versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465
Esc. Anna Nery vol.22 no.4 Rio de Janeiro 2018 Epub 02-Jul-2018
http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2018-0046
O diabetes mellitus (DM) pode ser definido como um grupo heterogêneo de desequilíbrios metabólicos cujo denominador comum é a hiperglicemia e seus possíveis desfechos associados, principalmente, a mudanças macro e microvasculares estruturais importantes e progressivas, destacando-se como uma das principais vias condutoras a eventos cardiovasculares maiores e fatais.1
Constitui-se hoje um dos principais fatores de risco modificáveis para doenças cardíacas, agindo de maneira independente ou associado a outros fatores - tais como hipertensão arterial, dislipidemias e obesidade,1 e precisa ser alvo de ações conjuntas de prevenção por parte do governo, da sociedade, da família e do indivíduo.
A extensão da responsabilidade pelo controle de doenças crônicas ao indivíduo e à família remete, imediatamente, a termos que traduzem o papel ativo que esses atores devem desempenhar para contribuir no alcance de resultados positivos, tais como "adesão" e "autocuidado".2,3
O autocuidado no manejo do diabetes mellitus inclui adesão a uma alimentação saudável, à atividade física, ao monitoramento periódico da glicemia, à ingestão correta de medicamentos prescritos, ao cuidado adequado com os pés, além da capacidade de resolver conflitos e de lidar de forma positiva diante da presença de uma condição patológica crônica.4
Estudos nacionais5-7 e internacionais8,9 buscaram estudar esse comportamento e relacioná-los a variáveis clínicas e socioeconômicas. Porém, observam-se resultados heterogêneos que traduzem a necessidade da realização de pesquisas envolvendo este objeto de estudo em diferentes contextos sociais e clínicos.
Uma base sólida de evidências demonstra que a adesão ao autocuidado adequado no diabetes potencializa e viabiliza o sucesso terapêutico, mediando resultados satisfatórios - como a melhora do controle metabólico,10 da qualidade de vida,11 de sintomas ansiosos e depressivos,11 e a redução do risco cardiovascular,12 consolidando-se como pedra angular no manejo da doença, e como tal precisa ser estudada e promovida, de acordo com as diferenças sociais, demográficas e clínicas de cada população.
Nota-se que é necessário ampliar a identificação dos níveis de adesão às atividades de autocuidado e os fatores que influenciam o comportamento adotado. Esse diagnóstico subsidiará intervenções assertivas, e que de fato impactem positivamente nos parâmetros metabólicos do indivíduo com diabetes e, consequentemente, nas estatísticas dos perfis de morbimortalidade.
Diante do exposto, o objetivo desta investigação foi verificar as atividades de autocuidado de pacientes com diabetes mellitus tipo 2 em seguimento ambulatorial, e relacioná-las com as variáveis sociodemográficas e clínicas.
Trata-se de um estudo quantitativo, de corte transversal, desenvolvido em uma Unidade Básica de Saúde da Família (UBSF) situada em uma cidade do interior do estado de São Paulo. Na referida Unidade são realizadas, por equipe multiprofissional, diversas atividades para pessoas com hipertensão arterial e diabetes mellitus, como Grupos de Crônicos e Grupo de Educação Alimentar Adulto.
A população foi constituída por pacientes com diagnóstico de diabetes mellitus tipo 2 há pelo menos seis meses, em tratamento medicamentoso compreendendo insulina, antidiabético oral (ADO) e/ou associações, acompanhados na referida unidade, de ambos os sexos, maiores de 18 anos.
Os critérios de exclusão considerados foram: presença de complicações em estágio avançado, não conseguir comunicar-se verbalmente e não possuir condições cognitivas que possibilitassem a participação no estudo, verificadas por meio da capacidade de informar a idade ou data de nascimento, endereço residencial, dia da semana e do mês.6 As complicações consideradas em estágio avançado foram: tratamento hemodialítico, amaurose, sequelas incapacitantes de acidente vascular cerebral/insuficiência cardíaca, amputações e/ou úlcera ativa em membros inferiores, uso de cadeira de rodas e/ou maca.6
Os participantes que atenderam aos critérios de inclusão foram selecionados por meio de amostragem consecutiva e não probabilística (n=149), e a coleta de dados realizada no período de primeiro de setembro de 2016 a cinco de abril de 2017.
