versão impressa ISSN 1414-462Xversão On-line ISSN 2358-291X
Cad. saúde colet. vol.26 no.2 Rio de Janeiro abr./jun. 2018
http://dx.doi.org/10.1590/1414-462x201800020461
Formal education is considered a protective factor because of the social inclusion it promotes and because the permanence of the young in school reduces the risk of early motherhood, which leads to associate adolescent gestation to school dropout.
Analyze the predictive factors of school dropout among adolescents with pregnancy experience in Teresina, Piaui state, Brazil.
Cross-sectional study with convenience sampling conducted with young women who completed pregnancy in the first four months of 2006, when they were between 15 and 19 years of age. Data were assessed by multivariate analysis using binomial logistic regression to calculate adjusted Odds Ratio (ORaj) and 95% confidence intervals (95% CI).
94.4% of the adolescents reported having interrupted their studies some time in their lives, with 54.4% of them being definite dropouts. Young women who had recurrent pregnancies and had a job were more likely to drop out, and living with a family income of up to one minimum wage increased their chances of dropping out in three times. The dropout period was presented as a protection factor.
School dropout rate among young mothers is strongly associated with unfavorable socioeconomic factors, and policies that encourage continuity of education and consequent insertion in the labor market are considered essential, favoring better income, less financial dependence, and fewer early and unplanned pregnancies.
Keywords: pregnancy; adolescence; schooling
A adolescência, definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como o período de 10 a 19 anos de idade, é caracterizada pela transição da infância para a fase adulta e assinalada por intensas transformações físicas, por conflitos relacionados às incertezas, pela formação da identidade e da autoestima, pelas instabilidades familiares e sociais e pelo conhecimento da imagem corporal. É nessa fase que a sexualidade aflora, que muitos indivíduos iniciam sua vida sexual e que a ocorrência de uma gravidez pode gerar dúvidas e sentimentos de fragilidade no contexto individual e familiar 1-3 .
Em 2014, a média global da taxa de nascimentos entre mães de 15 a 19 anos foi de 49 por 1.000 adolescentes, estando as maiores taxas em países da África Subsaariana, Ásia, América Latina e Caribe. Em 2008, ano de realização do presente estudo, a taxa de partos nessa faixa etária foi em torno de 11%, com 95% dos casos incidindo em países de baixa e média renda, entre os quais constavam a gravidez e o parto não planejados ou desejados. Nesse mesmo ano, a proporção no Brasil foi de 19,4%, com decréscimo para 18,3% em 2012; já no Piauí, adolescentes de 15 a 19 anos deram à luz a 22,9% de todos os partos, com decréscimo para 20,7% em 2012 4-7 .
Apesar da queda nas taxas nacionais, por sua multidimensionalidade, a gravidez na adolescência permanece como uma questão preocupante para a saúde pública, uma vez que pode interromper importantes estágios de maturação psicossexual e provocar desorganização familiar, abandono escolar, afastamento social e do mercado de trabalho, aumento dos índices de pobreza e, dessa forma, gerar vários desafios para a equipe de saúde, educadores, governos e sociedade em geral 8,9 .
Das consequências sociais da gravidez na adolescência que mais têm sido debatidas na literatura estão aquelas relacionadas à escolarização. O ambiente no qual esses jovens estão inseridos é responsável pela formação e pelo controle de suas vidas, e a educação constitui fator importante para o sucesso desse processo 4 .
A educação formal é considerada um fator protetor em razão da inclusão social que promove e porque a permanência dos jovens na escola reduz o risco da maternidade precoce, o que leva a associar a gestação adolescente à evasão escolar 10,11 . Em 2014, cerca de 1/3 das jovens brasileiras de 15 a 17 anos que abandonaram a escola já era mãe, e, daquelas que estudavam, apenas 2% tinham filho 12 . Essa é uma realidade não só no Brasil, mas na América Latina, visto que, em 2016, as mulheres latinas representaram 2/3 das jovens de 15 a 17 anos que não estudavam nem trabalhavam, com a gravidez na adolescência sendo apontada como uns dos principais fatores de risco para o abandono escolar 13 .
