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Fatores relacionados à qualidade de vida de pais de crianças com deficiência auditiva

Fatores relacionados à qualidade de vida de pais de crianças com deficiência auditiva

Autores:

Cristhiene Montone Nunes Ramires,
Fátima Cristina Alves Branco-Barreiro,
Érica Toledo Piza Peluso

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.21 no.10 Rio de Janeiro out. 2016

http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152110.224720

Introdução

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a deficiência auditiva (DA) é o terceiro tipo de deficiência mais prevalente, atingindo 5,1% da população. No grupo de 0 a 15 anos de idade, 7,5% das crianças apresentam algum tipo de deficiência sendo que 1,3% dos indivíduos nesta faixa etária apresentam DA1.

A DA é definida por Costa et al.2 como um tipo de privação sensorial que se caracteriza pela reação anormal diante de estímulos sonoros. É classificada quanto ao tipo (determinado pelo local da lesão), quanto ao grau (leve, moderada, severa ou profunda) e período em que o individuo foi acometido (pré-natal, perinatal e pós-natal).

As crianças mais afetadas em seu desenvolvimento são aquelas com DA de grau severo e/ou profundo. Estas crianças, uma vez que não percebem adequadamente os estímulos auditivos, apresentam dificuldade em perceber a fala e aprender a língua oral de forma espontânea, comprometendo sua comunicação e, consequentemente, a aquisição da linguagem e o aproveitamento escolar3.

O impacto da DA da criança na família em geral e nos pais em particular pode ser intenso. No momento em que recebem o diagnóstico, ocorre a desconstrução dos sonhos idealizados, sendo frequente o aparecimento de diversas reações como negação, ódio, confusão, vulnerabilidade, inadequação e ansiedade que conduzem a reações alternadas4-6. A descoberta da DA em um filho tem um significado de perda da criança perfeita esperada, de expectativas frustradas e de futuro incerto7.

O diagnóstico de DA provoca mudanças e adaptações da família tanto internas como nas relações sociais. Uma das principais dificuldades encontradas pelos pais é a comunicação com a criança8. Outra dificuldade se refere ao convívio social restrito e ao afastamento da rede social que a família passa a ter, ausentando-se das atividades em grupo e da comunidade9.

Na literatura há estudos que abordam a QV de pais ou cuidadores de crianças com certas deficiências ou transtornos que afetam o desenvolvimento como o autismo, a síndrome de Down e a paralisia cerebral10-13, porém há pouca informação sobre pais de crianças com DA.

O presente estudo tem por finalidade avaliar a qualidade de vida dos pais de crianças com DA de grau severo e profundo e verificar os fatores associados.

Métodos

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Anhanguera de São Paulo (UNIAN-SP). Todos os participantes da pesquisa assinaram e receberam cópia do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Realizou-se um estudo quantitativo, de corte transversal. As entrevistas foram realizadas no Ambulatório de Audiologia Educacional da Disciplina dos Distúrbios da Audição e Distúrbio da Comunicação Humana do Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em setembro de 2014.

Este serviço atende crianças com DA usuárias de Implante Coclear (IC) e/ou aparelho de amplificação sonora individual (AASI), visando desenvolver a fala a partir da audição. As terapias fonoaudiológicas são realizadas uma ou duas vezes por semana, com sessões de 45 minutos. Durante a realização desta pesquisa o ambulatório atendia 28 crianças com DA.

Participaram do estudo mães e/ou pais de crianças (até 12 anos incompletos) com DA bilateral de grau severo e/ou profundo, confirmado pelo fonoaudiólogo responsável e em tratamento de reabilitação fonoaudiológica. O critério de exclusão adotado foram pais de crianças com outras deficiências associadas.

Foram utilizados quatro instrumentos, aplicados individualmente por um dos pesquisadores: questionário de dados de identificação do familiar e da criança, WHOQOL-Bref, Questionário de Saúde Geral (QSG-12) e o Questionário de Suporte Social (SSQ-6).

O questionário de identificação foi utilizado para caracterizar o perfil sociodemográfico, socioeconômico e de saúde geral dos entrevistados e obter dados sobre a criança (sociodemográficos e de saúde).

O WHOQOL- bref foi o instrumento utilizado para avaliar a QV. Trata-se de instrumento genérico de avaliação da qualidade de vida, derivado do WHOQOL-100 e desenvolvido pelo Grupo de Qualidade de Vida da Organização Mundial de Saúde (OMS). A versão em português foi traduzida e validada no Centro WHOQOL para o Brasil14.

