versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.22 no.11 Rio de Janeiro nov. 2017
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320172211.28482015
O aleitamento materno exclusivo até os seis meses é recomendado como prática alimentar ideal para a saúde e o desenvolvimento infantil1,2. O leite materno possui todos os nutrientes necessários à criança nesse período, além de contribuir para o fortalecimento do sistema imunológico, diminuir o risco de mortalidade infantil e trazer benefícios motores e cognitivos3. Crianças não amamentadas possuem maior risco de inadequação de micronutrientes, pois tendem a ter piores práticas alimentares4.
De acordo com a II Pesquisa Nacional de Prevalência do Aleitamento Materno nas Capitais Brasileiras e Distrito Federal, a introdução de outros tipos de leite na alimentação de menores de seis meses é precoce, com prevalência de 18% no primeiro mês e 48,8% entre o quarto e sexto mês5. Essa introdução pode aumentar a morbimortalidade infantil, devido à menor ingestão dos fatores de proteção presentes no leite materno e maior risco de contaminações6. Por isso, apenas em situações de absoluta impossibilidade da realização do aleitamento materno recomenda-se a introdução de fórmulas infantis como substituto do leite materno na alimentação de crianças menores de um ano7.
O baixo nível socioeconômico das famílias, a baixa escolaridade e a idade materna, o retorno da mãe ao trabalho e o uso de chupeta são alguns dos fatores associados à introdução precoce de outros tipos de leite e demais alimentos, descritos na literatura8,9. Existem diversos estudos dedicados a avaliar os fatores associados à interrupção do aleitamento materno exclusivo (AME), entretanto, poucos têm verificado os fatores relacionados ao consumo de leite de vaca e fórmulas lácteas para lactentes, principais substitutos do leite materno nos primeiros seis meses de vida10,11.
O tipo de leite consumido pela criança tem reflexos no ganho de peso e em outros aspectos da saúde infantil12. O consumo de fórmulas lácteas é apontado em alguns estudos como um fator que predispõe ao excesso de peso, devido ao maior conteúdo de proteína em sua composição, em comparação ao leite materno13–15. O leite de vaca, por sua vez, além de possuir elevado conteúdo de proteína e energia, apresenta insuficiente quantidade de ácidos graxos essenciais, vitaminas e minerais para essa faixa etária. Seu consumo também tem sido associado ao desenvolvimento de atopia, excesso de peso, anemia e microhemorragias intestinais em menores de um ano16–18.
Portanto, torna-se relevante a investigação de fatores associados aos leites ingeridos pelas crianças desde fases precoces, como no primeiro semestre de vida, a fim de identificar os fatores de risco à alimentação adequada nesse período. Nesse sentido, o presente estudo tem como objetivo avaliar os fatores associados ao consumo de leite materno, leite de vaca e fórmulas lácteas em crianças acompanhadas no 1°, 4° e 6° mês de vida.
Estudo de coorte originado ao nascer com acompanhamento de crianças no 1°, 4° e 6° mês de vida, no município de Viçosa-MG. O município está localizado na Zona da Mata Mineira, a 227 km da capital Belo Horizonte, com uma área de 299.418 km e população estimada em 76.745 residentes no ano de 201419.
Realizou-se um estudo piloto na Policlínica Municipal de Viçosa, com todos os integrantes da equipe, a fim de testar a aplicação do questionário semiestruturado. Avaliaram-se crianças de mesma faixa etária e com características similares às do presente estudo, as quais não foram incluídas na análise.
O convite para ingressar no estudo foi realizado entre outubro de 2011 e outubro de 2012, no único hospital da cidade que realizava partos. As gestantes foram contatadas no hospital por um membro da equipe, durante a internação para o parto. Nesta ocasião ocorreu o convite para participar da pesquisa e o agendamento das próximas consultas com as mães que aceitaram participar.
