versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.104 no.5 São Paulo maio 2015 Epub 17-Mar-2015
https://doi.org/10.5935/abc.20150017
Menos complicações hemorrágicas e deambulação precoce fazem do acesso radial uma via privilegiada para cateterismo cardíaco. Entretanto, a abordagem transradial (TR) nem sempre é bem-sucedida, sendo necessária a sua conversão em acesso femoral.
Avaliar a taxa de conversão do acesso radial em femoral no cateterismo cardíaco e identificar seus fatores preditivos.
Registro prospectivo de dois centros, incluindo 7.632 pacientes consecutivos submetidos a cateterização via acesso radial entre janeiro de 2009 e outubro de 2012. Avaliou-se a incidência de conversão em acesso femoral e seus fatores preditivos através de análise de regressão logística.
A idade média dos pacientes foi de 66 ± 11 anos, sendo 32% deles mulheres. Houve 2.969 (38.4%) intervenções coronarianas percutâneas (ICP),sendo a artéria radial direita a primeira escolha mais usada (97,6%). A taxa de insucesso do acesso radial foi de 5,8%. Fatores preditivos independentes da conversão do acesso radial em femoral foram o uso de bainhas introdutoras curtas (OR 3,047; IC: 2,380-3,902; p < 0,001), ICP (OR 1,729; IC: 1,375-2,173; p < 0,001), sexo feminino (OR 1,569;IC: 1,234-1,996; p < 0,001), doença multiarterial (OR 1,457; IC: 1,167-1,819; p = 0,001), área de superfície corporal(ASC) ≤ 1,938 (OR 1,448; IC: 1,120-1,871; p = 0,005) e idade > 66 anos (OR 1,354; IC: 1,088-1,684; p = 0,007).
A abordagem transradial para cateterismo cardíaco tem alta taxa de sucesso e a necessidade de sua conversão em acesso femoral nesta coorte foi baixa. Os fatores preditivos independentes de sua conversão em acesso femoral foram: sexo feminino; idade mais avançada; menor ASC; uso de bainhas introdutoras curtas; doença multiarterial; e ICP.
Palavras-Chave: Acesso Radial; Acesso Femoral; Cateterismo Cardíaco
Fewer bleeding complications and early ambulation make radial access a privileged route for cardiac catheterization. However, transradial (TR) approach is not always successful, requiring its conversion into femoral access.
To evaluate the rate of conversion from radial into femoral access in cardiac catheterization and to identify its predictors.
Prospective dual-center registry, including 7632 consecutive patients undergoing catheterization via the radial access between Jan/2009 and Oct/2012. We evaluated the incidence of conversion into femoral access and its predictors by logistic regression analysis.
The patients’ mean age was 66 ± 11 years, and 32% were women. A total of 2969 procedures (38.4%) were percutaneous coronary interventions (PCI), and the most used first intention arterial access was the right radial artery (97.6%). Radial access failure rate was 5.8%. Independent predictors of conversion from radial into femoral access were the use of short introducer sheaths (OR 3.047, CI: 2.380-3.902; p < 0.001), PCI (OR 1.729, CI: 1.375-2.173; p < 0.001), female sex (OR 1.569, CI: 1.234-1.996; p < 0.001), multivessel disease (OR 1.457, CI: 1.167-1.819; p = 0.001), body surface area (BSA) ≤ 1.938 (OR 1.448, CI: 1.120-1.871; p = 0.005) and age > 66 years (OR 1.354, CI: 1.088-1.684; p = 0.007).
Transradial approach for cardiac catheterization has a high success rate and the need for its conversion into femoral access in this cohort was low. Female sex, older age, smaller BSA, the use of short introducer sheaths, multivessel disease and PCI were independent predictors of conversion into femoral access.
