versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.23 no.11 Rio de Janeiro nov. 2018
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320182311.29112016
Uma nova fase desenvolvimental denominada adultez emergente tem sido identificada em países industrializados, na qual jovens que saem da adolescência têm postergado a assunção de papéis adultos como o casamento, a independência financeira dos pais e a constituição de uma família1. A adultez emergente é caracterizada por um período de exploração da identidade, uma vez que neste período da vida, os jovens buscam maior identidade social e profissional. Trata-se de uma etapa perpassada por inseguranças, visto que os jovens são inseridos em novos contextos sociais que exigirão habilidades especificas, as quais os jovens podem não possuir, deixando-os vulneráveis1. A adultez emergente também tem sido apontada como um período de exposição a situações de risco, como uso de drogas2 e sexo desprotegido3. Isso ocorre justamente por eles estarem em um período alongado de exploração de suas identidades e o fato de postergarem comprometimentos definitivos (ex.: casamento, filhos, trabalho fixo). Este conjunto pode levá-los a ter sentimentos de negatividade e instabilidade, o que pode explicar seu envolvimento em comportamentos de risco4.
O surgimento desta nova fase se dá por uma série de mudanças na sociedade, como a entrada da mulher no mercado de trabalho, a flexibilização dos padrões de sexualidade, e a necessidade dos jovens terem mais anos de estudo e treinamento para entrar em um mercado de trabalho cada vez mais exigente1,5.
No Brasil, as pesquisas de Dutra-Thomé se destacaram por buscar caracterizar esta nova fase nos jovens adultos brasileiros. Em um de seus estudos6 foi identificado que parte dos jovens é ambivalente entre ser ou não adulto. Porém, jovens de nível socioeconômico alto tendem a ser mais ambivalentes do que os de baixo. Os jovens de nível socioeconômico baixo tendem a assumir papéis de adultos mais precocemente. Este fato pode fazer com que estes jovens tenham menos oportunidades de experimentar este período exploratório de identidade.
Durante a adultez emergente, diversos são os problemas e dificuldades que podem surgir na vida dos jovens. A presença de fatores de proteção pode amenizar os efeitos dos eventos negativos e dos desafios enfrentados pelos jovens7. Fatores de proteção são características pessoais (como autoestima e autoeficácia) ou do meio em que se está inserido (como a relação com amigos, familiares, e rede de apoio), que fortalecem os jovens e lhes dão suporte para lidar com situações problema8. Estes fatores não atuam isoladamente, mas interagem para auxiliar na alteração do comportamento, desenvolvendo uma experiência de proteção às situações de risco e auxiliando na solução dos problemas9.
É durante a adultez emergente também que os jovens estabelecem uma série de interações sociais que ocupam uma parcela considerável do seu tempo, tanto nos círculos de amizade quanto nos de trabalho e estudo10,11. Esses círculos podem funcionar como redes de apoio em potencial para ajudar os jovens a lidar com dificuldades em suas vidas4. Para isso, é necessário que esses apresentem um repertório de habilidades sociais que os auxiliem a construir e manter relações sociais, que possam se tornar redes de apoio efetivas12.
Ao contrário dos fatores de proteção, os fatores de risco se relacionam com eventos e características negativas da vida, e sua presença aumenta as chances de problemas físicos, emocionais e sociais de se manifestarem9. Estes fatores tendem a aumentar a vulnerabilidade dos indivíduos a situações adversas, e cada um pode reagir de maneira diferente a estes fatores. Portanto, não é apenas a presença destes fatores que define seu impacto na vida do indivíduo, mas também a intensidade, a frequência e a maneira como são interpretados. São exemplos de fatores de risco: família de origem disfuncional, instabilidade econômica, experiências de violência física/sexual, vivência em comunidades violentas8,9,13 e condições de trabalho insalubres14. Comportamentos de risco, como o uso de drogas3,15 e sexo desprotegido16 também podem ser considerados fatores de risco.