Os dados sociodemográficos e clínicos foram coletados por meio de um instrumento próprio, construído pelas próprias pesquisadoras, constituído pelas seguintes variáveis: sexo, cor da pele, residência, escolaridade, situação conjugal, renda, ocupação, idade, peso, altura, índice de massa corpórea (IMC), circunferência abdominal (CA), pressão arterial sistólica (PAS), pressão arterial diastólica (PAD), pressão de pulso (PP), presença de comorbidades e variáveis relacionadas ao DM.
As variáveis relacionadas ao DM incluíram tempo do diagnóstico, tempo de uso e frequência diária de aplicação de insulina e tomada de antidiabéticos orais (ADO), presença de complicações agudas (cetoacidose diabética, estado hiperosmolar hiperglicêmico, hipoglicemia) e presença de complicações crônicas (nefropatia, retinopatia, doenças macrovasculares, neuropatia). Já as variáveis laboratoriais, como valores de glicemia de jejum e de glicemia pós-prandial, foram coletadas do prontuário de saúde do paciente, considerando-se o período dos últimos 12 meses.
Previamente à coleta de dados, as duas entrevistadoras realizaram treinamento, com duração de quatro horas, para uniformização dos procedimentos envolvidos nessa etapa. Pacientes que atenderam aos critérios de inclusão foram convidados a participar do estudo e, após a obtenção da concordância, os instrumentos de coleta foram aplicados, por meio de entrevista, na UBSF em questão, com duração aproximada de 30 minutos.
Para aferição e interpretação dos valores pressóricos, utilizaram-se equipamentos com regulagem e calibração atuais, considerando as diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia.13 Utilizou-se balança analógica com régua antropométrica, para verificar peso e altura, e esfigmomanômetros do tipo aneroide, para aferição da pressão arterial. Para verificação da circunferência abdominal, foi utilizada fita inelástica de 150 centímetros.
Para a circunferência abdominal e o índice de massa corpórea, foi adotado o ponto de corte estabelecido pelas diretrizes da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica,14 que considera a CA alterada quando os valores são ≥ 94 centímetros para homens e ≥ 80 para as mulheres. O IMC foi calculado e categorizado em baixo peso (IMC < 18,5 kg/m2), eutrófico (IMC entre 18,5 e 24,9 kg/m2), sobrepeso (IMC entre 25 e 29,9 kg/m2) e obesidade grau I (IMC entre 30 a 34,9 kg/m2), grau II (IMC entre 35 e 39,9 kg/m2) e grau III (IMC > 40 kg/m2).14
As atividades de autocuidado foram obtidas por meio do Questionário de Atividades de Autocuidado com o Diabetes (QAD), versão traduzida, adaptada e validada para uso no Brasil do Summary of Diabetes Self-Care Activities Questionnaire (SDSCA),15 a partir da versão original na língua inglesa,16 apresentando boa consistência interna, sendo que a correlação interitens, medida pelo alfa de Cronbach, foi de 0,86.
O QAD é um instrumento autoadministrável, específico para avaliação das atividades de autocuidado com o diabetes, e possui 15 itens de avaliação, distribuídos em sete dimensões: "alimentação geral" (dois itens), "alimentação específica" (três itens), "atividade física" (dois itens), "monitorização da glicemia" (dois itens), "cuidado com os pés" (três itens) e "uso da medicação" (três itens, utilizados de acordo com o esquema medicamentoso). Inclui ainda a avaliação de hábitos tabágicos, que são considerados separadamente, pois estão codificados de forma diferente, com ênfase na média de cigarros consumidos por dia.6,15
Esse instrumento avalia a realização de um determinado comportamento em dias por semana, portanto, os escores de cada item podem variar de zero a sete, e maiores escores indicam melhores resultados.11 Nos itens da dimensão alimentação específica, os valores foram invertidos (se 7=0, 6=1, 5=2, 4=3, 3=4, 2=5, 1=6, 0=7 e vice-versa), como sugerido no SDSCA revisado.16 Os dados sobre o tabagismo foram classificados em fumante e não fumante e, para a análise dessa variável, foi considerada a proporção de fumantes.6,15
Vale ressaltar que os domínios "alimentação geral", "atividade física" e "monitorização da glicemia" possuem boas correlações entre os itens e, portanto, foram avaliados por um escore médio total. Os demais domínios do QAD foram avaliados de forma distinta em seus itens, devido à fraca correlação entre eles.15
Para este estudo, considerou-se comportamento de autocuidado desejável quando a média obtida foi superior a 4. A escolha desse parâmetro se justifica por corresponder às atividades de autocuidado mais desejáveis. Esse ponto de corte foi adotado também para os itens cujos valores são invertidos, e está relacionado ao número de dias da semana em que a atividade de autocuidado foi realizada.6
Os resultados foram analisados no software SPSS, versão 23.0. Foi realizado inicialmente o teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov das variáveis quantitativas. Variáveis quantitativas foram apresentadas como médias e desvio-padrão (DP), e as qualitativas ou categóricas descritas como frequências absolutas e relativas. A variável idade foi apresentada como média e desvio padrão e as categóricas descritas como frequências absolutas e relativas. Os itens das atividades de autocuidado foram apresentados como média e desvio padrão.