Foram incluídas no estudo crianças que residiam em Viçosa-MG, nascidas no único hospital-maternidade da cidade, que não possuíam má-formação congênita ou síndromes; e que não eram de gestações múltiplas. A criança estar internada em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal foi considerado critério de exclusão. Especificamente para este manuscrito, a prematuridade também foi adotada como critério de exclusão. Houveram perdas por alta hospitalar precoce ou recusa e também por mães que no hospital aceitaram participar do estudo, mas que não compareceram à primeira consulta.
Optou-se por trabalhar com o 1°, 4° e 6° mês, a fim de se observar os fatores associados aos desfechos precocemente (no 1° mês); no 4° e 6° mês, pois são momentos cruciais para o desmame visto o retorno das mães ao trabalho; e, no caso do 6° mês, por também ser a idade limite da recomendação do aleitamento materno exclusivo.
Calculou-se o poder do estudo, uma vez que não obteve-se um tamanho amostral inicialmente. Para tanto, utilizou-se o programa OpenEpi (Dean AG, Sullivan KM, Soe MM. OpenEpi: Open Source Epidemiologic Statistics for Public Health, http://www.OpenEpi.com). Considerando-se um intervalo de confiança de 95% e as estimativas de risco para a variável uso de chupeta e leite materno, fórmula láctea e leite de vaca, obteve-se um poder de 99% para o estudo dos fatores associados ao consumo de leite materno, 94% para fórmula lácteas e de 79% para o leite de vaca.
A primeira entrevista com as mães foi realizada no primeiro mês de vida, na ocasião da vacinação, na Policlínica Municipal de Viçosa, local de referência para a imunização infantil da cidade. As entrevistas seguintes foram realizadas no 4° e 6° mês. As informações sobre os tipos de leite consumidos pelas crianças, as variáveis socioeconômicas, as relacionadas à criança e à mãe foram obtidas através de questionários semiestruturados.
Para o leite de vaca e as fórmulas lácteas contabilizou-se o consumo independentemente da ingestão de leite materno, considerando-se, portanto, a introdução desses tipos de leite na alimentação infantil. Para o leite materno, avaliou-se apenas o seu consumo de forma exclusiva ou predominante (quando além do leite materno, são consumidos líquidos como água e chás)20.
As variáveis socioeconômicas foram a renda familiar, idade materna, escolaridade materna, escolaridade do chefe de família e trabalho materno. A idade da mãe foi categorizada utilizando-se o ponto de corte de 19 anos completos, para definir mães adolescentes e adultas21. O chefe de família foi aquele que possuía maior renda no domicílio.
O peso ao nascer foi obtido no cartão da criança no momento da primeira avaliação. O peso ao nascer foi categorizado em baixo (< 2500g) e não baixo22. O uso de chupeta também foi investigado, sendo reportado pela mãe em todos os meses de acompanhamento. Analisou-se o número de consultas pré-natal como variável relacionada à mãe, sendo inadequado menos de seis consultas23.
Todas as crianças envolvidas no estudo tiveram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado pela mãe ou responsável. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Viçosa e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais.
As análises estatísticas foram realizadas no software Stata 12.0. Comparou-se a distribuição das perdas de acordo com os tipos de leite consumidos, as variáveis socioeconômicas e de nascimento, número de consultas pré-natal e uso de chupeta. No início do seguimento nenhuma mãe estava trabalhando, por isso não foi possível comparar a distribuição da variável trabalho materno entre acompanhados e não acompanhados. Então, utilizou-se a variável trabalho durante a gestação como uma proxy do trabalho materno, pois acredita-se que grande parte das mães que trabalharam durante a gestação, voltaram a trabalhar até os seis meses de vida da criança. Para verificar as diferenças entre as características das crianças acompanhadas e não acompanhadas empregou-se o teste qui-quadrado de Pearson.
