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Fatores de risco do déficit de estatura em crianças pré-escolares: estudo caso-controle

Fatores de risco do déficit de estatura em crianças pré-escolares: estudo caso-controle

Autores:

Dixis Figueroa Pedraza,
Tarciana Nobre de Menezes

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.19 no.5 Rio de Janeiro maio 2014

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232014195.21702013

ABSTRACT

This article seeks to establish risk factors for mild and moderate stunting among preschool children attending public daycare centers. It involves a case-control study with 67 pairs of children. Cases defined as children with height/age between -1 and -2 Z-scores were paired with controls between -1 Z-score and the median, while cases with height/age < -2 Z-scores were paired with controls with height/age > median to +1 Z-score. The sex and age of the child was used for pairing purposes. The final model of hierarchical multivariate analysis indicated a greater chance of stunting in the following groups of preschoolers: family income < 1/2 Minimum Wage, squatted/courtesy house, number of individuals in the household > 6, maternal age at child's birth < 20 years, low maternal stature, incomplete immunization program, low birth weight. Stunting is determined by adverse socioeconomic conditions and the characteristics of children reflecting health care (maternal height and child variables).

Key words: Height; Height/age; Growth; Preschool

Introdução

Apesar das reduções significativas nos países em desenvolvimento, o déficit de estatura ainda continua sendo o principal problema de saúde pública em muitos deles1. Estimativas da Organização das Nações Unidas indicam que 34% das crianças de todo o mundo apresentam déficit de estatura, percentual que aumenta para 44% quando analisados os países menos desenvolvidos2. No caso brasileiro, o problema apresentou marcantes reduções nas últimas décadas3, indicando-se como fatores importantes as melhoras relacionadas ao poder aquisitivo dos mais pobres e os avanços nos serviços essenciais de saúde, educação e saneamento3 , 4. Entretanto, essa melhora caracteriza-se por maiores prevalências que persistem entre as crianças de famílias menos favorecidas4, o que condiz com os conhecimentos sobre as iniquidades socioeconômicas em termos de retardo do crescimento linear5.

O comprometimento do crescimento linear contribui com as altas taxas de morbimortalidade e pode influenciar o desenvolvimento motor, mental e o desempenho escolar6 , 7. Esses efeitos negativos não são restritos aos casos mais severos de déficit estatural. As formas leves e moderadas de desnutrição crônica também aumentam o risco de mortalidade e contribuem com 50-75% dos casos de doença nos primeiros anos de vida, além de representarem a possibilidade de modificar para casos de desnutrição mais severa associada ao acometimento de doenças8. Assim, a relevância epidemiológica do déficit de estatura compreende também as formas menos severas, nas quais os estudos de tendência e dos fatores responsáveis pela evolução têm centrado menos atenção.

Diante do exposto, o presente estudo teve por objetivo identificar fatores associados ao retardo leve e moderado de crescimento entre pré-escolares assistidos em creches públicas.

Métodos

Este estudo foi planejado sob a forma de um desenho tipo caso-controle com a finalidade de verificar fatores associados ao déficit de estatura em crianças pré-escolares assistidas em creches públicas do município de João Pessoa pertencentes à Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano da Paraíba. Essa Secretaria gerenciava um total de 45 creches na época da pesquisa, das quais 30 estavam situadas no município de João Pessoa, capital do estado, beneficiando um total de 2800 crianças.

Os grupos de casos e controles do presente estudo foram obtidos de um levantamento prévio realizado em 11 creches incluindo 340 crianças selecionadas aleatoriamente. O levantamento incluiu somente uma criança de cada família. Foram formados dois grupos de casos (grupo caso 1: Ca1, grupo caso 2: Ca2) e dois grupos de controles (grupo controle 1: Co1, grupo controle 2: Co2). A formação dos grupos foi condicionada ao escore-Z da estatura/idade em relação à mediana da população de referência: Ca1, crianças com estatura/idade < -2 escore-Z; Ca2, crianças com estatura/idade entre -1 e -2 escore-Z; Co1, crianças com estatura/idade > mediana da população de referência até +1 escore-Z; Co2, crianças com estatura/idade entre -1 escore-Z e a mediana da população de referência. O emparelhamento das crianças obedeceu a um ordenamento sequencial decrescente dos valores de escore-Z apresentados pelos casos. Crianças do grupo Ca1 foram pareadas a crianças do grupo Co1, do mesmo sexo e idade, e crianças do grupo Ca2 foram pareadas a crianças do grupo Co2, do mesmo sexo e idade. O pareamento para a idade considerou a variabilidade de um mês para mais ou para menos.