É composto por 26 questões, sendo duas gerais (uma que aborda a autoavaliação da QV e a outra a satisfação com a saúde) e 24 questões divididas em quatro domínios: físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente. Deve ser respondido numa escala de cinco pontos e as respostas se referem a situações de duas semanas anteriores a entrevista14.

Os resultados são fornecidos em escores brutos que são convertidos em um escore de 0 a 100, sendo que quanto maior este, melhor a qualidade de vida.

O Questionário de Saúde Geral (QSG-12) foi utilizado para avaliar a morbidade psicológica. Foi desenvolvido por Goldberg15 com o objetivo de detectar doenças psiquiátricas não severas na população. O questionário original possui 60 questões e posteriormente foi desenvolvida a versão abreviada de 12 itens, adaptada e validada no Brasil por Pasquali et al.16 Cada item é respondido em termos do quanto a pessoa tem experimentado os sintomas descritos nas últimas semanas. As respostas são dadas em uma escala de 4 pontos tipo likert. A soma total varia de 12 a 48 pontos.

De acordo com o sistema dicotômico de pontuação proposto17, as respostas 1 e 2 são recodificadas como 0 (ausência de distúrbio psiquiátrico) e as respostas 3 e 4 são recodificadas como 1 (presença de distúrbio psiquiátrico) resultando numa pontuação que vai de 0 a 12 pontos, sendo que quanto maior o escore, pior a saúde mental. A pessoa que obtiver a pontuação igual ou superior a 3 apresenta sofrimento psíquico merecedor de atenção. Este ponto de corte foi adotado na presente pesquisa.

O suporte social foi avaliado por meio do Questionário de Suporte Social (SSQ-6). O SSQ original é um instrumento de 27 questões, desenvolvido por Saranson et al.18 e validado no Brasil por Matsukura et al.19. A forma reduzida do instrumento SSQ com 6 questões (SSQ-6) apresentou elevada compatibilidade com o original20 sendo utilizado em diversos estudos nacionais21.

O SSQ-6 é dividido em duas partes. Na primeira o respondente indica a quantidade de pessoas que são percebidas como fonte de suporte social diante das situações apresentadas (SSQ-N). Podem ser identificadas até oito pessoas (mãe, pai, irmã/irmão, esposo (a) ou companheiro (a), namorado (a), amigo (a), colega e outros) além das alternativas todos e nenhum. Na segunda parte (SSQ-S) o respondente indica o grau de satisfação com esse suporte percebido optando entre 1 e 6 numa escala tipo Likert, onde 1 indica muito insatisfeito e 6 muito satisfeito.

O SSQ fornece, portanto, dois escores: o primeiro, SSQ-N onde o índice N indica o número de pessoas suportivas percebidas, e o segundo SSQ-S, o índice S mostra a satisfação com esse suporte social. Para o índice S, somam-se as avaliações de cada item e divide-se por 6, que é o numero de questões (média simples). A média estará entre 1 e 6, correspondendo ao grau de satisfação com o suporte social. Para este estudo, as respostas foram agrupadas da seguinte maneira: 1 e 2 correspondem a insatisfeito, 3 e 4 neutro ( nem insatisfeito nem satisfeito) e 5 e 6 satisfeito.

A análise estatística inferencial foi feita para verificar a associação da QV com as variáveis explicativas (variáveis sociodemográficas, socioeconômicas e de saúde dos pais, variáveis sociodemográficas e clínicas da criança, suporte social e morbidade psicológica). As variáveis sóciodemograficas e clínicas categóricas foram binariamente agrupadas, enquanto que as contínuas foram agrupadas de acordo com a mediana. O teste de Kolmogorov-Smirnov identificou a normalidade das variáveis. O teste “t” de Student foi usado na análise comparativa das médias dos escores brutos dos domínios do Whoqol-bref, assim como do escore total em função das variáveis explicativas. O nível de significância adotado foi p < 0,05. O software Predictive Analytics Software (PASW, versão 18.0) foi empregado para a análise.

Resultados

A amostra foi composta por 29 pais, sendo 26 mães e 3 pais de 27 crianças com DA bilateral de grau severo e profundo. No caso de duas crianças, tanto o pai como a mãe foram entrevistados. Apenas uma das crianças que estava realizando terapia fonoaudiológica não teve os pais entrevistados, devido à criança estar em investigação de outras deficiências associadas. Não houve recusas em participar.

Os dados sociodemográficos e socioeconômicos das mães e pais estão apresentados na Tabela 1. A idade dos pais e mães variou entre 21 e 45 anos (média = 31,8 e DP = 2,1). A maior parte dos pais era católico, casado, com ensino médio completo e procedente de outros municípios de São Paulo. Além disso, grande parte dos pais possuía outros filhos. A classe econômica predominante foi a classe D e a maioria não exercia trabalho remunerado.