É o ensino que dá ao indivíduo a capacidade de atuar na sua realidade e exercer sua cidadania, de ter um futuro promissor e, no que diz respeito à sexualidade, pode influenciar o risco de gravidez por meio do desenvolvimento sociocognitivo, do capital humano ou da exposição a diferentes redes sociais e sexuais. Portanto, a sua interrupção, quando de uma gestação precoce e, principalmente, em adolescentes de classes menos favorecidas da sociedade, coloca essas jovens em desvantagem para o alcance de melhores postos de trabalho e contribui para a perpetuação da pobreza, conforme vários estudos 3,8,14 .
Por outro lado, também tem sido mostrado que a pobreza na infância aumenta as chances de evasão e/ou repetência escolar, e a consequente falta de oportunidades e as desigualdades sociais levam as adolescentes a engravidar precocemente. Tal situação revela os diferentes desdobramentos que a gravidez na adolescência tem para grupos sociais diversos: enquanto mães adolescentes oriundas de famílias de baixa renda ficam fora da escola e dedicam-se ao papel de donas de casa, as filhas da classe média não desorganizam suas trajetórias acadêmicas, mesmo quando um atraso é possível 2,10,15 .
Portanto, como há controvérsia sobre a gravidez precoce ser causa ou consequência do abandono escolar, o presente estudo objetiva analisar os fatores preditores da evasão escolar entre adolescentes com experiência de gravidez no contexto de baixa renda familiar, a fim de identificar se as jovens haviam abandonado a escola antes de engravidarem ou se a gravidez foi prévia ao abandono escolar. Dessa forma, espera-se contribuir para o desenvolvimento de políticas públicas direcionadas à valorização e ao atendimento às demandas de jovens, tais como essa problemática da gravidez precoce e do abandono escolar.
Trata-se de estudo transversal, parte de projeto de pesquisa intitulado “Gravidez na adolescência: fatores preditores da reincidência”, que, em 2008, teve dados coletados de adolescentes que finalizaram uma gravidez no primeiro quadrimestre de 2006, período em que tinham de 15 a 19 anos de idade. As instituições participantes foram seis maternidades de Teresina, Piauí, das quais cinco eram públicas e uma era privada.
A amostragem acidental, que consiste na coleta de dados dos casos ocorridos em determinado período de tempo, foi a opção escolhida devido à impossibilidade do cálculo da amostra probabilística, uma vez que, diante da limitação de não se identificarem todos os tipos de resolução de gravidez, como é o caso do abortamento, todas as formas seriam incluídas. Como o método de localização das mulheres foi o da busca ativa dois anos após o parto, optou-se pelo acesso aos registros hospitalares para obtenção de endereços e números de telefone para o contato com as potenciais adolescentes eleitas para o estudo. Ao final, foram localizados 632 casos.
Após a localização dos casos a partir dos registros das maternidades, as entrevistadoras realizavam contato telefônico ou encaminhavam-se aos domicílios das jovens convidando-as a participar do estudo. Aquelas adolescentes não localizadas pelas entrevistadoras eram repassadas para supervisora de campo, a fim de tentar localizar o endereço com a ajuda dos agentes comunitários de saúde das equipes da Estratégia Saúde da Família, tanto da área de localização inicial quanto da área para a qual ela supostamente havia se mudado, cujo bairro de destino era fornecido por vizinhos. Caso a jovem tivesse se mudado para outra cidade ou quando toda estratégia de localização não obtinha êxito, o caso foi considerado perdido.
Considerou-se como desfecho a variável evasão escolar (variável dependente). Como variáveis independentes, selecionaram-se as relativas aos dados sociodemográficos, à história obstétrica e à trajetória escolar. Os dados originais foram digitados em dois bancos de dados no aplicativo Epi Info, versão 6.04d (U.S Center for Disease Control and Prevention, Atlanta, GA). A análise estatística foi feita pelo programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 17.0 (SPSS Inc. Chicago, IL 60606, USA).
Utilizou-se estatística descritiva para a análise univariada dos dados. Na análise bivariada, foi utilizada regressão logística simples (RLS) para identificar possíveis associações entre cada variável independente (sociodemográficas, história obstétrica e trajetória escolar) e evasão escolar (variável dependente). A possível associação entre as varáveis foi determinada pelo Odds Ratio não ajustado (ORñaj), as quais, quando significantes, foram selecionadas para inclusão nos modelos desenvolvidos para a regressão logística múltipla (RLM).
