versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol. vol.41 no.1 São Paulo jan./mar. 2019 Epub 10-Jul-2018
http://dx.doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-2018-0024
Avanços significativos na terapia antirretroviral têm reduzido a progressão da doença e melhoraram a sobrevida de pacientes infectados pelo HIV. De fato, a doença renal crônica (DRC) surgiu como uma das principais condições não infecciosas que afetam pessoas infectadas pelo HIV.1 A prevalência relatada de DRC em pacientes infectados com HIV na América do Norte e Europa varia de 4,7% a 9,7%; e taxas mais altas foram relatadas quando a DRC é definida pela taxa de filtração glomerular estimada (TFGe) ou proteinúria.2-4 A infecção pelo HIV é um fator de risco bem estabelecido para DRC e doença renal terminal (DRT).
A maioria dos casos de DRC na infecção pelo HIV deve-se à nefropatia associada ao HIV (HIVAN). No entanto, até 50% das doenças renais em pessoas infectadas pelo HIV resultam de uma ampla gama de patologias não relacionadas ao HIVAN.5 Esses pacientes podem desenvolver múltiplas nefropatias glomerulares (nefropatia por IgA, glomerulonefrite lúpus, glomeruloesclerose focal e segmentar, glomerulonefrite membranoproliferativa com crioglobulinemia e glomerulopatia membranosa) e vascular (microangiopatia trombótica), tubulointersticial (nefropatia tubular por drogas, nefrite imunoalérgica tubulointersticial e síndrome de Fanconi) e nefropatias obstrutivas (nefropatia por deposição de cristais) relacionadas ao próprio vírus, às drogas administradas ou às coinfecções.6 Por outro lado, os fatores de risco tradicionais para DRC estão se tornando cada vez mais prevalentes em populações infectadas pelo HIV, incluindo envelhecimento, diabetes mellitus, hipertensão, doença cardiovascular, IRA anterior e raça/etnia. 7 Isso fez com que os fatores de risco para DRC em pessoas infectadas pelo HIV sejam uma combinação de fatores tradicionais e relacionados ao HIV, incluindo baixas contagens de CD4, alta carga viral, uso de drogas intravenosas, coinfecção pelo vírus da hepatite C e uso de drogas antirretrovirais específicas.8-12 Por fim, assim como na população geral, a albuminúria e a diminuição da função renal em indivíduos HIV-positivos têm sido associadas a piores desfechos como a progressão à AIDS e óbito.13,14
O objetivo do nosso estudo foi avaliar a prevalência de DRC e determinar os fatores epidemiológicos, clínicos e laboratoriais associados à DRC em pacientes mexicanos infectados pelo HIV.
Foi realizado um estudo transversal com pacientes avaliados no período de novembro de 2015 a setembro de 2016. O protocolo foi revisado e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa Institucional. Incluímos pacientes com HIV/AIDS do Ambulatório de Atenção às Infecções por Transmissão Sexual e AIDS (CAPASITS) em Sinaloa, México.
Clínica (idade, sexo, tabagismo, uso de drogas, medicamentos, coinfecção VHC, coinfecção do vírus da hepatite B (HBV), hipertensão e diagnóstico de diabetes mellitus), laboratório (creatinina sérica, ureia, hemoglobina, leucócitos, plaquetas, albuminúria e glomerular estimado taxa de filtração) e as variáveis relacionadas à infecção pelo HIV (contagem de linfócitos CD4, carga viral, estágio clínico da infecção pelo HIV, medicamentos antirretrovirais) foram coletadas e comparadas entre pacientes com e sem DRC.