A ação dos fatores de proteção e como se refletem na ação e reação dos jovens diante de problemas que surjam em sua vida pode amenizar riscos, intensificar recursos para lidar melhor com os eventos estressores e conseguir desfechos positivos frente às situações8. Por outro lado, a ausência de fatores de proteção e a presença de fatores de risco geram menos recursos, aumentando as chances de desfechos negativos e acarretando vulnerabilidade para o desenvolvimento de problemas sociais e emocionais8,9. Tais condições de vulnerabilidade podem levar os jovens a soluções drásticas como o suicídio17.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (WHO), quase metade das mortes violentas no mundo são em decorrência de suicídio18. Os índices de suicídios têm aumentado desde 199919 e a cada ano um milhão de pessoas morrem por suicídio em todo o mundo20. Este dado demonstra que este é um problema sério de saúde pública que afeta todas as fases do ciclo vital e que merece atenção.
O suicídio é um fenômeno complexo e tem sido estudado por diversas áreas do conhecimento21. Uma das definições do suicídio seria causar a morte ou assassinato de si mesmo, cessando a própria vida22,23. Esta definição implica ato intencional da pessoa em tirar a própria vida21, mas ainda há outra forma de suicídio, que se daria por um ato patológico sem intencionalidade, mas que causa a própria morte24. Além disso, as taxas de tentativas de tirar a própria vida podem ser até dez vezes maiores que os suicídios de fato consumados17. O início do processo se dá pela ideação suicida, ou seja, os pensamentos de não existir mais, tirar a própria vida e desejar morrer25. O suicídio ainda é um tabu na sociedade atual, e muitas vezes, os jovens, que são considerados população com risco para a ideação suicida, não encontram um espaço adequado para falar sobre este assunto22,25-27.
O processo de pensar em tirar a própria vida ou tentar cometer suicídio, se compreende como período de crise, tratando-se, geralmente, de questões psicológicas a respeito da dificuldade de administrar situações difíceis na própria vida22. Também é possível pensar em fatores associados ao suicídio, como tentativas prévias, isolamento social, histórico familiar de doenças mentais, histórico familiar de agressão ou abuso, declaração ou pensamentos de intenção, dentre outros fatores biológicos e socioeconômicos17,21,28. Em relação aos fatores de proteção que são considerados diante de ideação suicida estão os relacionamentos interpessoais significativos, como com a família e amigos e ambiente saudável de trabalho. Também são considerados como fatores de proteção, aspectos pessoais como autoestima, habilidades sociais e autoeficácia29,30. Em uma pesquisa desenvolvida por Pereira12, para avaliar habilidades sociais e fatores de risco e proteção em adultos emergentes, foi identificado que, em uma amostra de 510 participantes, havia 63 participantes que relataram já terem tentado suicídio. Observando a alta prevalência (mais de 10% da amostra), foi investigada a presença de fatores de risco e proteção nesta amostra de jovens com histórico de tentativa de suicídio. Assim, o objetivo geral deste estudo foi investigar os fatores de risco e de proteção relacionados à tentativa e/ou ideação suicida, comparando três grupos que foram extraídos do banco de dados da pesquisa maior: os indivíduos que tentaram suicídio; os indivíduos que apresentaram ideação suicida, mas nunca tiveram tentativas de suicídio; e os que não tentaram ou apresentaram ideação suicida. Além disso, como objetivo específico, foram identificados os fatores de proteção para aqueles adultos emergentes que tentaram suicídio, mas não possuem mais ideação suicida, comparados com os que já tentaram e ainda possuem ideação.
Este estudo faz parte de um estudo maior que tinha por objetivo avaliar as habilidades sociais e os fatores de risco e proteção em adultos emergentes12. Este estudo contou com uma amostra total de 521 participantes sendo sua coleta de dados realizada online a partir da plataforma Survey Monkey. A pesquisa foi divulgada a partir de listas de e-mails de universidades e instituições de ensino e pelas redes sociais, em páginas relacionadas a temas de interesse de adultos emergentes (como grupos de instituições de ensino, páginas de times de futebol, de igrejas, grupos de discussão de temas diversos). Nestas duas vias, eram explicados quais os objetivos do estudo a partir de um texto e, após a conclusão do questionário, os participantes também foram convidados a indicar novos participantes. Este estudo teve aprovação do Comitê de Ética em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Sendo que todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido.