As medidas de estatura foram coletadas por uma equipe de antropometristas treinados e padronizados obedecendo aos procedimentos recomendados pela Organização Mundial da Saúde9. As crianças menores de dois anos tiveram o comprimento medido por meio de antropômetro infantil de madeira (Alturexata(r)) com amplitude de 130 cm e subdivisões de 0,1 cm. As crianças de dois anos ou mais tiveram a altura medida por meio de estadiômetro (WCS(r)) com amplitude de 200 cm e subdivisões de 0,1 cm. As medições foram realizadas em duplicata e a medida final resultou da estimativa da média das duas medições. O índice antropométrico estatura/idade foi calculado para cada criança segundo os valores em escore-Z. Os cálculos foram realizados com os programas WHO Anthro 2009, para crianças abaixo de cinco anos de idade, e WHO Anthro Plus 2009, para crianças com cinco anos ou mais. Como população de referência, adotou-se a do Multicentre Growth Reference Study, atualmente recomendado pela Organização Mundial da Saúde10 , 11.

O tamanho da amostra, 72 pares (72 crianças com déficit de estatura e igual número de crian ças controle), foi calculado para um nível de confiança de 95%, um poder do teste de 80%, 30% de fatores negativos nas crianças eutróficas e uma razão de chances (OR) de 1,8 nas crianças com déficit de estatura. Das 340 crianças sorteadas para o estudo, 89 não se enquadraram em nenhum dos grupos predeterminados. Das 251 crianças que restaram, 19 foram enquadradas em Ca1, 76 em Ca2, 48 em Co1 e 108 em Co2. Ao parear, formaram-se 10 pares de crianças do mesmo sexo e idade de Ca1 com Co1 e 57 de Ca2 com Co2, totalizando 67 pares do total necessário (72).

Para obtenção das informações necessárias à caracterização de fatores de risco do déficit de estatura, foram realizadas entrevistas com a mãe ou o responsável pela criança. As entrevistas foram realizadas nas próprias creches que as crianças frequentavam por pessoal treinado com o instrumento de coleta de dados. O questionário continha informações sobre condições socioeconômicas da família (obtidas da ficha da criança constante na creche), antecedentes maternos e características das crianças. As variáveis independentes de estudo foram:

- condições socioeconômicas: renda familiar per capita, tipo de casa, número de cômodos no domicílio, número de indivíduos no domicílio;

- antecedentes maternos: suplementação com sulfato ferroso na gravidez, número de consultas de pré-natal, uso de cigarro na gravidez, idade ao nascimento da criança, estatura para idade (a baixa estatura materna foi definida pelo ponto de corte 155,0cm12);

- características das crianças: sexo, esquema vacinal (obtido da Caderneta de Saúde da Criança), peso ao nascer (obtido da Caderneta de Saúde da Criança).

Para avaliar a associação das variáveis independentes com o crescimento linear das crianças, atendeu-se às especificações dos modelos hierarquizados, utilizando três níveis de determinação: distal (condições socioeconômicas), intermediário (antecedentes maternos), proximal (características das crianças)13. Foram elaborados modelos de regressão logística segundo técnica condicional, passo a passo, com as variáveis que apresentaram associação significativa dentro de um limite de aceitabilidade, p de até 10%, nas análises bivariadas, pela técnica da Mantell-Haenszel. O ingresso no modelo de regressão obedeceu, além da significância, à hierarquia do modelo teórico adotado. Testes de correlação múltipla foram realizados para verificar viés decorrente de multicolinearidade, mantendo-se apenas um dos fatores de risco, sempre que houvesse correlação entre os mesmos (r = 0,5 e p < 0,01). Foi considerado o nível de significância de 5% para indicar associação. Os softwares utilizados foram o Excel 2000 e o Stata v. 7.0.

Todas as diretrizes éticas da Resolução nº 196/9614 do Conselho Nacional de Saúde, bem como os princípios éticos referentes às publicações de pesquisa com seres humanos contidos na Declaração de Helsinki foram contempladas e o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual da Paraíba.

