo que apenas 2,3% da população de estudo relatou consumo de alimentos fontes de fibra conforme recomendação21.
Os resultados sobre o consumo alimentar dos cadetes da AFA demonstraram um perfil de inadequação de hábitos alimentares, visto que estes jovens apresentaram elevado consumo de alimentos fonte de gordura e baixo de alimentos fontes de fibra alimentar. Sigrist et al.54 destacam que um fator que pode contribuir para alimentação inadequada entre militares é o excesso de atividades demandadas no serviço. Mesmo que alguns indivíduos tenham conhecimento da importância do consumo de alimentos saudáveis, adotam padrão menos saudável em razão do excesso de atividades e consequente falta de tempo. No entanto, parece que esse padrão reflete muito mais os hábitos de adultos jovens nessa faixa etária e que o ingresso na carreira militar não agrega hábitos alimentares mais saudáveis.
O padrão alimentar inadequado entre os adultos jovens constatado nesta pesquisa é preocupante do ponto de vista de saúde pública, visto que a alimentação inadequada exerce papel essencial sobre e incidência da obesidade e outras DCNT, como as DCV. Nesse sentido, Crombie e colaboradores55 destacam que maior fator de impacto relacionado à prevalência de obesidade e sobrepeso entre os militares americanos refere-se aos hábitos alimentares, caracterizados pela ingestão insuficiente de frutas, vegetais e fibra alimentar55.
Como limitações do estudo pode-se citar a dificuldade enfrentada no recrutamento dos cadetes, sendo que um número importante deles não completou o protocolo de avaliações clínicas e/ou bioquímicas (n = 22) e 56 não preencheram o formulário de consumo alimentar. Porém, ressalta-se a qualidade dos dados coletados, não ocorrendo viés de entrevistador ou de base de dados secundária, vista que foi conduzida por único pesquisador, após capacitação prévia.
Conclui-se que os resultados apresentados evidenciaram prevalência importante de FRCV em jovens cadetes da AFA, principalmente HAS, hipercolesterolemia, excesso de peso, além de hábitos alimentares inadequados, em sua maioria independentes do sexo e do ano de formação. Este cenário evidência a presença de FRCV acometendo indivíduos cada vez mais jovens, em consequência das mudanças do estilo de vida dos jovens brasileiros.
Há, portanto, urgência na instituição de programas de educação nutricional e em saúde para a população militar, a fim de evitar e/ou reduzir a incidência dos FRCV em adultos jovens, assegurando assim melhor qualidade de vida e diminuição de agravos à saúde cardiovascular em longo prazo.