Para realização do presente estudo, foram selecionados todos os participantes que já haviam cometido tentativas de suicídio (n = 63) do banco de dados do estudo maior, o qual representou um percentual de 12,09% da amostra. Com o intuito de realizar comparações, foram selecionados mais dois grupos de participantes. Para tanto, foram sorteados aleatoriamente, a partir de um programa de geração de números aleatórios, 63 números que correspondiam ao número de protocolo dos participantes que em algum momento já tiveram ideias suicidas, mas nunca tentaram e outros 63 que nunca haviam tido nem ideação ou tentativas de suicídio. Todos os participantes se encontravam dentro da faixa etária correspondente à adultez emergente (18 a 30 anos) e responderam ao protocolo online da pesquisa maior na plataforma Survey Monkey.
Questões relacionadas ao Suicídio: a) Você já pensou em se matar?; b) Você já tentou se matar?; c) Caso a resposta anterior seja sim, você ainda possui esse pensamento?
Dimensional Anxiety Scale – Social Anxiety Disorder (SAD-D): medida dimensional breve de autorrelato apresentada no DSM-5 como sugestão de medida para diagnosticar sintomas de ansiedade social. O instrumento apresentou evidências de confiabilidade em contextos comunitários e clínicos, tanto na versão original31 quanto na adaptada para ao o contexto brasileiro, que ainda não foi publicada e na qual apresentou um alfa de Cronbach de 0,899. Inventário de Autoestima de Rosemberg: Validado por Hutz e Zanon32, é uma escala de autorrelato que tem por objetivo avaliar a autoestima. Em seu estudo de validação para o contexto brasileiro, apresentou dados psicométricos adequados, apresentando um alfa de Cronbach de 0,90.
Inventário de Autoeficácia Geral Percebida: Escala de autorrelato com dez itens validada para o contexto brasileiro por Sbicigo et al.33 apresentando boas evidências de validade e confiabilidade, com um alfa de Cronbach de 0,85.
Questões relacionadas aos estressores desenvolvimentais: 21 questões sobre a ocorrência de eventos estressores na vida: a) O nível econômico da minha família baixou de uma hora para outra; b) Alguém em minha casa está desempregado; c) Meus pais se separaram; d) Já estive internado em instituição (abrigo, orfanato); e) Já fugi de casa; f) Já morei na rua; g) Já dormi na rua; h) Já trabalhei na rua; i.) Alguém da minha família está ou esteve preso; j) Sofri algum acidente grave; l) Alguém muito importante pra mim faleceu; m) Já passei fome; n) Meu pai/mãe casou de novo; o) Meu pai/minha mãe teve filho com outros parceiros; p) Já fui assaltado(a); q) Já cumpri medida socioeducativa sem privação de liberdade; r) Já estive privado de liberdade (Instituição fechada); s) Já fui levado para o Conselho Tutelar; t) Já tive problemas com a justiça; u) Já tive problemas com a polícia. Estes itens fazem parte do Questionário Juventude Brasileira34.
Escala Multidimensional de Expressão Social Parte Motora - EMES-M: Escalas de autorrelato compostas por 64 itens no total, que avaliam habilidades sociais. Foi desenvolvida por Caballo35 e apresentando boa consistência interna. Foi adaptada e validada para o Brasil por Pereira et al.36, apresentando um alfa da escala total de 0,95.
Escala McGill-UFRGS de avaliação das funções de amizade no grupo de amigos. Avalia quantidade e qualidade das relações de amizade em três questões abertas e 30 frases sobre a impressão que os respondentes possuem de suas amizades. Os itens são pontuados em uma escala Likert de 5 pontos (1 – Discordo totalmente a 5 Concordo totalmente).
Foram realizadas análises descritivas dos dados para levantar médias e desvios padrão. Foram realizadas ANOVAs com testes post-hoc, Bonferroni para verificar diferenças entre os três grupos. Ainda foram realizados Teste t de Student para avaliar a diferença entre os participantes que haviam tentado suicídio, comparando os que ainda possuíam com os que não apresentavam ideação suicida. Foi adotado um nível de significância de p < 0,05.