Procedeu-se também à análise de correlação por meio do coeficiente de Spearman entre as variáveis numéricas. Para comparar as variáveis numéricas e sem distribuição normal com variáveis categóricas e escala ordinal, foi utilizado o teste de Mann-Whitney em apenas dois grupos, Kruskal-Wallis para três grupos e ANOVA nas variáveis que apresentaram significância estatística. Em todas as análises, considerou-se o nível de significância de valores de p < 0,05 estatisticamente significantes.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, sob o Parecer n.º 1.443.522, em nove de março de 2016.
Dos 149 pacientes com mellitus tipo 2, 96 (64,4%) eram do sexo feminino, cuja média de idade de 61,25 anos ±10,90. A maioria se declarou de cor branca (n=79; 53,0%) e relatou residir em área urbana (n=143; 96,0%), ter companheiro (n=100; 67,1%), possuir renda mensal menor ou igual a dois salários mínimos (n=134; 89,9), ter até nove anos de grau de escolaridade (n=120; 80,5), ser aposentada (n=57; 38,3%) ou assalariada (n=57; 38,3%).
Em relação aos dados clínicos, 85 (57,7%) pacientes apresentaram valores de pressão arterial classificados como hipertensos e 19 (12,7%) pré-hipertensos. A média de IMC foi de 30,4 kg/m2, sendo a maioria classificada como obesos (n=70; 46,9%), seguida de sobrepeso (n=51; 34,2%). A média dos valores de CA foi de 106cm, sendo que em 129 (86,5%) pessoas essa variável apresentou-se elevada. Apenas 46 participantes da amostra estudada tinham registro de valores de glicemia de jejum no último ano em seu respectivo prontuário, sendo a média de 174,82 mg/dl. Registros de valores de glicemia pós-prandial foram encontrados em 104 prontuários, com média de 203,19 mg/dl.
A comorbidade relatada com maior frequência foi a hipertensão arterial sistêmica (n=105; 70,4%), seguida de dislipidemia (n=24; 16,1%). O tempo médio de diagnóstico foi de 10,2 anos ±7,98. Em relação aos medicamentos utilizados para o controle de diabetes, a maioria relatou uso de antidiabéticos orais (n=143; 95,9%), sendo que 74 (51,7%) referiram uso de uma classe de ADO e 69 (48,2%) associação de duas ou mais classes. Além disso, a maioria relatou frequência de tomada de ADO mais de uma vez ao dia (n=122; 85,3%), com média de 2,3 vezes ao dia. O tempo médio de uso foi de 9,4 anos. Quanto à insulina, 38 (25,5%) referiram seu uso, com tempo médio de 7,2 anos; a frequência diária de aplicação foi, em média, duas vezes ao dia. Quanto ao tabagismo, 81 (54,3%) pessoas referiram nunca ter fumado, e entre os fumantes (n=21;14,0%) a média de consumo de cigarros por dia foi de 1,95.
A Tabela 1 apresenta a média de pontuação das atividades de autocuidado em dias por semana.
Tabela 1 Avaliação dos itens do Questionário de Atividades de Autocuidado com o Diabetes (QAD). São José do Rio Preto, SP, Brasil, 2017.
