versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.108 no.3 São Paulo mar. 2017
https://doi.org/10.5935/abc.20170027
Fatores prognósticos são bastante estudados na insuficiência cardíaca (IC), mas ainda não possuem um papel estabelecido na IC grave de etiologia chagásica.
Identificar a associação de fatores clínicos e laboratoriais com o prognóstico da IC grave de etiologia chagásica, bem como a associação desses fatores com a taxa de mortalidade e a sobrevida em um seguimento de 7,5 anos.
60 pacientes portadores de IC grave de etiologia chagásica foram avaliados com relação às seguintes variáveis: idade, pressão arterial, fração de ejeção, sódio plasmático, creatinina, teste de caminhada de 6 minutos, taquicardia ventricular não sustentada, largura do QRS, volume do átrio esquerdo indexado e classe funcional.
53 (88,3%) pacientes foram a óbito durante o período de seguimento e 7 (11,7%) permaneceram vivos. A probabilidade de sobrevida geral acumulada foi de aproximadamente 11%. Taquicardia ventricular não sustentada (HR = 2,11; IC 95%: 1,04 - 4,31; p<0,05) e volume do átrio esquerdo indexado ≥ 72 ml/m2 (HR = 3,51; IC 95%: 1,63 - 7,52; p<0,05) foram as únicas variáveis que permaneceram como preditores independentes de mortalidade.
A presença de taquicardia ventricular não sustentada ao Holter e o volume do átrio esquerdo indexado > 72 ml/m2 são preditores independentes de mortalidade na IC chagásica grave, com probabilidade de sobrevida acumulada de apenas 11% em 7,5 anos.
Palavras-chave: Insuficiência Cardíaca / mortalidade; Prognóstico; Cardiomiopatia Chagásica; Doença de Chagas
Prognostic factors are extensively studied in heart failure; however, their role in severe Chagasic heart failure have not been established.
To identify the association of clinical and laboratory factors with the prognosis of severe Chagasic heart failure, as well as the association of these factors with mortality and survival in a 7.5-year follow-up.
60 patients with severe Chagasic heart failure were evaluated regarding the following variables: age, blood pressure, ejection fraction, serum sodium, creatinine, 6-minute walk test, non-sustained ventricular tachycardia, QRS width, indexed left atrial volume, and functional class.
53 (88.3%) patients died during follow-up, and 7 (11.7%) remained alive. Cumulative overall survival probability was approximately 11%. Non-sustained ventricular tachycardia (HR = 2.11; 95% CI: 1.04 - 4.31; p<0.05) and indexed left atrial volume ≥ 72 mL/m2 (HR = 3.51; 95% CI: 1.63 - 7.52; p<0.05) were the only variables that remained as independent predictors of mortality.
The presence of non-sustained ventricular tachycardia on Holter and indexed left atrial volume > 72 mL/m2 are independent predictors of mortality in severe Chagasic heart failure, with cumulative survival probability of only 11% in 7.5 years.
Keywords: Heart Failure / mortality; Prognosis; Chagas Cardiomyopathy; Chagas Disease
A insuficiência cardíaca (IC) representa uma síndrome clínica em que o coração é incapaz de fornecer um débito cardíaco que atenda às necessidades dos órgãos e tecidos periféricos, ou só o faz sob condições de altas pressões de enchimento em suas câmaras.1
A American Heart Association (AHA) estima uma prevalência de 5,1 milhões de indivíduos com IC nos Estados Unidos entre 2007 e 2012.2 No Brasil, a prevalência é de 2 milhões de pacientes e a incidência é de 240 mil novos casos por ano.3
A doença de Chagas ainda é importante etiologia de IC. Aproximadamente 10-12 milhões de pessoas no mundo estão infectadas pelo Tripanossoma cruzi e 21% a 31% delas vão desenvolver a cardiomiopatia. Essa patologia é responsável por cerca de 15 mil mortes anuais e aproximadamente 200 mil novos casos. No Brasil, existem cerca de 3 milhões de pessoas com a doença de Chagas.1
O conhecimento e as experiências nos apontam que o prognóstico dos indivíduos com IC é ruim e a doença de Chagas, dentre as várias etiologias, possui o pior prognóstico na IC.4
Os estudos relacionados ao mau prognóstico dos pacientes com IC chagásica têm sido muito apreciados. No entanto, informações sobre preditores de mortalidade nessa doença ainda são limitadas e o conhecimento desses fatores possibilita a implementação do tratamento na presença de algumas condições desfavoráveis.5-7
O acesso a esses parâmetros é usualmente de fácil obtenção, baixo custo e permite também identificar os pacientes de maior risco de mortalidade.