A média da idade da amostra foi de 22,68 anos (DP = 3,03), sendo predominantemente feminina (69,3%, n= 131), porém, mesmo sendo predominantemente feminina, deve-se levar em conta que esta proporção respeita a proporção feminina do estudo maior, que também obteve uma amostra maior de mulheres (66%12). Não houve diferença estatisticamente significativa de idade (p = 0,299) e sexo (p = 0,394) entre os três grupos. Os demais dados sociodemográficos da amostra podem ser observados na Tabela 1.
Tabela 1 Dados sociodemográficos da amostra.
TS* | STCI** | STS*** | |
---|---|---|---|
Idade média (DP) | 23,01 (3,13) | 22,28 (2,95) | 22,74 (3,00) |
Sexo | |||
Masculino | 23,8% (n = 15) | 36,5% (n = 23) | 31,7% (n = 20) |
Feminino | 76,2% (n = 48) | 63,5% (n = 40) | 68,3% (n = 43) |
Raça | |||
Branca | 58,7% (n = 37) | 65,1% (n = 41) | 74,6% (n = 47) |
Negra | 14,3% (n = 9) | 1,6% (n = 1) | 0% |
Parda | 20,6% (n = 13) | 27% (n = 17) | 23,8% (n = 15) |
Outra | 6,4% (n = 4) | 1,6% (n = 1) | 1,6% (n = 1) |
Estado Cívil | |||
Solteiro | 84,1% (n = 53) | 79,4% (n = 50) | 84,1% (n = 53) |
Casado/mora junto | 11,1% (n = 7) | 17,4% (n = 11) | 14,2% (n = 9) |
Divorciado | 0% | 0% | 1,6% (n = 1) |
Escolaridade | |||
Abaixo ens. médio | 0% | 1,6% (n = 1) | 0% |
Médio completo | 4,8% (n = 3) | 9,5% (n = 6) | 0% |
Superior incomp. | 73% (n = 46) | 65,1% (n = 41) | 69,8% (n = 44) |
Superior completo | 22,2% (n = 14) | 23,8% (n = 15) | 30,2% (n = 19) |
Nota: *TS= Grupo com Tentativa de suicídio; **STCI= Grupo com ideação na vida; ***STS = Grupo que não possuía ideação nem tentativa.
Para responder ao objetivo geral, foram realizadas ANOVAs que mostraram diferenças estatisticamente significativas entre as médias dos grupos em todas as variáveis. Os testes post-hoc Bonferroni mostraram diferenças significativas entre os três grupos na variável ansiedade social (Tabela 2). Como pode ser observado na Tabela 2, apenas a variável ansiedade social apresentou diferenças significativas entre os três grupos. A variável estressores desenvolvimentais apresentou diferenças entre os grupos que possuíam ideação suicida, mas nunca haviam tentado suicídio e o grupo que já o havia tentado.
Tabela 2 Resultados das ANOVAs comparando os grupos com Tentativa de suicídio (TS), com ideação na vida (STCI) e o grupo que não possuía ideação nem tentativa (STS).