Itens do QAD | Frequência (dias da semana) | Média* (DP)** | |||
---|---|---|---|---|---|
0 a 4 dias | 5 a 7 dias | ||||
n | % | n | % | ||
1. Alimentação Geral | |||||
1.1 Seguir uma dieta saudável. | 48 | 32,2 | 101 | 67,8 | 5,0 (2,2) |
1.2 Seguir a orientação alimentar dada por um profissional. | 49 | 32,8 | 100 | 67,2 | 4,9 (2,2) |
2. Alimentação Específica | |||||
2.1 Ingerir cinco ou mais porções de frutas e/ou vegetais. | 127 | 85,2 | 22 | 14,8 | 1,3 (2,4) |
2.2. Ingerir carne vermelha e/ou derivados de leite integral. | 98 | 65,7 | 51 | 34,3 | 2,8 (2,4) |
2.3. Ingerir doces. | 22 | 14,7 | 127 | 85,3 | 5,5 (1,8) |
3. Atividade Física | |||||
3.1 Realizar atividade física por, no mínimo, 30 minutos. | 123 | 82,5 | 26 | 17,5 | 1,6 (2,5) |
3.2 Realizar exercício físico específico (nadar, caminhar, e outros). | 125 | 83,8 | 24 | 16,2 | 1,5 (2,4) |
4. Monitorização da Glicemia | |||||
4.1. Avaliar o açúcar no sangue. | 127 | 85,2 | 22 | 14,8 | 1,3 (2,4) |
4.2. Avaliar o açúcar no sangue o número de vezes recomendado. | 127 | 85,2 | 22 | 14,8 | 1,3 (2,4) |
5. Cuidado com os pés | |||||
5.1. Examinar os pés. | 35 | 23,4 | 114 | 76,6 | 5,5 (2,7) |
5.2. Examinar o interior dos sapatos antes de calçá-los. | 38 | 25,5 | 111 | 74,5 | 5,3 (2,8) |
5.3. Secar os espaços interdigitais dos pés, depois de lavá-los. | 19 | 12,7 | 130 | 87,3 | 6,1 (2,0) |
6. Uso da medicação | |||||
6.1 Tomar os medicamentos como recomendado. | 5 | 3,3 | 144 | 96,7 | 6,7 (2,1) |
6.2. Tomar injeções de insulina, conforme recomendado. | 0 | 0 | 38 | 100 | 6,9 (0,3) |
6.3. Tomar o número indicado de comprimidos para diabetes. | 10 | 6,8 | 139 | 93,2 | 6,5 (1,6) |
*Média em dias por semana para as atividades de autocuidado;
**DP: desvio-padrão.
As Tabelas 2 e 3 mostram que houve relação significativa entre: cor da pele e local de residência e consumo de frutas e vegetais; renda e alimentação geral; situação conjugal e monitorização da glicemia; escolaridade, situação conjugal e cuidados com os pés; situação conjugal; e tomar número indicado de comprimidos.
Tabela 2 Análise da associação de variáveis sociodemográficas, de natureza nominal, com atividades de autocuidado do QAD. São José do Rio Preto, SP, Brasil, 2017.
Itens QAD | Alimentação Geral | Frutas ou Vegetais | Monitorização da Glicemia | |||
---|---|---|---|---|---|---|
Variáveis | Média (DP)* | p** | Média (DP) | p | Média (DP) | p |
Sexo | 0.76 | 0,15 | 0,29 | |||
Masculino | 5,0 (2,3) | 1,6 (2,5) | 1,4 (2,4) | |||
Feminino | 5,0 (2,1) | 0,9 (2,0) | 1,2 (2,4) | |||
Cor da pele | 0,96 | 0,00 | 0,34 | |||
Brancos | 4,9 (2,2) | 1,8 (2,6) | 1,0 (2,1) | |||
Não brancos | 5,0 (2,1) | 0,8 (2,0) | 1,6 (2,7) | |||
Residência | 0,47 | 0,00 | 0,66 | |||
Urbana | 5,0 (2,2) | 1,2 (2,3) | 1,3 (2,4) | |||
Rural | 5,3 (2,8) | 3,5 (1,8) | 1,5 (2,7) | |||
Escolaridade | 0,07 | 0,23 | 0,37 | |||
Analfabeto | 3,8 (3,1) | 2,1 (2,8) | 0,8 (1,7) | |||
Até 9 anos | 5,2 (2,0) | 1.3 (2,3) | 1,5 (2,5) | |||
Mais de 9 anos | 4,0 (2,2) | 0,7 (1,8) | 0,7 (1,5) | |||
Situação conjugal | ||||||
Com companheiro | 5,3 (2,0) | 0,05 | 1,5 (2,6) | 0,98 | 1,5 (2,5) | 0,04 |
Sem companheiro | 4,4 (2,5) | 1,0 (1,7) | 0,9 (2,1) | |||
Renda | 0,00 | 0,29 | 0,99 | |||
≤ 2 salários | 5,2 (2,1) | 1,2 (2,3) | 1,4 (2,5) | |||
> 2 salários | 3,2 (2,5) | 2,0 (2,8) | 0,6 (0,8) |
*Desvio-padrão;
**Significância estatística (p < 0,05);
Teste de Mann-Whitney; Estatístico Kruskal-Wallis/ANOVA.