Key words: Radial Access; Femoral Access; Cardiac Catheterization
Nas últimas décadas, a abordagem transfemoral no cateterismo cardíaco tem sido preferida para os procedimentos cardíacos invasivos. No entanto, evidência recente em vários ensaios observacionais e randomizados favoreceu a abordagem transradial. Foi demonstrado que o acesso através da artéria radial reduz as complicações vasculares com menos sangramento nos locais de acesso, deambulação mais precoce do paciente, menor tempo de internação hospitalar e custos hospitalares mais baixos1-8. Recentemente, o grande estudo RIFLE, em pacientes com infarto do miocárdio com supradesnível do segmento ST, relatou benefício estatisticamente significativo da abordagem radial na mortalidade cardíaca9. A despeito de seu comprovado benefício clínico, muitos cardiologistas intervencionistas percebem que a redução nas complicações vasculares é contrabalançada por dificuldades técnicas e uma mais longa curva de aprendizado, que podem explicar o motivo pelo qual a abordagem transradial é ainda subutilizada5,10. Por outro lado, quando o acesso radial falha, a alternativa mais comum é a via femoral11,12.
Este estudo teve por objetivo avaliar a taxa de conversão do acesso radial em femoral no cateterismo cardíaco, além de identificar seus fatores preditivos clínicos, demográficos e procedurais.
De um registro prospectivo de 14.750 pacientes consecutivos, originários de dois centros e submetidos a cateterismo cardíaco para procedimentos coronarianos diagnósticos ou intervencionistas entre janeiro de 2009 e outubro de 2012, selecionamos todos aqueles nos quais a primeira intenção foi usar a artéria radial (n = 7.664). Desses pacientes, excluíram-se aqueles nos quais o acesso radial falhou, tendo-se optado pela alternativa da artéria radial contralateral (n = 26), umeral (n = 4) e cubital (n = 2) (Figura 1).
As características basais, indicação e tipo do procedimento realizado, dispositivos procedurais, detalhes da intervenção coronariana, necessidade de cruzamento para outra via de acesso, e acesso alternativo escolhido foram registrados prospectivamente.
Todos os pacientes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, segundo o protocolo.
Durante o período estudado, as duas instituições envolvidas neste estudo contavam com nove cardiologistas intervencionistas com grande experiência (> 100 procedimentos/ano) em cateterização da artéria radial e três outros em treinamento. A escolha do acesso arterial foi deixada a critério de cada cardiologista intervencionista. Utilizou-se o teste de Allen ou a oximetria/pletismografia (teste de Barbeau), segundo o protocolo, em todos os pacientes para avaliar a permeabilidade da artéria radial e a adequação do duplo suprimento sanguíneo da mão13,14.
Usando-se um suporte para o braço, com o pulso do paciente em leve hiperextensão, a artéria radial direita ou esquerda foi canulada com uma pequena agulha de calibre 20 após a administração de 2 a 3 ml de anestésico local. Um fio-guia reto de 0,025 polegada foi então introduzido na luz arterial radial através da agulha e uma bainha introdutora transradial hidrofílica específica de 5F ou 6F (Terumo Medical Corporation, Elkton, MD) foi inserida na artéria radial. As bainhas introdutoras tanto longas (25 cm) quanto curtas (10 cm) foram utilizadas a critério do cardiologista intervencionista.
Após a inserção da bainha, sempre que se suspeitou de espasmo radial, realizou-se a administração de verapamil (2 mg) e/ou dinitrato de isossorbida (2 mg).
Todos os pacientes receberam um bolus intra-arterial inicial de5.000 U de heparina não fracionada. Monitoração da coagulação foi realizada rotineiramente através do tempo de coagulação ativada (TCA) durante a intervenção coronariana percutânea (ICP) nos centros incluídos neste registro. No caso de ICP ad hoc, um bolus adicional de heparina não fracionada foi administrado para se obter um TCA > 250 segundos.O uso adicional de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa foi deixado a critério do cardiologista intervencionista. A bainha radial foi imediatamente removida no laboratório de hemodinâmica após o término do procedimento, obtendo-se hemostasia com a aplicação de um clamp de plástico ajustável na artéria radial (TR BandTM, TerumoCo., Tóquio, Japão). O clamp foi liberado gradualmente ao longo de 2 a 3 horas, com monitoração para sangramento ou hematoma no sítio de punção, tendo sido removido após a obtenção de hemostasia satisfatória naquele sítio.