Variáveis | Média Grupos (DP) | F | p | Testes Post hoc Bonferroni | Cohen’s d | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
|
|
|||||||
TS* | STCI** | STS*** | Comparação | P | ||||
Amizade | 124,26 (23,16) | 126,19 (20,15) | 137,63 (12,06) | 9,06 | > ,001 | TS x STCI | 1,000 | 0,10 |
TS x STS | < ,001 | 0,72 | ||||||
STS x STCI | ,003 | 0,57 | ||||||
Ansiedade Social | 30,89 (11,75) | 26,03 (10,25) | 19,33 (6,69) | 22,08 | > ,001 | TS x STCI | ,019 | 0,44 |
TS x STS | < ,001 | 1,20 | ||||||
STS x STCI | ,001 | 0,77 | ||||||
Autoeficácia | 30,32 (6,82) | 30,74 (6,02) | 35,35 (6,44) | 11,39 | >,001 | TS x STCI | 1,000 | 0,06 |
TS x STS | < ,001 | 0,76 | ||||||
STS x STCI | < ,001 | 0,73 | ||||||
Autoestima | 30,61 (9,61) | 33,00 (7,40) | 41,33 (7,02) | 30,38 | > ,001 | TS x STCI | ,306 | 0,28 |
TS x STS | < ,001 | 1,27 | ||||||
STS x STCI | < ,001 | 1,15 | ||||||
Relação familiar | 46,17 (13,00) | 50,98 (12,30) | 59,63 (10,01) | 20,91 | > ,001 | TS x STCI | ,071 | 0,38 |
TS x STS | < ,001 | 1,16 | ||||||
STS x STCI | < ,001 | 0,77 | ||||||
Violência Familiar | 2,41 (1,38) | 1,92 (1,13) | 0,73 (0,98) | 32,54 | > ,001 | TS x STCI | ,059 | 0,38 |
TS x STS | < ,001 | 1,40 | ||||||
STS x STCI | < ,001 | 1,12 | ||||||
Violência Comunitária | 1,40 (1,00) | 1,20 (1,01) | 0,59 (0,67) | 12,72 | > ,001 | TS x STCI | ,684 | 0,19 |
TS x STS | < ,001 | 0,95 | ||||||
STS x STCI | < ,001 | 0,59 | ||||||
Estressores | 4,53 (2,58) | 3,32 (2,15) | 3,05 (1,70) | 7,94 | > ,001 | TS x STCI | ,007 | 0,51 |
TS x STS | ,001 | 0,67 | ||||||
STS x STCI | 1,000 | 0,13 | ||||||
Habilidades Sociais | 161,93 (38,37) | 167.76 (32,12) | 187 (40,25) | 8,36 | > ,001 | TS x STCI | 1,000 | 0,16 |
TS x STS | < ,001 | 0,63 | ||||||
STS x STCI | ,009 | 0,53 |
Nota: *TS: Grupo com ocorrência de tentativa de suicídio; STCI: Grupo sem tentativa de suicídio, mas com ocorrência de ideação; ***STS: Grupo sem tentativa ou ideação de suicídio.
Nas comparações em grupo, houve diferença estatisticamente significativa nos escores de todas as variáveis relacionadas aos fatores de proteção (amizade, relacionamento familiar, habilidades sociais, autoestima e autoeficácia), quando comparados os grupos que não apresentavam ideação e tentativas de suicídio em relação aos demais grupos. Resultado semelhante pode ser observado em relação às comparações dos grupos nas variáveis de violência familiar e comunitária, nos quais existia diferença estatisticamente significativa apenas nas comparações do grupo sem tentativa e sem ideação na vida com os demais grupos.
Para responder ao objetivo específico e identificar diferenças entre pessoas que conseguiram superar as ideações suicidas e as que ainda não haviam conseguido, foram realizados testes t de Student. Nesta análise, a amostra de pessoas que possuíam histórico de tentativas de suicídio (n = 63) foi dividida em dois subgrupos: um que ainda apresentava ideação (n = 28) e outro que não apresentava mais (n = 34). O grupo que não possuía mais ideação apresentou médias superiores estatisticamente significativas nas variáveis autoeficácia, autoestima e relacionamento familiar. O grupo que ainda tinha ideação apresentou médias superiores estatisticamente significativas na variável ansiedade social. Estas análises podem ser observadas na Tabela 3.
Tabela 3 Comparação de médias entre os grupos com sujeitos com e se tentativa de suicídio.