A análise de regressão foi realizada para avaliar os fatores relacionados aos tipos de leite consumidos pelas criança. Os consumos de leite de vaca, fórmulas lácteas e leite materno foram considerados variáveis dependentes. As categorias de referência foram codificadas em 0 e as de risco em 1. O consumo de leite de vaca e fórmulas lácteas, e o não consumo de leite materno de forma exclusiva ou predominante foram definidos como situações de risco. A Regressão de Poisson com variância robusta foi utilizada para calcular o risco relativo e intervalos de 95% de confiança (IC95%).
Inicialmente, realizou-se a análise de regressão bivariada e as variáveis independentes que apresentaram valor de p < 0,20 foram incluídas na análise multivariada. Para todas as análises considerou-se p < 0,05 como nível de significância.
No início do estudo foram acompanhadas 460 crianças do município, entretanto, para esse manuscrito foram selecionadas 247 sem prematuridade e que possuíam todos os registros das variáveis de interesse no 1°, 4° e 6° mês. Ao longo do estudo, apesar dos esforços realizados pela equipe para o comparecimento das mães, tais como ligações relembrando o acompanhamento mensal, 204 mães não participaram do seguimento em todos os meses. Do 1° para o 4°, 124 mães não compareceram e do 4° para o 6°, 80 mães faltaram (Figura 1). Portanto, houve uma perda de 46,3% ao longo do acompanhamento.
Figura 1 Fluxograma da amostra do estudo, Viçosa, Minas Gerais, 2011-2012.* Informação obtida junto à diretoria do hospital São Sebastião (único hospital que realiza parto na cidade), referente ao número de nascidos vivos no período de outubro de 2011 a outubro de 2012. ** Outros 20 prematuros que integravam a amostra inicial não compareceram às etapas anteriores ao 6° mês. UTIN = Unidade de terapia intensiva neonatal.
A fim de verificar a existência de diferenças entre as crianças acompanhadas e não acompanhadas, elas foram comparadas quanto a suas características sociodemográficas, de nascimento, número de consultas pré-natal e uso de chupeta. Não foi observada presença de viés de seleção devido a perdas diferenciais.
O Gráfico 1 apresenta a evolução do consumo de leite materno, fórmulas lácteas e leite de vaca entre as crianças acompanhadas. Ao longo dos meses observou-se a redução do consumo de leite materno de forma exclusiva ou predominante. Destaca-se que já no primeiro mês, quase ¼ das crianças não se encontrava mais em aleitamento materno exclusivo ou predominante. Em contrapartida, o consumo de leite de vaca apresentou comportamento ascendente, assim como o de fórmulas lácteas. Essa evolução demonstrou a diminuição do consumo de leite materno de forma exclusiva ou predominante ao longo dos meses, e a adoção do leite de vaca como principal substituto na alimentação dessas crianças.
Gráfico 1 Evolução do consumo de leite materno, fórmula infantil e leite de vaca entre crianças no 1°, 4° e 6° mês de vida, Viçosa-MG, 2011-2012.* No 1° mês os percentuais não somam 100%, porque 2 crianças consumiam leite de vaca e fórmula infantil concomitantemente. O mesmo ocorre no 6° mês com 14 crianças. ** Todos os valores apresentados estão em percentual.
Observou-se que no 1° mês de vida, crianças que usavam chupeta tiveram 1,90 vez mais risco (IC95% 1,19-3,04) de não consumir de leite materno de forma exclusiva ou predominante (Tabela 1). No 4° mês, filhos de mães que trabalhavam apresentaram 1,73 vez mais risco de não consumir leite materno de forma exclusiva ou predominante (IC95% 1,33-2,24) e em crianças que usavam chupeta esse risco foi 1,77 vez maior (IC95% 1,34-2,35) (Tabela 1). Finalmente, no 6° mês, crianças cujas mães trabalhavam apresentaram 1,70 vez mais risco de não ingerir leite materno de forma exclusiva ou predominante (IC95% 1,36-2,13), e as que usavam chupeta, 1,42 vez mais risco (IC95% 1,15-1,75) (Tabela 1).