Para a análise multivariada, usou-se regressão logística binomial para determinar possíveis fatores que pudessem ter levado à evasão escolar das mães adolescentes. As variáveis foram incluídas no modelo pelo método Enter, que força a entrada das variáveis de forma sequencial e isolada. Utilizou-se o Odds Ratio ajustado (ORaj) como medida de efeito, com intervalo de confiança de 95% (IC95%), e a hipótese de nulidade foi aceita sempre que o valor de p era maior ou igual a 0,05.
O teste de multicolinearidade necessário para a regressão logística binomial foi realizado pelo Variance inflation fator (VIF), adotando-se ≥ 4 como ponto de corte; porém, não observou-se multicolinearidade entre as variáveis independentes.
O projeto-base, do qual faz parte este estudo, foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí (UFPI), sob CAAE nº 0056.0.045.000-08, e aprovado, cumprindo todos os preceitos éticos e legais das pesquisas que envolvem seres humanos, conforme a Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Foi solicitada a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para todas as participantes. Para jovens menores de 18 anos, a assinatura do TCLE foi solicita ao seu responsável.
A maioria das jovens, no momento da pesquisa, pertencia à faixa etária de 20 a 22 anos (69,8%), com média de idade de 20,2 anos (desvio-padrão = 1,3). Em relação ao estado civil, 65,5% eram casadas/em união estável, das quais quase que a totalidade referiu morar com o companheiro (63,6%). Constatou-se que pouco mais de 72% das jovens não trabalhavam, metade vivia em famílias que ganhavam no máximo um salário mínimo vigente à época da coleta de dados e 45% moravam com famílias compostas de 5 a 10 pessoas. Aproximadamente 65% das jovens eram totalmente dependentes financeiramente de terceiros, das quais 50,4% tinham o companheiro como responsável pelo seu sustento, e 1 a cada 4 jovens tinha dependência financeira dos pais ( Tabela 1 ).
Tabela 1 Características sociodemográficas de jovens com história de gravidez em Teresina, Piauí, 2008
Variáveis |
|
n | % |
---|---|---|---|
Faixa etária (anos)a | 20.2 (1.3) | 464 | 100,0 |
17-19 | 140 | 30,2 | |
20-22 | 324 | 69,8 | |
Estado civil b | 464 | 100,0 | |
Solteira | 160 | 34,5 | |
Casada/em união estável | 304 | 65,5 | |
Mora com o companheiro | 464 | 100,0 | |
Sim | 295 | 63,6 | |
Não, mas mantém os laços conjugais | 61 | 13,1 | |
Não, e não mantém os laços conjugais | 108 | 23,3 | |
Trabalho remunerado | 464 | 100,0 | |
Sim | 129 | 27,8 | |
Não | 335 | 72,2 | |
Renda familiar | 464 | 100,0 | |
Até ½ salário mínimo (SM) (até R$ 206,00) | 60 | 12,9 | |
Até 1 SM (R$ 206,01 a R$ 412,00) | 172 | 37,1 | |
Entre 1 e 2 SM (R$ 412,01 a R$ 824,00) | 135 | 29,1 | |
Entre 2 a 3 SM (R$ 824,01 a R$ 1.236,00) | 48 | 10,3 | |
Mais de 3 SM (R$ 1.236,01 ou mais) | 49 | 10,6 | |
Com quantas pessoas mora em casac | 5.1 (2.5) | 464 | 100,0 |
1 a 4 pessoas | 243 | 52,4 | |
5 a 10 pessoas | 208 | 44,8 | |
Mais de 10 pessoas | 13 | 2,8 | |
Dependência financeira | 464 | 100,0 | |
Sim, parcialmente | 101 | 21,8 | |
Sim, totalmente | 300 | 64,7 | |
Não | 63 | 13,6 | |
De quem depende financeiramente | 401 | 100,0 | |
Companheiro | 202 | 50,4 | |
Pais dela | 111 | 27,7 | |
Pais dele (companheiro) | 5 | 1,2 | |
Qualquer membro da família dele/dela | 14 | 3,5 | |
Outra(s) pessoa(s) | 5 | 1,2 | |
Mais de uma das opções anteriores | 64 | 16,0 |
iMédia;
iiDesvio-padrão.
aVariável coletada originalmente em anos;
b Os dados referentes ao estado civil foram classificados como solteiros e casados/em uma relação estável. Solteira corresponde à categoria que incluiu: solteira, divorciada e viúva; já casada/em uma relação estável consiste na categoria: casada e relacionamento estável;
cVariável originalmente coletada em quantidade de pessoas.