Este estudo tem o objetivo de identificar a associação entre fatores clínicos e laboratoriais com o prognóstico da IC grave de etiologia chagásica, bem como a associação desses fatores com a taxa de mortalidade e a sobrevida em um seguimento de 7,5 anos.
Este é um recorte do "Estudo Multicêntrico, Randomizado de Terapia Celular em Cardiopatias (EMRTCC) - Cardiopatia Chagásica", com análise retrospectiva de dados colhidos prospectivamente.8
A pesquisa foi conduzida no Serviço de Cardiologia, na sub-especialidade de Insuficiência Cardíaca no Hospital das Clínicas (HC) da Universidade Federal de Goiás (UFG).
A população-alvo deste estudo foi constituída por 60 pacientes de um total de 234 participantes do EMRTCC, que permaneceram em acompanhamento no ambulatório de IC do HC/UFG.
O EMRTCC demonstrou que a injeção intracoronária de células-tronco autólogas não trouxe benefícios adicionais sobre a terapia padrão para pacientes com cardiomiopatia chagásica. Não houve melhora na função ventricular esquerda ou qualidade de vida desses pacientes.9 O resultado neutro assegura que a população avaliada em nossa casuística não sofreu interferência do procedimento em sua evolução.
O acompanhamento completo dessa população para este estudo foi de 7,5 anos.
A medida da pressão arterial sistólica (PAS) foi realizada com técnica auscultatória, com uso de esfigmomanômetro aneróide e estetoscópio devidamente calibrados. Foi utilizada a técnica padronizada pela VI Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial. Consideramos dentro dos padrões de normalidade PAS de 120 mmHg e pressão arterial diastólica (PAD) de 80 mmHg.10
A idade foi calculada a partir da data de nascimento registrada em documento de identificação do paciente, considerando anos de vida completos ao ser selecionado para o estudo.
A fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) foi registrada através do exame de ecocardiografia realizado pelo método de Simpson. Todos os exames foram feitos por um único examinador em um aparelho Toshiba Xario.
Fotometria induzida por eletrodo seletivo foi a técnica utilizada para dosagem de sódio.11
Os valores 135 a 144 mEq/l são referência de normalidade adotada pelo laboratório de análise local. A concentra ção de sódio sérico abaixo do limite inferior da normalidade < 135 mEq/l foi considerada hiponatremia, ao passo que valores acima de 144 mEq/l foram considerados hipernatremia.11
A técnica automatizada de Jaffé foi utilizada para identificação dos valores de creatinina no soro sanguíneo. Os valores de referência adotados para creatinina foram 0,7 - 1,3 mg/dl para homens e 0,6 - 1,2 mg/dl para mulheres.11
Foram obtidos dois testes com intervalo mínimo de 15 minutos entre eles, para descanso. Ao término do teste de caminhada de 6 minutos (TC6M), os dados vitais, coletados inicialmente, foram novamente avaliados e a distância percorrida pelo paciente foi calculada através da média obtida pelos dois testes.12
Os valores de referência de normalidade para TC6M variam entre 400m e 700m, considerando pessoas normais. Ainda não existe na literatura valores de referência padronizados para cardiopatas.13 Foi utilizado o valor ≥400m para resultado satisfatório e <400 para insatisfatório, baseado nos dados publicados do Estudo SOLVD.14
Taquicardia ventricular não sustentada (TVNS) foi definida como três ou mais batimentos consecutivos, com origem abaixo do nó atrioventricular, com frequência maior que 100 batimentos por minuto e duração menor que 30 segundos. A identificação foi através do Holter de 24 horas.15
A largura do QRS foi obtida atráves do traçado do eletrocardiograma feito por eletrocardiógrafo devidamente calibrado. Valores ≤ 120ms foram considerados como duração normal do QRS, e > 120ms, como QRS alargado.16
O volume do átrio esquerdo indexado (VAEi) foi obtido através do seu contorno em dois planos ortogonais (apical duas e quatro câmaras)17 pelo ecocardiograma, que foi realizado por um único observador em todos os pacientes.