Tabela 1 Risco relativo bruto e ajustado dos fatores associados ao consumo de leite materno de forma exclusiva ou predominante de crianças no 1°, 4° e 6° mês de vida, Viçosa-MG, 2011-2012.
1° MÊS | 4° MÊS | 6° MÊS | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Variáveis | RR bruto | RR ajustado | RR bruto | RR ajustado | RR bruto | RR ajustado | |
(IC 95%) | (IC 95%) | (IC 95%) | (IC 95%) | (IC 95%) | (IC 95%) | ||
Renda Familiara | c | c | |||||
> p75 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |||
≤ p75 | 0,94(0,56-1,57) | 0,92(0,67-1,27) | 0,78(0,63-0,98)b | 0,93(0,75-1,16) | |||
Idade materna | c | c | |||||
> 19 anos | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |||
≤ 19 anos | 0,87(0,46-1,64) | 0,77(0,50-1,20) | 0,78(0,56-1,10) | 0,90(0,65-1,24) | |||
Escolaridade da | c | c | |||||
mãe | |||||||
> 8 anos | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |||
≤ 8 anos | 0,79(0,48-1,31) | 0,92(0,68-1,25) | 0,78(0,60-0,99)b | 0,89(0,68-1,16) | |||
Escolaridade do | c | c | |||||
chefe de família | |||||||
> 8 anos | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |||
≤ 8 anos | 1,40(0,88-2,21) | 1,33(0,84-2,09) | 1,15(0,86-1,53) | 1,10(0,88-1,36) | |||
Trabalho | c | ||||||
materno | |||||||
Não | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | d | 1,71(1,31-2,24)b | 1,73(1,33-2,24)b | 1,82(1,47-2,25)b | 1,70(1,36-2,13)b | ||
Peso ao nascer | c | c | c | ||||
Não baixo | 1,00 | 1,00 | 1,00 | ||||
Baixo | 1,22(0,37-4,05) | 0,98(0,41-2,35) | 1,26(0,77-2,03) | ||||
Consultas pré- | c | ||||||
natal | |||||||
≥ 6 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | ||
< 6 | 0,91(0,47-1,75) | 1,46(1,07-2,00)b | 1,29(0,96-1,74) | 1,22(0,94-1,57) | 1,24(0,95-1,62) | ||
Uso de chupeta | |||||||
Não | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |
Sim | 1,92(1,20-3,07)b | 1,90(1,19-3,04)b | 1,79(1,34-2,39)b | 1,77(1,34-2,35)b | 1,53(1,23-1,90)b | 1,42(1,15-1,75)b |
RR: Risco Relativo; IC: intervalo de confiança;
aRenda familiar p75= R$ 1700,00;
bp < 0,05;
cVariáveis não incluídas no modelo multivariado.
dO RR não foi calculado, pois a variável apresentava alguma categoria sem observações.
Os resultados da análise de regressão dos fatores associados ao consumo de fórmulas lácteas no 1° mês, apresentados na Tabela 2, mostram que apenas o uso de chupeta associou-se ao maior consumo de fórmulas lácteas, permanecendo significante após a realização da análise ajustada. Em crianças que usavam chupeta o risco de consumir fórmulas lácteas foi 1,81 vez maior que naquelas que não usavam (IC95% 1,11-2,95) (Tabela 2).
Tabela 2 Risco relativo bruto e ajustado dos fatores associados ao consumo de fórmulas lácteas de crianças no 1°, 4° e 6° mês de vida, Viçosa-MG, 2011-2012.