Resultados

Dentre os 134 pré-escolares pertencentes à amostra, 53,0% eram do sexo masculino e 47,0% do feminino. Verificou-se que 68,6% das crianças estavam com o esquema vacinal completo e que 83,6% nasceram com peso adequado, com menor quantidade de crianças do grupo de caso nessas situações. Com relação aos antecedentes maternos, observou-se que, entre os pré-escolares com desnutrição por déficit estatural, em 34,3% dos casos as mães fumaram durante a gravidez, em relação a 29,8% do grupo controle; em 29,8% as mães tinham menos de 20 anos ao momento do nascimento, em relação a 16,4% do grupo controle; e em 35,8% as mães eram de baixa estatura, em relação a 19,4% do grupo controle. Para as características socioeconômicas, 94 famílias possuíam renda familiar per capita inferior a meio salário mínimo, sendo 54 entre o grupo de caso; e 101 residiam em casa invadida/cedida, sendo 55 entre o grupo de caso.

A Tabela 1 apresenta os resultados referentes às análises de associação da baixa estatura com as variáveis referentes às condições socioeconômicas das famílias, antecedentes maternos e características das crianças. Mostraram-se associadas à presença de estatura baixa, a renda familiar, o tipo de casa, o número de indivíduos no domicílio, o uso de cigarro na gravidez, a idade da mãe ao nascimento da criança, a estatura para idade da mãe, o esquema vacinal da criança e o peso ao nascer. Pré-escolares cujas rendas familiares per capita foram menores que 1/2 salário mínimo (SM) apresentaram chance 2,8 vezes maior de estatura baixa que aqueles de famílias com renda igual ou superior a 1/2 SM. A chance de estatura baixa também foi maior nas crianças que viviam em residências invadidas ou cedidas e nas crianças de domicílios com seis ou mais moradores. O uso de cigarro na gravidez, a idade da mãe inferior a 20 anos à época do nascimento da criança e a baixa estatura materna representaram chances de déficit de estatura nas crianças na ordem de 1,27; 2,17 e 2,32 vezes, respectivamente. O esquema vacinal incompleto da criança e o baixo peso ao nascer apresentaram-se estatisticamente associados à estatura baixa.

Tabela 1 Distribuição dos casos, controles, odds ratio (OR) e respectivo intervalo com 95% de confiança (IC 95%), segundo condições socioeconômicas, antecedentes maternos e características das crianças. João Pessoa, 2009. 

Variáveis Total Caso Controle OR (IC 95%) p χ2
Nível distal: condições socioeconômicas
Renda familiar per capita* 0,0003
≥ 1/2 SM 40 13 27 1
< 1/2 SM 94 54 40 2,80 (1,6–4,9)
Tipo de casa 0,0056
Própria/alugada 33 12 21 1
Invadida/cedida 101 55 46 2,09 (1,3–3,6)
Número de cômodos no domicílio 0,0732
≥ 4 79 36 43 1
< 4 55 31 24 1,54 (0,7–2,7)
Número de indivíduos no domicílio 0,0061
< 6 64 27 37 1
≥ 6 70 40 30 1,83 (1,1–3,2)
Nível intermediário: antecedentes maternos
Suplementação com sulfato ferroso na gravidez 0,1901
Sim 99 47 52 1
Não 35 20 15 1,47 (0,4–3,1)
Número de consultas de pré-natal 0,0533
≥ 3 109 53 56 1
< 3 25 14 11 1,34 (0,8–2,7)
Uso de cigarro na gravidez 0,0430
Não 91 44 47 1
Sim 43 23 20 1,23 (1,0-2,9)
Idade ao nascimento da criança (anos) 0,0041
≥ 20 103 47 56 1
< 20 31 20 11 2,17 (1,9–3,1)
Estatura para idade 0,0001
Estatura normal 97 43 54 1
Baixa estatura (< 155,0cm) 37 24 13 2,32 (1,4–3,4)
Nível proximal: características das crianças
Sexo 0,0841
Masculino 71 34 37 1
Feminino 63 33 40 0,90 (0,7–1,6)
Esquema vacinal* 0,0092
Completo 92 45 47 1
Incompleto 33 19 14 1,42 (1,3–3,2)
Peso ao nascer* 0,0039
Peso normal 112 53 59 1
Baixo peso ao nascer (< 2500g) 13 8 5 1,78 (1,2–2,9)