Variáveis | Média Grupos (DP) | P | Cohen’s d | |
---|---|---|---|---|
| ||||
CP* (n = 28) | SP** (n = 34) | |||
Amizade | 119,50 (23,81) | 128,24 (22,55) | ,147 | 0,38 |
Ansiedade Social | 35,32 (10,62) | 27,53 (11,66) | ,008 | 0,76 |
Autoeficácia | 27,55 (5,87) | 32,32 (6,87) | ,006 | 0,60 |
Autoestima | 26,68 (8,47) | 33,76 (9,55) | ,003 | 0,82 |
Relação familiar | 41,53 (13,18) | 49,88 (11,94) | ,011 | 0,66 |
Violência Familiar | 2,66 (1,21) | 2,21 (1,51) | ,203 | 0,00 |
Violência Comunitária | 1,57 (0,99) | 1,25 (1,01) | ,222 | 0,00 |
Estressores | 4,07 (2,26) | 4,85 (2,82) | ,261 | 0,00 |
Habilidades sociais | 152,96 (31,50) | 168,88 (42,82) | ,109 | 0,43 |
Nota: *CP: Grupo de participantes que já tentaram suicídio e ainda tem esse pensamento; **SP: Grupo de participantes que já tentaram suicídio e não tem pensamentos de tentar novamente.
Os objetivos deste estudo foram investigar fatores de risco e proteção para as tentativas e/ou ideação suicida. Os resultados apontaram fatores que podem ser considerados protetivos, como autoestima e autoeficácia e fatores de risco, como ansiedade social, violência familiar e comunitária foram identificados como fatores de risco.
A adultez emergente é caracterizada pelo surgimento de diversas novas demandas sociais1. Frente a elas, muitas vezes, os jovens sentem-se vulneráveis, caso não possuam os recursos necessários para lidar com os problemas que surgem, tornando esta população vulnerável para transtornos psicológicos, que podem acarretar em ideação e tentativas de suicídio17.
A tentativa de suicídio é uma das únicas alternativas encontradas por pessoas que não possuem recursos suficientes no processo de solução de problemas, por exemplo, indivíduos que se excluem do contexto familiar, que possuem sentimentos de menos valia ou que se sentem incapazes de lidar com a realidade22. Portanto, a interação dos fatores de risco com os de proteção pode ser determinante para um desfecho saudável na resolução de problemas9. Assim, é importante ter claro o conceito de resiliência, que é um processo complexo no qual diversos fatores se relacionam para determinar se as pessoas conseguem superar os problemas da vida de forma saudável37.
As médias dos fatores protetivos apresentaram diferença estatisticamente significativa entre o grupo que não apresentava nem ideação nem tentativas de suicídio durante a vida e os demais grupos. Os fatores utilizados neste estudo podem ser caracterizados em dois tipos: os intrínsecos, ou seja, as forças e habilidades da própria pessoa que podem auxiliar no enfrentamento e superação de dificuldades (como autoestima, autoeficácia e habilidades sociais); e fatores intrínsecos, que são características e apoio do contexto em que esta pessoa está inserida que podem auxiliar em situações difíceis (como relacionamento familiar e de amizade)8. Os resultados deste estudo indicam que estes fatores estão mais presentes em jovens que não possuem ideação suicida, o que demonstra a importância deles no estudo deste fenômeno.
A autoestima pode ser definida como um conjunto de crenças sobre o próprio valor como pessoa e é considerado um importante indicador de saúde mental38. A autoeficácia é a crença que a pessoa possui na sua capacidade de resolução de problemas33. A autoestima e a autoeficácia são características relacionadas. Uma baixa autoeficácia está relacionada com um sentimento de vulnerabilidade à adversidade e incapacidade na resolução de problemas39, o que pode culminar em um aumento da ansiedade ao enfrentar problemas na vida. Isto pode acarretar no desenvolvimento de crenças negativas sobre si mesmo e sobre o ambiente em que se está inserido, com diminuição da autoestima e transtornos psicológicos como a depressão40,41. Os resultados deste estudo corroboram estes achados, que apresenta a autoeficácia e a autoestima como importantes fatores de proteção para transtornos psicológicos42,43 e para o risco de suicídio8,44.