Tabela 1 Características sociodemográficas e socioeconômicas dos pais de crianças com deficiência auditiva de grau severo e profundo (n = 29). 

* De acordo com classificação do IBGE.

Em relação às 27 crianças com DA, 13 eram do gênero masculino (51,9%). A idade das crianças variou de 1 a 10 anos, com média etária de 5,3 anos (DP = 5,4). Das crianças em idade escolar (com 6 anos ou mais) (n = 13), 12 frequentavam a escola, enquanto entre as que tinham até 5 anos de idade (n = 14), 10 frequentavam a escola. Do total, entre as 22 crianças que frequentavam a escola, 20 (90,9%) estavam em escola regular e apenas 2 crianças (9,1%) em escola especial.

A idade da criança no momento do diagnóstico de DA variou de 0 a 4 anos, e a média foi de 1,6 anos. No momento da entrevista, os pais tinham recebido o diagnóstico de DA de 1 a 10 anos atrás, sendo que a média de tempo de conhecimento do diagnóstico foi há 3,7 anos (DP = 2,4). As crianças estavam em terapia fonoaudiológica de 6 a 108 meses, sendo que a média foi de 34,4 meses (DP = 29,3). A maior parte das terapias (74,1%) era realizada uma vez por semana.

Em relação à avaliação geral de QV do WHOQOL-bref, a maior parte dos pais (65,6%) avaliou como boa ou muito boa sua qualidade de vida, enquanto 24,1% avaliaram como nem ruim nem boa e 10,3% como ruim ou muito ruim. Em relação à satisfação com a saúde, 51,8 % estão satisfeitos ou muito satisfeitos, 34,5% estão nem satisfeitos nem insatisfeitos e 13,7% estão insatisfeitos.

As médias dos escores dos domínios de QV na população estudada, em uma escala de 0 a 100 está representada no Gráfico 1. Observa-se que o domínio mais bem avaliado é o físico, seguido pelo psicológico. O domínio meio ambiente é o que tem o menor escore.

Gráfico 1  Análise geral dos domínios do WHOQOL – bref. 

A pontuação média da amostra de pais no QSG-12 foi 28,2 pontos (DP = 7,1). Os escores variaram de 17 a 44. Considerando as respostas recodificadas, a pontuação média da amostra foi 4,3 pontos (DP = 3,4). Os escores variaram de 0 a 12 pontos. Com o ponto de corte 3, observa-se que um número elevado de pais (65,5%) apresenta sofrimento psíquico merecedor de atenção.

Os resultados obtidos em relação ao número de pessoas percebidas como suportivas (SSQ-N) indicaram média de 1,5 pessoas com quem os entrevistados relatam poder contar em diversas situações descritas no questionário. A fonte de suporte social mais frequentemente citada pelos entrevistados é o cônjuge, seguido pela mãe.

Em relação à satisfação com o suporte social recebido (SSQ-S), observou-se que 3 pais (10,4%) estão insatisfeitos, 13 (44,8%) estão nem insatisfeitos e nem satisfeitos e 13 (44,8%) estão satisfeitos com o suporte social recebido.

A Tabela 2 apresenta as associações significantes das variáveis sociodemográficas e clínicas dos pais e das crianças com DA, nos domínios da QV do WHOQOL-bref. Observou-se que ter um filho com DA do sexo masculino e estar satisfeito com o suporte social recebido, foram associados a uma melhor QV no domínio físico. Não ter problemas psicológicos e estar satisfeito com o suporte social recebido foram associados a melhor QV no domínio psicológico. No domínio relações sociais, apenas a satisfação com o suporte social foi associada a uma melhor QV. No domínio meio ambiente, uma melhor QV foi associada a estar trabalhando, pertencer à classe social B ou C e ter um filho que utiliza como dispositivo eletrônico o IC.

Tabela 2  Associações significantes (p < 0,05) das variáveis sociodemográficas e clínicas nos domínios da qualidade de vida do WHOQOL – bref assim como no escore total (média ± DP). 

Nota: AAAI = Aparelho de Amplificação Sonora Individual; QSG = Questionário de Saúde Geral; SSQ-S = Questionário de Suporte Social/ Satisfação com o suporte recebido. * p < 0,05.

Em relação ao escore total do WHOQOL-bref, estar satisfeito com o suporte social recebido foi o único fator estatisticamente significante.