Tabela 3 Análise da associação de variáveis sociodemográficas, de natureza nominal, com atividades de autocuidado do QAD. São José do Rio Preto, SP, Brasil, 2017.
Itens QAD | Examinar os pés | Secar os espaços entre os dedos | Tomar número indicado de comprimidos | |||
---|---|---|---|---|---|---|
Variáveis | Média (DP)* | p** | Média (DP) | p | Média (DP) | p |
Sexo | 0,52 | 0,16 | 0,84 | |||
Masculino | 5,2 (2,9) | 5,8 (2,5) | 6,6 (1,5) | |||
Feminino | 5,6 (2,9) | 6,4 (1,7) | 6,5 (1,7) | |||
Cor da pele | 0,16 | 0,87 | 0,14 | |||
Brancos | 5,2 (2,9) | 6,2 (1,9) | 6,8 (1,1) | |||
Não brancos | 5,8 (2,4) | 6,1 (2,2) | 6,2 (2,0) | |||
Residência | 0,09 | 0,97 | 0,49 | |||
Urbana | 5,5 (2,6) | 6,1 (2,1) | 6,5 (1,6) | |||
Rural | 3,5 (3,8) | 6,6 (0,8) | 6,8 (0,4) | |||
Escolaridade | 0,03 | 0,00 | 0,52 | |||
Analfabeto | 4,7 (3,1) | 6,0 (2,3) | 6,6 (1,6) | |||
Até 9 anos | 5,7 (2,6) | 6,4 (1,8) | 6,5 (1,7) | |||
Mais de 9 anos | 4,2 (2,9) | 4,0 (3,1) | 7,0 (0,0) | |||
Situação conjugal | 0,04 | 0,57 | 0,01 | |||
Com companheiro | 5,8 (2,4) | 6,2 (2,0) | 6,7 (1,3) | |||
Sem companheiro | 4,8 (3,0) | 6,0 (2,2) | 6,1 (2,1) | |||
Renda | 0,53 | 0,88 | 0,22 | |||
≤ 2 salários | 5,5 (2,7) | 6,1 (2,1) | 6,5 (1,7) | |||
> 2 salários | 5,1 (2,9) | 6,4 (1,8) | 7,0 (0,0) |
*Desvio-padrão;
**Significância estatística (p < 0,05);
Teste de Mann-Whitney; Estatístico Kruskal-Wallis/ANOVA.
As Tabelas 4 e 5 mostram correlação entre as variáveis: glicemia de jejum e alimentação geral; glicemia pós-prandial e ingestão de frutas e vegetais; glicemia pós-prandial, PAS, CA, PP e atividade física; idade e exame dos pés; monitorização da glicemia; e tempo de uso de insulina.
Tabela 4 Análise da correlação de variáveis sociodemográficas e clínicas com atividades de autocuidado do QAD. São José do Rio Preto, SP, Brasil, 2017.