Segundo nossa rotina, todos os pacientes submetidos a ICP eletiva ou ad hoc receberam clopidogrel antes do procedimento (75 mg, em caso de tratamento crônico com clopidogrel > 10 dias, ou 600 mg, em caso contrário).
Definiu-se o sucesso do procedimento coronariano (diagnóstico ou intervencionista) como a sua realização completa e bem-sucedida através do acesso radial inicial.
As variáveis categóricas foram expressas em valores absolutos e percentagens, e as variáveis contínuas, como média ± DP ou mediana (intervalo interquartil). As variáveis contínuas foram testadas para distribuição normal usando-se o teste de Kolmogorov-Smirnov e para igualdade de variâncias, usando-se o teste de Levene.
As características basais e procedurais foram comparadas usando-se o teste exato de Fisher ou o qui-quadrado para variáveis categóricas e o teste t de Student para variáveis contínuas. Usou-se análise de regressão multivariada para determinar os fatores preditivos independentes para conversão do acesso radial em femoral. As variáveis independentes para entrada no modelo multivariado foram selecionadas de acordo com sua significância na análise univariada (incluindo-se aquelas com p < 0,1 na análise univariada). Construiu-se o modelo final de regressão através de seleção forward stepwise de variáveis com critérios de entrada e saída com níveis de p = 0,05 e p = 0,1, respectivamente. Avaliou-se a adequação do ajuste do modelo através do teste de Hosmer-Lemeshow.
Adotou-se o nível de significância de 0,05 com teste bicaudal, e todas as análises foram realizadas com o programa Statistical Pack for Social Sciences (SPSS),versão 19.
Um total de 7.632 pacientes foi incluído neste estudo. A Tabela 1 apresenta as características basais clínicas e procedurais. A população do estudo apresentava as seguintes características: idade média, 66 ± 11 anos;32% de mulheres; um terço, diabética; 73,3%, hipertensa; 62,7% tinha hipercolesterolemia; e 41,9% era tabagista. A incidência de ICP anterior foi de 22,2%, e 1,7% da amostra tinha sido submetida a revascularização miocárdica cirúrgica. Do total, 2.969 procedimentos (38,4%) foram ICP, tendo o acesso radial direito sido a primeira escolha na maioria dos pacientes (97,6%).
Tabela 1 Características basais e procedurais
Variáveis | Prevalência | ||||
---|---|---|---|---|---|
Total n = 7.632 | Conversão n = 445 | Sucesso do AR n = 7.187 | p | ||
Características clínicas | |||||
Idade (anos) | 66 ± 11 | 69 ± 12 | 65 ± 11 | < 0,001 | |
Mulheres, n (%) | 2.416 (31,7) | 208 (46,7) | 2.208 (30,7) | < 0,001 | |
Peso (kg) | 76 ± 13 | 74 ± 13 | 77 ± 13 | < 0,001 | |
Altura (cm) | 166 ± 9 | 163 ± 9 | 166 ± 9 | < 0,001 | |
IMC (kg/m2) | 28 ± 4 | 28 ± 4 | 28 ± 4 | 0,479 | |
ASC (m2) | 1,87 ± 0,19 | 1,82 ± 0,18 | 1,87 ± 0,19 | < 0,001 | |
DRC (TFG < 60ml/min/1,73 m2), n (%) | 316 (4,1) | 31 (7,0) | 285 (4,0) | 0,002 | |
Insuficiência cardíaca, n (%) | 343 (4,5) | 17 (3,8) | 328 (4,6) | 0,464 | |
DPOC, n (%) | 328 (4,3) | 14 (3,1) | 314 (4,4) | 0,208 | |