Parcela significativa referiu que não frequentava uma unidade de ensino (69,6%) e que parou os estudos em algum momento da vida (94,4%) durante ou após a gravidez, a qual foi o principal motivo para quase metade delas. Após a interrupção, que ocorreu predominantemente durante a primeira gestação (49,2%), 59% não mais retornaram à escola, das quais 55,2% alegaram como motivo o cuidar da família e da casa. As jovens que continuaram a frequentar uma unidade de ensino perceberam, por parte das pessoas da escola, mais aceitação (86%) do que críticas (14%), as quais ocorreram em maior parte por outros estudantes (70,8%). O nível de escolaridade mais frequente entre as jovens foi o ensino fundamental incompleto (34,7%), semelhante ao de suas mães (38,5%), além de que a maioria não tinha adequação com a idade (86,9%). De maneira expressiva, 55,4% mencionaram abandono escolar ( Tabela 2 ).
Tabela 2 Características da escolaridade de jovens com história de gravidez em Teresina, Piauí, 2008
Variáveis | n | % |
---|---|---|
Ir à escola/à universidade/ao curso técnico, atualmente | 464 | 100,0 |
Sim, escola/universidade/curso | 120 | 25,9 |
Sim, curso técnico | 21 | 4,5 |
Não | 323 | 69,6 |
Parou de estudar em algum momento | 464 | 100,0 |
Sim | 438 | 94,4 |
Não | 26 | 5,6 |
Razão para parar | 438 | 100,0 |
Ficou grávida | 213 | 48,6 |
Para cuidar da família/casa | 62 | 14,1 |
Preguiça/não gosta de estudar/se divertir/não queria | 55 | 12,6 |
Completou (ensino médio) | 44 | 10,0 |
Trabalhar | 23 | 5,3 |
Complicações na gravidez | 12 | 2,7 |
Problemas com a escola | 6 | 1,4 |
Outras razões | 23 | 5,3 |
Você voltou a estudar depois desse intervalo | 438 | 100,0 |
Sim | 181 | 41,3 |
Não | 257 | 58,7 |
Razão para não voltar à escola | 257 | 100,0 |
Para cuidar da família/casa | 142 | 55,2 |
Não quis | 43 | 16,7 |
Outras | 30 | 11,7 |
Por causa do trabalho | 21 | 8,2 |
Não tem tempo/paciência | 12 | 4,7 |
Terminou o ensino médio | 9 | 3,5 |
Quanto à gravidez, quando você parou de estudar | 429 | 100,0 |
Antes de engravidar pela 1ª vez | 107 | 24,9 |
Durante a 1ª gravidez | 211 | 49,2 |
Entre a 1ª e a 2ª gravidez | 21 | 4,9 |
Após a última gravidez | 65 | 15,2 |
Outra situação | 25 | 5,8 |
Como você foi recebida na escola após a gravidez | 344 | 100,0 |
Aceitaram | 296 | 86,0 |
Foi criticada | 48 | 14,0 |
Quem criticou você | 48 | 100,0 |
Professor(es) | 3 | 6,2 |
Empregado(s) | 2 | 4,2 |
Colega(s) de classe | 34 | 70,8 |
Pai(s) de aluno | 3 | 6,2 |
Mais de uma categoria anterior | 6 | 12,5 |
Escolaridade | 464 | 100,0 |
Analfabeta funcional (< 4 anos de estudo) | 6 | 1,3 |
Ensino fundamental incompleto (4 ≤ x < 7 anos de estudo) | 161 | 34,7 |
Ensino fundamental | 55 | 11,9 |
Ensino médio incompleto | 149 | 32,1 |
Ensino médio | 82 | 17,7 |
Ensino superior (incompleto/completo) | 11 | 2,4 |
Escolaridade da mãe das jovens | 429 | 100,0 |
Não alfabetizada | 66 | 14,3 |
Analfabeta funcional (< 4 anos de estudo) | 54 | 11,7 |
Ensino fundamental incompleto (4 ≤ x < 7 anos de estudo) | 178 | 38,5 |
Ensino fundamental | 36 | 7,8 |
Ensino médio incompleto | 35 | 7,6 |
Ensino médio | 48 | 10,4 |
Ensino superior (incompleto/completo) | 12 | 2,6 |
Não sabe | 33 | 7,1 |
Adequação idade-série | 464 | 100,0 |
Sim | 61 | 13,1 |
Não | 403 | 86,9 |
Abandonou a escola | 464 | 100,0 |
Sim | 257 | 55,4 |
Não | 207 | 44,6 |
No que diz respeito à história reprodutiva, 41,8% das participantes tiveram a primeira gestação na faixa etária de 16 a 17 anos, com média de 1,8 gestação (desvio-padrão = 1,0). Em torno de 50% eram primigestas, e 1 a cada 5 já havia engravidado pelo menos três vezes. Ademais, 63% eram filhas de mãe que engravidaram na adolescência e 48,9% tinham pelo menos um irmão ou uma irmã que também teve filho na adolescência ( Tabela 3 ).