Valores até 34 ml/m2 foram considerados normais, entre 35 e 41 ml/m2, aumento discreto, entre 42 e 48 ml/m2, aumento moderado, e acima de 48 ml/m2, aumento importante. 17
A identificação da classe funcional foi obtida através da classificação da New York Heart Association (NYHA), que já possui validade e confiabilidade estabe lecidas.14 A classificação foi feita de acordo com a severidade dos sintomas relatados pelos indivíduos, com escore que varia de I a IV.14
Os dados foram coletados e registrados em planilha eletrônica e analisados com aplicação do programa IBM SPSS Statistics, versão 21.0.
As variáveis categóricas são apresentadas em seu formato de frequência, com números absolutos e proporções. A análise de associação entre variáveis preditoras e desfechos foi feita com aplicação do teste qui-quadrado.
O teste qui-quadrado foi usado para comparar o desfecho (óbito) com as diferentes categorias das variáveis preditoras como: faixa etária, PAS, sódio plasmático, TVNS e largura do QRS.
As variáveis quantitativas contínuas são apresentadas com suas médias, medianas (quando distribuição não paramétrica), desvio padrão e intervalo de confiança. A análise da forma como os dados se distribuíam foi feita com aplicação do teste de Shapiro Wilks, considerando o tamanho da amostra inferior a 100 participantes. Para comparação das médias das variáveis preditoras, foi utilizado o teste T-Student (não pareado) ou Teste U de Mann Whitney, de acordo com a distribuição dos dados.
Todos os testes foram realizados considerando um nível de significância de 5% e probabilidade bicaudal e intervalo de confiança de 95%.
O tempo de sobrevida foi calculado como o intervalo entre a data do início do tratamento e a data do óbito. O tempo de seguimento máximo foi de 90 meses, sendo que aqueles que permaneceram vivos após esse tempo foram censurados. Os participantes têm diferentes tempos de seguimentos e entraram no estudo em tempos diferentes também. Em virtude dessa característica, os prognósticos foram estudados com aplicação da estatística Kaplan-Meier.
Para comparar as curvas de sobrevida estratificadas, foi utilizado o Hazard Ratio (HR) como medida de associação entre variáveis na sobrevida. O teste Log-Rank (Mantel-Cox) foi usado para comparar os valores esperados de cada estrato sob a hipótese nula de que o risco é o mesmo em todos os estratos, ou seja, o número de eventos observados em cada categoria de variável analisada com o número de eventos (desfechos) esperados.
Para estimar o efeito das variáveis preditoras, foi rodado o modelo semiparamétrico de riscos proporcionais, modelo de Cox, que estima a proporcionalidade dos riscos ao longo de todo o período de seguimento de forma ajustada. As variáveis contínuas incluídas no modelo foram as que apresentaram o valor de p <0,20, sendo analisadas em seu formato quantitativo, e as variáveis categóricas dicotomizadas ou policotômicas. Foi utilizado o valor de p do teste de Wald.
Inicialmente foi realizada análise de estimativa de risco univariada, sendo colocadas no modelo multivariado somente aquelas variáveis que mostraram associação com p< 0,20 e o modelo foi ajustado passo a passo, com a inclusão da variável com melhor associação no primeiro nível e também considerando critérios teóricos de conhecimentos prévios.
Participaram do estudo 60 pacientes, cujas características iniciais estão sumariadas na Tabela 1.
Tabela 1 Caracterização da amostra segundo as variáveis analisadas
Média Mediana | DP/ IC 95% | |
---|---|---|
Idade (anos) | 52,6 54,0 |
±9,4 50,2 - 55,0 |
Pressão arterial sistólica (mmHg) | 98,4 100,0 | ±14,2 94,8 - 102,1 |
Fração de ejeção VE (%) | 27,1 26,5 |
±5,5 25,3 - 28,9 |
Sódio plasmático (mEq/l) | 137,3 137,0 | ±4,2 136,2 - 138,4 |
Creatinina (mg/dL) | 1,2 1,2 |
±0,3 1,1 - 1,3 |
Teste caminhada de 6 minutos (metros) | 433,4 433,5 |
±139,1 397,5 - 469,4 |
Largura do QRS (ms) | 125,3 120,0 |
±29,4 117,7 - 132,9 |
VAEi (mL/m2) | 107,0 102,7 |
±47,8 94,7 - 119,4 |
DP: desvio-padrão; IC: intervalo de confiança; VE: ventrículo esquerdo; ms: milissegundo; VAEi: volume do átrio esquerdo indexado.
