versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.82 no.5 São Paulo set./out. 2016
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.09.005
Está bem estabelecido que a metástase cervical é o fator prognóstico mais importante em pacientes com carcinoma espinocelular (CEC) do trato aerodigestivo superior.1-4
Há uma clara relação entre o número, nível dos linfonodos cervicais comprometidos, existência de ruptura capsular e margens positivas com a sobrevida em cincos anos.1-5
A palpação cervical durante o exame clínico tem um valor importante, no entanto, tem sido demonstrado que essa prática pode resultar em uma taxa de falso-negativo em torno de 28,9%.2 A sensibilidade da palpação foi estimada em 75% e a especificidade em 83%, contra 81% de sensibilidade e 83 % de especificidade, demonstrados pela tomografia computadorizada. Outros autores tem estimado a sensibilidade da palpação em 82% e a especificidade em 80%, não encontrando diferenças significativas em relação a ultrassonografia cervical.6,7
O esvaziamento cervical é bem aceito quando há evidência definida de metástase cervical; no entanto, ainda há muita controvérsia sobre o tipo e a extensão do tratamento no pescoço clinicamente negativa.2-5
Há muitos anos tenta-se definir os parâmetros e classificações que poderiam separar os pacientes em grupos de baixo, médio e alto risco. Alguns estudos tem apontado fatores como grau histológico, infiltração muscular, desmoplasia, embolia vascular, infiltração perineural, espessura do tumor e comprometimento das margens.5,8-11
A presença dessas múltiplas variáveis de recorrência tem sido um indicador preciso de mau prognóstico.5,12,13 Outros estudos mostraram a invasão linfática ou vascular como fatores de risco independentes.14,15
O objetivo deste estudo foi determinar possíveis fatores preditivos relacionados com a ocorrência de metástases cervicais ocultas, por meio da análise de laudos histopatológicos de espécimes cirúrgicos obtidos após ressecção de carcinomas epidermóide de boca (CEB) e esvaziamentos cervicais eletivos em pacientes inicialmente classificados como N0.
Este foi um estudo primário, retrospectivo, observacional e do tipo caso-controle.
Os dados foram obtidos de uma única instituição. A pesquisa incluiu casos atendidos a partir de uma única instituição entre 1995 a 2014.
Os dados histopatológicos foram obtidos a partir dos números dos prontuários. Nenhuma intervenção foi realizada e também não houve tentativa de contato com os pacientes para obter qualquer tipo de informação adicional. Os nomes dos pacientes ou quaisquer outros meios de identificação não foram usados. Este estudo foi realizado de acordo com os princípios da Declaração de Helsinki.
A pesquisa teve início com a coleta de todos os laudos que envolviam câncer oral. Após eliminar as entradas duplicadas, todos os prontuários dos pacientes foram revisados, tendo sido selecionados os que foram inicialmente classificados como N0.
Os critérios de exclusão foram: entradas duplicadas, informação incompleta no prontuário, pacientes sem condições cirúrgicas ou que recusaram o tratamento cirúrgico, pacientes que tiveram o estadiamento cervical alterado no período pré-operatório, e pacientes com tumores inferiores a 1 cm que não foram submetidos ao esvaziamento cervical eletivo.
Os pacientes foram distribuídos em dois grupos:
Grupo A: pacientes N0 que foram submetidos a ressecção de CEB com esvaziamento cervical eletivo (níveis I, II e III) e ausência de metástases cervicais ocultas.
Grupo B: pacientes N0 que foram submetidos a ressecção de CEB com esvaziamento cervical eletivo (níveis I, II e III) e presença de metástases cervicais ocultas.
Os laudos histopatológicos foram analisados para determinar se havia relação entre os resultados e a ocorrência de metástase cervical oculta. Os eventos avaliados foram: subsítios dentro da cavidade oral, estágio-pT, infiltração muscular, desmoplasia, embolia vascular, infiltração perineural, espessura do tumor e margens comprometidas. Esses eventos foram analisados individualmente, para determinar se podiam estar relacionados com metástases cervicais ocultas com significância estatística e se poderiam ser usados como preditivos para determinar a presença de comprometimento cervical em pescoço clinicamente negativo.
Inicialmente, obtivemos os laudos de 183 pacientes, porém, após os critérios de exclusão, restaram 157 pacientes. Cento e vinte e sete pacientes não apresentavam metástase cervical oculta e foram incluídos no Grupo A. Os 30 pacientes restantes foram incluídos no Grupo B. A metástase cervical oculta representou 19,10% dos casos (30/157).
No Grupo A, a média de idade foi de 65,4 anos (47-88 anos), com 104 homens e 23 mulheres. No Grupo B, a média de idade foi de 63,7 anos (44-91 anos), com 26 homens e quatro mulheres.