Doença arterial periférica, n (%) | 389 (5,1) | 17 (3,8) | 372 (5,2) | 0,191 | |
Cirurgia valvular prévia, n (%) | 1.053 (13,8) | 75 (16,9) | 978 (13,6) | 0,052 | |
Infarto do miocárdio anterior, n (%) | 1.312 (17,2) | 88 (19,8) | 1.224 (17,0) | 0,136 | |
Acidente cerebrovascular prévio, n (%) | 442 (5,8) | 28 (6,3) | 414 (5,7) | 0,623 | |
Revascularização miocárdica anterior | |||||
ICP prévia, n (%) | 1.694 (22,2) | 93 (20,9) | 1.601 (22,2) | 0,510 | |
Cirurgia prévia, n (%) | 130 (1,7) | 10 (2,2) | 120 (1,7) | 0,374 | |
Fatores de risco cardíacos | |||||
Hipertensão, n (%) | 5.593 (73,3) | 340 (76,4) | 5.253 (73,1) | 0,131 | |
Hipercolesterolemia, n (%) | 4.782 (62,7) | 298 (67,0) | 4.484 (62,4) | 0,053 | |
Tabagismo, n (%) | 3.201 (41,9) | 135 (30,3) | 3.066 (42,7) | < 0,001 | |
Diabetes mellitus, n (%) | 2.317 (30,4) | 139 (31,2) | 2.178 (30,3) | 0,692 | |
Contexto clinico/características procedurais | |||||
SCA, n (%) | 2.850 (37,3) | 184 (41,3) | 2.666 (37,1) | 0,077 | |
ICP, n (%) | 2.970 (38,9) | 221 (49,7) | 2.749 (38,2) | < 0,001 | |
Doença multiarterial, n (%) | 412 (5,4) | 39 (8,8) | 373 (5,2) | 0,001 | |
AR direito, n (%) | 7.452 (97,6) | 438 (98,4) | 7.014 (97,6) | 0,261 | |
Calibre ≥ 6F, n (%) | 6.666 (87,4) | 374 (84,0) | 6.292 (88,2) | 0,009 | |
Bainhas mais longas, n (%) | 3.718 (48,7) | 132 (29,7) | 3.586 (49,9) | < 0,001 | |
Balão intra-aórtico, n (%) | 12 (0,2) | 12 (2,7) | 0 (0,0) | < 0,001 |
AR: acesso radial; IMC: índice de massa corporal; ASC: área da superfície corporal; DRC: doença renal crônica; TFG: taxa de filtração glomerular; DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; ICP: intervenção coronariana percutânea; SCA: síndrome coronariana aguda.
A conversão do acesso radial inicial em femoral ocorreu em 5,8% de todos os pacientes. A Tabela 1 apresenta os fatores preditivos de conversão do acesso radial em femoral resultantes da análise univariada. Comparando se com o grupo de acesso transradial bem-sucedido, os pacientes do grupo de acesso transradial malsucedido eram significativamente mais velhos (idade média de 69 ± 12 anos vs. 65 ± 11 anos; p < 0,001), apresentavam maior probabilidade de serem mulheres (46,7% vs. 30,7%; p < 0,001), de terem doença renal crônica (7,0% vs. 4,0%; p = 0,002) e menor área de superfície corporal (ASC média de 1,82 ± 0,18 vs. 1,87 ± 0,19; p < 0,001). A conversão em acesso femoral foi ainda mais freqüente quando o procedimento era uma ICP (7,4% vs. 4,8% para procedimentos diagnósticos; p < 0,001), em pacientes com doença multiarterial (8,8% vs. 5,2%; p = 0,001) e quando se utilizaram introdutores curtos (8,0% vs. 3,6% com introdutores longos; p < 0,001). Tabagismo foi associado a menor taxa de insucesso do acesso radial (4,2% vs. 7,0% para não fumantes; p < 0,001), assim como o uso de introdutores 6F em comparação ao de 4F ou 5F (5,5% vs. 7,6%; p = 0,009).Em todos os pacientes com balão intra aórtico houve necessidade de conversão para acesso femoral (2,7% vs. 0,0%; p < 0,001).