O diagnóstico de DRC foi documentado se o paciente tivesse duas determinações consecutivas, medidas com um intervalo de 3 meses ou mais, de uma TFG < 60 mL/min/1,73 m2 estimada pela equação CKD-EPI (TFG = 141 * min (Scr)/κ,1) α* max (Scr/κ,1) -1,209 * 0,993Age * 1,018 [se mulher] * 1,159 [se negro]) e/ou albuminúria na amostra de urina ou na urina de 24 horas. O estágio da DRC foi determinado pela taxa de TFGe (estágio 1: TFGe > 90 mL/min/1,73 m2; estágio 2: TFGe 60-89 mL/min/1,73 m2; estágio 3a: TFGe 45-59 mL/min/1,73 m2; estágio 3b: TFGe 30-44 mL/min/1,73 m2; estágio 4: TFGe 15-29 mL/min/1,73 m2; estágio 5: TFGe < 15 mL/min/1,73 m2) e albuminúria (A1: albuminúria < 30 mg/g; A2: albuminúria 30-299 mg/g; A3: albuminúria > 300 mg/g), de acordo com os critérios diagnósticos e de classificação para DRC da Fundação Melhoria Global dos Resultados da Doença Renal (KDIGO). 15,16 O estadiamento da infecção pelo HIV foi feito de acordo com categorias clínicas (categoria A1: infecção assintomática, infecção aguda, linfadenopatia generalizada persistente; categoria B: infecção sintomática, não A ou C; categoria C: condições definidoras de AIDS) e categorias imunológicas (categoria 1: contagem de linfócitos > 500 células/µL; categoria 2: contagem de linfócitos de 200-499 células/µL; categoria 3: contagem de linfócitos < 200 células/µL) do sistema de classificação revisado da infecção pelo HIV do Centers for Disease Control.17
Estatísticas descritivas com média e desvio padrão foram utilizadas para descrever variáveis contínuas; frequências e proporções foram usadas para descrever variáveis categóricas. As comparações entre os grupos foram realizadas usando o teste-t de Student e one-way ANOVA para variáveis contínuas, e o teste do qui-quadrado para variáveis categóricas. O estudo dos fatores associados à DRC foi realizado por meio de regressão logística multivariada. Variáveis com p < 0,05 na análise univariada e aquelas que foram consistentemente associadas à DRC na literatura médica foram incluídas na análise multivariada. Um valor de p < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo.
Foram incluídos 274 pacientes com idade média de 41 ± 11 anos; desses pacientes, 72,3% (n = 198) eram do sexo masculino. As comorbidades mais frequentemente observadas foram tabagismo em 28,5% (n = 78), uso de drogas em 14,6% (n = 40), hipertensão em 7,7% (n = 21) e diabetes mellitus em 6,9% (n = 19) dos pacientes. A principal coinfecção viral em nossa população foi o HCV, em 2,9% (n = 8) dos pacientes.
A categoria clínica mais comum foi a categoria B com 39,8% (n = 109), seguida da categoria C com 31,4% (n = 86) e a categoria A com 28,8% (n = 79) dos pacientes. A categoria imunológica mais comum foi a categoria 2 com 43,5% (n = 119), seguida da categoria 3 com 40,1% (n = 110) e a categoria 1 com 16,4% (n = 45) dos pacientes. Com base nessas categorias, os estágios clínicos mais frequentemente observados do HIV em nossa população foram estágio C3 (22,6%, n = 62), estágio B2 (21,2%, n = 58) e estágio A2 (15%, n = 41).
Por outro lado, a carga viral inicial (pré-tratamento) foi de 89.220 + 244.945 cópias/mL e a contagem de linfócitos CD4 foi de 369 + 276 células/µL. Coinfecção foi observada em 8,3% (n = 23) dos pacientes com HIV, dos quais 0,7% (n = 2) corresponderam à coinfecção pelo VHB; 2,9% (n = 8), para coinfecção com o HCV; e 4,7% (n = 13), para infecção concomitante com Treponema pallidum.
A prevalência global de DRC em nossa população infectada pelo HIV foi de 11,7% (n = 32); 7,2% (n = 20) foram diagnosticados pelo critério TFGe, 7,6% (n = 21) foram diagnosticados pelo critério da albuminúria e 3,2% (n = 9) pelos critérios da DRC. Dos pacientes com DRC, 34,3% (n = 11) foram preenchidos com o critério de TFGe < 60 mL/min, 37,5% (n = 12) preencheram o critério de albuminúria e 28,1% (n = 9) com ambos os critérios de DRC.
Os estágios mais frequentes da DRC em nossa população foram o estágio KDIGO G3A1 com 4,7% (n = 13), estágio KDIGO G1A2 com 3,6% (n = 10) e estágio KDIGO G3A2 com 1,7% (n = 5) dos casos (Tabela 1).
Tabela 1 Prevalência de DRC nos pacientes mexicanos com DRC infectados pelo HIV
Albuminúria por categorias da KDIGO | ||||
---|---|---|---|---|
A1 | A2 | A3 | ||
n (%) | n (%) | n (%) | ||
Categorias da TFGe | G1 | 2 (0.7%) | 10 (3.6%) | |
G2 | ||||
G3a | 13 (4.7%) | 4 (1.4%) | ||
G3b | 1 (0.3%) | |||
G4 | ||||
G5 | 2 (0.7%) |
DRC = Doença Renal Crônica; TFGe = Taxa estimada de filtração glomerular.