Discussão

O presente estudo avaliou a qualidade de vida de 29 pais de 27 crianças com DA severa e profunda em terapia fonoaudiológica em ambulatório de um hospital universitário público na cidade de São Paulo.

Em relação aos dados sociodemográficos dos pais, houve predomínio do gênero feminino (89,7%), faixa etária de adultos jovens (51,7% até 30 anos), casados/união estável (86,3%), com ensino médio completo (65,5%) e que não exercem trabalho remunerado (55,2%).

A maior prevalência materna como informante neste estudo, acompanhando a criança em seu tratamento, está de acordo com dados encontrados na literatura, que relatam que cuidar da educação do filho com deficiência, dar suporte emocional à família e cuidar da organização da casa continuam sendo funções atribuídas à mãe e valorizadas pela família22-24.

A participação do pai como respondente desta pesquisa se mostrou pequena, o que é semelhante a outros estudos que abordam a participação do pai nos tratamentos de crianças com deficiência12,23,25,26.

Em relação ao estado civil, observou-se neste estudo um percentual maior de pais casados ou vivendo em união estável. Estudos nacionais e internacionais que abordam a questão da deficiência referem a predominância deste mesmo perfil de entrevistados23,24,26.

O presente estudo mostrou que a maioria dos entrevistados (65,5%) cursou o ensino médio, o que difere de outras pesquisas que demonstram o nível de escolaridade mais baixo entre pais de crianças com deficiência no Brasil12,26.

No que se refere aos recursos financeiros, a renda familiar referida pela maioria dos participantes deste estudo variou de dois a quatro salários mínimos, o que de acordo com o IBGE, corresponde à classe D, dado também observado em outras pesquisas similares12,23,26. Estes resultados possivelmente refletem o tipo de paciente atendido nos serviços públicos de saúde em nosso meio, onde grande parte das pesquisas é realizada.

O fato de grande parte das mães não exercer atividade remunerada neste estudo pode colaborar para a baixa renda familiar apresentada. Esses dados refletem informações encontradas na literatura, em que as mães, apesar de terem condições de participarem do mercado de trabalho por serem jovens e terem educação formal, assumem sozinhas a responsabilidade pelo tratamento da criança27.

Em relação aos dados sociodemográficos das 27 crianças com DA severa e profunda, houve um equilíbrio dos gêneros, masculino e feminino e idade média de 5,3 anos.

A maior parte das crianças estava frequentando a escola (ensino infantil ou fundamental) e, destas, houve predomínio da escola regular (90,9%). Este resultado reflete as mudanças ocorridas em relação à educação das crianças com deficiência no âmbito das políticas públicas educacionais, a chamada Educação Inclusiva.

De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Especial na Educação Básica do MEC, de 2001, a Educação Inclusiva implica em uma nova postura da escola regular, que deve propor no currículo ações que favoreçam a inclusão social e as práticas educativas diferenciadas que atendam a todos os alunos, além de preparar as escolas e capacitar os professores. Esse modelo encontra-se em implantação no Brasil e vem buscando melhorias28.

Neste estudo, a idade média das crianças no momento do diagnóstico de DA foi 1,6 anos. Esse achado difere do estudo de Pinto et al.29 que verificou que a idade média do diagnóstico em um Ambulatório de Saúde Auditiva em São Paulo foi de 5,4 anos.

Uma possibilidade para o diagnóstico precoce encontrado nesta pesquisa pode estar relacionada à implantação da Política Nacional de Saúde Auditiva30. Esta Política prevê a realização de diagnóstico e intervenção precoces, com o intuito de possibilitar um melhor prognóstico em relação ao desenvolvimento da linguagem oral. Outra possibilidade para explicar o diagnóstico precoce neste estudo é a promoção de campanhas de conscientização da população e dos profissionais de saúde sobre a importância da identificação da DA, além da maior percepção dos pais dos indicadores da ausência da audição em seus bebês31.

O tempo em que as crianças estavam em terapia fonoaudiológica variou de 6 a 108 meses, confirmando achados na literatura que afirmam que o processo terapêutico nos deficientes auditivos é um processo longo e singular32.

A satisfação com a qualidade de vida e a saúde entre os pais avaliados foi menor do que a de outros estudos com pais ou cuidadores de crianças com deficiências como a surdez e a síndrome de Down12,23.

As médias dos escores dos domínios obtidos no instrumento WHOQOL- bref apontaram que a QV dos pais está prejudicada, principalmente no domínio meio ambiente. O domínio com melhor resultado foi o físico, o que pode refletir a idade dos pais, que são jovens. Nesta faixa etária é comum que, de forma geral, a saúde física seja mais satisfatória que em indivíduos mais velhos.