Após ajuste multivariável (Figura 2), os fatores preditivos independentes de conversão de acesso radial para femoral foram sexo feminino (OR 1,569; IC: 1,234-1,996; p < 0,001), idade > 66 anos (OR 1,354; IC: 1,088-1,684; p = 0,007), ASC ≤ 1,938 (OR 1,448; IC: 1,120-1,871; p = 0,005), doença multiarterial (OR 1,457; IC: 1,167 1,819; p = 0,001), uso de bainhas introdutoras curtas (OR 3,047; IC: 2,380-3,902; p < 0,001) e ICP (OR 1,729; IC: 1,375-2,173).
Neste estudo, procuramos identificar possíveis fatores preditivos da conversão do acesso radial em femoral no cateterismo cardíaco.
Nossos principais achados foram: (1) taxa de insucesso do acesso radial muito baixa (5,8%) na prática atual dos cardiologistas intervencionistas transradiais com volume intermediário (60-100 procedimentos/ano) e alto (> 100 procedimentos/ano) com bainhas e cateteres radiais padronizados; (2) a artéria femoral foi o acesso alternativo mais comum; (3) fatores preditivos independentes para o insucesso do acesso radial foram o uso de bainhas introdutoras curtas, ICP, sexo feminino, doença multiarterial, menor ASC e idade mais avançada; e (4) tanto uma história de tabagismo quanto o uso de bainhas maiores (≥6F) foram associadas ao sucesso do acesso radial.
Vários aspectos tornam o acesso radial uma via privilegiada. É factível, superficial e fácil para puncionar e comprimir, causando menos complicações no sítio de punção vascular em comparação ao acesso femoral. Além disso, proporciona maior conforto ao paciente após o procedimento,com deambulação mais precoce e alta relação de custo-efetividade15. Estudos recentes mostraram um benefício em relação à mortalidade em pacientes com infarto do miocárdio com supradesnível do segmento ST1,9. No entanto, potenciais dificuldades procedurais ainda intimidam alguns cardiologistas intervencionistas, sendo o sucesso do acesso radial altamente dependente de sua experiência e habilidade.
O insucesso pode dever-se à inabilidade em obter acesso à artéria radial ouem alcançar as artérias coronárias,devido a espasmo radial, variações anatômicas ou grave tortuosidade das artérias radial, braquial ou subclávia11,16-18.
Como esperado, ao longo dos anos, o uso do acesso radial aumentou gradualmente, passando de 25% em 2009 para 76% em 2012 (Figura 3A). Com relação às taxas de insucesso do acesso radial, seria possível prever sua redução com o aumento da experiência. No entanto, a taxa de insucesso foi mais alta nos últimos anos, o que poderia ser explicado pelo fato de a maior experiência dos cardiologistas intervencionistas ter sido contrabalançada pelo uso disseminado da técnica, mesmo em situações menos favoráveis à abordagem transradial (Figure 3B).
O insucesso do procedimento diminui com o aumento da experiência, atingindo,por fim, uma taxa inferior a 5%19 21. Nossa taxa de insucesso mais alta (5,8%) poderia ser parcialmente justificada pelo fato de termos profissionais em treinamento. Além disso, no contexto da síndrome coronariana aguda, como no estudo RIVAL1, relatou-se uma mais alta taxa de insucesso do acesso radial (cerca de 7%). Após revisão sistemática de23 estudos randomizados publicados até 2007, comparando os acessos radial e femoral nos procedimentos coronarianos diagnósticos e/ou terapêuticos, Jolly e cols.3 relataram uma taxa de insucesso para a abordagem transradial de 5,9%. A nossa taxa de insucesso para o acesso radial (5,8%) foi similar, embora se deva considerar que, naquela meta-análise, 85,3% dos procedimentos foram ICP, enquanto na nossa população, a porcentagem foi substancialmente mais baixa (38,4%). Em concordância com essa observação, um estudo não randomizado realizado em 200912, incluindo 2.100 pacientes submetidos a ICP no contexto de síndrome coronariana aguda, relatou uma taxa de insucesso para o acesso radial de 4,6%.