Ao comparar as características gerais entre pacientes com DRC e não portadores de DRC, observamos que os pacientes com critérios para DRC-albuminúria eram mais jovens que os pacientes com critério DRC TFGe (35 v.s. 51 anos, p = 0,001), TFGe + albuminúria com DRC (35 v.s. 49, p = 0,001) e pacientes sem DRC (35 v.s. 40, p = 0,001). Não houve diferença estatisticamente significante nas demais características gerais apresentadas na Tabela 2.
Tabela 2 Comparação das características clínicas, laboratoriais e de infecção pelo HIV entre pacientes com e sem DRC
VARIÁVEIS | Sem DRC | TFGe < 60 mL/min | Albuminúria (Alb) | TFGe < 60 mL/min + Alb | p | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n = 242 | % | n = 11 | % | n = 12 | % | n = 9 | % | ||
Idade (anos) | 40 ± 11a | 51 ± 10 | 35 ± 10b,c,d | 49 ± 9d | 0,001 | ||||
Mulher | 67 | 27,7% | 3 | 27,3% | 3 | 25,0% | 3 | 33,3% | 0,98 |
Homem | 175 | 72,3% | 8 | 72,7% | 9 | 75,0% | 6 | 66,7% | |
Tabagismo | 70 | 28,9% | 3 | 27,3% | 2 | 16,7% | 3 | 33,3% | 0,81 |
Uso de medicação | 36 | 14,9% | 1 | 9,1% | 1 | 8,3% | 2 | 22,2% | 0,78 |
Hipertensão | 16 | 6,6% | 2 | 18,2% | 1 | 8,3% | 2 | 22,2% | 0,18 |
Diabetes mellitus 2 | 18 | 7,4% | 0 | 0,0% | 0 | 0,0% | 1 | 11,1% | 0,56 |
Carga viral HIV | 88,937 ± 253,253 | 110,339 ± 187,174 | 29,086 ± 52,838 | 151,196 ± 239,386 | 0,71 | ||||
Contagem de CD4 | 371 ± 275 | 279 ± 167 | 407 ± 378 | 362 ± 294 | 0,70 | ||||
Categorias clínicas de HIV | |||||||||
A | 71 | 29,3% | 2 | 18,2% | 6 | 50,0% | 0 | 0,0% | 0,26 |
B | 94 | 38,8% | 6 | 54,5% | 4 | 33,3% | 5 | 55,6% | |
C | 77 | 31,8% | 3 | 27,3% | 2 | 16,7% | 4 | 44,4% | |
Catergorias imunológicas dos HIV | |||||||||
1 | 40 | 16,5% | 2 | 18,2% | 3 | 25,0% | 0 | 0,0% | 0,43 |
2 | 102 | 42,1% | 4 | 36,4% | 7 | 58,3% | 6 | 66,7% | |
3 | 100 | 41,3% | 5 | 45,5% | 2 | 16,7% | 3 | 33,3% | |
HBV Positivo | 1 | 0,4% | 1 | 9,1%a | 0 | 0,0% | 0 | 0,0% | 0,01 |
HCV Positivo | 7 | 2,9% | 1 | 9,1% | 0 | 0,0% | 0 | 0,0% | 0,55 |
VDRL Positivo | 10 | 4,1% | 1 | 9,1% | 1 | 8,3% | 1 | 11,1% | 0,61 |
HIV = virus da imunodeficiência humana; DRC = doença renal crônico; TFGe = taxa estimada de filtração glomerular; HBV: vírus da hepatite B; HCV: vírus da hepatite C; VDRL: laboratório de pesquisa de doenças venéreas,
a)sem DRC vs TFGe < 60 ml/min;
b)albuminúria vs. sem DRC;
c)albuminúria vs TFGe < 60 ml/min;
d)albuminúria vs. TFGe < 60 ml/min + Albuminúria.