Os pacientes foram seguidos em visitas regulares à Clínica de IC do HC da UFG.
Todos os pacientes foram avaliados no tempo zero e a cada 15 dias, até completar 60 dias. Esse período foi necessário para otimização da medicação para o tratamento da IC e a estabilização clínica dos pacientes. Em seguida, houve uma avaliação basal, na qual foram coletados os dados para análise deste estudo.
Os pacientes foram acompanhados em visitas regulares com 15 dias, 1, 2, 4, 6, 9 e 12 meses, e a cada 6 meses após a visita de 1 ano até o final de seguimento de 7,5 anos.
Todos os participantes do estudo estavam devidamente medicados, conforme a III Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica, seguindo as condições de tolerabilidade às medicações de cada sujeito.1
O tratamento medicamentoso considerado adequado baseou-se na associação de diurético de alça (furosemida), inibidor da enzima de conversão da angiotensina (IECA -enalapril), espironolactona e betabloqueador (carvedilol). Os pacientes só não recebiam betabloqueador em caso de intolerância. A digoxina era adicionada ao esquema de tratamento quando os pacientes ainda permaneciam sintomáticos e já em uso das medicações referidas. Um antagonista de receptor da angiotensina (losartan) era prescrito quando havia intolerância ao IECA. A amiodarona era utilizada nos pacientes com arritmia ventricular sintomática, documentada ao ECG ou Holter. Todos os pacientes em fibrilação atrial foram anticoagulados, buscando-se atingir uma razão normalizada internacional (RNI) entre 2,0 e 3,0.1
As doses médias empregadas para IECA e betabloqueador foram 10 mg/dia e 25 mg/dia, respectivamente. Procurou-se utilizar o melhor tratamento farmacológico para todos os pacientes, com doses máximas toleradas de cada medicação. Esse processo durou em média 60 dias.
Ao analisar as variáveis clínicas comparando com óbitos e não óbitos, foram encontradas as seguintes três variáveis que tiveram relação com o desfecho de mortalidade: sódio plasmático, creatinina sérica e VAEi.
Os níveis médios de sódio plasmático apresentaram-se significativamente menores entre aqueles que foram a óbito, ao passo que a creatinina sérica apresentou níveis médios maiores para o mesmo desfecho.
Assim como ocorreu com os valores de creatinina, os níveis médios do VAEi também foram maiores entre aqueles que foram a óbito.
Do total de 60 participantes neste estudo, 53 (88,3%) foram a óbito durante o período total de seguimento (90 meses) e 7 (11,7%) foram censurados (vivos no final do período de seguimento) (Tabela 2).
Tabela 2 Sobrevida geral acumulada segundo probabilidade, de acordo com Kaplan-Meier
Tempo [meses (ano)] | Participantes sob risco | Sobrevida acumulada (%) | Óbitos no intervalo | Vivos no início do intervalo |
---|---|---|---|---|
0 | 60 | - | - | 60 |
12 (1 ano) | 42 | 70 | 18 | 42 |
24 (2 anos) | 30 | 50 | 12 | 30 |
36 (3 anos) | 28 | 46 | 2 | 28 |
48 (4 anos) | 24 | 40 | 4 | 24 |
60 (5 anos) | 14 | 23 | 10 | 14 |
72 (6 anos) | 10 | 16 | 4 | 10 |
84 (7 anos) | 8 | 13 | 2 | 8 |
90 (7,5 anos) | 7 | 11 | 1 | 7 |
A mediana de tempo de seguimento total foi de 24,5 meses (±27,3; IC 28,5 - 42,6) e a probabilidade de sobrevida global acumulada para esse período de seguimento foi de aproximadamente 50% (Figura 1). Nesse período de seguimento (24,5 meses), ocorreram 30 óbitos, o que representa 50% do total da amostra.
A maioria das mortes relacionou-se a doenças cardiovasculares, sendo 47 (88,69%) devido a IC progressiva, 3 (5,67%) por morte súbita, 1 (1,88%) por infarto agudo do miocárdio. Dos outros 2 óbitos, 1 (1,88%) deveu-se a linfoma não Hodgkin e outro (1,88%) a falência de múltiplos órgãos por quadro séptico.