Os subsítios dentro da cavidade oral comprometidos foram: língua em 54,14% dos casos (68 no Grupo A e 17 no Grupo B); assoalho em 29,93% dos casos (39 no Grupo A e 8 no Grupo B); área retromolar em 11,46% dos casos (15 no Grupo A e 3 no Grupo B); e mucosa jugal/lábios com extensão para a mucosa jugal em 4,45% dos casos (5 no Grupo A e 2 do Grupo B). Todos os casos envolvendo a gengiva eram menores que 1 cm e foram submetido a ressecção local com margem de segurança sem esvaziamento cervical eletivo e, portanto, não foram incluídos (tabela 1).
Tabela 1 Demografia e subsítios de ocorrência
Grupo A | Grupo B | |
Gênero | ||
Masculino/Feminino | 104/23 | 26/4 |
Idade | ||
Média (variação) | 64,4 (47-88) | 63,7 (44-91) |
Subsítio na cavidade oral | ||
Língua | 68 | 17 |
Assoalho | 39 | 8 |
Área retromolar | 15 | 3 |
Mucosa jugal / lábios com extensão para mucosa jugal | 5 | 2 |
Odds ratio (OR), intervalo de confiança e valor de p de acordo com os subsítios dentro da cavidade oral estão apresentados na tabela 2.
Tabela 2 Odds ratio, intervalo de confiança e valor de p, de acordo com os subsítios no interior da cavidade oral
RC | IC 95% | p | |
Língua | 1,1346 | 0,5088-2,5300 | 0,7576 |
Assoalho | 0,8205 | 0,3360-2,0035 | 0,6641 |
Área retromolar | 0,8296 | 0,2241-3,0714 | 0,7797 |
Mucosa jugal / lábios com extensão para mucosa jugal | 1,7429 | 0,3214-9,4502 | 0,5195 |
A análise dos níveis comprometidos revelou que o nível I foi positivo em 23,33% (7/30), nível II em 53,3% (16/30) e nível III em 23,33% (7/30). Cinco pacientes foram submetidos a esvaziamentos bilaterais dos níveis I, II, III, pois o tumor já havia ultrapassado a linha média.
Dos eventos analisados, a infiltração muscular esteve presente em 49,04% dos casos, desmoplasia em 7,64%, embolia vascular em 12,73%, infiltração perineural em 27,38%, espessura do tumor (≥ 4 mm) em 66,87%, margens comprometidas em 20,38%, pT1 em 17,19%, pT2 em 34,39%, pT3 em 40,76% e pT4a em 7,64% dos casos. Todos os casos de pT4b estavam entre os excluídos.
Dentre as variáveis, desmoplasia, infiltração perineural, espessura do tumor (≥ 4 mm) e pT4 apresentaram uma associação positiva com metástase cervical oculta, com significância estatística (p < 0,05) (tabela 3).
Tabela 3 Incidência dos fatores estudados em ambos os grupos, Odds ratio, intervalo de confiança e p
n = 157 | Grupo A (127) | Grupo B (30) | OR | IC 95% | p-valor |
Infiltração muscular | 60 | 17 | 1,4603 | 0,6550-3,2556 | 0,3547 |
Desmoplasia | 7 | 5 | 3,4286 | 1,0063-11,6818 | 0,0488 |
Embolia vascular | 13 | 7 | 2,6689 | 0,9602-7,4182 | 0,0598 |
Infiltração perineural | 30 | 13 | 2,4725 | 1,0780-5,6712 | 0,0326 |
Espessura do tumora | 80 | 25 | 2,9375 | 1,0534-8,1915 | 0,0395 |
Margens comprometidas | 27 | 5 | 0,7407 | 0,2592-2,1170 | 0,5754 |
pT1 | 25 | 2 | 0,2914 | 0,0650-1,3058 | 1,611 |
pT2 | 48 | 6 | 0,4115 | 0,1569-1,0787 | 1,806 |
pT3 | 47 | 17 | 2,2259 | 0,9932-4,9885 | 0,0520 |
pT4a | 07 | 5 | 3,4286 | 1,0063-11,6818 | 0,0488 |
a ≥ 4 mm.
Este estudo de caso-controle foi composto por 157 pacientes com CEB, inicialmente diagnosticados como N0. A amostra foi selecionada de 1995 a 2014.
O principal objetivo foi tentar determinar fatores preditivos em laudos histopatológicos que apresentassem uma relação positiva com a ocorrência de metástase cervical oculta.
A taxa de metástase oculta em linfonodos é estimada em torno de 15%-34%, de acordo com alguns estudos.16-18 Em nosso estudo, dos 157 pacientes, 30 apresentavam metástase cervical oculta após a cirurgia, o que corresponde a 19,10%.
Este foi um estudo abrangente, realizado com um número significativo de casos de CEBs e com análise multivariada.
A maior parte dos tumores estava localizada na língua e assoalho da boca e, de acordo com a literatura, esses subsítios estão mais relacionadas a um risco maior de metástase cervical oculta; no entanto, nossa análise (tabela 2) não permitiu uma correlação clara de um determinado subsítio dentro da cavidade oral como fator preditivo.