Comparando as prescrições médicas entre os grupos e observamos que o uso de antagonista do receptor da angiotensina II (ARA) (11,1%, n = 1 versus 0,8%, n = 2; p < 0,01) e tratamento antirretroviral com saquinavir/ritonavir (22,2%, n = 2 v.s. 3,3%, n = 8; p = 0,03) foram mais frequentes em pacientes com DRC pelos critérios de TFGe e/ou albuminúria do que em pacientes sem DRC. Não foi encontrada diferença estatisticamente significativa para os demais medicamentos mostrados na Tabela 3.
Tabela 3 Comparação de medicações usadas entre pacientes com e sem DRC
VARIÁVEIS | Sem DRC | TFGe < 60mL/min | Albuminúria (Alb) | TFGe < 60mL/min + Alb | p | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n = 242 | % | n = 11 | % | n = 12 | % | n = 9 | % | ||
IECA | 12 | 5,0% | 1 | 9,1% | 0 | 0,0% | 1 | 11,1% | 0,64 |
ARA | 2 | 0,8% | 1 | 9,1% | 1 | 8,3% | 1 | 11,1% | < 0,01 |
Efavirenz + Tenofovir + Emtricitabina | 84 | 34,7% | 1 | 9,1% | 3 | 25,0% | 2 | 22,2% | 0,26 |
Tenofovir + Emtricitabina | 96 | 39,7% | 5 | 45,5% | 6 | 50,0% | 4 | 44,4% | 0,87 |
Atazanavir + Ritonavir | 109 | 45,0% | 7 | 63,6% | 7 | 58,3% | 1 | 11,1% | 0,08 |
Abacavir/Lamivudina | 50 | 20,7% | 4 | 36,4% | 3 | 25,0% | 4 | 44,4% | 0,23 |
Lopinavir/Ritonavir | 20 | 8,3% | 1 | 9,1% | 0 | 0,0% | 1 | 11,1% | 0,75 |
Saquinavir + Ritonavir | 8 | 3,3% | 1 | 9,1% | 1 | 8,3% | 2 | 22,2% | 0,03 |
Zidovudina + Lamivudina | 3 | 1,2% | 0 | 0,0% | 0 | 0,0% | 0 | 0,0% | 0,94 |
Darunavir + Raltegravir + Ritonavir | 5 | 2,1% | 0 | 0,0% | 0 | 0,0% | 1 | 11,1% | 0,27 |
DRC: Doença renal crônica; TFGe: Taxa estimada da filtração glomerular por CKD-EPI; IECA: Inibidor da enzima conversora de angiotensina; ARA: Antagonista do receptor de angiotensina II.
Na análise de regressão logística multivariada, os fatores associados à DRC definidos pela TFGe e/ou albuminúria em nossa população com HIV foram o tratamento com abacavir/lamivudina, com OR de 3,2 (IC 95% 1,1-8,9; p = 0,03) e contagem de linfócitos CD4 < 400 células/µL, com OR de 2,6 (IC 95% de 1,03-6,4, p = 0,04). Por outro lado, os fatores associados à DRC definidos apenas pela TFGe foram idade, com OR de 1,1 (IC95% 1,04-1,2, p = 0,001); e albuminúria, com OR de 19,98 (95% de IC: 5,5-72,2; p = 0,00). Em nossa população com HIV, não observamos fatores associados à DRC definidos pela albuminúria (Tabela 4).