1° MÊS | 4° MÊS | 6° MÊS | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Variáveis | RR bruto | RR ajustado | RR bruto | RR ajustado | RR bruto | RR ajustado | |
(IC 95%) | (IC 95%) | (IC 95%) | (IC 95%) | (IC 95%) | (IC 95%) | ||
Renda Familiara | c | ||||||
> p75 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | ||
≤ p75 | 0,85(0,50-1,43) | 0,64(0,44-0,93)b | 0,76(0,51-1,13) | 0,42(0,29-0,59)b | 0,55(0,38-0,80)b | ||
Idade materna | c | ||||||
> 19 anos | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | ||
≤ 19 anos | 0,83(0,42-1,62) | 0,55(0,28-1,05) | 0,64(0,32-1,29) | 0,47(0,23-0,96)b | 0,61(0,29-1,28) | ||
Escolaridade da | |||||||
mãe | |||||||
> 8 anos | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |
≤ 8 anos | 0,67(0,38-1,16) | 0,69(0,40-1,20) | 0,62(0,40-0,97)b | 0,77(0,47-1,26) | 0,38(0,23-0,67)b | 0,58(0,32-1,04) | |
Escolaridade do | c | c | |||||
chefe de família | |||||||
> 8 anos | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |||
≤ 8 anos | 1,23(0,76-1,97) | 0,88(0,60-1,27) | 0,75(0,51-1,09) | 1,05(0,71-1,54) | |||
Trabalho materno | c | ||||||
Não | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | d | 1,75(1,22-2,52)b | 1,63(1,14-2,35)b | 1,91(1,32-2,77)b | 1,37(0,94-2,02) | ||
Peso ao nascer | c | c | |||||
Não baixo | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |||
Baixo | 0,65(0,10-4,05) | 0,91(0,28-2,99) | 1,87(0,96-3,66) | 1,30(0,72-2,33) | |||
Consultas pré- | c | c | c | ||||
natal | |||||||
≥ 6 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | ||||
< 6 | 0,58(0,25-1,36) | 1,15(0,71-1,86) | 1,04(0,63-1,73) | ||||
Uso de chupeta | |||||||
Não | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |
Sim | 1,84(1,13-3,00)b | 1,81(1,11-2,95)b | 1,83(1,25-2,66)b | 1,72(1,18-2,51)b | 1,48(1,02-2,15)b | 1,44(1,01-2,06)b |
RR: Risco Relativo; IC: intervalo de confiança;
aRenda familiar p75= R$ 1700,00;
bp < 0,05;
cVariáveis não incluídas no modelo multivariado.
dO RR não foi calculado, pois a variável apresentava alguma categoria sem observações.
No 4° mês, na análise ajustada permaneceram significantes o trabalho materno e o uso de chupeta, sendo o risco do consumo de fórmulas lácteas 1,63 vez maior em crianças cujas mães trabalhavam (IC95% 1,14-2,35) e 1,72 vez maior em crianças que usavam chupeta (IC95% 1,18-2,51) (Tabela 2).
No 6° mês, a menor renda familiar foi inversamente associada ao consumo de fórmulas lácteas e o uso de chupeta diretamente. Na análise ajustada observou-se que crianças com menor renda familiar tiveram 45% menos risco de consumir fórmulas lácteas (IC95% 0,38-0,80), enquanto aquelas que usavam chupeta tiveram 1,44 vez mais risco de consumir fórmula (IC95% 1,01-2,06) (Tabela 2).
Observa-se na Tabela 3 os resultados da análise dos fatores associados ao consumo de leite de vaca em crianças no 1°, 4° e 6° mês de vida. No 1° mês o consumo de leite de vaca associou-se ao baixo peso ao nascer e ao número de consultas pré-natal, na análise multivariada. Crianças nascidas de baixo peso e as filhas de mães que fizeram menos que 6 consultas durante o pré-natal tiveram maior risco de consumir leite de vaca.
Tabela 3 Risco relativo bruto e ajustado dos fatores associados ao consumo de leite de vaca de crianças no 1°, 4° e 6° mês de vida, Viçosa-MG, 2011-2012.