SM: Salário Mínimo

** Considerando o valor do salário mínimo da época (R$ 416,00)

** Excluídas as crianças com informação ignorada (Caderneta de Saúde da Criança não apresentada).

Os resultados do modelo final da análise multivariada estão apresentados hierarquicamente na Tabela 2. Entre as variáveis socioeconômicas permaneceram como estatisticamente significativas a renda familiar per capita, o tipo de casa e o número de indivíduos no domicílio. A chance de a criança ter estatura baixa foi 2,93 vezes maior (IC 95% = 1,5-5,7) nas famílias com renda familar per capita menor a 1/2 SM, em comparação àquelas que tinham renda superior a esse valor; 1,79 vezes maior (IC 95% = 1,7-3,8) se a criança residia em casa invadida ou cedida, em comparação àquelas que residiam em casa própria ou alugada; e 1,85 vezes maior (IC 95% = 1,4-4,0) se a criança morava em domicilio com seis ou mais moradores, em comparação àquelas que moravam em domicilio com menos de seis moradores. Das variáveis relacionadas aos antecedentes maternos, a idade inferior a 20 anos à época do nascimento da criança e a estatura para a idade permaneceram como importantes fatores preditores da baixa estatura da criança. Mantiveram-se também associadas à estatura baixa da criança, após ajuste com as variáveis dos blocos anteriores, o esquema vacinal da criança incompleto e o baixo peso ao nascer. Das variáveis materno-infantis, a baixa estatura para idade materna (odds ratio = 2,91 e IC 95% = 2,3-5,0) e o baixo peso ao nascer da criança (odds ratio = 2,69 e IC 95% = 2,4-2,8) foram as mais fortemente associadas.

Tabela 2 Odds Ratio (OR) e respectivo intervalo com 95% de confiança (IC 95%) dos fatores de risco resultantes da análise multivariada de casos e controles em relação ao déficit de estatura. João Pessoa, 2009. 

Variáveis OR IC 95%
Nível distal: condições socioeconômicas*
Renda familiar per capita < 1/2 SM# 2,93 1,5–5,7
Casa invadida/cedida 1,79 1,7-3,8
Número de indivíduos no domicílio ≥ 6 1,85 1,4–4,0
Nível intermediário: antecedentes maternos**
Idade ao nascimento da criança < 20 anos 1,68 1,1–3,4
Estatura para idade baixa (< 155,0 cm) 2,91 2,3-5,0
Nível proximal: características das crianças***
Esquema vacinal incompleto 1,26 1,1–3,9
Baixo peso ao nascer (< 2500g) 2,69 2,4–2,8

SM: Salário Mínimo

# Considerando o valor do salário mínimo da época (R$ 416,00)

* Ajustadas pelas outras variáveis do nível distal, incluídas no modelo

** Ajustadas pelas variáveis do nível distal e pelas outras variáveis do nível intermediário, incluídas no modelo

*** Ajustadas pelas variáveis dos níveis distal e intermediário e pelas outras variáveis do nível proximal, incluídas no modelo.

Discussão

Apesar das possíveis semelhanças pelo contexto relacionado à institucionalização das crianças em creches, a caracterização da população de estudo indica exposições diferenciadas. Assim, é viável a identificação de fatores de risco por meio do presente estudo, com a utilização de um caso-controle dentro de uma creche.

A análise do modelo final destaca a determinação do déficit de estatura por variáveis dos três níveis (condições socioeconômicas, antecedentes maternos, características das crianças), representando a interação de múltiplos fatores na expressão do crescimento linear15. A compreensão simplificada desses fatores considerando a influência genética e as condições ambientais15 , 16 também está manifesta nos resultados: a estatura materna como fator de risco de ordem genético e as características socioeconômicas, por exemplo, de ordem ambiental. Nesse contexto, cabe ressaltar que, como os fatores genéticos praticamente não mudam de geração para geração15 e a estatura da mãe também pode resultar do efeito acumulado da pobreza em várias gerações em um processo cíclico que se inicia desde a vida intrauterina17, a variabilidade no crescimento linear condiciona-se basicamente às condições de vida.

O modelo hierárquico13de determinação do déficit de estatura adotado neste trabalho postula a influência de fatores de diferentes níveis de complexidade. Nesse sentido, as condições socioeconômicas comportaram-se como importantes preditores do estado nutricional infantil, interferindo imediatamente nas características maternas (idade ao nascimento da criança, estatura para idade). Por sua vez, as características maternas repercutiriam nas condições das crianças, determinantes do último nível representados pela ocorrência de baixo peso ao nascer e incompletitude do esquema vacinal.