Tabela 4 Fatores associados à DRC em pacientes mexicanos infectados pelo HIV
Variáveis | DRC pela TFGe e/ou albuminúria | DRC pela TFGe < 60 mL/min | DRC por albuminúria | |||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
OR | IC 95% | p | OR | IC 95% | p | OR | IC 95% | p | ||||
Inferior | Superior | Inferior | Superior | Inferior | Superior | |||||||
Idade (anos) | 1 | 0,9 | 1,1 | 0,13 | 1,1 | 1,04 | 1,2 | 0,001 | 1 | 0,95 | 1,03 | 0,8 |
Hipertensão (sim/não) | 0,5 | 0,02 | 11,4 | 0,68 | 0,3 | 0,004 | 29,8 | 0,6 | 0,6 | 0,02 | 23,4 | 0,8 |
Diabetes mellitus 2 (sim/não) | 0,2 | 0,02 | 1,7 | 0,14 | 0,2 | 0,02 | 2,3 | 0,2 | 0,4 | 0,05 | 4,2 | 0,5 |
Saquinavir/ritonavir | 3,3 | 0,8 | 13,3 | 0,09 | 3 | 0,5 | 17,4 | 0,2 | 3,5 | 0,8 | 16,3 | 0,1 |
Abacavir/lamivudina | 3,2 | 1,1 | 8,9 | 0,03 | 2,2 | 0,5 | 9,8 | 0,3 | 2,7 | 0,8 | 9,2 | 0,1 |
Tenofovir/emtricitabina | 2,2 | 0,9 | 5,6 | 0,09 | 1,5 | 0,4 | 5,9 | 0,6 | 2,2 | 0,7 | 6,6 | 0,2 |
IECA ou ARA | 4,5 | 0,2 | 92,9 | 0,33 | 8,1 | 0,09 | 717,9 | 0,4 | 3,2 | 0,1 | 113,6 | 0,5 |
Contagem de CD4 (< 400 vs. > 400) | 2,6 | 1,03 | 6,4 | 0,04 | 2,7 | 0,7 | 9,8 | 0,1 | 1,8 | 0,7 | 5,2 | 0,2 |
Albuminúria (sim/não) | 19,98 | 5,5 | 72,2 | < 0,01 |
DRC = Doença Renal Crônica, TFGe = Taxa Estimada de Filtração Glomerular por CKD-EPI, IC = Intervalo de Confiança; OR = Odds ratio; IECA = Inibidor da Enzima Conversora de Angiotensina, ARA = Antagonista do receptor da angiotensina II.
A prevalência global de DRC em nossa população com HIV foi de 11,7% (n = 32); 7,2% (n = 20) dos pacientes foram diagnosticados pelo critério de TFGe, e 7,6% (n = 21) dos pacientes foram diagnosticados pelo critério de albuminúria. Esses achados estão de acordo com relatos anteriores de outros pesquisadores em todo o mundo, variando de 7,2% (EUA) a 13,7% (China), aplicando o critério de albuminúria e de 3,5% (Europa) a 9,7% (EUA), considerando o critério de TFGe < 60 mL/min. Por outro lado, a prevalência global de DRC (TFGe e/ou albuminúria) em nossa população foi inferior à relatada no Japão (15,5%) e EUA (23,7%), embora globalmente, varie de 2 a 30%.18
A coinfecção pelo HCV foi de 2,9% (n = 8), menor que nos relatos anteriores (30%, com intervalo entre 3-70%).19 Por outro lado, a coinfecção pelo VHB foi de 0,7% (n = 2) em nossa população, abaixo da prevalência descrita por outros autores.20,21 Raboni et al. realizaram um estudo transversal no sul do Brasil, no qual os autores documentaram a coinfecção hepatite/HIV em 6,6% dos pacientes infectados pelo HIV. A coinfecção HCV/HIV foi confirmada em 4,0% e a coinfecção HBV/HIV em 1,3% dos pacientes infectados pelo HIV.22
Estudos clínicos anteriores descreveram múltiplos fatores de risco tradicionais (idade, hipertensão, diabetes, proteinúria, etc.) e fatores de risco não tradicionais específicos para pacientes com HIV (carga viral elevada, baixa contagem de células CD4, coinfecção com HBV e HCV, drogas, etc.) associado ao desenvolvimento de DRC.7-11
A idade foi um fator associado à DRC em nossa população. Esse achado é semelhante ao relatado por outros estudos, sendo que o aumento do risco relativo para DRC (definido como TFGe ou albuminúria) para cada 10 anos de idade é de 1,5 a 5,5. Quando a idade foi analisada como variável adicotômica por outros autores, pacientes > 50 anos apresentaram um risco relativo de 2,0 para progressão para DRT ou TFGe < 15 mL/min em comparação com pacientes < 30 anos.16
A contagem de linfócitos CD4 < 400 células/µL foi outro fator associado à DRC (definida pela TFG ou albuminúria) em nossa população. Isso tem sido consistentemente demonstrado por outros pesquisadores, relatando uma faixa de risco relativo para DRC (definida por TFG ou albuminúria) de 1,1 a 1,25 para cada redução de 100 células/µL ou de 1,4 a 2,2 para pacientes com CD4 < 200 v.s. > 201 células/µL. Por outro lado, a contagem de CD4 também foi associada à progressão para DRT ou TFG < 15 mL/min, com risco relativo de 1,7 por 100 células/mL e aumento de 1,4 a 2,7 vezes para pacientes com CD4 < 200 v.s. > 201 células/µL.16 Outro estudo documentou uma diminuição do risco de DRC em associação com a restauração de células CD4 e a supressão da carga viral plasmática durante o tratamento com HAART. 23