Itens QAD | Alimentação Geral | Frutas e Vegetais | Carne vermelha/derivados de leite | Atividade Física | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Variáveis | r* | p** | r | p | r | p | r | p |
Idade | 0.14 | 0.74 | -0.02 | 0.80 | -0.08 | 0.29 | -0.06 | 0.44 |
Glicemia de Jejum | -0.18 | 0.02 | 0.21 | 0.00 | 0.18 | 0.02 | 0.08 | 0.30 |
Glicemia pós-prandial | 0.07 | 0.39 | -0.25 | 0.00 | -0.17 | 0.03 | -0.17 | 0.03 |
Pressão Arterial Sistólica (PAS) | 0.05 | 0.54 | -0.15 | 0.05 | 0.00 | 0.91 | -0.19 | 0.01 |
Pressão Arterial Diastólica (PAD) | 0.04 | 0.56 | 0.12 | 0.12 | 0.08 | 0.33 | -0.05 | 0.48 |
Índice de Massa Corporal (IMC) | 0.02 | 0.78 | -0.05 | 0.52 | -0.00 | 0.96 | -0.08 | 0.34 |
Circunferência Abdominal (CA) | -0.20 | 0.80 | -0.11 | 0.16 | -0.08 | 0.31 | -0.17 | 0.03 |
Pressão de Pulso (PP) | -0.00 | 0.98 | 0.27 | 0.00 | -0.06 | 0.42 | -0.22 | 0.00 |
Tempo de diagnóstico | 0.14 | 0.07 | 0.02 | 0.80 | 0.22 | 0.00 | 0.02 | 0.78 |
Tempo de uso de insulina | 0.14 | 0.07 | -0.03 | 0.64 | 0.08 | 0.29 | -0.06 | 0.42 |
Tempo de uso de ADO*** | 0.11 | 0.17 | -0.06 | 0.44 | 0.12 | 0.13 | 0.08 | 0.32 |
*O valor da estatística corresponde ao coeficiente de correlação de Spearman;
**significância estatística (p < 0,05);
***Antidiabético oral.
Tabela 5 Análise da correlação de variáveis sociodemográficas e clínicas com atividades de autocuidado do QAD. São José do Rio Preto, SP, Brasil, 2017.
Itens QAD | Monitorização da glicemia | Exame dos pés | Injeções de insulina | |||
---|---|---|---|---|---|---|
Variáveis | r* | p** | r | p | r | p |
Idade (61,25 ± 10,90) | -0.06 | 0.44 | -0.18 | 0.02 | -0.0 | 0.97 |
Glicemia de Jejum | 0.08 | 0.28 | 0.14 | 0.08 | 0.23 | 0.00 |
Glicemia pós-prandial | 0.06 | 0.45 | -0.04 | 0.59 | -0.08 | 0.32 |
Pressão Arterial Sistólica (PAS) | -0,09 | 0,06 | 0.01 | 0.86 | 0.06 | 0.44 |
Pressão Arterial Diastólica (PAD) | -0,07 | 0,39 | 0.00 | 0.92 | 0.06 | 0.41 |
Índice de Massa Corporal (IMC) | -0.04 | 0.55 | 0.08 | 0.31 | 0.13 | 0.10 |
Circunferência Abdominal (CA) | -0.12 | 0.13 | 0.04 | 0.56 | 0.09 | 0.27 |
Pressão de Pulso (PP) | -0.10 | 0.20 | 0.03 | 0.71 | 0.05 | 0.52 |
Tempo de diagnóstico | 0.05 | 0.49 | 0.09 | 0.26 | 0.05 | 0.51 |
Tempo de uso de insulina | 0.38 | 0.00 | 0.19 | 0.01 | 0.07 | 0.35 |
Tempo de uso de ADO*** | 0.01 | 0.86 | 0.11 | 0.15 | 0.19 | 0.01 |
*O valor da estatística corresponde ao coeficiente de correlação de Spearman;
**significância estatística (p < 0,05);
***Antidiabético oral.
No presente estudo, as pontuações relacionadas às atividades de autocuidado encontradas estão em consonância com os dados de uma recente pesquisa nacional, que demonstrou predomínio de comportamento favorável relacionado ao uso de medicamentos, ingestão de doces e secagem dos espaços interdigitais, e de comportamento não favorável frente à atividade física e ao monitoramento da glicemia.5
Outro estudo brasileiro, que utilizou o mesmo questionário, demonstrou achados semelhantes em relação às atividades de autocuidado apresentados neste estudo. Entretanto, os pacientes investigados relataram elevado consumo de frutas e comportamento não desejável frente às atividades relacionadas aos cuidados com os pés,6 não corroborando os dados atuais.