Comparando-se com a experiência brasileira, o estudo de Andrade e cols.21 mostrou uma taxa de insucesso muito baixa (2,5%), mas com o uso substancialmente reduzido do acesso radial (< 15%), o que implica em uma população bastante selecionada, na qual tal abordagem foi usada, podendo justificar a alta taxa de sucesso.
A via de acesso para o cateterismo (femoral, radial ou braquial) em geral decorre da escolha do cardiologista intervencionista, da instituição e da preferência do paciente. A despeito de algumas vantagens relacionadas ao acesso radial, a abordagem femoral é ainda amplamente utilizada, pois muitos cardiologistas intervencionistas foram inicialmente treinados nesse tipo de acesso, que também apresenta muitas vantagens, como proporcionar o uso de bainhas maiores (úteis para procedimentos que requeiram maior suporte de cateter e/ou dispositivos mais volumosos). Além disso, o acesso femoral foi associado com menor tempo de radiação e menos contraste22-26.
Observamos que o uso de bainhas introdutoras curtas esteve ligado a insucesso do acesso radial. Isso poderia ser explicado por um possível viés de seleção (preferência do centro quanto à escolha da bainha introdutora) ou pelo fato de que bainhas longas, uma vez inseridas, proporcionam proteção para quase toda a extensão da artéria radial para manipulação adicional. No entanto, em um estudo prévio, não se observou associação entre comprimento da bainha e espasmo da artéria radial27. Observamos ainda que o insucesso do acesso radial associou-se à necessidade de ICP e à presença de doença multiarterial, que são indicadores de um procedimento mais desafiador, com maior manipulação e troca de cateter, conferindo maior dificuldade à abordagem transradial, tendo isso sido relatado em outros estudos28-30.
Sexo feminino, assim como menor ASC e idade mais avançada, foram identificados como fatores preditivos independentes para o insucesso do cateterismo cardíaco transradial. Isso pode estar relacionado ao menor tamanho da artéria radial, aumento da tortuosidade da subclávia, raízes aórticas pequenas e aortas ascendentes curtas, que impedem uma canulação coronária estável durante o procedimento, como já descrito por outros autores1,11,19.
Um achado interessante deste estudo foi a associação entre história de tabagismo e baixa taxa de insucesso para o acesso radial. Considerando-se o paradoxo do tabagismo para doença arterial coronariana, isso poderia ser explicado pela idade mais jovem dos pacientes tabagistas submetidos ao cateterismo (no nosso estudo, a idade média dos pacientes tabagistas foi de 61±11 vs. 69±11 anos; p < 0,001), o que também foi relatado em outros estudos31. No entanto, o tabagismo permaneceu como um fator preditivo independente para o sucesso do acesso radial após análise multivariada.
Por fim, a associação entre bainhas maiores (≥ 6F) e sucesso do acesso radial pode dever-se a viés de seleção, pois o cardiologista intervencionista escolheria bainhas com diâmetros menores para pacientes para os quais antevisse um procedimento com acesso radial mais difícil, como nos casos de indivíduos menores e mais idosos, em concordância com as recomendações internacionais27.
O presente estudo é um registro de dois centros de grande volume, com viés na seleção de pacientes para acesso radial. Os procedimentos foram realizados por diferentes cardiologistas intervencionistas, com variados graus de experiência, não tendo sido possível avaliar o impacto da experiência do cardiologista intervencionista na taxa de insucesso.
Nossos resultados refletem uma curva de aprendizado para o acesso radial, uma vez que, nos primeiros dois anos,menos de 50% dos procedimentos foram realizados por esse acesso. Consequentemente, deve haver uma diferença quanto aos fatores preditivos de insucesso do acesso radial em centros e para cardiologistas intervencionistas com maior experiência.
A abordagem transradial para cateterismo cardíaco associou-se com alta taxa de sucesso. Os fatores preditivos de conversão em acesso femoral foram sexo feminino, idade mais avançada, menor ASC, doença multiarterial, ICPe uso de bainhas introdutoras curtas.
Esses achados poderiam contribuir para melhorar a seleção de pacientes e aumentar o sucesso do acesso radial.