Em nossa população com HIV, a presença de albuminúria foi o principal fator associado à DRC (definido pelo critério TFGe). A presença de albuminúria é frequente, e é observada em até um terço dos pacientes infectados pelo HIV. Múltiplos estudos observacionais na população em geral e coortes de pacientes infectados pelo HIV demonstram uma forte e consistente associação entre a presença de albuminúria e desfechos clínicos nesses pacientes, como a progressão para doença renal terminal, doença cardiovascular, AIDS e óbito.14,24-27
O tratamento com abacavir/lamivudina foi outro fator associado à DRC em nossa população. Embora o abacavir e a lamivudina tenham demonstrado uma baixa nefrotoxicidade em alguns estudos clínicos, o abacavir tem sido associado a nefrotoxicidade tubular e nefrite tubulointersticial aguda; e a lamivudina à síndrome de Fanconi e diabetes insípido nefrogênico. 28,29 Takeshi Nishijima et al. compararam a deterioração da TFGe (uma diminuição de 25% na função renal inicial) entre pacientes infectados pelo HIV tratados com um regime antirretroviral baseado em um esquema com tenofovir versus abacavir em uma coorte de 503 pacientes japoneses. Embora o comprometimento da função renal tenha sido maior nos pacientes sob o regime de tenofovir (22,1%), o comprometimento da função renal também foi observado em pacientes sob o regime de abacavir (13,5%).30 No estudo 5202 do Grupo de Ensaios Clínicos de SIDA (ACTG), a frequência da síndrome de Fanconi, nefropatia tóxica, proteinúria e insuficiência renal foi semelhante entre os doentes tratados com tenofovir/entricitabina e os tratados com abacavir/lamivudina. 31 Esses achados confirmam que, embora o abacavir tenha um perfil de nefrotoxicidade menor, ainda é um medicamento antirretroviral nefrotóxico.
O tratamento com saquinavir/ritonavir (OR 3,3; IC95% 0,8-13,3; p = 0,09) e tenofovir/entricitabina (OR 2,2; IC 95%: 0,9-5,6; p = 0,09) mostrou tendência estatística para o risco de DRC definido por TFGe e albuminúria. Esses achados foram confirmados por Mocroft et al., que estudaram o efeito nefrotóxico cumulativo dos principais medicamentos antirretrovirais usados em uma coorte de 23.005 pacientes infectados pelo HIV nos Estados Unidos, Europa e Austrália. Os autores documentaram um aumento no risco de DRC (definido pela TFGe < 60 mL/min) de 14, 20 e 11% para cada ano de exposição apenas a tenofovir, ritonavir/atazanavir e ritonavir/lopinavir, respectivamente. O aumento na incidência de DRC com exposição crônica a esses antirretrovirais durante o seguimento de 6 anos, indica um efeito nefrotóxico cumulativo do tenofovir, ritonavir/atazinovir e ritonavir/lopinavir.32 No entanto, o saquinavir tem se mostrado um medicamento antirretroviral seguro do ponto de vista da nefrotoxicidade, portanto, o risco de DRC da combinação saquinavir/ritonavir observado em nossa população provavelmente se deve ao ritonavir.33
Em relação às fragilidades de nosso trabalho, destaca-se a natureza retrospectiva do estudo, com todas as limitações que isso acarreta na obtenção de informações clínicas, laboratoriais e antirretrovirais. Não foi possível avaliar o efeito da coinfecção com HBV e HCV no modelo de regressão logística, devido ao pequeno número de pacientes coinfectados com esses vírus em nossa população. Também não foi possível avaliar o efeito de outras drogas nefrotóxicas frequentemente utilizadas por pacientes infectados pelo HIV, como trimetoprim/sulfametoxazol, aciclovir, anfotericina B e AINEs.
A DRC foi uma complicação frequente nos pacientes mexicanos infectados pelo HIV. A presença de albuminúria, idade, contagem de linfócitos CD4 + e tratamento com abacavir/lamivudina foram os fatores associados à DRC em nossa população. Esses achados confirmam a importância da triagem e detecção precoce da DRC, bem como a identificação e tratamento dos fatores de risco tradicionais e não tradicionais associados à DRC. Isso poderia impedir ou diminuir ainda mais o declínio da função renal e melhorar os desfechos em pacientes infectados pelo HIV.