Ainda em cenário nacional, pesquisa conduzida com 331 pessoas com DM tipo 2 evidenciou comportamentos satisfatórios quanto ao uso de medicamentos e insatisfatórios relacionados à monitorização da glicemia. Contudo, divergindo de nossos resultados, o estudo demonstrou baixas pontuações nas atividades que incluíam cuidados com os pés.7 O estudo destacou, ainda, a relação estatisticamente significativa entre as orientações disponibilizadas pelos enfermeiros aos pacientes e o autocuidado com os pés,7 demonstrando a efetividade da promoção do autocuidado promovida por esses profissionais.
Considerando o contexto internacional, uma investigação indiana confirmou elevados escores nas atividades relacionadas ao uso de medicamentos e alimentação geral e baixos escores relacionados à atividade física e monitorização da glicemia.8 Em consonância com outros estudos anteriormente citados, demonstrou comportamento inadequado de cuidado com os pés.8
Recente estudo, que também estimou a prevalência de práticas de autocuidado entre pacientes com diabetes, concluiu que o monitoramento regular da glicemia foi a atividade com maior pontuação, em contraste com os presentes dados. Ademais, pessoas com menos de 55 anos de idade mostraram comportamento mais desejável em relação ao monitoramento da glicemia.9
Diante desse cenário, acredita-se que as menores médias encontradas na atividade de monitoramento da glicemia, demonstrada em nosso estudo, possam ser explicadas pelo fato de a presente amostra ser constituída, em sua maioria, por pessoas idosas e provavelmente, também, pelo fato de os participantes possuírem DM tipo 2, em vez de tipo 1, visto que essa atividade foi correlacionada com o tempo de uso de insulina.
Embora observem-se, claramente, comportamentos heterogêneos em relação às atividades de autocuidado, nota-se que as médias referentes ao uso da terapia medicamentosa se mostraram elevadas, tanto no atual estudo quanto na literatura consultada.5,9,17,18 Recentes pesquisas, que identificaram as atividades mais importantes para o controle de hemoglobina glicada, sugeriram que o uso correto dos medicamentos pode ser o comportamento mais importante para o controle glicêmico entre adultos com diabetes e status socioeconômico baixo,9,17 demonstrando a importância de se reafirmar esse comportamento entre pessoas com diabetes.
Podemos observar, ainda, divergência de dados entre o presente estudo e a literatura quanto às atitudes referentes à alimentação geral satisfatória.6,8,9,19 Nossos dados confirmaram associação positiva entre alimentação saudável e renda menos favorável, situação não condizente com a literatura, que aponta evidências de que o acesso a uma alimentação saudável está diretamente relacionado com as condições socioeconômicas.20 Encontrou-se, também, correlação inversa e de fraca magnitude dessa atividade com valores de glicemia de jejum, sugerindo que a adoção de uma dieta adequada pode cooperar no controle metabólico.
Recente estudo, realizado com 1.515 pessoas diabéticas, demostrou que a realização de algum tipo de controle alimentar foi mais prevalente no sexo feminino.19 Destaca-se, aqui, diante dessa evidência, que nossa amostra foi constituída em sua maioria por pessoas do sexo feminino, o que acredita-se ter influenciado nas elevadas médias encontradas em relação a essa atividade.
A presente amostra demonstrou também baixa ingestão de doces e de frutas e vegetais. Além disso, o maior consumo de frutas e vegetais foi significativamente associado à cor da pele branca e residência em áreas rurais, onde, se supõe, que o acesso a esses alimentos seja facilitado pelo cultivo agrícola próximo à residência.
Pesquisa que avaliou o perfil alimentar, antes e após a implementação de uma intervenção educativa, demonstrou que o aumento de escolhas alimentares saudáveis - tais como elevada ingestão de frutas e vegetais -, foi associado inicialmente com redução do IMC, valores menores de glicemia de jejum e de colesterol, além do aumento da atividade física.21 Confirmando a importância de uma alimentação saudável para o controle metabólico, nossos achados demonstraram correlação inversa entre glicemia pós-prandial e a ingestão desses alimentos.