Habilidades sociais podem ser definidas como uma classe específica de comportamentos utilizados na interação com os demais fatores12. Estes comportamentos possuem o objetivo de resolver e evitar problemas interpessoais e são responsáveis pela manutenção das relações sociais45,46. Déficits nas habilidades sociais são relacionados com dificuldades nas interações sociais, insatisfação nas relações, presença de ansiedade social, baixa autoeficácia para resolução de problemas interpessoais e baixa autoestima12,35, durante a adultez emergente, os relacionamentos com amigos e família são considerados os mais importantes na rede de apoio desta população4,11,47. É nestas relações que os jovens constroem sua identidade e buscam apoio quando se deparam com problemas11. Como observado neste estudo, os níveis de qualidade nestas relações apresentaram diferença significativa entre o grupo sem ideação e tentativa de suicídio na vida e os demais grupos. Desta forma supõe-se que estas relações podem prevenir que adultos emergentes busquem o suicídio como uma opção para a solução de seus problemas. Além disso, para pessoas que já apresentaram histórico de tentativas de suicídio, o relacionamento familiar se mostrou importante para a superação. É preciso levar em conta que, para acessar a rede de apoio, estes jovens necessitam de um repertório de habilidades sociais adequados, visto que, sem elas, mesmo que a relação seja boa, não possuirão as habilidades necessárias para pedir ajuda quando preciso12.
Mesmo não havendo diferença significativa entre o grupo com tentativa de suicídio e o grupo com presença de ideação na vida em relação à qualidade do relacionamento familiar, a diferença entre os níveis de qualidade desta relação foi limítrofe (Tabela 2). Isso mostra que, possivelmente, exista uma relação entre a qualidade do relacionamento familiar e a efetiva tentativa de suicídio. Isso ocorre, principalmente, quando observado que a qualidade do relacionamento familiar teve diferença estatisticamente significativa entre os grupos que já tentaram suicídio e ainda possuem ou não ideação.
Em relação à ansiedade social, houve diferença dos níveis entre os três grupos, sendo que o grupo com tentativas de suicídio teve as médias mais elevadas, seguido pelo grupo com presença de ideação suicida. Este resultado demonstra que a ansiedade social é um fator de risco tanto para a ideação quanto para a tentativa.
A ansiedade social é um transtorno grave e debilitante, caracterizado por altos níveis de ansiedade frente às relações interpessoais35,48. Diante destas interações, a pessoa sente-se vulnerável, o que muitas vezes pode levar ao isolamento social48. A ansiedade social está relacionada com baixos níveis de autoestima, autoeficácia, déficits em habilidades sociais e depressão35,48. Como a pessoa que possui este transtorno tem dificuldades em se relacionar com os demais, não consegue construir ou acessar a rede de apoio de forma efetiva, tornando-se ainda mais vulnerável e desamparada quando surgem problemas na vida49, o que pode explicar esta diferença entre os grupos.
Em relação às situações de violência, pode-se perceber que tanto as presenças de violência familiar quanto de violência comunitária diferenciaram o grupo sem ideação nem tentativa com os demais grupos. Este dado indica que as vivências de situações de violência acarretaram em vulnerabilidade, e isso faz com que o indivíduo não possua recursos para lidar com as situações, visto que a presença destas, principalmente na infância, tende a resultar em diminuição da autoestima e da autoeficácia das vítimas50. A literatura aponta que a presença de casos de violência está relacionada a transtornos como a depressão, que podem resultar em ideação e tentativas de suicídio51-53.
Das variáveis avaliadas neste estudo, a única que diferenciou exclusivamente apenas o grupo com ideação e o grupo com tentativas de suicídio foi a variável “Estressores Desenvolvimentais”, que estão relacionados com questões como perda de emprego e familiares, endividamento, crise financeira, mudança de residência, problemas com a lei, etc. Este resultado pode indicar que a presença das vivências de experiências desestabilizadoras pode ser o desencadeador de uma tentativa de suicídio para as pessoas que têm ideação suicida.
A baixa autoestima, baixa autoeficácia, déficits nas habilidades sociais e a presença de violência comunitária e familiar são fatores de risco para a ideação suicida, visto que, tanto os grupos com ideação quanto os com tentativa apresentaram, em algum momento, a ideação suicida. Além disso, a presença de altos níveis de ansiedade social e da ocorrência de estressores é um fator de risco para a tentativa de suicídio, pois apenas estas variáveis que diferenciaram os grupos.