Tabela 3 História reprodutiva de jovens com história de gravidez em Teresina, Piauí, 2008
Variáveis |
|
n | % |
---|---|---|---|
Idade na 1ª gravidez | 16,6 (1,6) | 464 | 100,0 |
12-14 | 53 | 11,4 | |
15 | 70 | 15,1 | |
16-17 | 194 | 41,8 | |
18-19 | 147 | 31,7 | |
Quantas vezes engravidou | 1,8 (1,0) | 464 | 100,0 |
1 | 228 | 49,1 | |
2 | 146 | 31,5 | |
≥ 3 | 90 | 19,4 | |
Idade com que a mãe da jovem engravidou pela primeira vez | 20,5(10,8) | 464 | 100,0 |
11-19 | 285 | 62,8 | |
20 ou mais | 169 | 37,2 | |
Irmão ou irmã da jovem teve filho antes dos 20 anos de idade | 451 | 100,0 | |
Sim | 217 | 48,9 | |
Não | 234 | 51,9 |
A Tabela 4 exibe os modelos de análise multivariada. Os modelos 1, 2 e 3 incluem, respectivamente, a experiência de gravidez da participante, as variáveis relativas à sua escolaridade e de sua mãe e as suas características sociodemográficas. O modelo 4 é o completo, por incluir todas as variáveis que tenham sido significativas nos modelos anteriores.
Tabela 4 Odds ratio (OR) ajustado da associação entre história reprodutiva, história escolar, características sociodemográficas, modelo completo e abandono escolar de jovens com história de gravidez em Teresina, Piauí, 2008
Variáveis | Modelo 1 | Modelo 2 | Modelo 3 | Modelo 4 | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
OR | CI 95% | OR | CI 95% | OR | CI 95% | OR | CI 95% | |
Tempo que você deixou de estudar em relação à gravidez | ||||||||
Antes de engravidar pela 1ª vez ( ** ) | ||||||||
Depois de engravidar pela 1ª vez | 0,55* | 0,34 - 0,88 | 0,61 | 0,37 - 1,00 | 0,55* | 0,33 - 0,94 | 0,59* | 0,36 - 0,96 |
Quantas vezes você engravidou | 1,40* | 1,13 - 1,74 | - | - | - | - | 1,35* | 1,07 - 1,71 |
Escolaridade das jovens | ||||||||
< 7 anos de estudo | - | - | 1,87* | 1,20 - 2,93 | - | - | 0,71 | 0,45 - 1,12 |
≥ 7 anos de estudo (**) | ||||||||
Adequação idade-série | - | - | - | - | ||||
Sim (**) | - | - | - | - | ||||
Não | - | - | 0,71 | 0,34 - 1,49 | - | - | - | - |
Escolaridade das mães | ||||||||
< 7 anos de estudo | - | - | 1,02 | 0,61 - 1,69 | - | - | - | - |
≥ 7 anos de estudo (**) | ||||||||
Estado civil | ||||||||
Solteira (**) | ||||||||
Casada/em um relacionamento estável | - | - | - | - | 1,95 | 0,95 - 4,00 | - | - |
Trabalho | ||||||||
Sim | - | - | - | - | 2,41* | 1,33 - 4,38 | 2,54* | 1,54 - 4,09 |
Não (**) | ||||||||
Renda familiar | ||||||||
Até ½ salário mínimo (SM) (até R$ 206,00) | - | - | - | - | 5,67* | 2,10 - 15,34 | 3,18* | 1,28 - 7,86 |
Até 1 SM (R$ 206,01 a R$ 412,00) | - | - | - | - | 3,25* | 1,40 - 7,53 | 1,89 | 0,88 - 4,03 |
Entre 1 e 2 SM (R$ 412,01 a R$ 824,00) | - | - | - | - | 2,35* | 1,01 - 5,48 | 1,71 | 0,81 - 3,60 |
Entre 2 e 3 SM (R$ 824,01 a R$ 1.236,00) | - | - | - | - | 1,77 | 0,64 - 4,92 | 1,54 | 0,62 - 3,83 |
Mais de 3 SM (R$ 1.236,01 ou mais) (**) | ||||||||
Quantas pessoas moram na sua casa | ||||||||
1 a 4 pessoas (**) | ||||||||
5 ou + pessoas | - | - | - | - | 1,19 | 0,73 - 1,95 | - | - |
De quem depende financeiramente | ||||||||