1° MÊS | 4° MÊS | 6° MÊS | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Variáveis | RR bruto | RR ajustado | RR bruto | RR ajustado | RR bruto | RR ajustado | |
(IC 95%) | (IC 95%) | (IC 95%) | (IC 95%) | (IC 95%) | (IC 95%) | ||
Renda Familiara | c | ||||||
> p75 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | ||
≤ p75 | d | 4,66(1,14-19,05)b | 3,22(0,81-12,79) | 3,05(1,48-6,31)b | 2,80(1,37-5,73)b | ||
Idade materna | c | c | c | ||||
> 19 anos | 1,00 | 1,00 | 1,00 | ||||
≤ 19 anos | 0,95(0,11-7,95) | 1,43(0,66-3,14) | 1,22(0,77-1,94) | ||||
Escolaridade da | c | c | |||||
mãe | |||||||
> 8 anos | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |||
≤ 8 anos | 1,91(0,39-9,27) | 2,48(1,26-4,86)b | 1,78(0,88-3,59) | 1,25(0,85-1,84) | |||
Escolaridade do | c | ||||||
chefe de família | |||||||
> 8 anos | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | ||
≤ 8 anos | 2,12(0,39-11,38) | 2,45(1,17-5,14)b | 2,09(0,90-4,88) | 1,69(1,13-2,52)b | 1,47(0,99-2,18) | ||
Trabalho materno | c | ||||||
Não | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | d | 2,16(1,11-4,22)b | 2,18(1,13-4,18)b | 1,64(1,12-2,40)b | 2,15(1,49-3,09)b | ||
Peso ao nascer | c | c | |||||
Não baixo | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |||
Baixo | 6,86(0,91-51,45) | 4,10(1,18-14,30)b | 1,18(0,19-7,49) | 0,47(0,76-2,95) | |||
Consultas pré- | |||||||
natal | |||||||
≥ 6 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |
< 6 | 11,35(2,15-60,00)b | 9,70(1,80-52,08)b | 2,82(1,44-5,55)b | 2,10(1,07-4,13)b | 1,85(1,23-2,76)b | 1,60(1,08-2,38)b | |
Uso de chupeta | |||||||
Não | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |
Sim | 6,03(0,71-51,13) | 6,31(0,74-54,15) | 1,95(0,98-3,87) | 2,26(1,18-4,29)b | 1,68(1,15-2,48)b | 1,82(1,25-2,64)b |
RR: Risco Relativo; IC: intervalo de confiança;
aRenda familiar p75= R$ 1700,00;
bp<0,05;
cVariáveis não incluídas no modelo multivariado.
dO RR não foi calculado, pois a variável apresentava alguma categoria sem observações.
No 4° mês, na análise ajustada permaneceram significantes o trabalho materno, com maior risco da criança consumir leite de vaca quando a mãe trabalhava (RR = 2,18; IC95% 1,13-4,18). Filhos de mães que fizeram menos que 6 consultas pré-natais (RR = 2,10; IC95% 1,07-4,13) e crianças que usavam chupeta também tiveram maior risco de consumir leite de vaca (RR = 2,26; IC95% 1,18-4,29) (Tabela 3).
No 6° mês, os resultados da análise ajustada mostraram que o risco de consumir leite de vaca é maior em crianças de famílias com menor renda (RR = 2,80; IC95% 1,37-5,73), filhos de mães que estavam trabalhando (RR = 2,15; IC95% 1,49-3,09), que haviam realizado menos de seis consultas durante o pré-natal (RR = 1,60; IC95% 1,08-2,38) e em crianças que usavam chupeta (RR = 1,82; IC95% 1,25-2,64) (Tabela 3).
O presente estudo investigou os fatores associados ao consumo de leite materno, de fórmulas lácteas e leite de vaca de crianças de uma coorte de nascimento acompanhadas no 1°, 4° e 6° mês de vida.