O teste de Log-Hank (Mantel-Cox) - Kaplan-Meier foi utilizado para comparação da curva de sobrevivência à mortalidade geral para as variáveis clínicas e laboratoriais.
As variáveis TVNS e VAEi mostraram-se significativas em relação à sobrevida. Aqueles com VAEi < 72 ml/m2 tiveram melhor sobrevida (35,7%) (Log-Rank, p=0,001), bem como aqueles que não apresentaram TVNS (12,9%) (Log-Rank, p=0,040) (Tabela 3).
Tabela 3 Comparação de curva de sobrevivência à mortalidade geral para as variáveis analisadas - resultado do teste de Log-Hank (Mantel-Cox) - Kaplan-Meier
Variável | n | Eventos | Censurados | Sobrevida% | Valor de p |
---|---|---|---|---|---|
Idade (anos) | 0,666 | ||||
< 60 | 47 | 42 | 5 | 10,6 | |
> 60 | 13 | 11 | 2 | 15,4 | |
Geral | 60 | 53 | 7 | 11,7 | |
PAS (mmHg) | 0,325 | ||||
< 120 | 50 | 45 | 5 | 10,0 | |
>120 | 10 | 8 | 2 | 20,0 | |
Sódio Plasmático (mEq/L) | 0,128 | ||||
<135 | 14 | 13 | 1 | 7,1 | |
135| --- 144 | 42 | 37 | 5 | 11,9 | |
> 144 | 4 | 3 | 1 | 25,0 | |
TVNS | 0,040 | ||||
Sim | 29 | 26 | 3 | 10,3 | |
Não | 31 | 27 | 4 | 12,9 | |
Largura do QRS (ms) | 0,606 | ||||
Normal (< 120) | 18 | 16 | 2 | 11,1 | |
Alargado (>120) | 42 | 37 | 5 | 11,9 | |
Classe funcional (NYHA) | 0,066 | ||||
II | 32 | 26 | 6 | 18,8 | |
III | 28 | 27 | 1 | 3,6 | |
VAEi (ml/m2) | 0,001 | ||||
< 72 | 14 | 9 | 5 | 35,7 | |
> 72 | 46 | 44 | 2 | 4,3 | |
Creatinina (mg/dL) | 0,267 | ||||
> 1,30 | 16 | 15 | 1 | 6,3 | |
≤1,30 | 44 | 38 | 6 | 13,6 | |
Fração de Ejeção (%) | 0,446 | ||||
>25% | 34 | 30 | 4 | 11,8 | |
≤ 25% | 26 | 23 | 3 | 11,5 |
PAS: pressão arterial sistólica; TVNS: taquicardia ventricular não sustentada; VAEi: volume do átrio esquerdo indexado; ms: milissegundo.
As variáveis utilizadas na regressão de Cox que permaneceram no último modelo ajustado foram: TVNS, VAEi, sódio plasmático e classe funcional, mas somente as duas primeiras apresentaram valores de risco significativo (Tabela 4).
Tabela 4 Distribuição das variáveis segundo análise de risco univariada e regressão de Cox
Variável | Análise Univariada | Análise Multivariada | ||
---|---|---|---|---|
Hazard Ratio IC 95% |
Coef. de Wald (Valor de p) |
Hazard Ratio IC 95% |
Coef. de Wald (Valor de p) |
|
TVNS | 3,0 (1,02 - 8,48) | 4,01 (0,045) | 3,83 (1,29 - 11,35) | 5,84 (0,016) |
VAEi | 3,4 (1,58 - 7,24) | 9,84 (0,002) | 3,51 (1,63 - 7,52) | 10,77 (0,001) |
Sódio | 0,9 (0,86 - 1,01) | 2,80 (0,095) | 0,98 (0,90 - 1,07) | 0,22 (0,639) |
CF | 1,6 (0,96 - 2,86) | 3,22 (0,073) | 1,34 (0,76 - 2,36) | 1,03 (0,311 |
TVNS: taquicardia ventricular não sustentada; VAEi: volume do atrio esquerdo indexado; CF: classe funcional; IC: intervalo de confiança; Coef.: coeficiente.