É reconhecido que o crescimento linear constitui um excelente indicador de desigualdades sociais ou do bem-estar populacional15 , 18. Estudos recentes sobre as causas do declínio do déficit de estatura no Brasil têm indicado, entre outros fatores, a importância da condição socioeconômica e do poder aquisitivo das famílias3 , 5 , 7 , 19. A maior vulnerabilidade das crianças de famílias pobres relacionada ao retardo do crescimento foi claramente estabelecida em ampla revisão da literatura que descreveu o efeito das iniquidades sociais sobre a nutrição e a saúde de crianças de países de renda baixa e média. No estudo, o maior risco de desnutrição nas crianças de famílias mais pobres explica-se pela maior suscetibilidade à exposição a agentes patogênicos que aumentam o risco de adoecer associado à menor resistência orgânica e à menor cobertura de ações preventivas; doentes, essas crianças também enfrentam as desigualdades relacionadas aos serviços de saúde20. Esta abordagem apresenta uma perspectiva que delineia a determinação social da saúde como princípio básico da prevenção do déficit de estatura, tal como relatam Bacallao et al.21.

A correlação positiva entre o estado nutricional materno e o dos filhos tem sido anteriormente argumentada pelo compartilhamento de informações genéticas e ambientais17 , 18. Nesse sentido, os estudos convergem na forte associação entre a estatura baixa de mães e crianças6 , 17 , 18 , 22 - 25. Sugere-se que a desnutrição crônica insere-se num processo cíclico de desnutrição infantil, déficit de estatura, obesidade e comorbidades na vida adulta18 , 23, no qual a baixa estatura materna como importante preditor da desnutrição em crianças associa-se à pobreza e às condições ambientais adversas23.

Apesar de a natureza multicausal do déficit de estatura em crianças considerar a importância da idade materna do ponto de vista reprodutivo26, vários estudos6 , 15 , 26 , 27, com desenhos diferentes, divergem da associação encontrada neste trabalho. Entretanto, estudos anteriores também mostraram associação entre a idade materna e o crescimento linear das crianças23 , 28. Ainda que a idade materna apareça na literatura como variável de importância para o crescimento infantil, porém sem resultados que possibilitem conclusões, há que considerar que a mãe representa importante interface entre a criança e o ambiente23, o que implica a necessidade de priorizar a vigilância nutricional das mães adolescentes em função do maior risco nutricional dos seus filhos28. É importante notar que a variável analisada neste momento foi a idade da mãe ao nascimento da criança, especificidade não encontrada nos estudos revisados.

No nível proximal, a associação entre baixo peso ao nascer e o esquema vacinal incompleto com o déficit de estatura pode refletir a precariedade dos serviços de assistência à saúde. O peso ao nascer repercute na estatura infantil pela intermediação de fatores, como os cuidados durante a gestação e o estado nutricional materno durante a gravidez, que se expressam nos determinantes imediatos do crescimento linear29 , 30. A imunização, por sua importância no sistema imune e na resistência às infecções, repercute, também, na adequação da estatura em relação à idade da criança31. A associação controlada entre o baixo peso ao nascer e o déficit de estatura também foi encontrada em outros estudos23 , 28 , 30, bem como entre o esquema vacinal incompleto e o déficit de estatura18 , 32.

Os resultados do presente estudo, além de serem importantes devido ao efeito do crescimento linear na saúde e desenvolvimento infantil6 - 8, são essências para o campo da saúde coletiva, pois a redução da desnutrição infantil no Brasil representa um bom exemplo do impacto das políticas públicas no perfil epidemiológico, minimizando a dificuldade do conhecimento epidemiológico se constituir em prática transformadora das condições de saúde populacionais. Nesse sentido, o perfil epidemiológico do estado nutricional das crianças brasileiras tem sido favorecido por políticas públicas relacionadas a melhorias na escolaridade materna, no poder de compra das famílias, na assistência materno-infantil e na rede de água e esgoto33.

Em conclusão, fica evidente que, ao lado dos fatores socioeconômicos, aparecem, também, como fatores de risco da baixa estatura em crianças, características materno-infantis. A estatura materna sobressai por ser uma característica que expressa condição genética e ambiental. Por sua vez, a imunização e o peso ao nascer expressam as possíveis consequências positivas de serviços públicos de saúde de qualidade, principalmente em condições sociais, econômicas e ambientais desfavoráveis.

REFERÊNCIAS

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