A evolução do consumo dos leites e fórmula, analisados neste estudo, identificou a diminuição do consumo de leite materno de forma exclusiva ou predominante e o aumento da ingestão de leite de vaca ao longo dos meses de acompanhamento. Esses resultados revelam a adoção do leite de vaca como o principal substituto do leite materno na alimentação dessas crianças ao longo do tempo. No estudo de Bortolini et al.17, a prevalência de consumo de leite de vaca em crianças menores de seis meses foi de 62,4%, portanto, maior que a observada neste trabalho. Entretanto, semelhantemente, os autores encontraram o leite de vaca como o principal substituto do leite materno. Esses achados indicam uma grave inadequação nas práticas alimentares dessas crianças, uma vez que o consumo de leite de vaca não é recomendado antes do primeiro ano de vida24.
O uso de chupeta foi o fator de risco que mais se associou ao não consumo de leite materno de forma exclusiva ou predominante, ao consumo de fórmulas lácteas e de leite de vaca. Em segundo lugar, destaca-se o trabalho materno no quarto e sexto mês, coincidindo com o momento em que geralmente encerra-se a licença maternidade e as mães devem retornar ao trabalho, reduzindo seu contato com o bebê.
O uso de chupeta mostrou-se fator de risco para a ausência de aleitamento materno exclusivo ou predominante e para o consumo de leite de vaca e fórmulas lácteas em todos os meses, exceto no primeiro mês para crianças que consumiam leite de vaca e no sexto mês para as que consumiam fórmula láctea. Esses resultados se somam aos de diversos estudos que vêm apontando para a associação negativa entre o uso de chupeta e o aleitamento materno exclusivo25–28. Acredita-se que crianças que usam chupeta posicionam a língua incorretamente no seio materno no momento da amamentação. Por isso, não conseguem retirar o leite e acabam rejeitando-o, o que favorece a interrupção do aleitamento materno exclusivo, pois a mãe tende a usar outros tipos de leite para satisfazer a criança29. Além disso, as mães oferecem o leite materno com menor frequência para crianças que usam chupeta, o que contribui para a redução da produção de leite, resultando na necessidade de complementação com outros leites ou alimentos30.
Entretanto, a relação entre o uso de chupeta e aleitamento materno é controversa, uma vez que existem estudos que não encontraram associação ou relação causal entre eles31,32. Há também autores que reconhecem a associação do uso de chupeta com o desmame precoce, todavia não como um fator causal, mas como um marcador de ansiedade das mães e dificuldades com a amamentação32,33.
Nas análises ajustadas, o trabalho materno foi fator de risco para o não consumo de leite materno de forma exclusiva ou predominante no 4° e 6° mês, para o consumo de fórmulas lácteas no 4° mês e de leite de vaca no 4° e 6° mês. O trabalho materno é fator de risco para a interrupção do aleitamento materno exclusivo e, consequentemente, para a introdução de outros tipos de leite, favorecida pela diminuição do contato entre a mãe e o bebê6,11. A Lei n° 11.770/08 garante a licença maternidade por 180 dias para servidoras públicas federais, entretanto, funcionárias de algumas empresas privadas, empregadas domésticas, trabalhadoras da lavoura, autônomas e mulheres empregadas informalmente, ainda não estão resguardadas por esta lei34,35. A não garantia da licença maternidade pelo período adequado é forte determinante da interrupção do AME antes dos seis meses26. Portanto, melhorias no arcabouço jurídico para assegurar a licença maternidade por tempo oportuno a todas as mães, podem ter reflexos positivos no aleitamento materno e possivelmente diminuir a introdução de outros leites precocemente.
O menor número de consultas durante o pré-natal permaneceu na análise ajustada como fator de risco para o consumo de leite de vaca no 1°, 4° e 6° mês. Esse resultado, possivelmente, devese ao menor acesso das mães a informações sobre práticas alimentares adequadas. As consultas realizadas durante o pré-natal são importante ferramenta de educação em saúde para o grupo materno-infantil. Além disso, se configura como um espaço útil para o incentivo ao aleitamento materno exclusivo até os seis meses, especialmente no âmbito das unidades básicas de saúde, onde é comum existirem atividades com grupos de gestantes34,36.