Foi identificado aumento do risco de óbito de 2,11 (1,04 - 4,31) entre aqueles com TVNS, e de 3,51 (1,63 - 7,52) para aqueles com VAEi ≥ 72 ml/m2, ambos com p <0,05.
A probabilidade de sobrevida acumulada geral dos pacientes portadores de IC grave de etiologia chagásica, identificados neste estudo, foi de aproximadamente 11%, o que equivale a 53 óbitos durante o seguimento de 90 meses em uma população de 60 pacientes.
Os valores apresentados neste estudo são semelhantes aos registrados por Theodoropoulos et al.,18 que acompanharam 127 pacientes com IC chagásica e encontraram uma probabilidade de sobrevida acumulada de 78%, 59%, 46% e 39% em 1, 2, 3 e 4 anos de acompanhamento, respectivamente (Tabela 5).
Tabela 5 Comparação da taxa de sobrevida acumulada entre os estudos.
Tempo de Seguimento | Costa, S.A. (2016) |
Theodoropoulos, T.A. et al.18 |
Areosa, C.M.N. et al.5 |
Rassi, S. et al.19 |
---|---|---|---|---|
SA (%) | SA (%) | SA (%) | SA (%) | |
12 (1 ano) | 70 | 78 | 84,5 | 90,6 |
24 (2 anos) | 50 | 59 | 74,3 | 82,3 |
36 (3 anos) | 46 | 46 | 68,9 | 73,3 |
48 (4 anos) | 40 | 39 | 64,8 | 70,2 |
60 (5 anos) | 23 | - | 60,5 | 64,4 |
72 (6 anos) | 16 | - | - | - |
84 (7 anos) | 13 | - | - | - |
90 (7.5 anos) | 11 | - | - | - |
SA: sobrevida acumulada.
Os estudos clínicos que incluíram IC de diversas etiologias mostraram uma probabilidade um pouco melhor em longo prazo. A probabilidade de sobrevida acumulada geral relatado por Rassi et al.19 foi de 90,6%, 82,3%, 73,3%, 70,2% e 64,4% após 1, 2, 3, 4 e 5 anos de seguimento, respectivamente. Essa população era portadora de IC com início recente dos sintomas.19
A sobrevida apresentada por Areosa et al.5 em um estudo com pacientes com IC grave de diversas etiologias, encaminhados para transplante cardíaco, foi 84,5% no primeiro ano, 74,3% no segundo ano, 68,9% no terceiro ano, 64,8% no quarto ano e 60,5% no quinto ano.
Os pacientes incluídos em nossa análise estavam adequadamente medicados, tinham faixa etária, classe funcional, PAS e FEVE semelhantes aos dos outros estudos reportados (Theodoropoulos et al.,18 Rassi et al.19 e Areosa et al.5). A principal diferença para o presente estudo e o de Theodoropoulos et al.18 foi que apenas pacientes de etiologia chagásica foram avaliados, enquanto as outras coortes eram constituídas de pacientes com várias etiologias de IC (Tabela 5).
O tempo de acompanhamento foi longo (7,5 anos). Por se tratar de uma doença grave, com alto índice de mortalidade, era esperado que a taxa de sobrevida fosse realmente reduzida. Ao se comparar os valores de sobrevida apresentados por Rassi et al.19 e Areosa et al.,5 percebemos que a IC grave de etiologia chagásica apresenta uma menor taxa de sobrevida desde o primeiro ano de seguimento, caracterizando o pior prognóstico dos chagásicos. Quando comparamos com os dados de Theodoropoulos et al.,18 que recrutou apenas pacientes chagásicos, percebemos que os dados são semelhantes.
Não encontramos na literatura outro estudo com seguimento de uma população com IC por um período maior que 5 anos. Portanto, não há referência para comparar a taxa de sobrevida em 7,5 anos com o presente trabalho.
As variáveis PAS, idade, FEVE, TC6M, largura do complexo QRS e classe funcional não apresentaram significância estatística em relação ao desfecho de mortalidade.
O sódio plasmático e a creatinina apresentaram significância estatística em relação ao desfecho de mortalidade na análise univariada; no entanto, após o ajuste do modelo na análise multivariada, perderam significância.