Companheiro (**) | ||||||||
Pais dela/dele | - | - | - | - | 0,72 | 0,33 - 1,55 | - | - |
Outra(s) pessoas(s) | - | - | - | - | 1,28 | 0,40 - 4,16 | - | - |
Mais de uma opção anterior | - | - | - | - | 1,39 | 0,70 - 2,73 | - | - |
*p ≤ 0,05;
**Categoria de referência.
A variável “momento em que parou de estudar com relação às gestações” mostrou-se significativa nos modelos 1, 3 e 4 e indicou que a chance de abandono escolar foi maior depois de as adolescentes engravidarem pela primeira vez. As razões de chance entre os modelos não apresentaram variações importantes com a inclusão de outros fatores.
Quanto à variável “quantas vezes ficou grávida”, a análise mostrou que, a cada gravidez, a chance de evasão escolar foi aumentada em 40% no modelo 1 e em 35% no modelo 4. Os resultados dos modelos 3 e 4 apontaram que as adolescentes que trabalhavam foram mais propensas à evasão escolar que aquelas que não trabalhavam, sem alterações expressivas na razão de chances. A propensão das menos escolarizadas de evadirem-se da escola detectada no modelo 2 não se confirmou quando foram incluídas outras variáveis no modelo 4.
Observa-se, no modelo 3, que as chances de evasão escolar aumentaram à medida que se reduzia a renda familiar. Entretanto, o modelo 4 mostra que apenas as jovens com renda familiar de até 1/2 salário mínimo tiveram a chance de abandono da escola aumentada quando comparadas àquelas com renda familiar de mais de três salários mínimos.
Observando o perfil das adolescentes entrevistadas, percebe-se uma concordância com outros estudos nacionais e internacionais 16-20 . Como o principal critério de inclusão do estudo foi que jovens tivessem uma resolução de gravidez no primeiro quadrimestre de 2006, momento em que elas ainda eram adolescentes com idade de 15 a 19 anos, a maioria das participantes já não era mais adolescente, mas permanecia no grupo dos considerados jovens pela Organização Mundial da Saúde 21 .
Diferente de países economicamente desfavoráveis, nos quais a união precoce é desejável em virtude do peso financeiro, no Brasil, classificado como país de renda média alta, casar precocemente pode ser a solução para jovens sexualmente ativas ou mesmo grávidas, para que não se tornem motivo de estigmas e, consequentemente, de constrangimentos aos pais e à família, ou ainda como saída para as faltas de oportunidades e uma alternativa para assegurar seu futuro financeiro 3,22 . Assim, o elevado número de uniões consensuais observado nesta pesquisa pode ser explicado pela pressão social para que o casal logo formalize a união diante de uma gravidez precoce 16 .
Nesse contexto, a dependência de terceiros e a construção de vários núcleos familiares em um mesmo espaço físico surgem como aspectos negativos, uma vez que, além de inserirem a jovem em situação de baixa renda, como demonstrado pelos resultados da pesquisa, tornam-na mais susceptível à violência física e de outras naturezas, tanto por parte do parceiro como de outros membros da família 16,23 .