Outros estudos com pais de crianças com algum tipo de deficiência que utilizaram o mesmo instrumento também verificaram que o domínio físico do WHOQOL-bref foi o menos comprometido e o domínio meio ambiente foi o mais12,23,25,33.

Porém, neste estudo, comparado aos citados, obteve-se escore mais baixo em relação ao domínio meio ambiente, o que se repete em relação aos demais domínios do WHOQOL-bref.

Em relação à morbidade psicológica avaliada pelo QSG-12, 19 pais (65,5%) apresentaram bem estar psicológico prejudicado, ou seja, apresentaram sofrimento psíquico merecedor de atenção.

Em relação ao suporte social, observou-se nesta pesquisa que poucas pessoas foram percebidas pelos pais como fonte de suporte. A pessoa mais frequentemente percebida como suportiva foi o cônjuge, o que também foi identificado em outros estudos19,21,34. Ressalta-se também que, como são pais de crianças com deficiência, podem ter menor possibilidade de manter e ampliar sua rede de amizade, por não ter tempo, oportunidade e disposição para se dedicarem às suas relações e atividades sociais. Esse achado é apoiado por estudo que aponta que mães de crianças com necessidades especiais contam com um número menor de pessoas suportivas21.

Apesar de contar com poucas pessoas para o suporte social, grande parte dos pais está satisfeita com o suporte recebido, resultado que diverge do estudo de Rezende et al.26, que indicou satisfação entre fraca e moderada do suporte social de cuidadores de crianças com síndrome de Down.

Entre os fatores associados à QV dos pais, destaca-se o suporte social percebido como satisfatório, que foi associado a todos os domínios e ao escore geral do WHOQOL-bref.

Estudos demonstram a importância do suporte social e a relação deste construto com o bem estar físico e psicológico, autoconceito e autoestima19,35,36.

Rigotto36 aponta que indivíduos que não percebem a existência de um bom suporte social apresentam características como instabilidade emocional, dificuldade para expressar sentimentos, insegurança, inibição, impulsividade e agressividade.

Segundo Chor et al.37, o suporte social está associado a comportamentos de adesão a tratamentos de saúde, senso de estabilidade e bem estar psicológico.

Alguns fatores foram associados a uma pior avaliação do domínio meio ambiente, como o fato dos pais não exercerem atividade remunerada e pertencerem à classe social D ou E. Minayo et al.38 apontam que a baixa renda e o desemprego refletem negativamente nas condições de moradia, no acesso a serviços básicos, na infraestrutura e no lazer das famílias que se encontram nesta situação, influenciando negativamente sua QV.

A morbidade psicológica foi associada a um pior resultado no domínio psicológico do WHOQOL-bref. Características da DA da criança como o tempo de diagnóstico e o tempo de terapia não mostraram relação com a QV dos pais. Esperava-se que o diagnóstico mais recente pudesse ter um impacto mais negativo na QV dos pais, e que este iria diminuir com o tempo de terapia, conforme resultados do estudo prospectivo de Burger et al.4.

Este estudo é um dos primeiros em nosso meio a abordar a QV de pais de crianças com DA e verifica os fatores associados. Os resultados podem contribuir para apontar a necessidade de intervenções direcionadas a este público. Acompanhamento e orientação psicossocial dirigidos aos pais de crianças com DA podem ser úteis na melhora da sua QV, principalmente dos aspectos psicológicos e das relações sociais. Intervenções em grupo durante o período em que as crianças estão em terapia fonoaudiológica podem permitir que estes pais tenham um espaço de escuta, suporte, orientação e reflexão além da troca de experiências com outros pais que vivem a mesma situação.

No entanto, algumas limitações do estudo necessitam ser apontadas. Devido ao desenho do estudo (corte transversal) e à ausência de grupo controle, os resultados apresentados neste estudo não permitem fazer uma relação direta da QV dos pais com a deficiência da criança. Novos estudos são necessários, com um número maior de participantes e com desenho longitudinal, acompanhando os pais desde o momento do diagnóstico de DA e durante o período em que a criança permanece em reabilitação.

Conclusões

Este estudo apontou que a QV dos pais de crianças com DA bilateral de grau severo e/ou profundo está comprometida de forma geral e de forma ainda mais intensa nos aspectos relativos ao meio ambiente.

A satisfação com o suporte social foi o principal fator associado à QV. Outro achado importante foi que há morbidade psicológica merecedora de atenção em grande parte dos pais entrevistados e que esta morbidade afeta o domínio psicológico da QV.

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