Em relação aos fatores avaliados, a infiltração muscular esteve presente em 60 casos no Grupo A, contra 17 casos no Grupo B. O Odds ratio calculado (1,4603 - IC: 0,6550-3,2556) não permite determiná-la como um fator de risco para metástase cervical oculta (p > 0,005). Na verdade, a infiltração muscular continua sendo um fator obscuro, com alguns autores discutindo um aumento do risco quando a invasão excede 4 mm.2,11,19,20
Alguns autores relacionaram desmoplasia e embolia vascular com a presença de metástase cervical. Neste estudo, a desmoplasia ocorreu em sete pacientes no Grupo A e cinco no Grupo B, com um Odds ratio de 3,4286 (IC: 1,0063-11,6818), sendo um fator de risco para metástase cervical oculta com significância estatística (p = 0,0488).10,11
Brandwein-Gensleret et al. não observaram significância estatística em relação à presença de invasão vascular. Encontramos 13 casos no Grupo A e sete no Grupo B, com Odds ratio de 2,6689 (IC: 0,9602-7,4182), com valor de p de 0,0598.21
Em relação à infiltração perineural, vários estudos a mostraram como um fator de risco independente para a ocorrência de metástase cervical oculta.21-23 Em nosso estudo, encontramos 30 casos no Grupo A e 13 no Grupo B. O Odds ratio foi de 2,4725 (IC: 1,0780-5,6712), com p de 0,0326; portanto, com significância estatística e em concordância com estudos anteriores
Outro fator bem estudado é a espessura do tumor. Ainda não está bem definido qual deve ser o parâmetro correto a se considerar. Diferentes medidas podem ser encontradas na literatura, algumas com ponto de corte de 3 mm e outras de 4 mm.23-25
Adotou-se o parâmetro de 4 mm por ser o mais usado na literatura atual. Observamos 80 casos no Grupo A e 25 no Grupo B. O Odds ratio calculado foi de 2,9375 (IC: 1,0534-8,1915), com p de 0,0395. Esse resultado parece ser bastante intuitivo para explicar sua relação com metástase cervical oculta.
O comprimento do tumor também foi analisado com base na classificação pTNM, e pT4a apresentou-se como fator de risco, com Odds ratio de 3,4286 (IC: 1,0063-11,6818), com p de 0,0488. Os demais estágios não demonstraram uma associação positiva com metástases cervicais ocultas. No entento, vale ressaltar que pT3 com odds ratio de 2,2259 (IC: 0,9932-4,9885) e p de 0,0520 mostrou uma tendência possível, bem como a embolia vascular mencionada anteriormente.
Por fim, analisou-se se as margens foram comprometidas. Encontrou-se 27 casos no Grupo A e cinco no Grupo B. O Odds ratio estimado foi de 0,7407 (IC: 0,2592-2,1170) e o p de 0,5754.
A constante evolução do tratamento dos carcinomas espinocelulares de boca tem possibilitado uma melhor seleção dos pacientes que serão submetidos esvaziamento cervical eletivo. Quando corretamente indicado, o tratamento cirúrgico oferece grande resultado na sobrevida em cinco anos. No entanto, esta cirurgia envolve possíveis complicações, como lesão do nervo espinhal e comprometimento estético significativo.
O uso de mapeamento do linfonodo sentinela é uma técnica que há muito vem sendo estudada em cânceres de cabeça e pescoço. Essa técnica demonstrou seu valor em melanomas e cânceres de mama, e vários centros ao redor do mundo a estão usando, com resultados satisfatórios.26,27 Em nosso serviço, nenhum dos casos havia sido submetido a essa técnica.
O esvaziamento cervical eletivo envolve os níveis I, II e III. Esse tipo de tratamento cervical é o procedimento padrão em nosso serviço, com eficácia comprovada na literatura.28-30 Neste estudo verificou-se que os níveis I e III foram igualmente comprometidos em 23,33% dos casos. O nível II foi positivo em 53,3% deles. Esses casos foram posteriormente encaminhados para tratamento terapêutico com esvaziamento cervical radical modificado ou radioquimioterapia, nos casos em que os pacientes se recusaram a submeter-se por outra cirurgia ou não se apresentavam em condições clínicas para uma cirurgia secundária (05/30).
Este estudo concentrou-se apenas na análise histopatológica para determinar possíveis fatores preditivos de metástases cervicais ocultas; sendo assim, algumas informações não foram avaliadas, como o consumo de álcool e tabaco ou a taxa de sobrevida global. Consideramos que estudos prospectivos futuros, correlacionando todas estas variáveis, são extremamente necessários, tendo em vista que, nesse campo, a maioria dos estudos é retrospectiva.
Por outro lado, a definição precisa dos fatores preditivos de metástases cervicais ocultas também pode orientar a seleção de pacientes que devem ser submetidos a radioterapia, evitando a exposição desnecessária dos pacientes de baixo risco à radiação, e melhorar o controle regional da doença naqueles de risco moderado ou alto.
Neste estudo, verificou-se que desmoplasia, infiltração perineural, estágio pT4a e espessura do tumor (≥ 4 mm) são fatores preditivos de metástases cervicais ocultas.