As repercussões da gravidez na adolescência escolar têm sido objeto de estudo de diversos autores 8,24-26 . Os dados da presente pesquisa, bem como os do estudo realizado em municípios do Estado de São Paulo sobre gravidez na adolescência, que verificou que o abandono escolar referido por parcela significativa das moças estava relacionado à gravidez, além do estudo sobre indicadores sociais em uma população de gestantes, o qual estimou que apenas 6,8% delas eram estudantes, comprovam que a gestação muda a perspectiva da escolaridade, levando as adolescentes a parar de estudar temporária ou definitivamente 2,27,28 .
Contudo, se a gravidez na adolescência pode ocasionar a evasão escolar, alguns estudos, igualmente ao encontrado na presente pesquisa, têm provado que muitas adolescentes podem ter deixado a escola antes de engravidar, sendo inclusive uma condição de risco para gravidez precoce 15,29 . Isso pode ser justificado pelo fato de a gravidez nas adolescentes ter ocorrido já com elas em defasagem de idade-série, sendo um fator sobreposto à provável evasão escolar, o que parece indicar que, assim como o casamento, a maternidade se sobrepõe aos projetos educacionais e profissionais, uma vez que essa nova perspectiva de vida proporciona reconhecimento social ou, mais provavelmente e segundo a OMS, reflete a influência do contexto de pobreza no comportamento e nas escolhas das adolescentes 3,30,31 .
A baixa escolaridade confere ao indivíduo menor probabilidade de inserção no mercado de trabalho, cada vez mais competitivo. A adolescência é uma fase em que os indivíduos estão em formação, incluindo a escolar, e obtendo habilidades para terem maior chance de sucesso na vida adulta; portanto, assumir os papéis de mãe e de dona de casa diminui as possibilidades de qualificação profissional, prejudicando seu potencial produtivo e perpetuando a desvantagem social 8,9,23 .
Os resultados deste estudo mostraram que, apesar de a maioria das adolescentes, na análise univariada, ter informado não estar trabalhando, a associação entre a trajetória escolar e a história reprodutiva demonstrou que a baixa escolaridade e o número de gestações reforçam a evasão escolar das que trabalham. Algumas mães jovens descrevem suas atividades profissionais como necessárias para cumprir seu projeto de vida, mesmo que afirmem o conflito que o trabalho gera nas funções da maternidade, e de baixa remuneração. Além disso, é a inserção nessas primeiras atividades que faz com que essas adolescentes saiam da escola ou a frequentem irregularmente, prejudicando sua realização escolar 9,15 .
A recorrência da gravidez também esteve associada ao abandono escolar. Variáveis relacionadas com o desempenho escolar têm sido fortemente associadas à ocorrência de gravidez na adolescência, de gestações sucessivas e de gestações de rápida repetição nessa fase da vida 32-34 . Estudo realizado na África do Sul com jovens da zona rural mostrou que estar na escola constitui fator protetor para a gravidez na adolescência, assim como para sua repetição. Além disso, estudo comparativo entre primíparas e multíparas evidenciou menor escolaridade e maior abandono dos estudos entre as segundas 14 .
Abandonar os estudos por conta de uma gravidez precoce traz graves consequências para adolescente e sua prole, uma vez que a principal forma de ascensão social e econômica se dá por meio do sistema educacional, e limita as possibilidades em conseguir trabalhos mais bem remunerados por causa de que estes exigem habilidades que dificilmente são alcançáveis por populações economicamente desfavoráveis 3,19,33 . Visto que é pouco provável o retorno aos estudos conforme demonstrado nesta pesquisa, conviver com a pobreza passa a ser a realidade da maioria e perpetuado por sua prole, algo bastante verificado na literatura e que foi comprovado por esta amostra, na qual a maioria das adolescentes referiu casos de gravidez na adolescência de irmão ou irmã, cuja mãe também engravidou na adolescência 2,23,31 .
A situação econômica, traduzida pela renda familiar, de maneira consequente também está associada à interrupção dos estudos. Esse resultado obtido nesta pesquisa evidencia que jovens provenientes de segmentos com níveis de renda inferiores enfrentam barreiras que dificultam o prosseguimento de trajetórias ascendentes e de qualidade 2,17,19 .