Em relação à comparação entre os participantes que tiveram tentativa na vida, mas não possuem mais ideação e os que ainda possuem, o teste t apresentou diferença significativa nas médias das variáveis ansiedade social, autoeficácia, autoestima e relacionamento familiar.
A presença de crenças mais positivas sobre si mesmo acarreta uma forma mais saudável em perceber os problemas e de acreditar que pode solucioná-los8,54. Desta forma, a presença de crenças positivas sobre si (autoestima) e da própria capacidade em lidar com as situações e problemas (autoeficácia) possivelmente auxilia a pessoa a encontrar maneiras de resolver os problemas que resultaram na tentativa de suicídio e, consequentemente, não mantendo mais a ideação. Por outro lado, pessoas que possuem baixa autoestima e autoeficácia não acreditaram na sua capacidade de resolução de problemas, fazendo com que o suicídio ainda seja uma “solução” plausível para estas situações.
A presença de altos índices de ansiedade social acarreta dificuldade em estabelecer redes de apoio efetivas e, mesmo na presença delas, a pessoa terá dificuldade em acessá-la. Desta forma, se torna um fator de risco, pois as redes de apoio se tornarão menos eficazes, deixando o indivíduo vulnerável aos problemas12, não possuindo o apoio para superar a ideação suicida. Observa-se que a qualidade nas relações familiares são uma rede de apoio importante, visto que, comumente é a relação social mais próxima nesta população. A qualidade desta relação pode auxiliar na superação de problemas e, assim, encontrar novas formas de solucioná-los. Isso pode acarretar na diminuição dos pensamentos de suicídio, ou na desistência do mesmo.
Adultez emergente é uma fase de mudanças na vida dos jovens e, como visto neste estudo, diversos fatores podem contribuir para que aos problemas encontrados possam dificultar a vida a ponto de considerarem o suicídio como uma solução para estes problemas. O suicídio é um fenômeno complexo que apresenta diversos fatores relacionados (tanto de risco como protetivos). Este estudo avaliou alguns destes fatores, como uma forma de entender melhor este fenômeno nesta população especifica.
Fatores protetivos como autoestima, autoeficácia, habilidades sociais, relacionamento familiar e de amizade são importantes e fazem diferença para a resolução de problemas na adultez emergente. Esses fatores se mostraram essenciais para os indivíduos não apresentarem ideação suicida como uma opção para lidar com as situações de desafio da vida. Além disso, são fatores importantes para que, após uma tentativa frustrada, os jovens possam repensar sua vida e buscar a superação de seus problemas de forma a não cometer novas tentativas. Desta forma, intervenções com esta faixa etária podem se focar no desenvolvimento dos fatores protetivos, como forma de melhorar a qualidade de vida destes jovens. Para tanto, deve-se promover a autoestima e a autoeficácia, ao mesmo tempo que se busca fortalecer os laços afetivos com a rede de apoio.
Para jovens que possuem ideações ou já tiveram tentativas frustradas de suicídio, as intervenções devem focar em organizar uma rede de apoio efetiva para que possam ter a quem recorrer quando não conseguem lidar com seus problemas. Além disso, deve-se propor estratégias para a melhora da autoestima e da autoeficácia destes jovens. A falta de maiores informações referentes à idade em que os jovens cometeram as tentativas de suicídio, bem como detalhes referentes a como foram estas tentativas, podem ser apontadas como limitações deste estudo. Estas informações permitiriam identificar outros fatores associados à superação ou não. Além disso, a coleta de dados online faz com que apenas um perfil de participantes tenha acesso ao questionário, no caso jovens com acesso a internet e que participavam dos grupos em que a pesquisa foi divulgada. Desta forma, novas pesquisas que busquem alcançar jovens em outros contextos podem ser executadas para compreender melhor este fenômeno.
Este estudo traz dados sobre um fenômeno complexo como a tentativa de suicídio, buscando identificar como fatores intrínsecos e extrínsecos podem contribuir para a ocorrência e a prevenção deste sério problema de saúde pública. Estes dados podem auxiliar no desenvolvimento de novas intervenções para pessoas que possuam ideações suicidas ou que já tiveram tentativas não sucedidas de suicídio a superarem seus problemas e não repeti-las.