Foi utilizado um ponto de corte de 72 ml/m2, semelhante ao determinado por Rassi et al.,19 que identificaram, através de curva ROC, 70,71 ml/m2 como o melhor valor para o ponto de corte.20
Usando esse parâmetro, o VAEi > 72 ml/m2 foi associado a um aumento significativo na mortalidade. Sujeitos com VAEi > 72 ml/m2 tiveram risco de óbito aumentado (HR = 3,51; IC 95%: 1,63 - 7,52; p<0,05). Nunes et al.6 avaliaram o valor prognóstico do VAEi numa população de 192 pacientes portadores de IC chagásica. Esse estudo identificou um aumento de 4,7% no risco de eventos cardíacos para cada incremento de 1 ml/m2 no VAEi (HR = 1,047; IC 95%: 1,035-1,059; p <0,001), apresentando-se como um poderoso preditor de resultados adversos, o que implica num pior prognóstico e risco aumentado de morte nessa população.
O VAEi, dentre 20 parâmetros ecocardiográficos estudados, mostrou ser o único preditor independente de mortalidade cardiovascular em pacientes com IC devido a cardiopatia chagásica.20,21
A contribuição do ecocardiograma, com a identificação do VAEi, adiciona informações importantes, por tratar-se de método não invasivo de ampla utilização, podendo desempenhar um papel importante para estratificação de risco, acompanhamento e tratamento da miocardiopatia dilatada chagásica.10,22
A TVNS foi uma das variáveis analisadas na regressão de Cox que apresentou valor de risco significativo (HR = 2,11; IC 95%: 1,04 - 4,31; p < 0,05). Já está bem definido na literatura que as arritmias ventriculares, como a TVNS, são extremamente frequentes na doença de Chagas. A ocorrência de episódios de TVNS relaciona-se intimamente com o grau de disfunção ventricular e suas repercussões clínicas, ocorrendo em cerca de 40% dos pacientes com IC chagásica.23
Na casuística por nós estudada, todos os pacientes apresentavam FEVE <35% e quase metade dos sujeitos (48,34%) apresentaram TVNS ao Holter de 24h. Apesar do alto índice de mortalidade nessa população, apenas 5,67% dos óbitos foram devidos a morte súbita. Esses pacientes estavam idealmente medicados com amiodarona e betabloqueador, o que talvez explique, em parte, esse fato.23
Dois estudos randomizados argentinos, GESICA e EPAMSA, que avaliaram o efeito da amiodarona em pacientes com IC, incluíram 10% e 20% de pacientes chagásicos em suas coortes, respectivamente. Sugeriram que a amiodarona seria capaz de reduzir a mortalidade total, quando administrada a pacientes com arritmias ventriculares complexas associadas à FEVE reduzida (< 35%).23 Entretanto, na época em que esses estudos foram conduzidos, não havia indicação formal para o uso de betabloqueador na IC sistólica.24
Já uma sub-análise do estudo REMADHE, que avaliou o modo de morte de pacientes com IC chagásica em comparação ao de miocardiopatia não chagásica, mostrou que a mortalidade por IC progressiva foi maior nos pacientes chagásicos e que o uso da amiodarona nesse grupo foi preditor independente de mortalidade.24
Nenhum paciente de nossa casuística tinha cardioversor-desfibrilador implantado e 18 (30%) deles possuíam marca-passo.
Esta é uma análise retrospectiva de dados coletados prospectivamente no EMRTCC e proveniente de um único centro. Apesar das limitações da análise retrospectiva, houve critérios bem definidos nos parâmetros que foram colhidos prospectivamente.
A população estudada também era muito restritiva em termos dos critérios de inclusão, como classe funcional (II e III), FEVE (≤ 35%) e creatinina (≤ 2,5mgd/l), o que limitou a expressão dessas variáveis à análise de correlação com desfechos.
Outra limitação deste estudo foi o número reduzido de pacientes em uso de betabloqueador, fato devido à pressão arterial baixa nesta população específica de pacientes, a bradicardia inerente à cardiopatia, somado ao uso de amiodarona e digitálicos.
Em pacientes portadores de IC de etiologia chagásica, com importante comprometimento da função ventricular, a presença de TVNS ao Holter e o VAEi maior do que 72 ml/m2 ao ecocardiograma, são preditores independentes de mortalidade.
O prognóstico geral desses pacientes é ruim, com uma probabilidade de sobrevida acumulada de 11% em 7,5 anos.