Em relação ao comportamento frente à atividade física, tanto nos dados presentes quanto na literatura, encontrou-se predomínio de comportamento inadequado, o que reflete o caráter sedentário desta população.18,22 Em um estudo prospectivo publicado recentemente, que envolveu 44.828 adultos chineses, com taxas glicêmicas alteradas, observou-se uma relação inversa entre atividade física habitual e risco de desenvolver diabetes.22
Outro estudo, que analisou as relações entre a adesão às diretrizes para o tratamento do diabetes e taxas de morbimortalidade decorrentes da doença, demonstrou que o seguimento adequado às recomendações de atividade física reduziu os riscos de acidente vascular cerebral, insuficiência renal, complicações moderadas nas extremidades inferiores, amputação de membros inferiores e morte.18
Não obstante, nosso estudo demonstrou correlação inversa entre atividade física e níveis de glicemia pós-prandial, valores de PAS, valores de PP e CA, corroborando as evidências de que o comportamento satisfatório frente a essa atividade contribui direta e indiretamente com o controle metabólico e a diminuição do risco cardiovascular.
Já em relação à adesão aos cuidados com os pés, também encontraram-se divergências entre os estudos consultados e os achados atuais.6,8,19 Dados recentes demostraram que os homens apresentaram maiores déficits em comparação às mulheres no que diz respeito a práticas de prevenção do pé diabético.19 Ressalta-se aqui que a presente amostra foi predominantemente feminina, fato que pode ter contribuído para as elevadas médias relacionadas aos cuidados com os pés encontradas, sendo, portanto, comportamento favorável.
Um grande estudo brasileiro, que envolveu 1.455 pessoas, demonstrou que os fatores de risco independentes para a úlcera incluíam gênero masculino, tabagismo, classificação do pé em neuroisquêmico, presença de retinopatia e sensação vibratória ausente.23 Já os fatores de risco apontados para amputação foram, dentre outros, gênero masculino, diabetes tipo 2 e história prévia de úlcera.23 Frente ao conhecimento dessa gama de fatores de risco, fica claro o papel imprescindível de atividades de autocuidado simples, como exame diário e rotineiro dos pés e secagem de espaços interdigitais após o banho, para prevenção e detecção precoce de úlceras plantares.
Quanto à associação das variáveis clínicas e sociodemográficas, torna-se importante salientar que a condição que influenciou o maior número de atividades de autocuidado foi a situação conjugal, uma vez que a presença de companheiro se associou positivamente aos comportamentos satisfatórios frente à monitorização regular da glicemia, o exame dos pés e à terapia medicamentosa.
Em consonância com esses dados, evidências recentes demonstraram as representações positivas dos parceiros sobre o comportamento de autocuidado em pacientes com DM tipo 2, diagnosticados recentemente.24 Acredita-se que a presença de um companheiro reforce as atitudes positivas frente ao cuidado com a própria saúde, devendo ser considerada a díade paciente/companheiro no planejamento terapêutico.
As limitações deste estudo estão relacionadas ao delineamento de pesquisa transversal, que não possibilita verificar as relações de causa e efeito entre as variáveis ao longo do tempo. Identificar quais comportamentos são mais importantes para o controle de valores metabólicos entre os pacientes com diabetes seria particularmente útil para informar a política e os esforços de intervenção para este grupo de alto risco. Além disso, o tipo de amostragem não probabilística também se configura como uma limitação importante.
Das 15 atividades de autocuidado avaliadas, a que obteve maior média corresponde ao uso da terapia medicamentosa, e as menores foram para o consumo de frutas e vegetais, monitorização da glicemia e atividade física. Houve relação significativa entre cor da pele, local de residência e consumo de frutas e vegetais; renda e alimentação geral; situação conjugal e monitorização da glicemia; escolaridade, situação conjugal e cuidados com os pés; situação conjugal e tomar número indicado de comprimidos. Encontrou-se, também, correlação entre glicemia pós-prandial e ingestão de frutas e vegetais; glicemia pós-prandial, PAS, CA, PP e atividade física; glicemia de jejum e alimentação geral; idade e exame dos pés; monitorização da glicemia e tempo de uso de insulina.
Os resultados desta investigação contribuem para fortalecer a linha de cuidado em doenças crônicas e auxiliam na ênfase ao autocuidado apoiado. Os enfermeiros precisam desenvolver e incorporar competências no conhecimento sobre autocuidado e defender a sua integração formal na prestação de cuidados de saúde.