A menor renda foi fator de risco para o consumo de leite de vaca no 6° mês. A introdução precoce do leite de vaca também tem sido associada à menor renda em outros estudos10,37. Crianças pertencentes a famílias de menor renda tendem a adotar o leite de vaca como substituto do leite materno, provavelmente, devido ao maior custo das fórmulas infantis. Essa hipótese é corroborada pelo fato de no presente estudo a menor renda familiar ter sido inversamente associada ao consumo de fórmulas lácteas no 6° mês. Em um estudo comparativo dos custos com a alimentação do bebê, os gastos com a compra de fórmulas lácteas representaram em média 35% do salário mínimo, enquanto, a compra do leite de vaca cerca de 11%38. Ademais, vale destacar que apesar de o leite materno ter custo zero para a mãe, no momento do retorno ao trabalho torna-se difícil a manutenção da amamentação, o que lhes faz recorrer a outros tipos de leite. Provavelmente, entre as mães de mais baixa renda o leite de vaca torna-se a primeira opção por ser mais barato.
A introdução precoce de leite de vaca aumenta a vulnerabilidade ao desenvolvimento de obesidade e outras doenças crônicas na infância, pois pode promover maior ganho de peso e adiposidade39. Ademais, existem evidências de que o consumo de leite de vaca antes do primeiro ano de vida está associado ao desenvolvimento de anemia ferropriva, devido à sua menor biodisponibilidade de ferro em comparação ao leite materno, além de poder causar microhemorragias intestinais, agravando quadros dessa deficiência40. O leite de vaca é também um alimento muito alergênico, devido à grande quantidade de proteínas em sua composição, podendo causar atopia quando consumido precocemente17.
O baixo peso ao nascer foi associado ao consumo de leite de vaca no primeiro mês de vida. Acredita-se que bebês nascidos de baixo peso têm menor capacidade de sucção, o que representaria estímulo reduzido para a produção adequada de leite, aumentando o risco da interrupção do AME e, consequentemente, a introdução de outros tipos de leite41–43. Chaves et al.30 acreditam que outro fator associado ao maior risco de interrupção do AME em crianças de baixo peso é a crença de alguns profissionais de saúde de que esses bebês seriam beneficiados pelo o ganho ponderal mais acelerado, estimulando para isso o consumo de leite de vaca, farinhas e açúcar.
Uma limitação do presente estudo foram as perdas ocorridas ao longo do acompanhamento, reduzindo o número de crianças analisadas. Entretanto, a fim de verificar o impacto dessas perdas e a possibilidade de viés de seleção, foi realizada a comparação entre as características das crianças acompanhadas e das não acompanhadas. Essa análise demonstrou não existirem diferenças significativas nas características das crianças não seguidas e das que integraram a amostra deste estudo.
Destaca-se a relevância deste trabalho, especialmente no estudo dos fatores associados ao consumo de leite de vaca e fórmulas lácteas, ainda pouco documentado na faixa etária estudada. Ademais, trata-se de um estudo de coorte, em que é possível verificar a evolução dos tipos de leite consumidos pelas crianças e a substituição do leite materno.
Desde o primeiro mês o percentual de introdução de outros tipos de leite já se apresenta elevado na amostra, revelando que ainda há muito a se percorrer para a garantia do aleitamento materno exclusivo até os seis meses. Os principais fatores associados aos tipos de leite consumidos pelas crianças foram o uso de chupeta e o trabalho materno.
Os resultados deste estudo permitem a identificação de crianças com risco para a introdução de outros tipos de leite e consequente interrupção do aleitamento materno. Ademais geram subsídios para a realização de ações educativas que devem ser implementadas desde a fase pré-natal, a fim de orientar as mães sobre as melhores práticas de amamentação.