Estudo realizado em três capitais brasileiras com jovens de ambos os sexos, a fim de observar a sequência temporal entre abandono escolar e gravidez na adolescência, mostrou que, entre os mais pobres, registra-se uma maior proporção de moças que abandonaram os estudos à época ou depois da gravidez, informação também obtida entre rapazes que, na adolescência, engravidaram suas parceiras 15 .
No âmbito internacional, estudos recentes na América Latina documentaram que, no México, a maternidade na adolescência reduz os anos de escolaridade e as horas trabalhadas; em outros casos, como no Chile, a maternidade na adolescência diminui a probabilidade de terminar o ensino médio e prosseguir os estudos pós-secundários 35,36 .
De um modo geral, em razão de a gravidez estar relacionada a um contexto de vulnerabilidade social, é necessário considerar que os resultados do presente estudo, assim como os de vários outros, evidenciam que sua frequência ocorre em maior intensidade entre aqueles que estão inseridos em ambientes marcados por oportunidades restritas e poucas opções de vida. A explicação para isso pode ter como base a observação de que municípios com baixos índices de desenvolvimento humano e com maiores incidências de pobreza são aqueles com maior número de gravidez na adolescência. Se a maternidade na adolescência reduz a escolaridade e a oportunidade laboral da mãe, e se essa realidade é muito comum nos lares mais pobres, então se produz um dos mais reconhecidos ciclos de reprodução intergeracional da pobreza: jovens mais pobres são mães adolescentes, e a maternidade precoce encolhe a sua escolaridade e suas oportunidades futuras, mantendo mães e filhos em situação de pobreza.
Não obstante, compreende-se que a gestação na adolescência não constitui um problema em si, mas ao contexto de iniquidades que a produz e reproduz, sendo fundamental que as políticas sociais atentem para as necessidades e demandas específicas dessa população, na construção de estratégias que atuem nos determinantes sociais e na redução de vulnerabilidades que podem ser desfavoráveis para a qualidade de vida dessa população 37 .
Mesmo com as contribuições realizadas pelo estudo, a não investigação sobre a aptidão de idade-série no momento da entrada de jovens na escola e o não questionamento sobre a realização do exame para a universidade e sobre a quantidade de tentativas constituem limitações que devem ser consideradas, uma vez que não permite afirmar que a incompatibilidade idade-série está presente desde a origem da vida estudantil dessas jovens e se elas tentaram prosseguir o caminho acadêmico, o que é comum às filhas de classe média. Todavia, o acesso ao ensino superior, tanto por adolescentes de classe média como por aquelas das classes menos favorecidas, deve ser uma opção viável se essa for a opção de qualquer jovem, e não um privilégio de grupos em vantagem social.
Nesse sentido, conclui-se que a condição social da adolescente é um fator com maior força para o abandono escolar do que a própria gravidez, visto que esta se apresentou apenas como um evento constituinte do ciclo. Assim, reafirma-se a importância de manter a jovem mãe na escola no sentido de interromper o ciclo vicioso: pobreza – gravidez – abandono escolar – pobreza.
Diante disso, cabe ao sistema escolar lidar com as heterogeneidades juvenis, adotando política educacional que oriente as jovens quanto às suas escolhas relativas à sexualidade, e, em conjunto com a família, estimular a permanência delas na escola e o seguimento dos planos de vida. Além disso, é preciso traçar estratégias voltadas às jovens evadidas, de modo a possibilitar o seu retorno ao ambiente escolar, oferecendo alternativas que englobem trabalho e/ou filhos.
Quanto à saúde, é fundamental a implementação de políticas públicas que vão muito além da abordagem meramente preventiva, mas que contemplem as reais necessidades das jovens, escutando-as e levando em consideração as particularidades socioeconômicas e comportamentais da população em questão, promovendo intervenções que tenham como ponto de partida a educação sexual e reprodutiva, de modo que as escolhas das adolescentes sejam conscientes e fortaleçam o futuro delas.
Além disso, a concretização das ações do Programa Saúde na Escola (PSE), que tem por finalidade realizar um trabalho intersetorial entre educação e saúde, constitui uma estratégia importante na abordagem da situação de saúde da população estudada e dos problemas que a acomete, tais como o trabalhado neste artigo.